Fonte: Portal Catarina: Biblioteca Digital da Literatura Catarinense

LITERATURA BRASILEIRA

Textos literários em meio eletrônico

Alcova e Salomão, Humberto de Campos


Edição de base:

Biblioteca Virtual Brasileira

ÍNDICE

Primeira Parte

Segunda Parte

Primeira Parte

Filhos Legítimos

(Anedotas Históricas)

Para que trocar?

A duquesa de Beaufort era de uma beleza tão impressionante, que, ao vê-la, Henrique IV resolveu desposá-la sem demora. Para isso, chamou Sancí, e disse-lhe:

— Ficais nomeado embaixador em Roma. Ide para ali, e fazei com que o Papa anule o meu casamento com a rainha Margarida. Eu casarei, logo depois, com a duquesa de Beaufort.

— Mas por que, Sire?

— Margarida, vós o sabeis, não é de bons costumes.

— Mas, Sire, — torna Sancí, — prostituta por prostituta, por que não fica Vossa Majestade com aquela que já tem?

A casa e a mobília

Lord Anglesei havia requerido divórcio sob um pretexto que nada tinha de galante para a sua mulher. Presente à audiência, a sogra do fidalgo interveio:

— Senhor juiz, a desculpa do meu genro não atinge minha filha.

E desbocada:

— Eu sempre ouvi dizer que as pessoas que se queixam que uma casa é grande é porque não têm com que a mobiliar!

O sono de Galba

Em um banquete que ofereceu a Mecenas, Galba notou, em certo momento, que sua mulher e este começavam a trocar olhares e sinais expressivos. Afim de não presenciar às suas manifestações amorosas, Galba fechou os olhos, fingindo dormir. Nesse momento, porém, aproximou-se um criado, procurando levar da sua frente a taça em que bebia.

— Larga, desgraçado! — rugiu o marido.

E furioso:

— Não vês que eu estou dormindo apenas para Mecenas?      

Napoleão galante

Napoleão I havia notado, um dia, uma linda mulher, e fê-la saber, com o laconismo que lhe era habitual, que a esperava no dia seguinte, às 8 horas da noite, no palácio das Tulherias. Não é preciso dizer que a dama foi de uma pontualidade inglesa; o Imperador estava, porém, em conselho de ministros, e o camareiro pediu à moça que esperasse. E ela esperou.

Às 9 horas, a rapariga manda lembrar ao soberano que está às suas ordens.

— Que ela se dispa, — responde-lhe Bonaparte, sem interromper o seu trabalho com os ministros.

Às 9½, novo emissário; e nova resposta do Imperador.

— Que ela se deite! — manda ele dizer.

Às 10½, novo recado de madame. E Napoleão, conciso:

— Que ela se levante, se vista, e se vá embora!

O comandante do “corpo”

O conde de Choiseul, que era amante de Ninon de Lenclos, não entendia nada de coisas do amor. Fatigada das suas inabilidades, Ninon acabou por afastá-lo de si, preferindo a esse fidalgo o célebre dançarino Pécourt.

Um dia, encontraram-se os dois na casa da formosa cortesã. Pécourt usava uma roupa que parecia um uniforme militar. O conde notou isso, e, para ridicularizá-lo, indagou:

— Cavalheiro, em que corpo o senhor serve?

— Senhor, — respondeu Pécourt, numa reverência, — eu atualmente comando um “corpo” onde vós servistes durante muito tempo!

E afastou-se, digno.

O projeto do bispo

O bispo de Durham tinha o hábito pouco gentil de andar sempre com uma das mãos mergulhada no bolso da calça. Certo dia, entrou ele na Câmara dos Pares, trazendo um projeto concedendo favores às viúvas dos oficiais. Ao subir, porém, à tribuna, trazia a outra no bolso da calça, conforme era seu costume.

— Senhores, — começou, — eu tenho aqui na mão uma coisa destinada a contentar as viúvas dos nossos oficiais!

E logo o duque de Whanton, a interrompê-lo:

— Em qual das mãos, milord?

A “lenda”

Piron, que, na sua velhice, tombou na cegueira, passeava uma tarde pelas Tulherias, ao braço de uma sua sobrinha, quando a moça observou que os transeuntes, ao passar pelos dois, sorriam, maliciosos. Intrigada com o caso, a rapariga procurou ver a causa daquele fato, e notou, corando, que o tio trazia a calça desabotoada.

— Meu tio... Meu tio... — sussurrou, vexada. — Esconda... esconda... a sua história...

— Ah, minha filha! — sorriu o poeta. — Isso já não é história...

E perverso:

— É lenda!...

O resto do copo

Após a morte de um dos seus filhos legítimos, Luiz XIV chamou à parte o Dr. Gueneau, seu médico, e indagou:

— Explique-me, doutor: por que é que os meus filhos bastardos são fortes e se criam, ao passo que os da Rainha são todos delicados, e morrem?

— Sire, — respondeu Gueneau, — o caso é explicável; — é que Vossa Majestade esgota fora da alcova real o vinho do prazer, e...

— ?...

— Leva para a Rainha somente o pó que fica no fundo do copo!

O remorso da volúpia

Sofia Arnould, tão famosa pelo seu espírito, ouvia uma vez sua amiga mlle. Durancí, que se queixava dos seus sofrimentos no parto, do qual estava acamada.

— É uma injustiça, minha filha, — queixava-se a enferma. — E eu própria me pergunto: será preciso tanto sofrimento por um instante de prazer?

— É isso mesmo, minha querida, — responde-lhe a grande artista.

E sentenciosa:

— As dores do parto são o remorso da volúpia!

A áspide

Marmontel fez montar com tanta arte e tamanho luxo a sua tragédia “Cleópatra”, que nela figurava uma áspide, a qual se vinha arrastando por um mecanismo especial, até o leito da rainha, que lhe oferecia o seio para morder.

À saída do espetáculo, o duque de Biévre comentava:

— Eu sou em tudo, e por tudo, da opinião da áspide: o melhor da mulher é o seio!

O gabola

Sofia Gai havia sido informada de que certo oficial se havia gabado de ter sido seu amante. Foi procurá-lo, e interpelou-o:

— Por que ousou o senhor dizer semelhante mentira?

— Madame, — desculpou-se o militar, — escute-me.

E contou:

— Eu estava em uma mesa de oficiais. Nós éramos vinte. Em certo momento, o meu vizinho da esquerda declarou ter sido vosso amante. O seu vizinho da esquerda, contou, por sua vez, ter sido vosso amante, também. E assim sucessivamente, até que chegou a minha vez. Eu, então, envergonhado de ficar sozinho, disse que tinha sido também.

E confuso:

— Eu peço, contudo, madame, que me perdoe, por ter sido o único mentiroso naquela roda!

A confissão

A condessa de Grolée, irmã do cardeal de Tencin, havia levado uma vida dissoluta. À hora da sua morte, pediu um confessor, o qual, ao chegar, mandou que todos se retirassem.

— Não, padre; o que eu tenho a dizer, toda a gente pode ouvir, sem se escandalizar.

E resumiu:

— Padre, eu fui moça, fui bonita, disseram-me isso, eu acreditei. Agora, avalie Vossa Revma. o resto!

Cavalaria

Um dia, ao entrar na sua alcova, o príncipe de Charolais encontrou aí, vestindo-se, e conversando com a sua esposa, o senhor de Bussac.

— Saia! — gritou-lhe o príncipe, apontando-lhe a porta.

— Senhor, — observa-lhe de Bussac, detendo-se, — os vossos antepassados não diriam: “saia!”; diriam: “saiamos!”

E continuou a abotoar os seus punhos de rendas.

A árvore e a fruta

Henrique IV estava um dia à janela dos seus aposentos quando viu no parque um sacerdote que se divertia a abraçar uma dama da corte. Mandou chamá-lo, para dizer missa.

— Não posso, Sire, — desculpou-se o reverendo; — acabei agora mesmo de comer fruta.

— Ah! — fez o monarca.

E brejeiro:

— Era por isso que o senhor estava sacudindo a árvore com tanta força; não?

Autojulgamento

Certo dia, estava Filipe de Orleans, regente de França, à mesa, com mme. de Parabére, sua amante, o arcebispo de Cambrai e Law, quando lhe levaram um papel para assinar. Bêbado, o Regente virou-se para mme. de Parabére, e intimou, dando-lhe a pena:

— Assina, prostituta!

Ela desculpou-se, recusando. Ele virou-se para o arcebispo:

— Assina, caften!

Este teve o mesmo gesto. E ele, para Law:

— Assina, então, tu, ladrão!

Law recusou. E ele:

— Aqui está um reino bem governado: por uma prostituta, um caften, um ladrão, e um ébrio!

E assinou.

Galos e capões

O célebre cantor Farineli era, como se sabe, eunuco. De passagem pela Espanha, o rei, encantado com a sua voz, concedeu-lhe a ordem de Calatrava, armando-o solenemente cavaleiro, — cerimônia que consistia na colocação de esporões naquele que recebia esse título.

— Cada terra tem seu uso! — observou o embaixador da Inglaterra, que assistia à cerimônia.

E explicou:

— Na Inglaterra, põem-se esporões nos galos, na Espanha, põem-se nos capões!

Os olhos do marido

Júlia, filha de Augusto, encontrando em palácio seu pai, notou que os olhos deste pousavam sobre o seu trajo, numa espécie de censura. No dia seguinte, indo, com outra vestimenta, saudá-lo, este não conteve a sua alegria, e exclamou, abraçando-a:

— Ah! Como assenta melhor este trajo na filha de Augusto!

— Pai, — retrucou Júlia, — é porque hoje eu me vesti para os olhos do meu pai; ontem, eu o havia feito para os olhos do meu marido!

Perfídia

A duquesa de Fiorini recebia o cômico Baron, mas só à noite. Baron acha, entretanto, certa vez, que podia aparecer ali de dia, como visita. Ao vê-lo, a grande dama, que tinha nesse dia recepção e estava com a casa cheia, enfrenta-o, solene:

— Cavalheiro, que é que o senhor vem buscar aqui?

E Baron, pérfido:

— Venho buscar meu barrete de dormir...

Prova de paternidade

O tenente Bastiani possuía uma perna de pau, e frequentava uma rapariga que possuía outro amante. Um dia, a rapariga apareceu grávida, e os dois amantes travam uma discussão sobre a paternidade da criança.

— Bom, — propõe Bastiani, vamos assentar um ponto.

E sério:

— Se a criança nascer com uma perna de pau, é minha; agora, se nascer com as duas pernas, é sua!

A resposta do cardeal

O cardeal de Rohan, famoso pelo seu fausto, pelas suas aventuras galantes e pelos escândalos ruidosos em que se viu envolvido, estava, certo dia, na sala de uma das suas antigas amantes, senhora de alta sociedade, quando, em certo momento, travou uma discussão com a dona da casa.

— Não continue! — impôs-lhe esta. — Não repita a insolência, porque, se repetir, eu o mando atirar pela janela!

— Ora, grande coisa!... — fez o cardeal, rindo.

— Que mal faz que eu saia uma vez de dia por onde tantas vezes entrei de noite?

Estrada real

Quando Henrique IV se meteu com a Farnuche, que lhe foi apresentada como inocente, estranhou que o caminho por onde ele viajava se lhe apresentasse como velha estrada real. De bom humor, o monarca pôs-se a assobiar.

— Que quer dizer isso? — indagou a rapariga.

— Nada, — respondeu o soberano. — É que eu estou chamando os que já passaram por aqui.

Farnuche riu. E com espírito:

— Toque Vossa Majestade para a frente, que talvez encontre...

A catequese

Sofia Arnould possuía uma amiga, Luzí, que, depois de uma vida de dissipação, tomou, de repente, o hábito de religiosa.

— É o cúmulo! — exclamava alguém. — Depois que o recebedor-geral, seu amante, a abandonou, Luzí meteu-se com a Igreja..

— Ela sabe por que o fez, — atalhou Sofia.

E perversa:

— Não lhe foram dizer que Deus se fez “homem”?

O gentil homem

Sigismundo Moret, que tamanha influência exerceu na política espanhola, achava-se em um banquete oficial, em Londres, ao lado de uma princesita inglesa que ficara entre ele e o embaixador turco. Na conversação que entabularam, a fidalguinha indagou de repente, dirigindo-se ao diplomata otomano:

— Sr. Embaixador, que vem a ser um eunuco?

Perplexo, o turco emudeceu. Moret virou-se, porém, para a princesa, e explicou, com toda a abundância da sua eloquência:    .

— Um eunuco, Alteza, é uma espécie de gentil homem, que perdeu os botões, mas conserva a chave!

Sobre casamento

Em um grupo de amigos, no qual se achava Rovani, autor dos Cem Anos, um deles contava a sua aventura.

Mas, quando partiste da Itália, — aparteou Rovani, — não eras casado.

— Não era, não; mas casei-me em Buenos-Aires. Aí, minha mulher morreu.

— Estás, então, viúvo...

— Não, porque casei outra vez.

— Vergonha! — exclamou Rovani, dando um murro na mesa.

E furioso:

— Um homem que toma uma segunda mulher não é digno de ter perdido a primeira!...

Constância inconstante

O general Gouraud comandava as tropas francesas na Síria quando o foi procurar um oficial da guarnição, que lhe pedia licença para casar-se. Celibatário intransigente, o general estabeleceu uma condição.

— Dou-lhe um ano para pensar; se ao fim de um ano ainda estiver no propósito de contrair casamento, dar-lhe-ei a permissão.

Doze meses depois, o oficial renova o pedido.

— Sim, senhor! — faz o comandante, espantado. — O senhor tem a permissão, como um prêmio. O senhor é um caso de constância masculina bem raro. A sua noiva deve sentir-se feliz por ter feito esperar um ano um homem nas suas condições:

— Perdão, general, — fez o rapaz. — A ideia do casamento é a mesma do ano passado; mas...

— Mas...

— A noiva não é a mesma!

Língua universal

Mme. de Brégis era de uma coquetaria exagerada. Não deixava passar camarão pela malha. Quando os polacos estiveram em Paris, a Rainha perguntou-lhe:

— Mas, vós compreendeis, madame, o que eles vos dizem, quando vos fazem propostas?

— Ah, Majestade, — responde a de Brégis, nessa matéria...

E rindo:

— A gente entende até os tupinambás!

O “ex-voto”

Pequenina, elegantíssima, com sua graça irresistível, Gertrudes Mahon foi a mulher de vida livre mais famosa do seu tempo, na Inglaterra.

— É pena! — dizia Charles Burney, que fora seu professor aos dezesseis anos. — É pena, porque ela é uma boneca colorida, é um verdadeiro “ex-voto”!

Mas concluía, logo:

— Para o altar de Vênus!...

O “shimmy”

Monsenhor Duchesne, o famoso sacerdote francês, foi convidado, um dia, para assistir uma festa familiar. Tocam o shimmy, e os pares saem dançando.

— Conhece esta dança, monsenhor? — perguntam-lhe.

E ele:

— Conhecer, conheço-a; o que eu não sabia é que a dançavam em pé...

A rainha... delas

O Prior de Vendôme costumava dizer na Corte que todas as mulheres, sem nenhuma exceção, eram devassas e prostitutas. Um dia em que ele insistia nisso, chegou Sua Majestade a Rainha, que protestou:

— Monsenhor, Vossa Revma. Exagera um pouco! Todas as mulheres, dizeis? Eu também?

— Oh, Majestade! — fez o sacerdote, atrapalhado.

E inclinando-se, respeitoso:

— Vossa Majestade... é a Rainha!...

A cigarreira do príncipe

Certo príncipe italiano, notável pela irreverência, foi um dia visitar Leão XIII, então simples cardeal, e puxando a cigarreira, mostrou-lhe. Esta representava uma mulher nua, em posição obscena, com uma cavidade por onde passavam os cigarros.

— Que tal acha, Eminência? — indagou o príncipe.

— Príncipe, por enquanto, eu nada posso dizer.

E impiedoso:

— Eu só darei a minha opinião quando souber que não se trata da princesa, vossa esposa...

A diferença

Conta Brantome que uma senhora honesta perguntou, certa vez, a Fuael Efendi, embaixador da Sublime Porta em Paris:

— Diga-me, Sr. embaixador: como se consente em seu país que um homem viva ao mesmo tempo com várias mulheres?

— Madame, — respondeu-lhe o diplomata, — é para nos diferençarmos de outros países, onde uma mulher vive ao mesmo tempo com vários maridos!

Reflexão justa

Mme. de Sévigné casou sua filha com o marquês de Grignam. Antes do enlace, colocou sobre uma mesa os 50.000 escudos do dote. E pôs-se a pensar.

— Mas, por que devo dar a este senhor todo este ouro? Por que vai dormir com a minha filha?

Mas refletiu:

— Ah, não! Não é muito! Porque não é só hoje que ele vai dormir a seu lado; vai dormir hoje, amanhã, a vida inteira!...

O governo mais difícil

Perguntaram um dia a Milton, o grande poeta do Paraíso Perdido, o motivo por que um rei podia receber a coroa aos quatorze anos mas só podia contrair casamento aos dezoito.

— É simples, — declarou o poeta.

E explicou:

— E que é mais fácil governar um reino do que uma mulher!

Mal de imaginação

Certo marido queixava-se a Santeuil das infidelidades da mulher.

— É um mal de imaginação, meu filho, — responde o escritor. — Ninguém morre disso, e a muitos, até, ajuda a viver...

O castigo de José

Canovas del Castilo, o famoso tribuno espanhol, acabava de casar-se quando, visitado por um amigo, confessou que era feliz. E virando-se para a esposa:

— Quem não o seria, Joaquina, a teu lado? Adoro-te e respeito-te. Além disso, jurei-te fidelidade. Não farei a corte a mulher nenhuma; porém, se me fizerem a mim, não poderei resistir. Só um homem, o casto José, recusou os amores de uma mulher. Mas bem caro lhe tem custado isso. Carrega vinte séculos de ridículo!...

O Xá e o Imperador

Quando o Xá da Pérsia, Moamed Ali, esteve na Europa em 1909, Guilherme II preparou-lhe em Potsdam a mais impressionante das recepções. Ao alto da escadaria do palácio formava toda a família imperial, destacando-se ao lado do Kaiser a imperatriz, com a sua fisionomia de mártir e a sua cabeça quase branca.

Guilherme II apresentou-lhe a esposa e os filhos. Momentos depois, Moamed impressionado, insistira:.

— Aquela é, mesmo, a tua esposa?

E espantado:

— Com aquela idade, e ainda não a trocaste?

O divórcio

— Que é divórcio? — perguntaram um dia a Sofia Arnould.

E ela:

— E o sacramento do adultério!

Prazeres do mundo

Mlle. de Montpensier, filha de Gastão de Orleans, ao passar pela rua Saint-Honoré é detida um momento por um atropelo de carruagens. Um mendigo, aproxima-se, e pede:

— Minha boa princesa, tende piedade de um pobre cego que perdeu todos os prazeres deste mundo!

— Pobre homem! — geme a fidalga.

E com interesse:

— Você é eunuco?

A absolvição

Certa dama francesa — conta Brantome — foi, durante uma invasão, possuída seguidamente por quinze soldados inimigos, que depois a abandonaram. Após o fato, a vítima vai confessar-se, narra o caso, e indaga do padre se havia sido pecado.

— Não, filha; pecado não é, — diz-lhe o sacerdote. — Você foi tomada à força, contra a sua vontade; logo, não é pecado.

— Ora, louvado seja Deus! — faz a dama, num suspiro.

E levantando-se:

— Afinal que fiz o que queria, sem ter ofendido a Deus!...

O filho do capuchinho

S. S. o Papa Benedito XII era de hábitos regulares e costumava todos os dias, após o almoço, dormir a sesta. Quando estava nesse repouso, era absolutamente proibido perturbá-lo. Um dia, porém, penetra no aposento o camareiro, e, balbuciante, procura explicar-lhe a gravidade da situação.

— Santidade... é um caso excepcional... um caso escandaloso... Só por isso eu me permiti despertar Vossa Santidade...

— Mas... que há?

— O que há, Santidade, é que a Madre Superiora do convento das Camaldulinas acaba de dar à luz dois gêmeos!

— E é por isso, — exclama o Santo Padre, — que me vindes acordar? É esse o caso extraordinário?

E irritado:

— Se fosse ao menos um capuchinho que tivesse dado à luz, vá!

E virou-se para o outro lado.

Alusão maliciosa

O marechal duque de Saxe, cuja bravura era uma das garantias do reino de Luiz XIV, encontrando-se um dia com a marquesa de Pompadour achou-se no dever de oferecer-lhe o braço.

— Vejam quem ali vai! — exclama um maldizente.

E indicando-os:

— A espada do Rei, e a sua bainha!

“In illo tempore”...

O arcebispo de Lion (conta Chamfort), havia ido tomar posse da sua cadeira quando foi apresentado a uma freira, a qual, espírito à maneira do tempo, lhe apresentou parabéns pelos boatos, que corriam, de ser S. Revma. o pai do filho da duquesa de Mazarino. O arcebispo, para defender-se, achou melhor acusar.

— Irmã, — disse — vós sabeis que a calúnia não escolhe as suas vítimas; minhas relações com a duquesa de Mazarino são tão verdadeiras como as que se diz existir entre vós e o Sr. Cardeal.

— Então, Reverendíssimo, — fez a religiosa.

E concludente:

— O filho... é mesmo de Vossa Reverendíssima!

Curiosidade

A grã-duquesa de Chartres era de uma curiosidade sem limites. Queria saber tudo, indagava de tudo.

— É uma criatura impossível, — dizia mme. Du Defand.

E definindo-a:

— Não pode ver um ovo que não pergunte logo: “Quem foi que o pôs? Quem o vai chocar?”

Galantaria sagrada

Uma das damas mais formosas de Paris pediu, certa vez, uma audiência ao cardeal Ferrata, e, no correr da palestra, indagou:

— Vossa Eminência acha, também, que o amor, fora do leito conjugal, é pecado mortal?

O cardeal sorriu:

— Antigamente eu achava, madame; hoje, não.

— E desde quando Vossa Eminência tem esta última opinião?

— Há meia hora, madame. Desde o momento em que a senhora entrou aqui...

O tamborete

Na corte dos Reis de França, o tamborete era um símbolo de prestígio e de nobreza. Para conquistar um tamborete junto ao trono, batiam-se fidalgos e generais, tramando-se para isso as maiores intrigas.

Certa dama da corte, notável pela sua beleza e pelo seu tipo miúdo, a marquesa de M. B., ansiava por essa honraria quando notou que Luiz XV a olhava com particular interesse. Um dia, encontraram-se os dois num corredor do palácio. Estavam sós. Brutal e apaixonado, o monarca avançou para ela, segurou-a pelos ombros, e encostando-a à parede, procurou contar-lhe tudo... que trazia no coração. Mas, “hoc opus hic labor est!”: havia entre os dois uma grande diferença de estatura.

— Como vós sois pequena, marquesa!... — geme o soberano, desolado.

— Ah, Sire, — faz a fidalga, — para ser de vossa altura era-me preciso um tamborete!

O Rei compreendeu, e... deu-lhe um.

O mais fácil

O velho marechal de Richelieu havia desposado uma rapariga que podia ser sua neta. No dia seguinte ao do casamento queixava-se ele da noite que passara, quando um dos seus íntimos indagou:

— E como o Sr. Marechal conseguiu sair dessa dificuldade?

— Ah, meu filho, — fez o velho mundano — o difícil não foi sair!.

A casada solteira

Um ouvidor do Conselho das Índias, homem já muito puxado pelos anos, era casado com uma rapariga ainda moça. Adoecendo esta, foi chamado um médico, o qual, ao sair do quarto, chamou de parte o marido.

— Meu caro senhor, — disse-lhe o homem de ciência; — o senhor quer o meu conselho?

E antes da resposta:

— Case a rapariga!...

Apresentação mundana

Nancí Parsons, que era na sociedade “lady” Haurgthon, havia fixado residência em Florença, quando quis, aí, penetrar nas rodas aristocráticas. Solicitado para introduzi-la, lord Mainard, que ainda não era seu amante, apresentava-a:

— “Lady” Haurgthon... do duque de Grafton...; “lady” Haurgthon... do duque de Dorset...; “lady” Haurgthon... de todo o mundo.

O Calvário e a Cruz

Gregório XVI palestrava com um dos seus cardeais em uma das janelas do Vaticano, quando viu passar em baixo, na praça de S. Pedro, uma linda princesa cuja formosura toda gente admirava, e a quem admiravam, sobretudo, os monsenhores. Sobre o colo da fidalga, excessivamente à mostra, faiscava uma linda cruz de brilhantes.

— Que bela Cruz!... — fez o cardeal.

E o Papa:

— E que lindo Calvário!...

A saia de Kitty

O duque de Montfort era tão pequeno que media pouco mais de um metro. Adorador de Kitty Fischer, a famosa mundana inglesa, estava em companhia dela, quando se ouviram os passos de lord Sandwich, amante da rapariga.

— Esconde-te aqui! — ordenou-lhe esta, erguendo a sua saia balão.

O duque mergulhou, e passou aí escondido uma hora.

A perfídia de Garrick

Sterne, o célebre autor da Viagem Sentimental, era de uma horrível irascibilidade doméstica, chegando mesmo a bater na mulher. Não obstante isso, escrevia sobre a complacência matrimonial, pregando a tolerância. Certo dia, conversava ele com o famoso ator Garrick sobre esses assuntos quando a juntou:

— O marido que bate na mulher, merece que toquem fogo na casa, com ele dentro.

— Que? — estranhou o artista.

E como Sterne repetisse a frase:

— A tua casa está no seguro?

Cúmulo da cortesia

Um cortesão de Luiz XIV passeava uma vez ao lado do soberano, quando, ao passarem junto a um grupo de crianças, o monarca lhe perguntou:

— É verdade, quando tua mulher te dará um filho?

E o cortesão, numa curvatura:

— Majestade, quando Vossa Majestade o quiser...

O fugitivo

Uma noite, ao despir-se antes de deitar, Gastão de Orleans, cuja sem cerimônia se tornou célebre, deixou escapar uma flatuosidade, e exclamou:

— Cem pistolas a quem o apanhar!

Um dos gentis homens da sua intimidade precipita-se, como para procurá-lo. Olha debaixo da cama, espia atrás dos móveis, e, ao pôr-se de pé, solta outro: “pum!”

— Oh, meu senhor, que pena! — exclama, desolado.

E para o príncipe:

— Eu o tinha apanhado mas... fugiu-me também!

A combinação

Certa dama parisiense, em conversa com Tristan Bernard, alude às “combinações” para senhoras.

— Que é que madame chama “combinação”?

— A combinação é uma calça e uma camisa reunidas em uma única peça de vestuário.

— E é feita de quê?

— De seda, de linho, de cambraia... Depende do gosto.

— E as cores?

— Da cor que se quer. Eu prefiro rosa.

— É aberta ou fechada?

— Ah! Isso é uma questão de gosto pessoal... Eu, por exemplo, prefiro as abotoadas.

Tristan para um instante:

— Então não conversemos mais.

E grave:

— Abotoada a calça... está tudo acabado!...

A “Ave do Paraíso”

Entre as cortesãs inglesas do século XVIII a mais discutida foi Gertrude Mahon, mais conhecida pelo apelido de “Ave do Paraíso”. Perdulária, a fortuna dos seus amantes eclipsava-se nas suas mãos.

—. Essa “Ave do Paraíso” — dizia o capitão Turner, uma das suas vítimas, — é pequena como um canário.

E ajuntava:

— Mas engole moedas como um avestruz!...

As três

O duque de Roquebrune, conhecido conquistador, costumava dizer que só conhecia três mulheres honestas.

— Quem são elas? — indagou a Rainha.

E o fidalgo:

— Vossa Majestade é a primeira; a outra deve ser a minha mulher; e dispense-me Vossa Majestade de dizer mais uma palavra, afim de que cada uma das damas da corte guarde a ilusão de que é a terceira.

A boa esposa

Um jovem consulta a Antístenes sobre a escolha de uma esposa.

— Se a escolheres formosa, — responde-lhe o filósofo, — não a desfrutarás só; se a tomares feia, depressa te repugnará; escolhe, pois, a que não seja feia nem bonita, mas boa e laboriosa.

O desafio do capitão Scott

Afim de impedir abusos, havia a diretoria do Panteon, em Oxford Street, proibido a entrada de mulheres de vida livre. Companheiro de duas cortesãs, o capitão Scott passou a porta, e, em pleno salão, gritou:

— Quem proibiu a entrada de meretrizes nesta festa?

— Eu! — respondeu o mestre de cerimônias.

E o capitão, percorrendo com os olhos a sala repleta de damas da aristocracia inglesa:

— O senhor quer, então, esvaziar estes salões?

O “largo círculo”

O Dr. Henrique Milet, conhecido juris-consulto pernambucano e lente de Direito Civil da Faculdade do Recife, oferecia aos seus alunos, entre muitas, a seguinte definição de Direito:

— “O Direito é um largo círculo de relações sociais, dentro do qual o homem age e vive”.

Um aluno, porém, não tendo tempo de decorar todas as definições, encaixou, da melhor forma que pôde, esta, apenas. Mas, ao ser arguido, perturbou-se, e, ao dar a única definição que sabia, começou:

— Direito... O Direito é um círculo... um círculo... onde o homem obra...

— Não, senhor, — gritou o Dr. Milet, círculo onde o homem obra não é Direito; — é “penico”!

A “sandwich” de Faní Murrai

Faní Murrai, a célebre cortesã do século XVIII, não sabia o valor do dinheiro. Fortunas e fortunas se escoaram pelas suas mãos. Um dia, em um bar, queixava-se ela a Richard Atkins, que foi depois seu marido:

— Que horror! Não tenho hoje o que jantar!

Atkins tirou da carteira um bilhete de vinte libras e passou-lhe.

— Vinte libras? — fez Faní, com desdém.

E abrindo uma fatia de pão em duas, colocou entre elas o bilhete, pondo-se a comê-lo, e continuando a conversar.

O amor da mulher

Certa vez, em uma pequena roda em que havia senhoras, discutia-se a volubilidade feminina.

— O amor da mulher — dizia uma, — é infinitamente mais puro, mais desinteressado do que o do homem.

E virando-se para Emílio de Menezes:

— O senhor não acha?

— Ferino como sempre, o poeta levou a mão a boca, naquele jeito tão seu de amparar o bigode e protestou, olhos fuzilantes:

— Qual, minha senhora!...

E desatando a rir:

— O amor da mulher é “muito vário” (muito ovário)!...

Desculpas de cortesã

Mme. Descartes achava-se no leito ao lado de Luiz XIV quando este lhe observou:

— Tu te tens deitado com todos os meus vassalos.

— Ah, Sire!

— Tu te tens deitado com Turene.

— Ele é tão forte, Sire!

— Com Richelieu.

— Ele é tão espirituoso!

— Com Monvile.

— Ele tem umas pernas tão lindas!

— Até aí muito bem; e com o duque d’Aumont, que não tem nada disso?

— Ah, Sire, ele é tão amigo de Vossa Majestade!...

Informações falsas

O Polidoro está abancado num pôquer no Café do Comércio quando um freguês entra, e encaminha-se para ele:

— Você aqui? — diz-lhe. — Era melhor que, em lugar de estar a perder dinheiro no jogo, você fosse vigiar sua mulher, que está agora mesmo nos braços do seu melhor amigo.

Polidoro solta as cartas, sobe ao segundo andar, entra no seu apartamento, vê a mulher no leito ao lado de um homem, e desce, na mesma pressa.

— Então?... — perguntam os parceiros, ansiosos.

— É mentira daquele patife, — declara Polidoro.

E retomando as cartas:

— O sujeito que está lá eu, até, nem conheço!...

O frango e o guloso

O velho marquês de La Rochefucause, senhor de grande fortuna, costuma comprar os amores da linda artista, que o detesta. Um dia, esta tem ímpetos de franqueza, e diz-lhe a verdade.

— Que tem uma coisa com a outra, filha? — observa-lhe, calmo, o velho mundano. — Todo o dia eu vou ao restaurante, e como frango... Como, porque gosto de frango...

E rindo:

— Que me importa que o frango não goste de mim?

A sabida

Paulo estava noivo de Virgínia, e ia para a casa desta todas as noites. Certa vez, estavam os dois à janela, quando, ao ver uma rapariga que passava na rua, o rapaz apontou-a à menina:

— Estás vendo aquela que vai ali? Eu frequentei a casa dela durante muito tempo e tinha, mesmo, as melhores intenções. Achei-a, porém, tão tola, que isso me desgostou. Imagina tu, que ela era tão estúpida, que foi contar à mãe que eu tinha estado no quarto dela durante a noite!

— Que tola! — faz Virgínia. — Pois eu não sou assim. O criado aqui de casa tem passado noites inteiras no meu quarto, e eu nunca disse nada a mamãe!

O níquel

Madame Leví concede seus favores ao seu patrício Abraão, que, para não faltar à regra, é um dos melhores amigos do seu marido. Abraão é, porém, discreto, e não sobe, jamais, ao andar em que mora sua amada sem que o esposo desta tenha saído. Para isso, é preciso, porém, um sinal, e quem o convencionou foi a própria madame Leví: Abraão ficaria debaixo da janela, às nove da noite, e, assim que Leví saísse para a sinagoga, ela atiraria ao apaixonado, em baixo, um níquel de dois tostões. A queda da moeda no calçamento seria sinal de que ele poderia subir.

Assim, sucedeu uma, duas, três, quatro noites. Na quinta, porém, madame Leví atirou a moeda, e debalde esperou o rapaz. Passou um quarto de hora. Passou meia hora. Ansiosa, a judia chega à janela:

— Abraão? — chama. — Tu estás aí?

— Estou, sim, — responde uma voz, da sombra.

— Por que não sobes? Não ouviste cair a moeda de dois tostões?

— Ouvi, sim, — confirma o apaixonado, em baixo.

E de rastros pelo chão:

— Mas ainda não achei. Estou procurando...

A sogra

A velha marquesa está repoltreada na sua cadeira de molas quando entra a filha, nervosa, os olhos vermelhos de chorar.

— Que é isso, minha filha? Teu marido te engana?

— Não, mamãe!

— Que houve, então?

— Nada, mamãe. Eu estava em casa com um amigo dele, quando ele entrou, e nos apanhou em flagrante!

— Entrou em casa sem te avisar?

— Entrou, sim, senhora.

— Ah, patife!...

A noiva

O Roberto é um rapaz moderno: jogador de tênis, filante, cínico, sem ocupação.

Um dia, entra ele, radiante de felicidade, no café onde o esperavam os camaradas, e vai logo avisando ter ficado noivo, e que a noiva lhe trazia um milhão de dote. Foi um charivarí. Ninguém queria acreditar.

— Tu encontraste, mesmo, alguma família que te quisesse por genro?

— E por que não?

— Então, o pai deve ter saído, no mínimo, da prisão celular!

— Nada disso. É o homem mais honesto deste país.

— Então a mãe deve ter casa aberta, ou vender mingau na rua!

— É a esposa mais casta do mundo!

— Nesse caso, a filha é um monstro! É corcunda? É torta? É maneta?

— É linda como um anjo!

E com simplicidade:

— Tem apenas um defeito: está ligeiramente grávida!

Bisca

Ao desembarcar em Duvignan o novo comissário central se informa dos prazeres da cidade.

— Prazeres? — informa-lhe um amigo. — Nós aqui temos uma casa que é um assombro. Imagina que, quando tu chegas, um negro, magnífico nas suas vestes imponentes, te propõe jogares a bisca. Se ganhas, ele te mostra um álbum em que há as mulheres mais lindas. Então, só te resta escolher.

— E se eu perco?

— Se perdes... tens que te arranjar com o negro!

O Larousse

O honrado professor Belarmino Lamote, autor de tantas obras linguísticas, famosas na filologia francesa, havia sido convidado, naquele dia, para o almoço dos viscondes de La Fourchete. Simples como todo gramático, o eminente educador penetrou no parque da velha moradia, deu uma pequena volta, indo desalterar-se, muito singelamente, junto a uma das paredes laterais do edifício. E tão distraído estava, que não verificou, o imprudente, que a senhora viscondessa estava lá em cima, em uma das janelas, a observar todas as ocorrências daquela parte da propriedade.

Satisfeito, o professor Lamote retomou o caminho da escada, e subiu. A fidalga recebeu-o com todas as provas de atenção e, como o almoço estivesse já para ser servido, inquiriu, gentil, do ilustre convidado do seu marido:

— Professor, não quer lavar as mãos?

— Eu? Ah, Sra. viscondessa, não! Muito obrigado! Lavei-as há pouco e, depois disso, apenas peguei no Dicionário do Larousse...

A viscondessa sorriu:

— No Larousse, Sr. professor?

E perversa:

— Mas a sua edição é muito resumida!... Não é?

Conselho materno

Durante o fogo de artifício, em Toulon.

— Mamãe!

— Que é, menina?      .

— Aqui tem um homem que está me beliscando.

— Sossega, menina! Deixa-me ver os fogos!

— Mamãe, o homem está me beliscando na coxa!

— Deixa-me, menina! Vê quem é! Se for um trabalhador do porto dá-lhe uma tapona; mas se for uma pessoa de bem...

— Que é que eu faço, mamãe?

— Chega mais para perto!

Infâmia “chic”

O Liberato encontra o Praxedes, seu antigo camarada, a quem havia conhecido na miséria negra, e que se acha, agora, vestido elegantemente e com todas as demonstrações de prosperidade.

— Oh! Como vão os negócios? Agora, vais bem; não? — indaga.

— Não vou mal, não, — responde o Praxedes.

— E que fizeste, para mudar assim de situação?

— Homem, tu és um velho amigo, e eu te posso dizer: eu tenho uma casa chic, com uma dezena de lindas raparigas.

— E tens prosperado?

— Assim, assim... Os inícios é que foram difíceis.

— Por quê?

— Porque nós começamos muito modestamente, com material muito reduzido. Eram só duas no princípio.

— ?...

— Minha mulher e minha cunhada!

A viagem do Gaudêncio

O Gaudêncio, “mordedor” velho, precisava fazer uma viagem e nunca pensou no bilhete. No dia em que resolveu isso, correu à Central, e tomou o trem. Antes da estação de Belém, aborda-o o condutor:

— O seu bilhete.

— Eu não tenho bilhete.

— Então, salte na primeira estação.

Quando o trem parou, o Gaudêncio apeou-se. Ao chegar à Barra do Piraí, o condutor dá de cara com ele, em outro carro.

— Fora daqui! Já!

E aplica-lhe um pontapé na parte carnuda do fim da espinha, fazendo-o pular, teso, na plataforma da estação.

Ao chegar à Barra Mansa, lá estava outra vez o Gaudêncio. Outro pontapé, outro pulo, a esfregar a parte onde o pé atingiu. E o Gaudêncio a entrar, outra vez, pelo outro lado do carro.

O episódio repetiu-se ainda em Rezende, em Cruzeiro, em Lorena. Em Guaratinguetá o condutor segurou-o pela gola:

— Venha cá, “seu” patife! Até onde você quer levar essa brincadeira?

— Até onde? — fez o Gaudêncio.

E com a cara mais sem vergonha deste mundo:

— Se o fundilho aguentar, vou até São Paulo!...

Os símbolos

Nas vésperas do casamento, mlle. Florinda discute com a mãe o grave problema do traje de núpcias.

— Mamãe acha que eu devo levar flores de laranjeira?

— Certamente, filha: por que não?

— Eu digo, por causa dos vizinhos, que sabem do meu... do meu... do meu... acidente.

— E que tem isso? Desde que as flores são artificiais nós não enganamos ninguém!

Gritos de mulher

— Meu amor!... meu querido!... meu tudo!... Beija-me!... abraça-me!... morde-me!... Mete as tuas unhas na minha carne!... Tortura-me!... Suga-me o sangue!... Fazes de mim o que quiseres!... mas...

— ?...

— Não deixes marca!...

 “Soviet”

É nos primeiros dias da revolução russa, já vitoriosa. Um tribunal de camponeses e operários sindica sobre as origens dos estudantes nas escolas superiores de Moscou, a fim de expulsar os elementos de descendência burguesa.

— Quem eram os teus pais? — pergunta o camarada Rabinof a um dos rapazes.

— Meu pai era gentil homem da Corte e minha mãe filha de um pope.

— Excluído! — sentencia Rabinof.

Vem o segundo discípulo.

— Quem eram teus pais?

— Minha mãe era filha de um oficial; meu pai era professor.

— Excluído!

Chega a vez do terceiro aluno, rapazola quase analfabeto, roupa surrada, cara de estupidez.

— Quem eram os teus pais?

— Minha mãe era uma camponesa... — avança o bestalhão.

— E teu pai?

— Meu pai... eram uns operários.

E Rabinof:

— Admitido! Adiante!...

O botão bilontra

O ilustre gramático Papa língua é, como quase todos os gramáticos, um homem descuidado. Trata pouco de si mesmo, a ponto de olvidar certos cuidados da toilette.

Uma destas manhãs, vinha ele em um bonde, quando uma senhora, que se lhe sentara defronte, começou a dar sinais de inquietação. O professor notou o fenômeno, e, olhando para o ponto em que se fixavam os olhos da dama, verificou que vinha desabotoado.

— Desculpe, minha senhora, — pediu, com bonhomia. — Este meu botão é um marido bilontra.

E corrigindo-se:

— Gosta de viver fora de “casa”...

Razão poderosa

Um marido entra em casa e encontra no quarto um sujeito ao lado da sua mulher, em trajes paradisíacos.

— E logo em minha casa? — exclama furioso.

E o desconhecido:

— Não tenho culpa, cavalheiro. Vim aqui na sua casa porque a sua senhora não quis ir na minha!

Cleptomania

— Então, madame Soares, como está o seu filho? Já está curado da cleptomania?

— Não, senhora, madame Peixoto; mas já vai bem melhor.

— Melhor?

— Sim, senhora. Antigamente ele só furtava carretéis de linha, latas de manteiga e latas de doce. Agora, não.

__ ?

— Agora ele só furta objetos de valor!

Toc-toc!

Filomena é criada de quarto no mesmo castelo em que Batista é cocheiro. Filomena é provocante de corpo, e Batista um homem, no rigor da palavra. Os quartos em que dormem ficam na mesma ala do castelo.

Uma noite, a rapariga ouve uma voz, que a chama:

— Filomena!... Filó... abra... Sim?

Filomena faz-se de morta.

Mas Batista insiste. Pancadas sonoras fazem tremer a porta.

— Filomena!... Filó... Filózinha?

E de repente:

— Ah! Filomena, se você soubesse com que é que eu estou batendo!...

A porta escancarou-se.

A confissão

O Sobreira está em vésperas de casamento, e, embora seja um estroina de primeira ordem, vai ajoelhar-se aos pés do padre, afim de submeter-se à confissão necessária. Após a enumeração de outros pecados, o sacerdote o interroga sobre o pecado da carne:

— Tens conquistado, Sobreira, muita moça solteira, aqui na paróquia?

— Como toda gente, meu padre.

— E tens conquistado, também, muita mulher casada?

— Como todo o mundo, meu padre.

— E tens passado boas horas com elas?

Por essa altura, o Sobreira interrompe:

— Perdão, meu padre. Não podemos continuar.

E grave:

— Eu estou aqui para me humilhar ou para me gabar?

O vassoureiro

Por uma das ruas do Rio de Janeiro passa um vassoureiro, carregado com a sua mercadoria, e aos gritos:

— Olha a vassoura! Olha a vassoura! Seis tostões uma! Dez tostões o par!

A freguesia cerca-o, para comprar, quando desemboca na rua, do lado oposto, outro vassoureiro:

— Olha a vassoura! Olha a vassoura! Quatrocentos réis uma! Seis tostões o par!

O que chegou primeiro vai ao seu encontro:

— Colega, venha cá.

E fazendo-o parar:

— Como diabo pode você vender vassouras a seis tostões o par? Olhe que eu furto a palha, eu furto o barbante, eu furto os cabos, e, no entanto, não posso vender a menos de dez tostões, duas!

— Ora, é simples! — faz o outro. — Você rouba tudo para fazer a vassoura, ao passo que eu...

__ ?...

— Já furto a vassoura feita!

Sinceridade

Um rapaz fica noivo de certa melindrosa, e, dias antes do casamento, pede-lhe que lhe conceda certo favor — o favor dos favores — adiantadamente:

— Ah! meu filho, isso, não! — protesta à pequena. — Eu não faço isso por três razões: 1°, porque estou muito fatigada; 2°, porque, se minha mãe soubesse, ficava furiosa comigo; e 3°, porque me dá uma dor de cabeça terrível!

O defunto

Em um dia de estio, um velho de oitenta anos, se foi assentar à porta de casa, a cabeça na sombra, os pés no sol, para aquecer. Não se tinha apercebido de que a sua calça estava desabotoada, e de que aparecia, por aí, um pedaço da camisa. E todas as pessoas que passavam, riam.

Uma senhorita aproxima-se, e, com a intenção mais caridosa deste mundo, o avisa.

— Obrigada, minha menina, — agradece o ancião. — Mas é preciso que eu lhe ensine uma coisa, que talvez você ignore.

E com filosofia:

— Você não sabe que, quando há defunto em casa, se abrem as janelas?

Escrúpulo

Mme. Ramégue, de Saint-Jean, aproxima-se da hora da morte. Ou melhor: a hora da morte aproxima-se de Mme. Ramé-gue. À sua cabeceira, padre Mateus, que lhe ministra o sacramento da confissão, avisa:

— Agora, você espera, minha filha, que eu vou buscar o Senhor.

— Ah, meu padre... — pede a moça, aflita. — Por quem é! Se tem que trazer alguém para me ajudar a morrer, traga-me a mãe de Deus!

E ansiando:

— Duas mulheres se entendem muito melhor!...

Confusão

A cena passa-se em um dos salões aristocráticos de um dos bairros mais elegantes de Paris. A dona da casa, a Sra. Condessa, elogia os talentos agrícolas do seu marido, votado, ultimamente, à horticultura. E levada pelo seu entusiasmo, acompanha as palavras de uma mímica expressiva.

— Ah, minha filha, — diz; — ele tem colhido espargos assim... (e mostra, com o dedo indicador estendido, todo o tamanho da sua mão); cenouras desta grossura... (e cerca com os dedos o seu braço gordo e redondo) e tomates assim...

Surda como uma porta, a duquesa de Quelquechôse acompanha, olhos ávidos, a mímica da condessa. E quando esta acaba os olhos brilhantes de curiosidade:

— Madame, pelo amor de Deus!

— ?...

— Quem é esse sujeito? Hein?...

O “gentleman”

Cansado da vida, um “gentleman” passa a perna no peitoril da janela, e atira-se à rua, do alto de um quinto andar. Ao passar pela janela do segundo, vê uma linda senhora tomando ar.

— Adeus, belezinha! — exclama.

E continua na queda.

Gulodice

Possidônio vai ao médico, que o examina.

— Então, doutor, o senhor acha que eu tenho diabetes.

— É verdade, meu caro senhor.

— E que é diabetes, doutor?

O médico explicou.

— Ah, sem vergonha!... — ruge o Possidônio, cerrando os punhos.

— Que é que o senhor diz?

— Nada, doutor; é que eu pensava que tudo aquilo era por amor... porque ela me queria...

— ?

— E era por gulodice!...

Os inconvenientes da carreira

Não obstante os modestos recursos do chefe da casa, honrado funcionário público, madame exibe os seus chapéus caros, os seus vestidos de gosto, os seus sapatinhos de cem mil réis. E aos domingos, ainda o casal oferece boa mesa aos amigos, entre os quais um ilustre oficial do Exército, candidato aos bordados de general.

Constituído há oito anos, o casal tem um filho de seis, que é um diabrete. Domingo de Carnaval, reunidos a família, e os amigos, em torno à mesa, começam as brincadeiras com o pirralho.

— Quando você crescer, Luiz, que é que quer ser? — indagavam.

— Engenheiro! — opinava um,

— Médico! — insinuou outro.

O coronel interveio:

— Não, senhor; ele vai ser militar, como eu!

— Eu, militar? — protestou o pirralho, fechando um dos olhos.

E com ironia:

— Eu quero lá andar escondido no guarda-roupa, como o senhor, quando o papai chega!?...

O grande segredo

Não há nada mais sério para as mocinhas, quando se vão tornando mulheres, do que a noite de núpcias. As que não conhecem o mistério, vivem doidas por desvendá-lo; e as que o conhecem, ficam ansiosas por saber como se arranjam aquelas que o não conhecem. Daí a pressa com que as amigas de uma recém-casada a procuram no dia seguinte ao de núpcias. Daí, também, a aflição com que a Vitorinha foi visitar a sua prima Lucí, vinte e quatro horas depois do casamento.

— Então, menina, que tal? — foi logo perguntando.

— Que tal o quê?

— A noite de núpcias.

A Lucí fez um gestozinho de enfado, de desprezo.

— Ora, menina, não é nada de mais! E com desdém:

— É mesmo que o shimmy... Sabes?

O abotoador

A casa é de sobrado e tem a inconveniência de ser, toda ela, atapetada, de modo que não se ouve, sequer, o barulho de uma passada. Em baixo, Madame, que é toda parisiense, faz sala a um amigo do casal, quando o marido desce, sem ser pressentido. À porta da sala, porém, estaca: aos pés de Madame, ajoelhado no tapete, estava o jovem advogado visitante, que lhe segurava apaixonadamente os pés.

Surpreendido, o moço ergue a cabeça, e, dando com o dono da casa, justifica-se, trêmulo, num sorriso contrafeito:

— Eu estava... abotoando... o sapato dela.

— Eu sei... Eu vi...  — objetou o marido, a cara fechada.

E examinando, severo, o rapaz, dos pés à cabeça:

— Antes de sair, componha-se; ouviu?

— ?...

— Guarde... o abotoador!

Singeleza

Ninete está nos braços do seu marido, que a adora. De quando em quando, um beijo. Ninete fecha os olhos, sonhadora. De súbito, o esposo exclama:

— Olha, Ninete, se tu tiveres de me trair um dia, eu só te peço uma coisa: avisa-me.

A rapariga abre os olhos:

— Oh, Alfredo!

E juntando as mãos:

— Por que não me disseste isto mais cedo?

Regime

— Que é que você faz contra os micróbios?

— Eu? Primeiro faço ferver a água.

— Ah! E depois?

— Depois, eu a esterilizo.

— Muito bem; e depois?

— Depois... bebo cerveja.

No telégrafo

Chega um sujeito no guichê dos Correios, na Avenida.

— Minha senhora, há duas horas que estou aqui!

— Grande coisa! — retruca a funcionária. — Pois eu estou aqui há três anos e nunca me queixei ao senhor!

O Pelicano

— Papai, que é pelicano?

— Pelicano é uma ave que tira do peito a carne com que alimenta os filhos.

— E pela Quaresma, papai?

— Pela Quaresma, — emenda o “velho”, sem prestar atenção — pela Quaresma... tira peixe!

Receita rápida

O Dr. Marcolino tem boa clientela. Por isso mesmo, faz questão de escolher os clientes, fazendo sempre o possível para pôr no olho da rua qualquer senhora de idade que vá pedir o auxílio da sua ciência.

Uma tarde, estava ele ansioso por atender uma linda casadinha que se achava na sala de consulta, quando o porteiro deu entrada a uma velhota enfeitadíssima e repintada.

— Doutor, — queixou-se esta; — os meus seios caíram. Que é que eu devo fazer?

— Junte-os, minha senhora! — respondeu, calmo, o facultativo.

O “menino”

Era nos tempos do Circo Sarrazani, e madame, que tem queda para os homens de letras, vivia rondando, nesse tempo, às quintas-feiras, o Petit-Trianon. De uma destas vezes, ia ela pela Avenida das Nações, quando viu um menino que, parecendo perdido da família, procurava, discreto, fazer uma necessidade.

Madame apressou o passo, e, pegando na mão miúda da criança, levou-a até junto de um muro, e mandou que o “garoto” fizesse o que desejava. Ele atendeu, e já estava no meio, quando a formosa senhora, baixando os olhos, estranhou, horrorizada:

— Mas, menino, que é isso? Que idade você tem?

— Eu? Quarenta e dois anos.

__ ?...

— Eu sou o anão do Circo!...

Segunda Parte

Filhos naturais

Naturalmente...

— Quantos filhos tem ela?

— Dois legítimos e um natural.

— Que é que tu chamas um filho natural?

— Ora, que dúvida? É aquele cujo pai não é conhecido.

— Nesse caso, o meu filho, que tem muitos pais desconhecidos, é...

—  ?...

— Sobrenatural!

A tampa do prato

O conhecido mundano, figura de destaque na sociedade, foi obrigado a divorciar-se. Uma vez livre, madame foi tratar da sua vida, procurando a “alma irmã”. E encontrou-a: encontrou-a na pessoa de um bacharel mais velho do que o marido, e menos interessante, e que este considera de situação inferior.

— É isto mesmo! — diz, então, o esposo escorraçado. — Está se vendo que ela não era digna de mim.

E despeitado:

— Cada prato tem a tampa que o deve cobrir!...

Jogo descoberto

O comandante de um navio havia convidado várias damas para uma visita a bordo, e fazia as honras, quando notou que um marinheiro, trepado num mastro, estava com a calça rota e fazendo revelações indiscretas. .

— Oh, Mário! Desce! — gritou.

E tonitruante:

— Junta as tuas cartas que estão vendo teu jogo!

Experiência

Olívio está nas vésperas do seu casamento, e narra aos amigos os seus preparativos nupciais de toda ordem.

— E pintei-me de verde — acrescenta, — da cintura para baixo.

— De verde? Tu estás doido? Que ideia é essa? E para quê?

— Para quê? Para me certificar da virtude da minha noiva. Se ela se espantar ao ver-me pintado de verde, é porque já viu nus outros homens, que não eu!

O prisioneiro

O conselheiro Sancho passeia pelas alamedas de um parque aberto. Como, no seu descuido habitual, tivesse esquecido de abotoar-se ao sair de casa, vê-se por baixo do paletó, na frente, um pedaço da camisa.

— Então, conselheiro, que é isso? — diz-lhe um transeunte. — Resolveu libertar o seu prisioneiro?

E o ancião, dando pelo olvido:

— Sim, sim... É verdade... Mas fique tranquilo, meu amigo; fique tranquilo, porque ele não abusará da sua liberdade!

O remédio

Mário vai visitar um amigo. De repente:

— Ah! Diacho! Lá me vem a maldita dor de cabeça! Não tens aí uma cápsula de antipirina?

— Ora, cápsula de antipirina! — retruca-lhe o amigo. — Fazes como eu, rapaz! Quando eu tenho dor de cabeça, vou procurar minha mulher, fico com ela meia hora, e, quando acabo, a dor de cabeça já foi embora!

Mário reflete um segundo. E, de súbito:

— E onde é que eu encontro agora a tua mulher?

O grão de areia

— Que é isso, Leon? Estás nervoso, hoje? Há meia hora que te vejo ranger os dentes!

— Que tu queres, meu velho? É um grão de areia que me incomoda.

— Veio no vento, ou encontraste na comida?

— Nada disso. Coisas de minha mulher.

— ?...

— Tu não sabes que ela passa o dia sentada na praia?

Os filhoses

A velha Jane havia entrado naquela casa de gente abastada exatamente porque sentira de fora o cheiro dos filhoses. Entrara com o filho, o Fuinha, e pedira um asilo durante a noite, na esperança de que lhe dariam qualquer coisa a comer. E não lhe deram nada, além de uma esteira na cozinha.

Acomodados todos, e apagadas as luzes, o Fuinha sussurra:

— Mamãe... Mamãe... Eu vi onde eles puseram os filhoses... Espera aí que eu vou buscar uns...

Levanta e desaparece. Ao voltar no escuro, a velha está já roncando, seminua, de papo para o chão. O Fuinha vai chegando com o filhos, quando sente um sopro na mão.

— Mamãe... Mamãe... — segreda.

E com o filhos na ponta dos dedos:

— Sopra mesmo, que ainda está quente...

Os ramos

O Justino, sacristão na Igreja de Santa-Rodegunda, havia aparecido naquela manhã de-domingo de Ramos, com a calça desabotoada. No momento de distribuir as palmas bentas, as mulheres todas começam a fazer-lhe sinal que se abotoe, indicando de longe o corpo de delito.

Justino é, porém, inocente. Nem dá pela coisa. E supondo que elas se referem aos ramos, exclama, sorridente:

— Calma... calma... senhoras!

E num sinal de espera:

— Chegará para todas...

A beata

Dona Feliciana Espinosa era uma dessas beatas legítimas, que passava o dia a rezar e a pedir, depois de cada oração, que o Senhor lhe concedesse, como prêmio de tanta piedade, a graça de avisar-lhe, com três dias de antecedência, a hora da sua morte.

— Será feita a tua vontade, — declarou o Altíssimo; — três dias antes da tua morte, mandar-te-ei um anjo, que te anunciará a tua volta ao meu reino.

Chegada a vez, na terra, de Dona Feliciana, o Senhor chama o anjo Gabriel, e ordena:

— Anda, vai dizer-lhe que prepare a sua alma, porque a sua hora vai chegar.

O anjo desce à terra.

— Dona Feliciana — diz — Deus, meu Senhor, manda dizer-lhe que se prepare bem, porque, dentro de três dias, a senhora morrerá.

A beata ficou branca, de susto.

— Ah, meu filho! — gemeu. — Como vai ser agora!

E para o anjo:

— Meu filho, faz-me um favor. Dize-me lá ao Senhor, que não me encontraste em casa... Sim?

A dúvida

Em uma das repetições de certa comédia, o autor vê chegar, o ar preocupado, o conhecido artista, cujos infortúnios conjugais são sobejamente conhecidos na classe.

— Que é isso, meu caro? Que tem você? — indaga. — Algum aborrecimento?

— Minha mulher está grávida.

— Meus cumprimentos. Mas, que tem isso com a sua preocupação?

— Que tem? É que ela está grávida e...

— ?...

— Eu não sei de quem...

Fecundidade

A marquesa de *** é de uma fecundidade espantosa. Em sete anos de casamento, oito filhos. Isso lhe arruína a saúde e a família reúne-se, para deliberar.

— O que se tem a fazer é afastar o marido para uma viagem, — observa o duque, seu irmão.

— Qual, nada! — aparteia a cunhada. — Isso dá no mesmo. Que vocês querem que ela faça?

E dando de ombros:

— Ela é de tal ordem, coitada! que, para ficar grávida, basta que o marido deixe a calça no espelho da cama!...

Espiritismo

— Sabes quem deu agora para o espiritismo? A Cora, mulher do Absalão! E é tão aperfeiçoada, que faz falar a mesa.

— Ainda bem, para mim.

— Por quê?

— Porque se ela pusesse a cama da casa dela para falar, eu estaria frito!

Cabelos brancos

— Você ainda não tem quarenta anos e já de cabelos brancos! — admira-se o Praxedes, ao ver o seu amigo Pafúncio.

— Foi consequência de um grande prejuízo: perdi de um dia para o outro duzentos contos de réis. Em vinte e quatro horas embranqueceram-me os cabelos!

— Pois a mim sucedeu-me exatamente o contrário, — diz o Pafúncio. — Começava eu a embranquecer também. Minha sogra morreu. No dia seguinte estava eu de cabeça completamente preta!

Não havia nada!

Os dois, o Bonifácio e a Rosina, estavam conversando na maior intimidade, e — talvez por causa do calor, — em trajos perfeitamente paradisíacos, quando o Praxedes entrou, rugindo o clássico:

— Que quer dizer isto?

Vestido apenas com o seu par de meias, o Bonifácio titubeou, no meio do quarto:

— Cavalheiro... Não é nada... Eu juro que... que... que não há nada entre mim e a sua mulher!

O Praxedes olhou-o, de alto a baixo:

— Que não há nada, eu estou vendo...

E irônico:

— Não há entre os dois... nem mesmo uma camisa!...

Monkausen

— Eu conheci um sujeito no Amazonas, — contava o Pafúncio — que comia ovos de noite, e, de manhã, a rede onde ele dormia amanhecia cheia de pintos!

— Pois eu conheci melhor no Ceará — atalha o Venâncio. — Era um sujeito de estômago tão forte, que comia faca de noite, e de manhã...

— ?...

— Botava canivete!

O sinal

Totó e Lulú brincam de esconder. Um se esconde, e o outro vai procurar. Cabendo-lhe a vez de esconder-se, Totó dá várias voltas pela casa e vai meter-se debaixo das saias da mamãe, na sala de jantar.

Lulú procura, sindica, examina por trás das portas, debaixo das camas, e vem parar na sala onde está a mamãe.

— Está aqui ele!... Está aqui ele! — exclama, vitorioso, puxando o irmão de sob as saias maternas.

— Ah! Não serve, não! — protesta este, revoltado. — Mamãe é que é culpada!

E indignado:

— Você descobriu porque mamãe soltou uma ventosidade, chamando a sua atenção!...

Razões de judeu

Os judeus supõem, em geral, que a gente só sabe que eles são judeus pela particularidade da circuncisão. E, no entanto, basta olhar um israelita, para saber que ele o é.

Mme. Torres Vila vai daqui para Petrópolis, quando lhe cabe ter por vizinho de banco a Abraão Ben-Ahon, o conhecido agiota. Ao chegar à Raiz da Serra, a moça resolve interrogá-lo:

— Senhor judeu, poderia dizer-me que horas são?

Abraão, calado.

— Senhor judeu, — torna a linda carioca, — poderia informar-me que horas são?

Abraão, mudo.

— Senhor judeu, o senhor é surdo? — explode a moça. — Não está me ouvindo pedir-lhe as horas?

— Senhora, — observa-lhe Abraão, — eu supus que não me fosse preciso dizer-lhes.

E olhos em fogo:

— Se a senhora pode ver que eu sou judeu, olhando através da minha calça, porque não há de ver que horas são, enxergando através do meu colete?

Homem de honra

— Sua mulher, meu caro, o engana miseravelmente! Você ignora, não é?

— Ah! Com certeza!

— E eu lhe venho dizer com quem é.

— Vem dizer-me? Ah, por Deus, não me diga! Pode ser alguém a quem eu costumo pedir dinheiro emprestado, e eu não teria mais coragem de pedir-lhe um vintém, pois, como você sabe, eu sou intransigente, em coisas de honra!

O primeiro móvel

O capitão Belisário, notável pela sua cultura, não o é menos pela rudeza das suas expressões. A brilhante senhora teve notícia, porém, unicamente da sua ilustração, e mandou convidá-lo para um dos seus jantares dominicais.

À mesa, entretanto, o militar não dizia palavra. Comia e calava. Parecia um mudo com quinze dias de jejum. A certa altura, madame não pôde mais.

— Capitão, o senhor parece que não gosta muito da mesa...

— Eu, madame?... — estranhou o oficial, como quem desperta. — É verdade.

E sem cerimônia:

— Dos móveis todos, a mesa, para mim, está em segundo lugar.

— E em primeiro?

— A cama!

Precauções

Madame, senhora sensata, procura fazer compreender à sua filha, doidivanas de marca, que deve ser mais comedida.

— Sim, mamãe, eu confesso: ontem, aquele senhor penetrou no meu quarto.

— E eu não tinha dito que fechasses a porta com a chave?

— Eu fechei, sim, mamãe; mas, quando eu fechei...

— ?...

— Ele já havia entrado!

O pedido de Abraão

Jacó Abrahanovitch é de uma usura israelita. Havendo, porém, feito algumas coisas boas neste mundo, Deus, Nosso Senhor, concede-lhe a graça de, depois de morto, ir bater às portas do céu.

— Pá-pá-pá!

São Pedro foi abrir.

— Entre, Abraão.

Ao fim de poucos dias, o recém-chegado conhece já toda a gente do Reino Celeste. Conversa com todos, cumprimenta a todos. Até que, um dia, se aproxima do próprio Padre Eterno, e entra em palestra.

— Dizei-me uma coisa, Senhor, — indaga: — que significa para vós um milhão de anos?

Bondoso, o Senhor explica-lhe:

— Um milhão de anos, para mim, significa um minuto.

— E um milhão de contos?

— Um milhão de contos, para mim, vale um tostão.

O usurário esfrega as mãos:

— Ah, Senhor, dai-me, então, um tostão!

— Um tostão1? — faz o Senhor.

E batendo-lhe no ombro:

— Dou-te, sim, Abraão; mas... queres esperar um minuto?

Meninos de hoje

À mesa, Pedrinho interroga:

— Diz-me uma coisa, mamãe: como foi que eu nasci?

— Em um repolho, filhinho.

— E papai?

— Teu pai, numa cerejeira.

— E tu?

— Eu, fui encontrada em uma salada. E Pedrinho:

— Não se faz, então, amor na família?

O dinheiro do céu

As duas amigas conversavam sobre uma terceira, que se não achava presente.

— Viste o vestido com que ela foi ao último baile do “Glória”? Uma riqueza! E, no entanto, o marido não ganha para isso.

— Mas, em compensação, o dinheiro cai-lhe do céu.

— Do céu?

— Então, menina! Tu não sabes que ela é amante de um aviador?

O sacrifício

A pobre rapariga, mãe pela primeira vez, gemia desesperadamente com as dores do parto. E no seu sofrimento desesperado, invocava Jesus e a mãe de Jesus, os santos e os anjos, Deus e o Diabo. À cabeceira, o marido lamentava-se:

— Ah, meu amor, como é horrível ver-te sofrer assim! Ah! Eu te juro que prefiro me mutilar, cortar a causa de tudo isso, a dar-te de novo esses tormentos!

— Não... não... não!... — pede a paciente, apressada.    .

E agarrada às mãos do marido:

— Não te cortes não, sim? A parteira disse-me que é só da primeira vez que é assim... Do segundo para diante é como... como... como... quando a gente se casa.

E outra vez:

— Não te cortes não, sim?

A “raiz” do mal

O comendador Bonifácio, cujo luxo consiste em sustentar uma mulher chic da qual toma conta um jovem jogador de futebol, tem há três anos outra “pequena”, mas anda indignadíssimo.

— Acabei com a patifaria, — conta ele a um seu vizinho de escritório. — Imagine você que em 1924 a rapariga apareceu-me em estado de ter criança; em 1925, outra vez; e agora, outra vez. Não aguentei mais, e pus termo à sem-vergonhice.

— Rompeu com ela?

— Não; fiz pior: cortei o mal pela raiz.

— ?...

— Despedi o chauffeur!

Hora certa

Madrugada alta regressa o Abelardo de uma das suas pândegas habituais, a gravata para a esquerda, o charuto ao canto da boca, o chapéu no cocoruto, quando, ao atravessar em ziguezagues o largo de S. Francisco, a barriga, revolucionada pelas bebidas, dá sinal da sua existência, com um pequeno tiro das suas entranhas.

— Pum!... — fez o ar, pondo-se em liberdade.

Nesse momento, porém, exatamente, o relógio da igreja de São Francisco anuncia três e meia da manhã, com uma badalada sonora:

— Dém!...

O Abelardo para um instante nas pernas trôpegas, cambaleia um bocado, e confere:

— Está certo!

Madalena

Um colecionador de quadros religiosos apresenta-se a um pintor e diz-lhe:

— Desejo que me pinte uma Madalena.

— Antes ou depois do pecado?

— Durante... o mesmo.

Sem ver...

Para Mme. Cataguases, viúva ponderada, foi a maior surpresa da vida aquela notícia, que lhe deram, de que a filha, a Doquinha, andava, de novo, com aquele estroina, cuja fama era a pior deste mundo e em quem a menina, ela mesma, prometera nunca mais pôr os olhos.

— Mas, tu não disseste, desgraçada, que nunca mais o querias ver?

— Disse, mamãe; e cumpri a promessa.

— E como foi, então, que te encontraste com ele?

— Encontrei-me, mas não o vi.

— ?...

— Abri os braços... e fechei os olhos!...

O traidor

O velho capitalista Fagundes tomara aposentos numa casa de família, onde havia uma linda pequena de dezessete anos. E, na casa, falava, quase diariamente, da sua fortuna e da sua idade:

— Tenho setenta e dois anos, e dois mil contos, — dizia. — E não sei a quem deixe o meu dinheiro!

Como, naquela idade, não houvesse nenhum mal na intimidade do ancião com a menina, a dona da casa conseguiu que a filha fosse dormir no quarto do velho, uma noite em que este se sentiu doente. Pela manhã, porém, a menina chegou em choro:

— Ah, mamãe! O Sr. Fagundes nos enganou!

— Enganou, como, menina?

E a garota, aos soluços:

— Ele te disse que tinha setenta e dois anos, e, no entanto, só tem, quando muito, cinquenta e cinco!...

O amor e ausência

Em uma roda de mulheres galantes, parisienses legítimas, discute-se o problema do sentimento.

— Eu acho que a ausência faz aumentar o amor, — opina uma.

— Eu também sou dessa, opinião, — declara outra.

E documental:

— E a prova é que, depois que o Roberto partiu, eu fiquei mais apaixonada pelo Ricardo!

A última coisa

O Juquinha tem sete anos e aprende religião. No exame de catecismo, o padre Joaquim chama-o à lição para discorrer sobre o sinal da Cruz.

— Diga-me, menino, qual é a última cousa que você faz antes de dormir?

— A última?

— Sim, a última.

E o Juquinha:

— Eu faço... pipi!

Um dos dois

O velho mundano, depois de uma corte bastante demorada, acaba por conseguir um encontro com a mulher desejada. Ele se mostra ansioso, apaixonado. Ela cede. E, ei-los, os dois, no grande leito eventual.

Beijos loucos, carícias. Passa-se, porém, a primeira hora. Hora e meia. E nada de decisivo. Apenas beijos e carícias. A dama, então, perde a paciência.

— Cavalheiro, — exclama.

E intimativa:

— Um dos dois tem que se levantar!

Honestidade moderna

Como em todas as rodas de rapazes chics, tratava-se, naquela, da vida galante da cidade. Apontam-se nomes de criaturas levianas. E cada indicação é aprovada pela generalidade dos presentes.

— E Fulana? — lembra alguém, citando uma linda criatura oxigenada, cujos olhos inocentes são a maior camouflage que se conhece.

— Perdão! Essa, não! — protesta o ex-deputado, figura de dinheiro. — Essa, é honesta, rigorosamente honesta.

E ofendido:

— Essa é uma senhora que só tem relações com o marido, e comigo!...

A mestra e a discípula

As duas amigas são diferentes na idade e nos costumes. Uma, é veterana na vida galante, na qual tem, pode-se dizer, as estrelas do generalato; a outra, que é sua prima, e que ela vem desviando do bom caminho, está começando agora a sua carreira.

E é esta que confessa, tímida:

— Sabes, fulana, que foi que me aconteceu? Fulano meteu-me ontem em seu automóvel, e levou-me até o Leblon. E como ele é todo cheio de “novidades”!

E após um instante:

— Diz-me uma coisa: eu “fiz” mal?

— Sei lá, filha, — atendeu a outra.

E sem atinar com o sentido da pergunta:

— Com o tempo tu vais fazendo melhor...

Diálogo doméstico

A esposa — Tu dizes que eu sou feia, e mais isto, e mais aquilo. Entretanto, houve um homem que passou um mês atrás de mim!

O marido — Não era da Polícia?

A tatuagem

O Felisberto, fuzileiro naval, apresenta-se à inspeção de saúde. Posto em pelo, o oficial médico censura a sua extravagância, ao vê-lo tatuado em várias partes do corpo.

— E isto aqui, esta mancha preta, que é?

— Isto aqui, “seu” comandante, isto aqui não é nada, — informa o marujo.

E rindo:

— Isto aqui, em certos momentos, faz: “Etelvina Maria da Conceição”!

A inveja

Madre Natália, de um mosteiro de Bordéus, ouve de uma refugiada o relato dos horrores praticados pelos alemães durante a invasão.

— Imagine, irmã, — diz a dama, — que uma criada da nossa casa, uma pobre rapariga, foi assaltada por eles e teve de sofrer, em uma hora, os ultrajes de dezessete soldados!

— Aí está, minha filha, — comenta a religiosa, — aí está o que são essas criadas! Não merecem, e acontece-lhes dessas! Cadê que sucede disso a esta pobre serva do Senhor?

A “veiaca” (*)

Certo médico teve de aplicar num velho sertanejo uma série de injeções de mercúrio. Dolorosas que são tais injeções, à terceira ou quarta das mesmas, quando o clínico procurava lancetar a nádega do cliente matuto, notou que este encolhia as traseiras, num irreprimível nervosismo. Observando isso, perguntou-lhe:

— Que história é esta? Você está com medo?

— É medo não, seu Doutô... É o diabo da bunda que está ficando veiaca!...

O professor

Carlos, filho do tabelião Moura, dá as suas lições em casa, onde lhes vai tomar o professor Batista. Um dia, entra o pirralho de carreira pelo cartório:

— Papai! Papai! Um pedaço de papel!

— Para quê, menino?

— Para o “fessôr”, papai! Ele parece que vai fazer côcô lá em casa!.

— ?...

— Quando ele acabou de tomar minha lição, entrou para o quarto com mamãe, e fechou a porta. Eu então olhei pela fechadura, e vi. Ele já estava sem calça!...

Delicadezas

— Então, tu choras teu marido? E, no entanto, ele era já tão velho!...

— Era, sim; mas que modos delicados, que ele tinha, de provar que não o era!...

No Jardim Zoológico

— Papai, um leão pode entrar no céu?

— Não, meu filho; que ideia!

— E um padre?

— Naturalmente.

— E se um leão comer um padre?

Roupa de família

Carta encontrada em um embrulho de roupa:

“Meu querido filho: Envio-te neste pacote seis camisas novas, feitas de seis camisas velhas do teu pai. Quando elas ficarem usadas, manda mais, que é para tua mãe fazer seis novas, para teu maninho. Abraços nossos”.

Filhos de Israel

Aarão procura Nataniel, que é judeu como ele.

— Sabes, meu velho? Eu tenho que casar Sara antes da Páscoa: Eu darei a quem casar com ela dois contos de réis por ano de idade que ela tenha. Seria um belo partido para teu filho Isaac.

— Que idade tem ela?

— Dezoito anos.

— Não há dúvida, Aarão. Mas, tu não a achas muito nova para casar com meu filho?

A temperatura

O Policarpo, que esteve no Rio durante o verão deste ano, chega à sua cidade, no interior de Minas, e dá notícias da temperatura:

— Era um calor de rachar. Fazia trinta e oito graus à sombra!

— Mas, também, o culpado era você, Policarpo — observa-lhe a mulher.

E ingênua:

— Quem manda você ficar na sombra?!...

Experiência

— É um horror, minha querida! — lamenta madame. — Eu sei o que é uma situação dessas. O amor, quando é como o teu e foi o meu, só tem um remédio, ou antes, uma arma contra ele!

— Matá-lo?... A gente deve matar um amor como este? — espanta-se mlle.

E madame:

— Deve, minha filha. E um amor assim só morre... quando a gente casa com o homem a quem ama...

No tribunal

Juiz — O réu é acusado de ter dado em um poleiro e roubado uma dúzia de galinhas.

Réu — É falso; a verdade é que as galinhas começaram a andar adiante de mim...

Juiz — Com o pescoço torcido?

Réu — Sim, senhor, porque voltavam a cabeça para ver onde eu estava.

Um beijo

Clara — O Artur encontrou a Amélia dormindo na rede o outro dia e deu-lhe um beijo.

Luiza — E que sucedeu?

Clara — A Amélia não pode passar agora sem dormir a sesta.

O valor dos títulos

O Davi, estudante de medicina, arranja uma noiva, e telegrafa ao pai, judeu-brasileiro de um Estado do Norte:

— “Noiva oitocentos contos apólices. Peço sua bênção”.

No dia seguinte, vem-lhe um telegrama do pai:

— “Apólices federais ou estaduais?”

Davi responde:

— “Federais”.

No terceiro dia chega a resposta do velho:

— “Parabéns. Deus te abençoe!”

Situação invejável

Duas artistas de teatro conversam:

— Em que é empregado o teu novo amigo?

— Em nada.

— Ele tem fortuna?

— Não; mas a mulher dele conhece alguém que tem.

Hostilidade de família

A família de Pons, o conhecido judeu parisiense, assegurava descender de Pôncio Pilatos, procurador da Judeia, que lavara tão covardemente as mãos ante a morte de Jesus Cristo. A casa de Leví ligava-se tradicionalmente à tribo de Leví, uma das doze tribos de Israel, da qual saiu a Virgem Maria.

Um dia, passeavam pelos arredores de Paris estes dois cavalheiros, quando encontraram um Calvário, com o Cristo crucificado. E Leví, com tristeza:

— Veja, meu caro Pons, em que deplorável estado os seus antepassados deixaram o meu parente!...

Na agência de criados

— Eu quero um criado moço, forte, bonito, branco... — informa a senhora idosa, cinquentona de cabelos postiços. — Dou-lhe duzentos mil réis por mês; e se me agradar...

— ?...

— Eu caso com ele.

O noventa

— Izidoro?

— Que é, meu velho?

— Tu que és inteligente, podes dizer-me o nome daquele cachorro?

— Totó!

— Não!

— Veludo?

— Não!

— Relâmpago?

— Não!

— Que diabo de nome tem ele, então?

— Oh! Filho! Está à vista! Ele se chama “Noventa”.

— Tu estás doido, ou zombando de mim.

— Nem uma coisa nem outra. Eu te digo que êle se chama “Noventa”, e provo-o. Como se escreve noventa? É com um nove e um zero; não é verdade? Pois bem: olha a cauda retorcida dele; não é um nove? Junta-lhe agora o zero...

— Mas, onde está o zero?

— Oh! Filho! Debaixo da cauda!...

Surpresas

— Então, fugiu a tua mulher?

— Fugiu.

— E tu, estás satisfeito?

— Furioso!

— Furioso?

— Sim; porque ela voltou!...

Viciado

— E você, tio Gaudêncio, você não bebe mesmo água?

— Eu, menino? Há trinta anos que eu não sei o que seja uma gota d’água em minha casa.

— E você não escova os dentes?

— Escovo, sim.

— Com quê?

— Meu Deus! Para escovar os dentes de manhã eu tenho lá em casa um paratizinho fraco...

A desvantagem do dote

Marido e mulher travam discussão.

— Ninguém dirá que eu não sou uma boa criatura; isso, não! — diz madame, ressentida.

— Boa!... — exclama o marido, com ironia. — Boa!... Sempre foste muito boa!...

E num dos seus coices habituais:

— Eras tão boa, que teu pai me deu trezentos contos para ficar contigo!...

Um tradicionalista

Quando o velho Polidoro morreu de febre na Baixada Fluminense, os seus três filhos tiveram que entrar em acordo para divisão da herança.

A princípio, tudo foi muito bem. A casinhola ficou para o irmão mais velho, o Bonifácio. E a terra, foi dividida em três partes mais ou menos iguais. Quando, porém, chegou a vez da partilha da mesa, da cadeira e da cama do velho, começaram as desinteligências.

Caçula dos irmãos, a Francisquinha, teimosa como era, exigiu, com a sua ranzinzice de mulher, que cada um daqueles móveis fosse serrado em três partes. E assim se fez.

Restava o burro.

— O burro, eu o compro, — declarou o irmão mais velho, prevenindo qualquer discussão. — Eu não quero que se divida o pobre animal em três pedaços. Enquanto o nosso pai viveu, houve sempre um burro nesta casa. Eu quero continuar a tradição.

E, grave:

— Enquanto eu viver, esta casa há de ter um burro!

Vingança de caboclo

Um caboclo está semeando as suas terras em Petrópolis quando passa uma veranista metida a sebo.

— Então, amigo, — diz-lhe esta, — está plantando para nós comermos!

— É verdade, moça, — confirma o caboclo.

E perverso:

— Estou plantando milho pra galinha!...

Fleugma

— Já soubeste que Fulano é, hoje, amante de tua mulher?

— Já.

— E que dizes a isso?

— O que eu digo é que eu tenho pena dele.

— Pena?

— Sim, filho. Bonito como é, não achas que ele encontraria coisa muito melhor?

Denúncia

— Menino, vá se deitar; mas antes dê um beijo na sua mestra, a Sra. Dona Júlia; vamos!     

— Não dou.

— Não dá, por quê?

— Porque ontem, quando mamãe foi lá dentro, o papai também quis dar um beijo na Sra. Dona Júlia, e ela deu-lhe uma bofetada.

O lenço

— Patife! Covarde! Pôr-me neste estado, de tanto murro que me deu! — grita a mulher, furiosa.

— Murro, não! — protesta o marido. — Eu te bati com o meu lenço.

— Eu não nego que foi com o teu lenço, porco! Não nego, porque toda a gente sabe que tu te assoas nos dedos!

A operação

Após haver confiado ao habílimo operador o seu rosto fatigado, a ilustre dama e grande artista resolveu entregar-lhe, também, para o milagre do rejuvenescimento, o seu corpo de alabastro.

Uma incisão abaixo do estômago, alguns pontos de sutura, e desapareceu todo o excesso de tecidos, distendendo-se a pele, reparando-se o mal.

Ao fim, porém, de pouco tempo, tornava a cliente ao consultório do cirurgião:

— Doutor, a sua primeira operação não foi definitiva!

— É natural, minha senhora. A senhora fatiga-se muito, e isso precipita a velhice.

— Então?

— Então, faremos nova incisão; mas desta vez, abaixo dos seios, puxando a pele para cima.

Assim disse, e assim se fez.

Três meses mais tarde, porém, tudo aquilo degringola, desaba, atirando-se para baixo. E isso no momento exatamente em que a artista devia partir para os Estados Unidos, em tournée. A cliente corre, novamente, ao cirurgião. Quem sabe se o presidente Coolidge não a quererá ver no papel de Frinéia perante os juízes?

O especialista aquiesce de novo. Para salvar a Beleza, faz ele debaixo do queixo, no ponto em que nasce o pescoço, outra incisão, e novos pontos de sutura. O couro, repuxado, sobe ainda mais.

Dessa vez, porém, o cirurgião acha da sua obrigação prevenir:

— Minha senhora, é a última vez. Agora, não se poderá fazer mais nada. O couro da barriga já subiu o que podia subir.

E com gravidade:

— Se o puxarmos mais uma vez...

E ao ouvido da cliente:

— A senhora ficará de cavaignac...

Bis!

Os óculos na ponta do nariz, a cabeça branca a tornar-se ainda mais branca sob a claridade forte da lâmpada, o desembargador Atanásio endireita, emenda, corrige, pacientemente, as provas de português da sua filha mais nova, a Mariazinha, que vai prestar exame de admissão ao curso secundário. Antigo mundano, conquistador temido e famoso, o conhecido magistrado imitara, com o chegar da velhice, o diabo que se fizera ermitão. As mulheres levaram-lhe fortuna, alegria, mocidade. Deixaram-lhe apenas a vida.

De repente, eis que a Mariazinha, levantando a cabeça da página que lia, indaga, interessada:

— Papai, que é “bis”?

— “Bis”? — faz o desembargador, maquinalmente.

‘'Meditou um instante:

— “Bis”, minha filha, é...

Sorriu malicioso. E com tristeza:

— É verdade... Há quanto tempo eu não digo essa palavra à tua mãe!?...

O frio do inverno

Uma velha fidalga, maior de sessenta anos, manifesta as suas fraquezas por um batalhão de gigolôs.

— Mas, com os vossos cabelos brancos, senhora marquesa, — observa-lhe alguém, — e ainda tendes paixões?

— E por que não? — retruca a velha dama, ofendida; — não é no inverno que a gente se aquece?

Como os segredos “transpiram”...

— Ah, minha filha, — queixa-se madame, deliciosa figura de mundana; — não me deem os seus segredos para guardar.

E deliciosa de sinceridade:

— Que é que não “transpira”... debaixo de um lençol?...

Na casa de modas

— Eu queria calças para senhoras.

— Abertas ou fechadas?

— Abertas.

— Muito abertas?

— O suficiente para passar a mão de uma pessoa!

Praticismo

O filho do hoteleiro chega, correndo:

— Papai, a Maria está lá no quintal, no quartinho das malas, abraçada com o hóspede do n° 15!

— Corre, vai dizer à tua mãe. Dize a ela que bote na conta dele!

A máquina

Um marselhês diz a um amigo:

— Eu acabo de inventar uma máquina que é uma verdadeira maravilha: mete-se um porco em um dos buracos, e daí a pouco sai uma linguiça.

— Com tua mãe sucedeu exatamente o contrário... Não foi?

— ?...

— Meteram-lhe uma linguiça e saiu um porco!

Remédio infalível

O desembargador Florêncio Bandeira havia casado em segundas núpcias, na Baía, e, ao fim de cinco anos, nada de filho. Era verdade que o ilustre magistrado andava já na casa dos sessenta. Mas, que tinha uma coisa com outra se Dona Virgininha andava apenas pelos vinte e cinco?

Um dia, a moça, que continuava a ser digna do seu nome de batismo, resolveu vir ao Rio.

— É um passeio de dois ou três meses, Lôlô, — disse ela ao marido.

E veio. E, de regresso, ao cabo de sete meses, dava ao mundo um garoto que era, mesmo, uma beleza, como gordura e como plástica.

Foi por esse tempo que, no gozo da sua felicidade, Florêncio Bandeira foi visitar, no Rio Vermelho, um velho amigo, o coronel Rodrigo Pestana, que aí possuía uma grande estância para exploração da avicultura. Recebido com grande carinho, foram dar, os dois, um giro pela chácara.

— Este quintal aqui é das leghorn... — ia explicando o dono da estância. — Este, aqui, é das orpington... Este, das carijós...

E a certa altura:

— É pena que, agora, o diabo destas galinhas tenham, quase que ao mesmo tempo, levantado a postura. São mais de cem, e tem dia em que não se apanha um ovo!

— Deveras? — fez o desembargador, admirado. E você já experimentou mudar os galos?

— Já.

— Já deu casca de ovo pisada?

— Já.

O magistrado pensou um momento, e, parando, pondo a mão no ombro do avicultor:

— Uma coisa, compadre.

— Que é?

— Por que você não manda as suas galinhas passarem dois meses no Rio de Janeiro?

Lugar de “honra”

A linda criaturinha, mundana das mais famosas nos lugares de luxo, ganhou recentemente um colar, que é uma beleza. No seu dizer, foi ele conquistado pela formosura do seu colo.

— Vou colocá-lo no lugar do meu corpo que o conquistou, — diz ela.

Mas uma amiguinha opinou:

— Não faças isso, filha!

E brejeira:

— Assim, só os homens é que podem ver...

Depois da “queda”

— Sabes, Augusto? As mulheres não deviam “cair” nunca. Porque, quando elas “caem”, sucede como nos momentos de pânico.

— ?...

— Os homens passam por cima!

Mistérios femininos

O honrado e velho capitalista não é dos espíritos mais agudos do alto comércio. Da sua inteligência dá ideia um caso recentíssimo. Criatura chic, madame é uma excelente freguesa de joalheiros, chapeleiros e modistas. O marido dá-lhe oito contos por mês, mas as contas chovem, ainda, no escritório. Até que, há dias, o capitalista resolveu reclamar:

— Eu não sei, afinal, em que gastas o dinheiro que te dou.

Enumerou nos dedos:

— Tu não bebes... tu não fumas... tu não jogas...

E num muxoxo:

— Tu não gastas com mulheres... Em que é, então?

Resposta à “altura”

Madame ergue-se repentinamente do leito e prepara-se para sair.

— Vais, e não voltas? — indaga o marido, humilhado.

— Naturalmente. Há muita coisa nesta casa que vai e não volta!

A morte do matemático

Corretamente vestido, o marquês de Lachapele toma o elevador do grande edifício, e vai espremer uma campainha, no terceiro andar, à porta de um apartamento. Um criado vestido a rigor aparece-lhe.

— É aqui que mora o professor Biévre?

— Sim, senhor.

— Ele está em casa?

— Não, senhor.

— Não sabe onde ele foi?

— À pretoria.

— Que foi ele fazer lá?

— Casar-se.

— Mas, eu supunha que ele tivesse setenta e seis anos.

— Tem, sim, senhor.

— E a noiva?

— Tem dezessete.

— Bom; então, eu voltarei daqui a oito dias.

Uma semana depois, volta o marquês. O mesmo criado o atende.

— O professor Biévre está?

— Não, senhor.

— Saiu?

— Sim, senhor.

— Para onde?

— Para o cemitério, e não volta mais.

— Morreu?

— Sim, senhor.

— Mas ele não havia acabado de casar-se?

— Exatamente.

— E de que morreu ele?

— De matemáticas.

— De matemáticas?

— Sim, senhor.

— ?...

— Ele queria ver quantas vezes setenta e seis podiam caber em dezessete, e morreu na operação!

Arrependimento

Não há muito tempo, havia ele, num garden-party, aproximado muito, a boca dos lábios de uma jovem senhora, quando o marido desta o chamou à parte:

— Diga-me uma coisa: você roubou um beijo à minha mulher; não?

O interpelado sorriu:

— Quer que fale a verdade? Eu roubei. Mas, no mesmo instante, lembrei-me que você era meu amigo...

— E devolvi-lhe o beijo, de novo!

Minerva

Os dois, pai e filho pequeno, penetram na Escola de Belas-Artes para ver as obras de estatuária. De repente, o cavalheiro estaca, e mostra uma figura mitológica.

— Esta aqui, vês, é Minerva.

— E esse que está aí atrás é o marido dela, papai?

— Não.

— Ela não era casada?

E o cavalheiro, solene:

— Não, meu filho, Minerva era a “deusa da Sabedoria”...

Posições

A datilógrafa entra no gabinete do advogado, seu patrão, e comunica:

— Sabe, doutor, vou-me embora; arranjei uma posição melhor.

— Melhor? — estranha o advogado.

E abandonando o trabalho:

— Fecha aí com a chave...

E entusiasmado:

— Como é?

Definição

— Papai, por que é que dizem que o amor é cego?

— É porque, quando a gente ama, meu filho, a mulher nos custa os olhos da cara!

A vaca

Em toda a região do Avinhão — todo o mundo o sabe, — não se criam vacas nem touros. Sem dúvida, isso é por causa de... Mas, esperemos o fim da história.

Certo dia, três damas daquela cidade foram passar suas férias na montanha de Wigne, entre os gavots. No dia seguinte ao da sua chegada, foi um portador procurar com urgência o dono da casa em que elas se haviam hospedado, dizendo-lhe que a sua sogra estava morrendo. A notícia chegou-lhe, porém, na ocasião, exatamente, em que ele conduzia a vaca ao curral do touro. Sem saber o que fizesse, o homem ficou indeciso.

— Ah! Não se aflija! — disseram-lhe as damas. — Confie-nos a sua vaca, que nós a levaremos ao animal. Nós não somos nenhumas mocinhas; somos senhoras casadas...

Após alguns instantes de hesitação, o montanhês entregou-lhes a vaca, e partiu, a ver a sogra, na fazenda vizinha. Duas horas depois, voltou. E que é que encontra, fora do curral? As três damas, o cabelo em desalinho, os vestidos em tiras, a fisionomia desolada, sujas de suor e de poeira.

— Mas, que foi? Que aconteceu? — foi logo indagando, agoniado. .— O touro investiu contra as senhoras?

— Ah! Não, senhor. Foi a vaca...

— A vaca?... Mas, tão mansa?...

— Não; não é isso, não senhor. É que o senhor nos disse que a puséssemos em posição de ela se entregar ao touro, e ela...

— ?...

— Não quis de modo nenhum ficar deitada de costas no chão!...

Esquecimento...

— É verdade, fulana? Quem era aquele rapaz que te ia beijando ontem? É teu irmão ou teu marido?

— Ah, menina, não te sei dizer.

E distraída:

— Nem perguntei!...

O homem do mar

— Dizes que os homens são como o oceano... Não são, não, Antônio.

— ?...

— O oceano cresce no seu leito de doze em doze horas!...

Franqueza

Em um teatro de Rouen, onde se achava de passagem com a sua companhia, o diretor de cena chama à ordem uma das atrizes, que desempenhava o papel de amante abandonada e a quem faltava ação no desempenho.

— E, no entanto, — explicava ele, — é fácil. — Imagine a senhora, que amou perdidamente um homem, que é seu amante.

— Sim, senhor.

— Esse amante a abandona.

— Sim, senhor.

— Que é que a senhora faz?

E a artista:

— Eu? Eu... arranjo outro!

O sonho

As festas em casa de Don Ramon Gutierrez y Rodriguez eram das mais famosas de Sevilha. Não eram festas; eram festins à moda romana, em que se começava pelo vinho e acabava pelas mulheres.

Naquela noite, já pela madrugada, retirados os convivas, chamou Don Ramon os seus amigos mais íntimos, Don Romero e Don Pablo.

— Eu guardei lá em cima, para vocês, — disse, — a parte melhor. É a Carmen, uma linda pequena que o judeu Abimelec me trouxe de Madri.

— Ah! É minha! — gritou Don Pablo.

— Não, senhor, é minha! — bradou Don Romero.

E iam atracar-se, quando Don Ramon interveio, conciliador:

— Nada disso! A rapariga, hoje, não é nem de um, nem de outro; será, amanhã, daquele de vocês que tiver o sonho mais lindo esta noite!

No dia seguinte, à mesa do almoço, pediu Don Ramon que cada um contasse o seu sonho.

— Eu sonhei, — começou Don Pablo, — que a festa que houve na tua casa se realizava no céu. As lâmpadas eram estrelas, o vinho caía em forma de chuva e as mulheres dançavam com asas. Convidado por ti, fomos, eu e tu, até lá; e divertimo-nos tanto, os dois, naquele ambiente, que o Padre Eterno mandou nos chamar para nos dar os parabéns!

— E tu, Don Homero?

— É interessante! — exclamou este, sacudindo a cabeça. — Não é que eu tive exatamente o mesmo sonho?

— Da festa no céu?

— Perfeitamente; mas, com uma diferença: é que eu acordei logo depois do convite, de modo que não pude ir com vocês.

— E então?

— Então, eu disse aqui comigo: “Os dois, agora, estão no céu gozando a festa, e não voltarão tão cedo!”

— E daí?

— Daí, para não ficar sozinho, levantei-me, fui até lá em cima, e passei a noite toda com a Carmen!

Projetos de vida

— Por que tu não brincas com as tuas bonecas, hein, Lili?

— É porque eu quero guardá-las para meus filhos.

— E se não te casares, e não tiveres filhos?

— Ficam para meus netos!

Filosofia

O velho coronel e deputado penetra na Câmara, quando um dos colegas vai ao seu encontro.

— Então, Fulano, meus parabéns! Vi-o ontem jantando com uma pequena, no Copacabana Palace.

— Linda pequena, é verdade!

— Deu-lhe você algum... algum... algum prazer?

— Dois!

— Dois? Na sua idade?

— Sim, dois: um, pagando-lhe bem, e outro... vindo-me logo embora!

Distração

O jovem sacerdote é um puro nas obras, mas, segundo se diz, um pecador nos pensamentos. Uma destas manhãs ajoelhou-se no seu confessionário uma linda criaturinha, irmã de um jornalista conhecido.

— Padre, — confessa a mísera, — eu tenho amado muito... Tenho amado principalmente um primo meu...

E o sacerdote, distraído:

— De noite ou de dia?

Sinal de pobreza

Conversava-se em um grupo sobre um famoso mundano e “pirata”, antigo deputado, hoje no ostracismo, quando alguém observou:

— Homem, eu acho que êle vai muito mal de negócios. Eu digo isso porque a senhora dele está para ter criança.

E explicando o caso:

— Sim, porque, quando êle tinha dinheiro, os filhos dele nasciam nas mulheres dos outros!

Único defeito

Em vésperas de casar a filha, o Fedegoso tem uma conferência com o tio do noivo; este, depois de fazer grandes elogios ao sobrinho, acrescenta:

— Entretanto, não posso esconder-lhe que ele tem um defeito.

— Qual?

— Não sabe jogar.

— Oh! Tanto melhor.

— Não há dúvida, mas é que apesar de não saber, joga.

Os vizinhos de quarto

Marius Pitalugue, o conhecido caixeiro-viajante, havia chegado a uma cidadezinha de "província, hospedando-se em um hotel onde lhe deram um quarto, vizinho ao de um casal de velhos, maiores de setenta anos.

— Ora, graças a Deus! — exclama. — Estes, com certeza, me vão deixar dormir sossegado!

E, mudando de roupa, atira-se à cama, e pega no sono.

De repente, porém, acorda. Através das tábuas, chegam-lhe sinais de duas respirações fatigadas. E logo, em seguida, a voz da velhinha:

— Oh! Carlos! Assim, não! Põe-te por cima, que entra melhor!

— Sim, senhor!... — diz Marius, consigo mesmo. — Para gente da sua idade, vão, os dois, muito hem!

E continua a escutar o diálogo.

— Ah, Carlos! Não entra, não! — insiste a velha.

— Ora, esta!... — monologa Marius, intrigado.

De repente, a voz do velho:

— Meu amor, eu não posso mais! Já estou cansado! Fica tu, agora, em cima; talvez entre!

Marius se torce, de rir. Mas ouve a voz da velha:

— Não entra, não; vês? Mas, há um meio; olha; vamos ficar os dois de cima!

A essas palavras, Marius para de rir.

— Uai! — faz. — Como é então? Palavra, que eu tenho ouvido falar de tudo; menos disso. Enfim, vamos ver.

E trepando no leito, fica nas pontas dos pés, e olha para dentro do quarto vizinho. E sorri.

Os dois velhinhos estão sentados em cima de uma grande mala, na qual se apoiam com todas as forças, procurando fechá-la!

Conhecedora velha

No dia seguinte ao das suas núpcias, Ginete queixa-se à mãe:

— Ah, mamãe! Que marido arranjei eu!...

— Não gostaste?

— Não, senhora; achei-o frio demais. E a velha:

— Eu não te dizia?

Diversidade

— Ah, menina! Tu não imaginas como eu sou! Quando encontro, na rua um homem bonito, não durmo!

— Pois eu, — aparteia a outra, que já fez o trottoir, — sou o contrário.

E rindo:

— Quando durmo, não arranjo um homem bonito!...

A confissão

O velho sacerdote italiano, tão temido naquele bairro elegante pela severidade das suas penitências, havia entrado no confessionário há meia hora e despachado seis ou oito pecadoras, quando aquela senhora acentuadamente chic se foi ajoelhar diante do crivo de ferro, por onde se haviam coado, já, todos os pecados do mundo.

Padre Luigi era um homem robusto, sólido, saudável, maior de sessenta anos. A cabeça forte, completamente branca, sentava-lhe sobre umas espáduas de touro. O carão era redondo, a face vermelha, e tinha uns olhinhos miúdos, de cor duvidosa, os quais espiavam entre as pálpebras semicerradas como dois camundongos pela fresta de uma gaveta.

— Parlate, Signora! — ordenou.

Dona Zilda era, talvez, a mulher mais bonita da paróquia. Clara, parecia feita com coalhada. A boca vermelha, sem pintura; os cabelos negros, que não cortara; o busto levantado; os olhos cor de mel; — toda ela respirava essa imponência, essa graça altiva, essa majestade das mulheres que nasceram para dominar. Divorciada de um comerciante alemão, vivera, dizia-se, honestamente, alguns meses; ultimamente, porém, parecia haver capitulado ante as investidas de um capitalista acentuadamente parisiense, cujas carícias esquisitas lhe haviam tocado o íntimo do coração. E ali estava, parece, contando alguma coisa de grave, de novo, de original, que escandalizava padre Luigi.

A voz baixa, não se sabia, sequer, o que ela dizia. Do confessionário vinha, no entanto, deixando adivinhar a consulta, a resposta do sacerdote.

— ...? — perguntou-lhe a moça.

— Si, signora! Peccato mortale! Grande peccato mortale!

— ...?

— Si, si, ma, peccato mortale!

A dama insistia, porém, evidentemente, na descrição do pecado. A sua voz, muito ciciada e acariciante, chegava, indistinta, aos ouvidos mais apurados. E à medida que ela insistia, mais padre Luigi se mostrava nervoso. Duas vezes tinha passado, já, o lenço pelo rosto. A caixa de rapé, mergulhada no bolso da batina, havia saído de lá, já, quatro vezes, para mergulhar novamente.

— ...!...?...!?...!...

Padre Luigi toma uma pitada.

— ...!...!

— Peccato mortale! Grande peccato! Signora! — exclama, nervoso, aflito, agitado — Peccato mortale! Ma... ma... ma...

E entusiasmado, fora de si, agitando as mãos, erguendo-se no confessionário:

— Ma che bella combinazione!...

O vestido da Francisca

Certo bispo de uma diocese nordestina devia, chegar em desobriga a uma cidade e isso punha em polvorosa os alfaiates e as modistas do lugar, pois que as “Visitas Pastorais” importam festas, não só de caráter religioso. Velha matuta previdente, vendo avizinhar-se a chegada do dignitário da Igreja, exigiu que uma costureira apressasse a entrega da encomenda de uns vestidos para a filha. E fê-lo aludindo à dupla circunstância de a chegada do bispo estar iminente e a moça não dispor de muitas condignas mudas de roupa:

— Avie, comadre, avie com isso! A Francisquinha está nua e o senhor Bispo está em cima!...

O “sabe-tudo”

Um marido, informado da infidelidade da mulher, entra em casa furioso.

— Miserável! — grita. — Eu sei tudo!

— Sabes tudo, não? — diz-lhe esta, serena.

E com a mesma calma:

— Em que ano foi, então, que acabou a guerra do Paraguai?

Genealogias

— Tu és brasileira, mesmo?

— Eu, não. Eu sou francesa por parte da mamãe, e inglesa por parte dum amigo do papai.

Energia

O Romão, jardineiro, entra na casa do patrão por uma tarde de estio, e vendo a patroa adormecida em um divã, estira-se a seu lado. Não há ninguém em casa, nem na quinta.

Ao despertar, dando com os olhos no insolente, a dama protesta:

— Que é isso, “seu” atrevido? Você não tem vergonha?

— Ah, minha senhora, perdoe; eu vou me levantar...

— Eu não estou dizendo para te levantares, Romão. Eu estou perguntando, apenas, se tu não tens vergonha...

Razões de divórcio

Um homem e uma mulher foram juntos ao Consistório para obter divórcio. As autoridades eclesiásticas quiseram saber por que. O homem tomou a palavra:

— Se ela fosse... (disse, fazendo uma roda com o polegar e o indicador); ou mesmo que ela fosse... (e fez outro círculo com os dois polegares e um dedo indicador); mas é que ela é... (e mostrou a copa do seu chapéu); quem a pode satisfazer?

— Se ele fosse... (e mostrou a parte superior do seu braço); ou mesmo que ele fosse... (e mostrou o seu pulso); mas ele é... (e mostrou o seu dedo mindinho); quem é que se contentará?

Não podendo pô-los de acordo, as autoridades concederam o divórcio.

Orgulho da raça

Falava-se diante da velha duquesa do acolhimento familiar que muitas damas faziam aos atores Clairval e Caillot.

— É um escândalo — exclamava ela. — Eu não sei como é que mulheres de sociedade, que se dizem finas, recebem familiarmente na sua casa, gente dessa espécie! No meu tempo, não vê?!

E animada:

— No meu tempo, a gente os recebia no seu divã, na sua cama, em cima das suas almofadas; mas, na sua casa... nunca!...

Flic!

— Então, Pedro partiu de viagem? Enganou-te?

— Não, filha; fui eu que o despachei.

— Mas tu parecias adorá-lo!

— Atualmente detesto-o.

— Traiu-te?

— Não; ninguém me trai nunca.

— Então?

— Então, é que eu hoje não o suporto.

— E a causa? Deve ter uma causa...

— Pois, bem; eu te conto. Quinta-feira última, meu marido, que não devia regressar a Paris senão no dia seguinte, fez-me a surpresa de chegar com um dia de antecedência. Naturalmente, Pedro estava lá em casa, a meu lado... Para evitar uma cena desagradável, este se meteu debaixo da cama, escondendo-se, ao mesmo tempo que meu marido se estendia junto de mim, no nosso leito. De repente, Pedro, querendo se ajeitar debaixo da cama, fez barulho. Meu marido, que já estava quase dormindo, acordou. Tranquilizei-o, dizendo que era Flic, o nosso cão policial, que estava dormindo debaixo da cama, batendo no soalho, e ameaçando: “Flic, deita! Deita aí, Flic!”. Então, o estúpido do Pedro, para dar maior semelhança à cousa, pôs-se a lamber a mão do meu marido. Durante meia hora meu marido levou ordenando: “Deita Flic! Vai dormir!”. E Pedro lambendo sempre!

— E depois?

Espera... Enfim, meu marido pôs-se a roncar, e Pedro escapuliu-se, ganhando a escada, e, finalmente, a rua. A datar, porém, desse dia, comecei a ter nojo dele. Não pude mais beijá-lo na boca, só com a lembrança de que ele havia lambido, naquela noite, a mão do meu marido!...

Definição

— O casamento é uma cadeia tão pesada, — diz madame, — que para puxá-la, são precisas duas pessoas.

— Às vezes, três! — aparteia o marido.

Amigos...

Madame vai para uma estação de águas, da qual não convém dar o nome. O marido fica no Rio. O amigo do marido também.

Um dia, encontram-se os dois no Alvear.

— É verdade, recebi uma cartinha de tua mulher.

— Recebeste? Como vai ela?

E o outro:

— Bem, obrigado.

Afonso XIII no céu

São Pedro acabava de tomar o seu café com bolachas quando bateram, forte, à porta do céu. Deixando a xícara e as bolachas, o chaveiro correu ao postigo, pôs o nariz de fora, e franziu a testa, estupefato. Estava diante dos seus olhos um homem com um grande manto, e com uma coroa de ouro à cabeça.

— Quem é você, amigo? — indagou o apóstolo.

— Sou Afonso XIII, rei de Espanha, meu santo!

O apóstolo fechou a porta e correu a procurar o Padre Eterno.

— Senhor, está aí o rei de Espanha! Os papéis dele estão em ordem. Deixo-o passar ou não?

O Padre Santo examina os papéis, encontrando-os em ordem. Coça, em seguida, a barba, meditativo. E ao fim de alguns segundos:

— Olha, Pedro, vem cá. Manda-o entrar...

E emendando:

— Antes, porém, de abrir-lhe a porta, manda trancar as onze mil virgens...

Conversa de noivos

— Diz-me, papai, de que falavas tu com a mamãe, quando ela era solteira como eu?

— Falávamos... de ti, minha filha!

A vaca da sogra

Em Ingazeiras. Na “ponta da linha”, isto é, na derradeira estação ferroviária da “Baturité”, há uma latada que serve de mercado de frutas e carne verde. Sob o pretexto de me servir do café vendido por gorda e velha negra, acerco-me de um grupo de matutos palradores. Eles palestram sobre seus próprios interesses:

— Compadre, você é feliz com gado?

— Qual! Nem eu, nem minha sogra. Eu, assim mesmo, o ano passado, inda peguei três bezerros. Mas, minha sogra, coitada, não passou duma vaca parida...

Emoções...

— Alfredo disse-me que, quando te viu, o coração dele batia, mas batia tanto, que ele teve que meter a mão no bolso da calça!...

A grande vergonha

Uma dama provinciana, cujo marido se acha há meses em Paris, escreve-lhe a seguinte carta:

— “Como novidade daqui, tenho a dizer-te que as senhoras Fulana e Fulana estão grávidas, que as senhoras Sicrana e Beltrana estão para ficar, e, ainda, que as senhoritas tal e tal, temem que o estejam. Só eu é que não estou. Tu devias morrer de vergonha!...”

O papagaio

O meirinho havia tomado conta do mobiliário da pobre rapariga, miserável mulher da vida. Tristes despojos de uma existência de misérias, os trastes vão-se um a um, sob o martelo do leiloeiro.

— Vamos! — grita este. — Cinco francos pela cadeira! Ninguém dá mais?... Agora, este papagaio! Cinco francos... cinco francos... cinco... cinco... cinco... Seis francos!... seis... seis... seis... Sete francos!... Há quem dê sete francos...

Há quem dê sete francos!... Sete... oito... Oito francos... Nove francos... Nove!... Nove francos!...

De repente, uma voz anasalada domina o ruído:

— Se dá dez, eu fico nu!

Era o papagaio.

Mau amigo

Trancavel e Aubignan passeiam juntos, quando encontram Banarut.

— Como? Tu não o cumprimentas? Eu supunha que era teu melhor amigo! — observa Aubignan.

— Ah! Não! Eu ando aborrecido com ele.

— Aborrecido? E por quê?

— Eu te digo. Imagina tu que esse patife, quando esteve aqui o ano passado, enganou-me com a minha mulher, seduziu a minha filha, arribou a minha criada, ensinou ao meu filho toda a sorte de deboches, e...

— Para mim, nada!

O milagre

Certa manhã, Belisário encontra padre João, vigário da aldeia.

— Bom dia, senhor vigário!

— Bom dia, Belisário! Como tens passado? Como vão os teus?

— Tudo bem, senhor vigário. A Paulina é uma boa dona de casa. Em matéria de trabalho, ela trabalha, com a licença de vossa senhoria, como uma burra. Serviço para ela é nada. Mas...

— Mas...

— Há uma pequena coisa, senhor vigário, que me tem dado volta ao juízo. O senhor vigário sabe que nós estamos casados apenas há seis meses; e, no entanto, ela já me deu um Belisarinho!

— Sim, meu amigo, sim, — faz o pastor, com bom humor. — Isso é verdade, mas, tu sabes, nada neste mundo é impossível. Trata-se de um milagre e, como tu não ignoras, os milagres, em nosso tempo, estão se tornando frequentes.

— Um milagre... um milagre... Escute aqui, senhor vigário. Vossa senhoria conhece, com certeza, os milagres muito melhor do que eu... Pois bem. Imagine vossa senhoria que, em setembro passado, eu fui à caça, para os lados de Lescar, com o Bernardo, o Manuel e alguns outros. De repente, uma lebre me passa entre as pernas, na carreira. Eu estava com a espingarda a tiracolo. Peguei da arma, empunhei-a, dei meia volta, pus a mão no gatilho e ia disparar, quando vi a lebre, antes do tiro, rolar no chão, fulminada.

Por Deus! Um milagre, Belisário! Um verdadeiro milagre!

— Sim, senhor vigário; um milagre! Mas o que vossa senhoria não me tira da ideia é que a lebre caiu... porque outro atirou antes de mim!...

A banheira

— Madame é de um escrúpulo que vai até ao ridículo. Raramente chama as coisas pelo nome, procurando sempre um rodeio, uma hipérbole, uma forma gentil para nomeá-las. Precisando de um vaso íntimo, de um aparelho de uso doméstico, privativo das senhoras, vai a uma casa de artigos sanitários.

— V. Excia. deseja alguma coisa? — acorre o empregado.

Madame fica vermelha, branca, azul. E, de repente, resolvendo-se:

— O senhor tem, aqui, essas banheiras de louça, de pé, para crianças... que nascem mortas?

Maridos velhos

Uma senhora, jovem ainda, leva o marido ao médico e, após a consulta, pede informações:

— Eu o acho bem; sabe? Para a idade dele, está muito bem conservado.

A dama sorri, brejeira.

— Isso eu sei, doutor. Para a idade dele, está.

E ficando muito vermelha.

— Mas... para a minha?

Visita frequente

— Toda a vez que o meu primo Severino vem aqui em casa, eu mando o Antonico para o quintal.

— Está se vendo que o teu filhinho vive ao ar livre!

O “iscandeloso”

Duas horas de uma tarde de setembro em Quixadá, no Ceará. Nos meses da seca, ventos fortíssimos agitam a cidade, enchendo-a de pó, num doido bater de portas.

Na vasta praça da Matriz, sobretudo, as transeuntes jovens sofrem o vexame de se verem quase desnudas pela ventania que lhes sacode as saias curtas.

Velha matuta austera ia com a filha a meio da praça, quando um redemoinho se desencadeou. Segurando as saias e agachando-se, a matrona avisou, prudente:

— Lá vem o ridimunho! Te põe de coca, menina, te põe de coca que lá vem o iscandeloso!

A escola dos noivos

A jovem Sidônia está para casar-se. Ela é um pouco tola e o noivo, segundo se assegura, não é menos pateta. E como a rapariga se acha na igreja, o cura, o padre Francisco, chama-a, por um instante, à sacristia.

— Então, pequena, não estás emocionada?

— Por que havia de estar, senhor vigário?

— Ora, porque!... Na véspera de um dia como este, nada mais natural... Dize-me, porém, aqui: tua mãe te disse alguma coisa sobre os teus deveres?

— Que deveres, senhor vigário?

— Como? Então, não te preveniram nada, sobre o que te espera, na noite de núpcias?

— Não compreendo nada, senhor vigário!

— Em verdade, pequena, estás me metendo compaixão... Escuta: não é aqui que se pode tratar de tal assunto... Vai, porém, ao presbitério, e lá, eu te darei alguns conselhos...

O que foram esses conselhos, ninguém soube, de pronto. O que é, porém, verdade, é que Sidônia voltou para casa encantada, como se houvesse encontrado, de repente, o verdadeiro sentido da vida. E ao chegar em casa, contou tudo à mãe, a qual, entanto, se limitou a dizer-lhe, remordendo, embora, o coração:

— Olha, Sidônia: o teu noivo, hoje, vem jantar conosco. Volta, pois, ao presbitério, e convida o senhor vigário para vir nos fazer companhia. Em um repasto de família, ele não seria demais.

Padre Francisco sentiu-se, de súbito, alarmado com a surpresa do convite. Tão carinhoso foi, porém, o acolhimento recebido, que, de pronto, se tranquilizou.

À mesa, sentaram-no à direita da dona da casa.

— Senhor vigário, aqui, faz favor! — convidou a velha, mãe de Sidônia.

Sentados todos, chamou a atenção de padre Francisco um pequeno frasco branco, que haviam posto ao lado do seu prato.

— Isto é para Vossa Reverendíssima, senhor vigário! — tornou a matrona.

— Oh! Minha senhora, quanta gentileza! — agradeceu padre Francisco. — Um vinhozinho de escolha, com certeza... Aposto!

Um licor dourado, cintilante como topázio líquido, brilhava na garrafinha branca. Padre Francisco, tanto por desejo, como para corresponder à carinhosa lembrança da dona da casa, apressou-se, assim, em prová-lo. Apenas, entretanto, tomara o primeiro gole, fez uma careta, e virou-se, para cuspir.

— Que pilhéria é essa?... Isto é veneno!...  — rugiu furioso.    

— Psit!... — fez, porém, a velha, segurando-lhe a mão, por baixo da mesa. — Isso é vinho, senhor cura; é vinho, e do bom.

E, entre dentes, feroz:

— É do barril que o senhor abriu de manhã...

Medicação perigosa

— Que é isso, Maricota? Estás com o rosto cheio de cravos!

— É natural, menina.

— ?...

— Eu tenho tomado tanto ferro!...

A roubada

— Senhor comissário, — queixa-se a velha dama; — eu tinha tomado um ônibus, quando um sujeito me roubou meu porte-monnaie.

— É a história de sempre... Mas, onde guardava a senhora o seu porte-monnaie?

— Ora, como sempre: no bolso da minha calça de jersei.

— E como foi para ele meter a mão no bolso da sua calça, por baixo do vestido!

— É que... é que...

— Diga!

— Eu pensei que ele estava me agradando!

Susceptibilidades...

Em um café de Marselha, conversam, diante de dois copos de vinho, Marius e Pedro.

— Diz-me uma coisa, meu velho, — pergunta este, — a minha mulher te agrada?

— Perfeitamente. Eu tenho por ela a maior simpatia.

— Não; não é de simpatia que se trata. Eu te pergunto se ela é uma criatura a teu gosto, se a querias para ti, para teu prazer, se querias passar uma noite com ela.

— Bom; se tu colocas a questão sob esse ponto de vista, eu te responderei: “sim”.

— Muito bem. Então, façamos uma coisa. Eu não a amo mais. E como parto hoje para Paris, deixo-te o campo livre. Pica à vontade.

Oito dias depois, de regresso de Paris, Pedro encontra Marius em companhia de um amigo, o seu velho camarada Gontran.

— Eh, Marius! Então, como vamos? — saudou. — Aproveitaste a minha ausência?

— Perfeitamente.

— Estiveste em minha casa?

— Estive.

— Quantas noites?

— Três.

— Está bem! Está bem!

Distanciado o marido, Gontran perguntou a Marius.

— Estiveste mesmo?

— Eu não. Estive apenas uma noite. O diabo desse Pedro é, porém, tão susceptível, que era capaz de brigar comigo, se eu lhe tivesse dito que só havia ido lá uma vez!...

Casamento

— Nhô Joaquim, ando em dúvida se devo ou não casar-me... Que acha o senhor do casamento?

O caipira empertigou-se todo, alisou os fiapos do cavanhaquinho, firmou as calças sob a cinta de couro, cuspiu para um lado, formalizou-se e opinou:

— O’i... casamento, pra dizê a verdade, é a mesma coisa que comprá fumo...

— Ora e esta!

— Puis é... Casá e comprá fumo é a mesma coisa: vancê escóie, compra um rolo de fumo... A primeira vórta é muito bão... Mas o resto: vancê pita pra num perdê...

Egoísmo

Um cavalheiro de idade dizia apaixonadamente a uma mulher nova e bonita:

— Que existência deliciosa, se a senhora quisesse! Eu passaria minha vida amando-a!

— Egoísta! — observa-lhe a dama.

E com desprezo:

— E eu, que ficava fazendo esse tempo todo?

Discussão conjugal

Madame — Que lindo vestido eu vi hoje!

Monsieur (pondo-se em guarda) — Ah!...

Madame — Bonito, sim... E que desejo eu tive de comprá-lo!

Monsieur — Eu chamo a tua atenção para o seguinte: é o sexto vestido nestas últimas seis semanas...

Madame — Tu me negas, então?

Monsieur — Perfeitamente.

Madame (em soluços) — Miserável!... Tu me matas de tristeza... Mas eu te ensino... Eu morro, e o meu enterro te custará mais caro do que um vestido; está!...

Monsieur — Perfeitamente. Com uma diferença, apenas: é que, quando tu morreres, eu não vou te enterrar todas as semanas!

O presente

Na noite de Natal vão acordar o Pedrinho, no seu leito.

— Pedrinho! Pedrinho! Acorda! O Papai Noel trouxe-te um irmãozinho agora de noite!

— É de açúcar? — indaga Pedrinho, acordando.

— Não.

— É de carne?

— É.

E Pedrinho, deitando outra vez:

— Então... bota fora!

Casamento de amor

— Um casamento de amor?... Tens coragem de dizer isso?

— Tenho!

— ?...

— Ela tinha um amor doido... ao dinheiro dele!

Os dois mentirosos

— Que há de novo, Roumegas?

— Quase nada, meu velho. A não ser que eu embarquei para a Algéria no sábado, e hoje estou aqui.

— Como foi isso?

— Eu te conto. Apenas havia eu deixado Marselha, quando comecei a arrepender-me da viagem. Pela altura do farol de Planier, cruzamos, no mar, com outro navio que vinha. “Como são felizes aqueles que vão para Marselha!” pensei. Os navios estavam à distância de uns cinquenta metros um do outro. Então, eu armei um pulo, caí na tolda do outro navio, e voltei! Aí está porque me encontro aqui, agora, para jogar a manilha com vocês... E tu, que me contas de novo, Cassoute?

— Quase nada, Roumegas. Apenas que minha mulher teve um filho.

— Verdade? E tu não dizias nada, hein?

— Nem era possível, pois que tudo se passou de modo extraordinário. Imagina tu, que o menino, em vez de vir pela... estrada natural, veio... pelo caminho contrário!

— Pelo... caminho contrário? Tu estás zombando de mim, Cassoute!

— Zombando, eu? Ora, filho! Ainda há pouco tu me contaste uma história com uma diferença de cinquenta metros. Por que não hás de acreditar na minha, em que há uma diferença apenas... de cinco centímetros?

Número, faz favor?

A telefonistazinha tanto andou de casa para a sua estação e da estação para casa, que, uma tarde, acabou por ficar no caminho, num quarto que lhe foi arranjado por um teimoso companheiro de bonde. E quando a família deu fé, estava ela como inquilina de uma casa suspeita, na Mem de Sá.

Uma tarde, o cavalheiro que a desviara foi bater-lhe à porta do quarto.

— Vivina? Oh, Vivina?...

E uma vozinha, de dentro:

— A linha está ocupada...

A Avenida Central

Na Lallet, conversam duas figuras conhecidíssimas das rodas galantes, quando entra uma formosa senhora, que fala pouco, mas de quem muito se fala.— Conheces'? — indaga um. — É madame Avenida Central...

— Mme. Avenida Central? — estranha o outro. — Por que assim? Por que não sai da Avenida?

— Não, filho!

E ao ouvido do primeiro:

— É porque toda a gente passa por ali...

A reconciliação

Aquele casal briga como gente grande. Quase todos os dias há uma rusga, que termina sempre com os dois fechados no quarto, onde se ouvem soluços, seguidos logo de beijos, de carinhos, de palavras de amor e perdão. Ao fim de uma hora abre-se o quarto, e os dois saem dele abraçados.

Um destes dias, tinha havido uma briga de manhã e, outra, ao meio-dia. Ao anoitecer, madame começou a querer brigar. De vez em quando, uma indireta, um desafio ao marido. Este compreendeu o jogo:

— Olha, filha, queres saber de uma coisa? Deixa essa briga para amanhã.

E com ar fatigado:

— Eu não estou em condições de saúde para me reconciliar pela terceira vez...

Entre amigas

— Sabes, Lúcia, que me aconteceu? Encontrei um par de ligas no bolso do meu marido!

— É esquisito... Nós precisamos apurar isso... Eu não uso ligas!...

Mal entendido

Durante os dois primeiros anos de casada, madame continuou a sua vida de criança. Pensava ainda nas suas bonecas, e, principalmente, nos seus caniches, dos quais possuía toda uma variedade. Chamava-os seus filhos, sendo, para ela, um verdadeiro encantamento.

Ao entrar, porém, no terceiro ano de matrimônio, começou a pensar em coisas mais sérias. Era tempo, já, de viver para seu marido, pensando em si e nele.

Foi procurá-lo, meiga:

— Meu querido, — disse-lhe, — sabes, eu queria, agora, que tu me desses uma coisa.

— Que é?

— Eu queria que tu me desses um filhinho!

— Ahn! — faz o esposo, displicente.

E supondo que ainda se tratava de cachorro:

— Queres policial ou lulú Pomerânia?

Egoísmo paterno

Há muito tempo vinha a família se esforçando para que ela compreendesse a corte que lhe fazia um riquíssimo construtor; a menina fazia-se desentendida, preferindo a tudo um jovem estudante de engenharia. Desenganada, a família deu o assalto.

— Que é que encontras naquele peralvilho, que tanto te seduz ? — indagou o pai.

— Nada, papai; mas eu o amo e ele me ama.

— E que vocês se amem, que é que tem isso?

— Ele me fará feliz.

— Bem. Mas suponhamos que ele te faça feliz, que é que isso te adianta?

A influência da língua

Mademoiselle, melindrosa autêntica, arranjou, afinal, um noivo. O noivo é, porém, escuro, tipo autêntico de mulato nacional.

No dia da apresentação do rapaz à família, a mãe estranhou a escolha.

— Oh, menina!... Um preto!...

Mademoiselle desculpou-se:

— Ora, mamãe, por isso, não!

E abraçando a velha:

— Ele fala tão bem o inglês que toda a gente pensa logo que ele é branco!

Equívoco

Há seis meses, desde que tivera notícia da morte do comendador Gonçalo Borges, e de que o Aldrovando, filho dele, ficara com uma fortuna superior a oitocentos contos, a velha Justina Braga não tivera outro pensamento que não aquele; de casar o rapaz com a Carmen, sua filha única. E por toda parte foi a perseguição: nos chás, nas corridas, na rua, o Aldrovando encontrava a menina, que o distinguia, infatigável, com o melhor dos sorrisos e o mais convidativo dos cumprimentos.

Até que, um dia, o telefone tilintou, na casa da velha Justina. A Carmen atendeu. Era o Aldrovando. Conversaram muito, largamente, docemente. Desligado, enfim, o fone, a menina informou, radiante, esfregando as mãos:

— Mamãe, ele me pediu que vá com ele dar um passeio de automóvel; mas me adiantou, também, que o amor que tem por mim é um amor platônico... O que é “amor platônico”?

— Amor platônico? — fez a velha, intrigada... — A falar verdade, não sei, minha filha.

Pensou, porém, um instante, a testa franzida.

— Ahn! Já sei! — exclamou.

E com os olhos brilhantes, faiscando de felicidade:

— Vai com a tua camisinha de seda... Ouviste?

Incontentável

Herdeira de algumas centenas de contos, madame, que é divorciada, resolveu comprar um automóvel de luxo. Foi a uma, a duas, a três agências. Na quinta ou na sexta, encontrou um carro magnífico, soberbo, com o conforto possível. O empregado mostra-lhe todo.

— Aqui, tem a senhora o telefone, para dar ordens ao chauffeur... Aqui, são os objetos de toilette: espelho, pente, pó de arroz, escova de fato.

E madame, incontentável:

— E os aparelhos sanitários?

Ligeiro inconveniente

— Eu poderia ter-me casado com a Alice se a família não se tivesse oposto a isso.

— E ela? Ela queria?

— Mas, eu não te estou dizendo que a família toda se opunha? E tu não sabes que ela faz parte da família?

Comidas...

Restaurante do Copacabana Palace. Em uma das mesas, conversam sobre a vida alheia a cantora Silvana Bermudes e a linda Celeste Galimard, quando entram, um ao lado do outro, a formosa mundana Pepita Gonzalez e um rapaz de trinta anos, legítimo tipo de gigolô.

Celeste — Quem é aquela que vem entrando ali?

Silvana — Não a conheces? Nunca ouviste falar na Pepita Gonzalez, que veio como atriz da Companhia Velasco e que ficou aqui por conta do comendador Antonino?

Celeste — Que Antonino? O da fábrica de meias?

Silvana — Dizem que gastou com ela uma fortuna. Nos dois primeiros meses, deu-lhe ele cento e vinte contos, que ela “comeu”. No terceiro “comeu-lhe” ela cento e cinquenta contos. No quarto mês, “comeu” cem contos. Enfim, em menos de um ano, aquela lambisgóia que vês ali “comeu” do velho nada menos de setecentos contos.

Celeste — E aquele rapaz que está com ela, quem é?

Silvana — Aquele? Aquele é...

Celeste — Diz. O que é ele para quem “comeu” tanto?

Silvana — É... o palito!

 “Toilette”

— Achas, Alfredo, que este vestido casa bem com o meu corpo?

— Acho; mas gosto mais do teu corpo quando está divorciado... do vestido!

O beliscão

Certa princesa de sangue subia a escadaria do castelo real de Versailles, quando um soldado da guarda, que a não vira de frente, supôs tratar-se de uma pessoa do seu conhecimento e aplicou-lhe um forte beliscão em lugar proibido.

— Ah! Madame! — fez o guarda, reconhecendo o seu erro.

E entre temeroso e galanteador:

— Se tendes o coração tão duro como o lugar em que toquei, sou um homem perdido!...

A princesa sorriu, e perdoou.

A oração

Se se perguntasse a Dona Lavínia o motivo por que enganava o Sr. Viriato, seu esposo, com o Benício Bezerra, a sua resposta seria, com certeza, a da maior parte das mulheres que infringem o pacto conjugal:

— É porque o Viriato é meu marido e o Benício não é!

Efetivamente, este não apresentava sobre aquele a menor vantagem, em qualquer terreno. Eram, ambos, da mesma idade; possuíam o mesmo físico sem atrativos; negociavam, um e outro, em gêneros alimentícios, a retalho, em casas igualmente afreguesadas. Se superioridade havia era do Viriato, que se mostrava, em geral, muito menos estúpido que o Benício.

Certa noite, ao regressar para casa, o Sr. Viriato bateu uma, duas, três, quatro vezes, sem que alguém abrisse. E estava, já, indignado, revoltado, fulo de raiva, quando Dona Lavínia, empurrando o Benício para trás da porta, abriu esta, dando entrada ao marido.

— Por que levaste tanto tempo, assim, para me atender? — estranhou o esposo, ao entrar no aposento.

— Por nada, filho, — declarou a moça, com a maior calma deste mundo. — É que eu estava experimentando a oração que me ensinaram para espantar as formigas da casa, que está sendo invadida por elas. Queres ver como é?

E tomando de uma toalha, com que envolveu o rosto do marido:

— A gente enrola o rosto, assim, em uma toalha... Depois, começa a dizer... “Vai-te embora!... Vai-te embora!...” E enquanto diz... “Vai-te embora!...” vai passando a mão pelo rosário...

E vendo que o Benício não compreendia o estratagema, aproveitando a ocasião para fugir, rugiu, perto dele, entre dentes:

— Por que te não vais embora, desgraçado?

— Eu? Eu estou esperando que acabes a oração, — sussurra o amante. — Eu quero aprendê-la.

E sem arredar pé:

— Lá em casa também tem formiga...

Insinceridade

— Eu estou aborrecido; sabes? Minha mulher engana-me!

— Engana-te?

— Sim. Imagina tu que há dez anos ela me diz que tem um amante, e eu sei que não é verdade!...

O conselho do vigário

— Anda cá, Maria, — diz madame à criada; — é certo que tens dormido com o meu filho Paulo?

— É mentira, patroa.

— E com o meu filho João?

— Também é falso, patroa.

— Ainda bem; agora, estou sossegada.

— E madame pode ficar mesmo sossegada. O senhor cura, a quem eu me fui confessar, disse-me: — “Olha, filha, não pervertas os meninos; mete-te apenas com a besta do pai, porque prestas um serviço não só à tua patroa, como a mim!” E é o que eu tenho feito, madame!

Tática de marido

— Sabes, filha, creio que teu marido já sabe da nossa ligação.

— Por que desconfias?

— Porque ontem ele procurou-me, pedindo-me emprestado quatro contos de réis.

— E tu emprestaste?

— Emprestei.

— Então, podemos ficar descansados que, este mês, ele não desconfiará mais de nada, meu amor!

O começo

Padre Donato acaba de chegar ao confessionário, e a Luizinha, que o espera, ajoelha-se diante da grade. É uma criaturinha nova, mirradinha, engraçadinha, legítimo tipo de melindrosa, mas dessas que guardam, ainda, no fundo da alma, o pudor das faltas cometidas.

Nervosa, agitada, as mãos frias, estaria naquele momento branca, de cera, se não estivesse pintada. Tal era, enfim, a sua emoção, que, no momento em que ela ajoelhou, padre Donato ouviu, no silêncio da hora e do lugar, um ruído longo, demorado, de canhão disparado à distância, ao mesmo tempo que lhe subia ao nariz o cheiro nauseante da... pólvora.

— Padre, — balbucia a mísera, a voz trêmula, sem saber como iniciar a confissão; — padre, por onde devo eu começar?

— Por onde, filha? — faz o sacerdote, de dentro do confessionário. — Comece por aí mesmo... por aí mesmo... Mas olhe...

E com o seu bom-humor costumeiro:

— Quando você quiser acabar, a chave da latrina está lá dentro, na sacristia...

Adivinhação

Em um salão, o Possidônio inventa adivinhações, para serem decifradas por uma senhorita.

— Que é, que é: agora está comprido, daqui a pouco está curto?

— Oh, cavalheiro!... — diz a moça, toda vermelha.

E o Possidônio, inocente:

— Meu Deus! Não há nada mais simples: é a saia das mulheres!...

Efeitos do balanço

A viúva Conrado Lopes, ou antes, a Sinhazinha Lopes, era famosa em toda a cidade pela rapidez com que se inflamava.

— É uma criatura feita com pimenta e gasolina! — costumava dizer o seu finado marido, já na espinha, e em vésperas de entregar aos vermes os ossos que a esposa lhe deixara.

E acentuava:

— Não é uma mulher: é uma dúzia de mulheres, ela só!

Sinhazinha Lopes era, efetivamente, um temperamento doentio. O simples contato de um braço de homem, de uma bainha de calça, de uma manga de paletó, punha-a em ponto de doce. Quem lhe fitasse, firme, as pupilas, veria, nítidos, em cada uma, uma cama e um cortinado.

Naquela tarde, a passeio pela cidade, havia a famosa senhora olhado o seu relógio de pulseira, quando, de repente, exclamou:

— Seis e meia?!... Vou tomar um taxi!

E encaminhando-se para a fila dos automóveis parados, tomou o primeiro que encontrou.

— Para Botafogo! — ordenou.

A fim de dar andamento ao motor, o chauffeur saltou, e deu volta à manivela. O carro era, porém, velho, de um modelo antigo, e começou a estremecer, sacudindo a passageira, na almofada. Parecia menos um automóvel do que um leito com colchão de arame. E as sacudidelas da almofada foram bastantes para o incêndio.

Chauffeur!!... Chauffeur!... — gemeu a velhota.

E de olhos fechados, supondo-se numa cama:

— Vem deitar-te... Sim?

Homem inutilizado

Mademoiselle foi à Europa e, de regresso ao Rio, fez, a bordo, conhecimento com um velhote de São Paulo, riquíssimo viúvo, e, o que é mais, falando com dificuldade, por um defeito na língua. As amigas vão a bordo, recebê-la, e ela apresenta-lhes o noivo.

— Que tal o achas? — indaga, depois, à mais íntima.

— Ah, menina! — faz a interpelada. — Coitadinha de ti!... Para que te vai servir um marido daqueles? O casamento, para ti, vai ser mesmo que nada.

E num gesto de censura:

— Além de velho, com a língua presa!...

5x1

Luizinho está na idade perigosa: tem quinze anos, passou dez meses internado no colégio, e, agora, ao sair, vem magro, alto, a voz em falsete, e com umas olheiras impressionantes. A mãe atribui aquilo aos estudos, à severidade dos exames, à exigência dos mestres. O rapazola é, porém, sincero:

— É do futebol, mamãe! — diz.

Pouco a pouco, porém, vai Dona Cantídia se impressionando com a frequência do filho no W. C. da casa. Duas voltas, e lá está ele trancado. Até que, naquele dia, ao encontrá-lo ali encerrado, vai bater à porta.

— Que fazes aí há tanto tempo, Lulú?

— Estou jogando futebol, mamãe.

E aflito:

— Estou ganhando... estou ganhando... estou ganhando...

E num suspiro:

— Ganhei!... Cinco... a um!

Questão resolvida

Em uma roda elegante discute-se o motivo por que os pintores representam sempre Adão com umbigo, sendo ele o primeiro homem, isto é, aquele que não esteve ligado à placenta. De repente, porém, alguém sugere:

— E a folha de parreira, com que é que ele a prendia?

— Meu Deus! — faz mademoiselle, ao lado, — quem não sabe?!...

E entre o espanto de todos:

— Prendia... com um grampo de cabelo!...

Horas marcadas

A oposição que os pais da Mundiquinha faziam ao seu namoro obrigavam o pobre do Nicolau, empregado no comércio e, à noite, clarinetista da Filarmônica da pequena cidade, àqueles torneios de gesticulação, feita de longe. A menina abria a janela e ele, às vezes da torre da igreja, às vezes da porta da Prefeitura Municipal, fazia-lhe os gestos, que ela, com, a sua agudeza de namorada, logo compreendia.

Naquele dia, porém, ou a rapariga estava burra, ou o rapaz estava a realizar gestos mais difíceis do que os habituais. O certo é que ele descia a mão pela barriga, até embaixo, mostrando aí três dedos ou, então, ficava de costas, e, com a mão no assento, mostrava quatro dedos. Repetiu isso quatro ou cinco vezes, e, como a pequena mostrasse não compreender nada, arreliou-se e foi-se embora.

À noite, encontraram-se em uma festa, e entraram em explicações.

— Então, tu não compreendeste o que eu estava dizendo? — observou o Nicolau. — Pois olha, nada mais simples. Eu não pus assim a mão na frente, mostrando três dedos?

— Foi.

— Pois, então? Queria dizer: às três horas, junto da bica. E eu não pus a mão atrás mostrando quatro dedos?

— Foi.

— E então? Queria dizer que, se não fosse àquela hora, seria às quatro horas, na música.

E espantado com a estupidez da noiva:

— Nada mais claro!...

O “Meneken”

A Otávia, arrumadeira, vai espanar a sala de visitas, e com uma pancada do espanador, quebra a... parte mais delicada de um “Meneken piss” de louça, ali existente. Aflita com o desastre, procura remediá-lo, colando a parte quebrada. Prega, entretanto, com a ponta para o ar, o que devia ficar de ponta para baixo.

Ao dar com o remendo, a patroa fica alarmada.

— E como é, rapariga, — troveja, — que você, além de tudo, prega isso nessa posição? Você nunca viu um homem?

— Tenho visto, patroa, mas...

— ?...

— Quando eu os vejo, eles sempre estão assim!...

O touro e o vigário

Em vilegiatura no campo, um veranista nota que o camponês que lhe serve de guia, ao passar pelo vigário da paróquia, finge que o não vê, e que, ao contrário, ao encontrar na campina o touro da malhada, logo se apressa em tirar o chapéu.

— Que é isso? — indaga o excursionista. — Você passa pelo vigário, e não fala; passa pelo touro, e cumprimenta!

— É natural, moço, — informa o campônio. — Esse touro que o senhor vê aí, fez um bezerro na vaca lá de casa, e nós ganhamos 200 mil réis; e o senhor vigário fez um filho na minha irmã...

— ?...

— E até agora só tem nos dado despesa!...

Confidência

— Cavalheiro, — indaga a madura D. Pancrácia, — quantos anos tem?

— Trinta e cinco anos.

— E o senhor não tem pena, às vezes, de não se ter casado?

— Sim, senhora... às vezes... de manhã cedinho...

Subvenções oportunas

O senhor vigário quer pregar um quadro na parede do presbitério, e chama a copeira, rapariga nova, para que lhe traga a escada. A rapariga obedece e abre a escada no lugar indicado.

— Sobe, Rosa!

A rapariga sobe, e o senhor vigário, que fica debaixo, dá-lhe o quadro para pendurar.

— Desce... desce... Rosa! — ordena-lhe o sacerdote.

E dando-lhe uma nota de dez mil réis:

— Toma, vai comprar uma calça...

E chamando:

— Teresa!

Vem a cozinheira.

— Prega aí esse quadro.

Teresa sobe. E o senhor vigário:

— Desce... desce... desce!...

E dando-lhe outra cédula:

— Vai-te barbear!

Mal feito?

Comenta-se em uma roda o ato de um conquistador, que deixara uma linda menina em estado de maternidade.

— Isso foi muito mal feito! — censura uma senhora, moralista intransigente.

— Mal feito, não, — aparteia outra.

E experiente:

— Se fosse mal feito, a desgraçadinha não teria ficado no estado em que ficou!...

A culpa do príncipe

— Esse príncipe... Ah! Se eu pegasse esse príncipe, matava-o!

Era assim que mlle. Vanda se referia a Sua Alteza o Príncipe de Gales, herdeiro do trono da Inglaterra. E por quê? Seria ela anarquista? Possuía amigos na Irlanda, na Índia, no Egito, nos países dominados pelo inglês?

O pai de mlle. Vanda incomodava-se com essas hostilidades da filha. Se o príncipe de Gales tivesse estado no Rio durante a sua excursão à América do Sul, diria que a menina se apaixonara pelo gentleman que ele era, e que não dera por isso. Onde, pois, a razão de tamanha antipatia?

Foi preocupado com esse mistério que o Sr. Baltazar resolveu apurar o caso, chamando a menina à confissão. E de tais recursos lançou mão, que chegou, afinal, ao conhecimento de tudo.

— Vem cá, minha filha, — pediu ele, com bons modos, — tu não gostas do Príncipe de Gales?

— Eu, papai? Odeio-o!

— E por quê? Confessa-me.

— Eu lhe vou confessar tudo, papai. Como o senhor sabe, eu sou louca pelas danças modernas; pelo tango, pelo fox-trot, pelo shimmy; não é verdade?

— É verdade; eu sei disso.

— Pois, bem, papai. Antigamente, os rapazes usavam, todos, calça estreitinha, muito justa; e não é que vem esse príncipe de uma figa, a estragar tudo?

— Estragar tudo, como, minha filha?

— Ora, como! Inventando essas malditas calças largas, quase calça-balão, que agora estão em moda no mundo inteiro!

E erguendo-se, vermelha de indignação:

— Com uma calça dessas, meu pai, com essas malditas calças largas, como é que uma moça pode saber de verdade, o que o rapaz com quem dança está pensando dela?

Intimidades

— Quando eu conheci o coronel Machado, minha filha, êle ainda era um velho bem duro, e andava bem teso...

— Isso era no seu tempo, mamãe; eu nunca o vi assim!

A maior qualidade

A Sidônia, cozinheira e arrumadeira, vai bater à porta do presbitério, onde o senhor vigário está sem empregada.

— Rapariga, — pede ele, — diga-me o que é que a recomenda.

— Senhor vigário, eu sei fazer pasteizinhos de camarão, empadinhas de lagosta, carne com repolho...

— Só?

— Sei fazer vagem com ovos, fígado com molho de tomates, carne recheada...

— Só?

— Sei fazer baba de moça, arroz doce, manjar do céu...

— Só?

— E sou estéril, Sr. padre.

— Mulher de Deus, por que você não disse isso há mais tempo?... Fique, rapariga!...

Amar e ser amada...

— Por que estás triste, Maria?

— Porque amo e sou amada.

— Isso é motivo para tristeza?

— É, sim.

— ?...

— Eu amo a um e sou amada por outro!

A diferença

Anti-clericalista notório, Mário faz como todo o mundo; frequenta, por simples cortesia, os lugares sagrados. Um dia, indo a uma missa em ação de graças, chega a sua vez de ir beijar o santo. Aproxima-se, põe um tostão na bandeja, e vai afastar-se, quando o sacerdote lhe dá o crucifixo para um ósculo.

— Obrigado, meu padre, — faz Mário; — eu pago, mas não beijo..

— É o contrário do que eu faço, meu filho, — diz-lhe o reverendo.

— ?...

— Eu beijo mas não pago!

Animalidade

A grande dama francesa, coberta de pecados, vai, um dia, confessar-se.

— Meu padre, — diz, — eu engano meu marido; engano-o, porque o amor me dá um grande prazer.

— Mas, filha, o amor foi instituído, não como prazer, mas para ter filhos, aumentando o número das criaturas. Olhe os animais: fazem o seu amor apenas uma vez por mês.

— É verdade, padre, mas, também...

E superior:

— É por isso que eles são animais!...

Pior que os outros

Noite de núpcias. A noiva deita-se. O noivo estira-se a seu lado, e, com a fadiga do dia, procura dormir.

— Otávio?... Otávio?... — chama a recém-casada.

— Hein?... Hein?... — acorda o noivo.

E ela, indignada:

— Mas, que desprezo!... Com franqueza!... Olha que eu tenho me deitado com muito homem frio; mas, como tu... Passa fora!...

Dona de casa

— Sabes, filha, que, afinal, descobri onde o meu marido passa as tardes!

— No Jóquei?

— Qual nada! Em casa, menina! Imagina tu que, uma destas tardes, eu cheguei em casa às quatro horas para apanhar uma amostra de fazenda, e ele estava lá!...

A revelação

Dois dias após o seu casamento, Georgete corre a procurar o seu confessor. E conta-lhe, horrorizada, as propostas que lhe fizera o marido.

— Mas, filha, — observa-lhe o reverendo; — isto é assim mesmo. O casamento foi instituído para que as mulheres tivessem filhos.

— Os filhos, reverendo, não vêm então pela boca, como me diziam?

— Não, filha.

— Ahn! — faz Georgete, consolada. — Eu bem vi logo. Como é que se podia botar um filho pela boca se a gente se engasga até com uma banana?

Os dois voluntários

Durante a guerra, dois patriotas sentaram praça, voluntariamente.

— Por que vieste para as fileiras? — pergunta um, nas trincheiras.

— Porque sou celibatário, e amo a guerra. E tu?

— Eu? Porque sou casado e amo a paz.

Corrigindo a conta

No confessionário uma rapariga informa ao sacerdote ter ido duas vezes à garçonière de certo cavalheiro. Terminada a confissão e absolvida, indaga:

— Padre mestre, eu disse duas, mas só fui uma.

— ?...

— Eu posso, agora, ir a outra?

Precocidade

Tótó, que tem seis anos, interrompe o brinquedo com a sua bola no jardim público e, premido por uma necessidade, corre a desalterar-se. De pé, as mãos nos bolsos da calça, rega êle copiosamente o tronco de uma árvore.

Nesse momento, passa Lili, sete anos, e que não tem irmão, pela mão da tia. Estaca, e observa:

— Olha, titia!

E espantada:

— Como o “deles” é prático... Não?

Lógica feminina

Passeando de um lado para outro da alcova, o advogado Belarmino Panard mordia o bigode, nervosamente. As suas passadas pareciam medir, metro a metro, a extensão da sua desgraça. E os seus passos, abafados pelo tapete, ressoavam no soalho, como pás de cal nas tábuas lúgubres de um caixão.

— Sim, senhora!... — exclamava. — Por isso é que, à minha passagem, no Foro, aqueles canalhas todos sorriam, em sinal de desdém... Eles sabiam, todos, de minha infelicidade... E logo com quem!... Com quem me havia tu de trair!... Com o Broxado, com o Lopes, com o Ferreirinha, com o Gemino, com o Pelópidas, com o Samuel!

E parando um instante:

— Até com o ignóbil Samuel, um patife de última ordem, explorador da mulher e dos filhos, e que acabou sendo, com certeza, teu explorador também!...

A cabeça no espelho da cama, soluçando, Marieta Panard nem, sequer, se defendia. O marido havia encontrado as provas de tudo; as cartas, os bilhetes, os recados escritos. Verificara, mesmo, que ela se encontrava em determinada casa da Cidade Nova, onde achara as suas camisas, o seu leque, e, até, um pijama levado de casa. Como, pois, negar a verdade? Que dizer, se tudo estava apurado pessoalmente pelo pobre esposo enganado?

— Anda! Fala! — intimava o advogado. — Não tens vergonha? Não tens brio? Que fatalidade te arrastou a essa ignomínia? Dize!

Soluçando sempre, Marieta avança uma desculpa:

— A mesma... que me arrastou... para ti...

— Para mim? — faz o rapaz, estacando.

— Sim... Belar... mino...

E entre soluços:

— Se eu... quando moça... não resisti... a um homem só... que eras tu... e casei... contigo... como é... que podia... resistir... a uma porção?!...

Mi... mi... mi...

Sentada ao piano, madame tocava. E, atrás, de pé, o professor ordenava, alto, a nota a ferir:

— Mi... mi... mi... mi...

Por essa altura, o marido entra:

— Ora, bolas! — ruge. — É só mi... mi... mi... mi... e não acaba mais.

E furioso, entregando-lhe o chapéu:

— Vá embora! Isso, também, eu faço!...

As perfídias do sono

O Sr. bispo havia tido notícia de que padre Guilbert, cura de Chateau-Riche, dormia na mesma cama com a sua criada, e resolveu ir em pessoa apurar o escândalo. Chegou de repente à localidade, e, como fosse noite e só houvesse um leito no presbitério, o Sr. bispo teve que dormir no mesmo leito com padre Guilbert, o qual, ciente do motivo da visita, jurou, por todos os santos, que tudo aquilo era infâmia e calúnia.

Dormiram os dois, na maior santidade. Por volta das quatro horas da manhã, o bispo acorda, com as grandes palmas batidas no portão. Como não é, entretanto, dono da casa, nem se mexe.

De repente, porém, sente uma vigorosa palmada nas nádegas. É padre Guilbert, que, meio adormecido, lhe ordena:

— Rosália!... Ó Rosália!... O leiteiro está batendo...

Na delegacia

— Então, a senhora sua sogra atirou-se da janela do terceiro andar... E o senhor, por que nada fez para salvá-la?

— Perdão, Sr. delegado; eu fiz o possível! Eu desci ao segundo andar para segurá-la, mas, quando cheguei aí, ela já havia passado!

A promessa

O Teodorico é um daqueles mártires que, ao casar, recebeu, além da mulher, o castigo de sustentar toda a família desta, até a quarta geração. Dia não há em que lhe não chegue da província ou dos arredores um primo, um tio, ou uma sobrinha da esposa, que lá se aboleta por semanas e meses, transformando a sua casa em hotel.

Um dia, ao penetrar na igreja, vê o Teodorico, na capela dos milagres, um rato de cera pendurado pela cauda. Indaga a significação daquele voto, e explicam-lhe que, tendo havido na região uma praga de ratos, que tudo devoravam, haviam os camponeses feito aquela promessa, tendo os ratos desaparecido.

— Com’essa! — fez o rapaz, num repente.

E encantado:

— Se eu soubesse disso há mais tempo, já teria trazido aqui um parente de minha mulher, para pendurar pelo rabo!...

Coisa palpável

— Como a senhora está bem! — saúda o “melhor dos amigos”. — Está mais gorda, mais corada, mais bem disposta.

— Acha-me mais gorda? — indaga madame, que não quer engordar.

E o “melhor dos amigos”, gaffeur incorrigível:

— Meu Deus, está se vendo! E desastrado:

— É uma coisa palpável!...

O “Ford”

Quando a formosa Pepita Sanchez desembarcou no Rio, vinda de Buenos-Aires, o seu primeiro cuidado foi examinar os homens da cidade que a recebia. Mundana chic, habituada ao prazer, ao gozo intenso e descompassado, viera ao Brasil não por dinheiro, por interesse de carteira, mas simplesmente por exigência de temperamento. Entre a praça Mauá e a rua do Ouvidor já havia, porém, formado a metade do seu juízo, e este contrário, em tudo, à sua previsão.

— Hum! — fez. — Que homens pequeninos! Só, mesmo, comprando-os às dúzias!...

O hotel a que vinha recomendada era, sem dúvida, dos melhores da cidade. Havia movimento, animação, e essa alegria ruidosa, embora falsa, que se encontra em toda parte em que circula fartamente o dinheiro. Levada aos aposentos que lhe haviam sido reservados, a rapariga viu que nada lhe faltava em comodidade. O quarto de banho era bom, a vista era excelente, e a cama era ótima. Grande como um campo de futebol, via-se que esta havia sido feita especialmente para os animados campeonatos do amor.

No elevador, Pepita Sanchez resolveu, logo, tratar da sua missão internacional.

— Diga-me uma coisa, rapaz — pediu ao criado, que a acompanhava na visita ao quarto, — você não conhece aqui no hotel algum cavalheiro distinto, forte, bonito, que possa fazer companhia a uma senhora, durante alguns dias?

— Há muitos, madame; lá isso, há.

— Mas, olhe: eu quero, você compreende, um cavalheiro, — como direi? — uma espécie de Rolls-Royce, isto é, o que houver de melhor na praça.

— Deixe estar, madame; confie em mim, — prometeu o criado, numa reverência.

No dia seguinte, às nove horas da manhã, Pepita Sanchez desceu, antes de qualquer outro hóspede, ao escritório da gerência. Vinha enervada, aborrecida, irritada.

— Tem vapor, hoje, para Buenos-Aires? — indagou.

— Sai o “Lutécia” às três horas, madame.

— Poderia arranjar-me passagem nele?

Nesse instante, aproxima-se o criado da véspera.

— Já vai partir, madame?

— Já, sim, senhor; e o senhor é um dos culpados.

E batendo o pé, nervosa:

Então, eu passo quatro dias de mar, venho ao Rio de Janeiro unicamente atrás de um Rolls-Royce, e o senhor arranja-me... um Ford?...

Malícia de mulher

Em frente ao seu toucador, madame retoca os lábios fortemente, com o seu batom, emprestando-lhe um tom vermelho vivo.

— É verdade! — exclama, — por isso é que os homens já não procuram a boca das mulheres para beijar.

E garota:

— Deixa estar, Alfredo! Um dia eu ainda acabo passando rouge onde tu me beijas!...

Dedicação

— Eu e meu marido, — diz; madame ao primo, que a visita, — somos loucos um pelo outro. Estás vendo este trevo de quatro folhas? Foi ele que me deu, para me dar sorte.

— E tu, que lhe deste?

— Eu? Dou-lhe a maior prova de amor que lhe poderia dar.

— ?...

— Eu o engano com os amigos dele, unicamente para que ele tenha sorte no jogo!...

Efeitos da transfusão

— Sim, senhor. Imagine o senhor, que minha esposa era a criatura mais acomodada deste mundo. Não ia a cinema, não dançava, não saía, mesmo, de casa. Em outubro, porém, o médico injetou-lhe o sangue de outra doente. E o resultado foi uma paixão doida que lhe nasceu, a ponto de abandonar a nossa casa, em fevereiro, no último dia de Carnaval!

— E a paixão era pelo marido da dona do sangue?

— Não; foi pelo médico!

Os montes de areia

— Senhor doutor, — queixa-se a velha Mariana ao Dr. Pichardet, — a minha filha, a Amélia, tem uma coisa que me desgosta. Imagine o senhor que ela está com dezoito anos e não tem o menor sinal de seios. É chata como uma tábua!

— Isso era de esperar, Sra. Mariana, — informa o Dr. Pichardet.

E malicioso:

— A senhora faz dois montes de areia no caminho. Começa a passar gente para lá, para cá; os dois montes de areia acabam naturalmente por desaparecer, de tanto se passar por cima...

A “direção”

O coronel Luiz de Almeida Portugal era reformado em tudo. Solteirão de nascimento, gozara a vida até os cinquenta e oito anos, quando, abandonando a atividade militar e assegurando o soldo, resolveu alugar uma casinha na estação da Mangueira e viver lá, sossegado, preparando o corpo para a velhice e a alma para a eternidade. Era católico, apostólico, romano, e, se possuía em casa, tomando conta de tudo, a Germana, mulata quarentona e sacudida, não deixava de, a certas horas, recolher-se a uma das salas da casa, onde havia algumas oleogravuras de santos, e entregar-se a verdadeiras crises de misticismo. A coragem que, na mocidade, demonstrara diante dos homens, transformara-se, no fim da vida, em covardia diante de Deus.

Trancado na sala, um catecismo na mão, o coronel rezava longamente, a andar de um lado para outro. Alto, moreno, bigodudo, com o cavanhaque grisalho a espetar para a frente, como uma lança, toda a vez que erguia os olhos ao céu, andava, assim, quilômetros e quilômetros, no âmbito estreito daquele compartimento. Até que, em certo momento, arrebatado pelas orações, se atirava de joelhos no tapete, apertando o livro contra o peito, e gemendo, como um iluminado:

— Meu Deus!... Meu Deus!... Dai-me forças!... Fortificai-me!... E guiai-me, Senhor!

Intrigada com aquele recolhimento em determinados dias, a Germana resolveu, uma vez, ser curiosa, e, aproximando-se da porta, colou o ouvido à fechadura. Até que, a certa altura, ouvindo as primeiras súplicas do velho militar, deliberou intervir. Bateu na porta.

— “Seu” coronel?... “Seu” coronel?... — chamou.

— Que é?

— “Seu” coronel, — tornou a Germana, — peça a Nosso Senhor apenas que lhe fortifique, que lhe dê forças, “seu” coronel.

E maternal, de fora:

— Porque, guiar, “seu” coronel, eu guio...

O consolo

A mulher de Gongourde, o pobre Gongourde que é bilheteiro da Estrada de Ferro, engana-o com um descaramento inqualificável. Gongourde pensa em matá-la, mas prefere queixar-se aos pais da rapariga.

— A minha situação, meu sogro, é a mais lamentável do mundo. Se a sua filha continuar a proceder como até agora, eu dentro de pouco tempo não poderei passar pela porta de casa sem ficar enganchado no caixilho!

— Ora, rapaz, deixa-te disso! — responde-lhe o velho. — Vai tendo paciência, que isso passa.

E batendo-lhe no ombro:

— Olha, a mãe dela era a mesma coisa. Enganava-me com toda a gente aqui na aldeia. Hoje, no entanto, é outra. Depois que criou barba, que os seios lhe tombaram sobre o umbigo, que perdeu os dentes e lhe caiu o cabelo, é uma santa esposa, incapaz de me trair. Tem, pois, paciência. Dentro de vinte anos, a tua mulher estará como a mãe dela, e tu verás o que é uma esposa verdadeiramente modelo!

Surpresa triste

O comendador Pafúncio, de 68 anos, casa-se com a Heloisinha, de 20. E ao fim de um ano procura a Baronesa de Caixa-Pregos, sua amiga íntima, e, chamando-a à parte, comunica:

— Sabe de uma coisa, Baronesa: a minha mulher vai ser mãe!

— Isso é verdade, comendador? — exclama, recuando, a fidalga.

E escandalizada:

— Pois, olhe, comendador: eu sempre supus que a Heloisinha lhe fosse fiel!...

A bomba

Vendo que o ventre da mulher dia a dia se desenvolve, o Januário, chauffeur, procura um médico.

— Então, não é um filho, Sr. doutor? — indaga do especialista, após o exame.

— Não, senhor; são gases, — responde este. — Sua senhora está cheia de vento.

Dias depois, na garage.

— Ó Januário! — chama um colega. — Vem cá abraçar-te com a roda do meu carro.

E irreverente:

— Enche-me cá o pneumático!

Resposta de garoto

Sentado numa calçada alta, pés descalços, o Saturnino, garoto vendedor de jornais, assobia uma ária de que nem sabe o nome, quando passa por baixo um carregador e, indicando-lhe o pé, observa:

— Sim, senhor! Olha, menino! Quando encontrares o sapateiro que te fez estes sapatos, dá-lhe os meus parabéns. Eles têm durado!...

— Pois, olhe que isso não é nada, — retruca-lhe o garoto.

E batendo nas nádegas:

— Que é que o senhor diz destas calças, que têm doze anos, e, até hoje, só têm um buraco?

Lição conjugal

— Os maridos como tu, Filipe, deviam se deixar enganar pelas esposas.

— ?...

— Só assim, pela comparação, elas saberiam quanto eles são melhores que os das outras!...

“Tableau!”

O banqueiro Fabregas tem um automóvel, que chama sempre a atenção dos amigos. Uma tarde, um deles vê o carro parado em frente a uma casa duvidosa da Rua Riachuelo. À noite encontram-se, o banqueiro e o amigo.

— Então, malandro, por onde andaste hoje?

— Eu? Por quê?

— O teu automóvel então andou hoje sozinho?

E o desgraçado, ingênuo:

— Não, filho; quem hoje andou nele o dia todo foi minha mulher, que, à tarde, emprestou-o à tua...

Perversidade de amiga

— Estás quase noiva; não é?

— Parece.

— Eu irei ao teu casamento.

— Naturalmente. Já escolhi, até, o teu lugar.

— Madrinha?

— Madrinha, não.

— ?...

Garçonne d’honneur!

Preferências...

— É muito feio o senhor andar atrás das mulheres.

— Quer que vá na frente?

A traição

Madame, que é viúva, reside com uma irmã solteira e é visitada, aí, por um “amigo de família”. Um dia, ao regressar do cinema, a copeira, que estava no portão, informa:

— O doutor esteve aí. Saiu agora mesmo.

— Demorou?

— Mais de meia hora.

Madame enfia pela casa, com os olhos em brasa. E ao dar com a irmã, que refaz o penteado:

— Passa já os cem mil réis! Anda!

E descobrindo a cédula debaixo da saboneteira:

— Traidora!

Na sapataria

— A senhora gosta de salto alto?

— Eu? Conforme. Depende da pessoa que dá o “salto”...

Superioridade

— Minha mãe, menina, — diz a Lili, de oito anos; — é boa como tu não imaginas! Calcula que todos os anos ela me dá um maninho!

— Pequenininho? — indaga a Zezé.

— Pequenininho.

— Pois, olha, a minha então é melhor. E com desprezo pela amiguinha:

— Ela me dá um pai já grande todos os anos quando nós vamos para Caxambú!

Perante Deus

Os dois foram amigos, há tempos. Depois, separaram-se. Negócio de mulheres... O certo é que um deles casou, e o outro foi viver maritalmente com uma senhora divorciada.

Um dia, encontram-se, outra vez; e com a intimidade antiga, o celibatário quer fazer umas revelações ao casado. Este abespinha-se:

— Que é isso? Tu esqueces que eu sou, hoje, um homem casado perante os homens?

— Sim, filho, eu sei, — desculpa-se o outro; — mas isso não impede que tu sejas...

— ?...

— Um marido enganado, perante Deus!

Defluxo

Na festa oferecida ao venerando visconde de Pau-Podre as senhoras, algumas muito bonitas, porfiam em cercar de atenções o rico banqueiro e bondoso filantropo. Alguns sujeitos presentes começam, no entanto, a maliciar.

— A qual delas lançará ele o seu lenço — indaga um.

— Homem, — aparteia outro, — eu creio que a nenhuma. O nosso visconde já nem se assoa.

E perverso:

— Já está de nariz entupido...

Vaidade profissional

— Eu acho, menina, que a mulher não se deve rebaixar muito. Eu, por exemplo...

— ?...

— Não me rebaixo a menos de cinquenta mil réis.

O antepassado

Toda a gente sabe que o Príncipe de Gales é um temperamento democrata, que gosta de se ver, não raro, no meio da multidão. Em Paris, sente-se ele sempre à vontade. E foi em uma das suas excursões que enveredou, uma noite, pelo Cassino, de cujas mulheres o Rio teve a amostra. Em um dos intervalos, sentou-se a uma mesa, pediu um cálice de vinho, e começava a saboreá-lo quando se veio sentar a seu lado uma velha hétera, pintada “à la diable”, como um quadro futurista.

— Mon p’tit cocô... — fez a megera.

Delicado, polido, o príncipe tratou-a com atenção, procurando os melhores processos de recusa.

— Dá-me, ao menos, qualquer coisa para pagar o jantar... — pediu a velhota.

O príncipe tirou do bolso do colete uma libra esterlina, e entregou-lhe. A rapariga olhou-a, mirou-a, remirou-a, e, descobrindo na moeda a efígie de Eduardo VII:

— Estás vendo este aqui, meu filho?

E indicando-lhe a efígie:

— Pois, olha, este, passou noites e noites comigo! E que bilontra, que ele era!...

Escola de línguas

— Por que não te matriculas na Escola Berlitz, no quarto andar do “Jornal do Brasil”?

— É muito alto, filha... Uma escola destas devia funcionar em baixo...

Prejuízo insignificante

— Ia eu de automóvel com minha mulher; numa volta, ele vira. Examinando vi que felizmente nada tinha partido.

— Tua mulher?

— Não, o automóvel. Minha mulher partiu duas costelas.

O papa-dotes

Dois camponeses conversam:

— O dote de minha filha o meu genro devorou em dois meses!

— Oh! Que foi que ela levou como dote?

— Um porco e duas galinhas!

Homem... opatia

O comendador Bolacha casa-se com uma menina que pode ser sua filha. Palidez da moça, insônia, irritação. Chama-se o médico.

— O melhor, Sr. comendador, é recorrer à “homem... opatia”.

— “Homem... opatia”?

— Sim, senhor.

E discreto:

— É um remédio em gotas...

Modéstia

— Eu sou louco por uma mulher que adora o luxo, o movimento, as festas; em suma, eu gosto da mulher mundana! — afirmava um elegante.

— Pois, eu sou mais modesto, — atalha outro. — Basta-me a metade.

E explicando-se:

— Eu me contento com a “demi mondaine”!

Com uma perna

O Venâncio, que estava doente, cai na rua, de modo desastrado. Acorrem populares.

— O meu médico, — explica ele, — recomendou-me dieta. Lá em casa reduziram-me a alimentação ao mínimo: uma perna de frango por dia.

E desolado:

— Como é que eu podia me sustentar com uma perna só?

O cicerone

Um argentino chic, vivendo em Paris, convida uma sua linda patrícia para mostrar-lhe os prazeres da cidade. E no dia seguinte, conta a um amigo o sucesso do passeio:

— Ah, rapaz, foi uma delícia! Fomos ao teatro, corremos todos os cabarés, andámos de automóvel, e, depois, fomos cear. Apenas, não tomamos champanhe.

— E por que não pediste uma garrafa?

— Por quê?... Porque a minha companheira não tinha mais dinheiro!

Parada perigosa

— Agora, vou “parar”... minha mulher! — declara o Fagundes, jogador profissional. — Minha mulher, contra quinhentos mil réis!

O Gamela, que é banqueiro, para de dar cartas.

— Que é isso? Você está com medo de perder? — indaga o marido.

E o Gamela:

— Não; pelo contrário.

— ?...

— Estou com medo de ganhar!

Indiscrição de amigas

— Coitada de fulana! Está passando as mais duras privações! Imagina tu que o “coronel” só lhe dá três contos de réis, e que a família dela não é pequena!

— De que se compõe a família que ela sustenta?

— De cinco pessoas: um cachorrinho, um filho pequeno, a mãe dela, um gigolô e um automóvel de 45 cavalos!...

Estatística

— Tu te incomodas mais com a tua amante do que comigo! — grita Dona Odetinha. — És capaz de saber até quantos cabelos tem ela!

— E sei, intervém o marido, irônico. — Tem quatro milhões quatrocentos mil duzentos e trinta e um!

— Trinta e um, não: trinta! — emenda madame.

E mostrando-lhe um fio:

— Tu não podes contar com este, que veio hoje no teu paletó!...

Antigos e modernos

Marietinha tem quatorze anos e é, na casa, o gênio da família. Um destes dias o pai entrou, com uma brochura francesa.

— Filhinha — chama, — lê este livro, e vê se é honesto.

E enquanto tira o paletó:

— Vê se é livro sério que tua mãe possa ler...

Razão de nulidade

No escritório de um advogado:

— O motivo do divórcio, disse, é sua mulher tê-lo enganado?

— Sim, senhor... ela confessou-me que amava um outro, e eu verifiquei que era verdade.

— Mas, então, se ela lhe disse a verdade, não o enganou!

Segredos...

— Ai!... ai!... ai!... ai!...

— Que é que tem, Dona Luizinha? — indagam da vizinhança.

— Ai, Dona Matilde, eu lhe explico. Imagine a senhora que meu marido me contou um segredo, recomendando-me que o guardasse; mas é um segredo tão grande, tão importante, Dona Matilde, que eu preciso de uma pessoa que me ajude a guardá-lo!

Almofadismo

O Tomazinho, com sua figura efeminada, é um dos encantos da Galeria Cruzeiro.

Vai para lá, vem para cá, num andar cadenciado, olhos lânguidos, faces carminadas. De repente, passa um sujeito, e dirige-lhe uma pilhéria.

— Não mexa comigo! — suspira o Tomazinho, ofendido.

E num muxoxo:

— Olhe que eu sou noiva!

O chefe de família

— Então, Banut, como vai isso?

— Vai tudo bem; apenas os meus filhos é que vão me pondo calvo.

— Conta lá.

— Imagina tu que, uma tarde destas, eu vinha pela Rua Silvabela, quando encontro minha filha em companhia de um indivíduo. E, como era justo, interpelei-a:

— “Não seria melhor, desgraçada, que tu te casasses, do que viveres assim desonrando o meu nome?”

— “Ora, meu pai, — respondeu-me ela — o homem com quem eu vou aqui é casado. Se eu me casasse, meu marido faria como ele. Então, eu achei que era melhor ficar solteira. Assim, eu tenho o marido das outras e elas não têm o meu!”

Então, eu dobrei a esquina, e fui-me embora. Duzentos metros adiante, encontrei meu filho, que passeava com uma .mulher. Chamei-o à fala:

— “Passeias pela cidade com uma mulher que não é tua esposa! Tu não tens medo?”

— “Meu pai, — retrucou-me ele; — eu prefiro passear com a mulher que é minha amante, a passear com a minha mulher legítima, que seria a amante de um outro!”

— Dessa vez, Banut, que é que respondeste?

— Eu? É simples. Pensei em mim, pensei na mãe deles, e...

— ?...

— Dobrei a esquina!

O inimigo

Mme. não é nova. E teve uma vida tão agitada pelas estroinices e dissipações, que, hoje, se vê às voltas com uma terrível moléstia feminina, dessas que põem uma criatura com os ossos no cemitério. Consultado um especialista, este usa de franqueza:

— Minha senhora, a sua saúde depende de si mesma. E eu resumo o seu tratamento neste simples aviso: o homem, eis o inimigo! Ou, então, a senhora lembre-se que... Damasco tem duas estradas!

Madame sorri:

— Compreendo, doutor, compreendo; mas eu tenho a objetar que eu sou filha de um general, e meu pai sempre me deu um conselho em contrário.

— ?...

— E eu morro, doutor, mas... não dou as costas ao inimigo!...

Condições

— Então, Sr. Eusébio, o senhor dá-me a mão da sua filha?

— Mas, com uma condição: não vai nada dentro!

A liberdade

Trepado no pedestal da estátua de José Bonifácio, o conhecido orador popular, êmulo do professor Vicente Ferreira, de engraxada memória, faz a apologia da liberdade.

— A liberdade, senhores, — clama, — é o melhor benefício que Deus fez ao homem. Sem a liberdade, que é o indivíduo? Para as aves, fez Deus o céu, e a asa com que dominam o espaço! Para os animais, a selva! Para o peixe, o mar e os rios! Por que há de o homem, só ele, ter os seus movimentos paralisados?

Vozes — Apoiado!... Muito bem!...

O orador — A liberdade, senhores, é um bem tão precioso, que, quando os seres cativos a podem reaver, logo manifestam os maiores sinais de alegria, de contentamento, de felicidade! Livre da gaiola, o pássaro canta! Solta do curral, a vaca põe-se a berrar! Liberto da jaula, o leão urra!

Vozes — Muito bem... Apoiado!...

O orador — A liberdade é, enfim, tão desejada, senhores, que, o próprio ar aprisionado dentro de nós, ao sentir-se livre, solta, contente, um grito de vitória, saudando a liberdade reconquistada!...

Vozes — Puuuum!...

A louca

— Foi um horror, meu velho, foi um horror! — confessa João Valeroi ao seu amigo Paulo Maurício. — A pobre Jeanete acabou do modo mais horrível que se pode imaginar. Lá está no Hospício, onde nem eu a posso ver, pela originalidade da sua loucura!

— Conta-me ao menos o que foi... como foi...

— Enfim, és meu amigo, eu te conto... Como tu sabes, Jeanete era uma criatura apaixonada, absorvente, de ardores tropicais. Logo que me casei com ela, o meu primeiro cuidado foi modificar-lhe o vocabulário, que era muito de Montmartre, onde, como não ignoras, eu a fui encontrar. Assim, para impedir certas expressões grosseiras, eu lhe disse que, sempre que tivesse o desejo de uma carícia, me dissesse: “Meu amor, deita-me uma carta...” Funcionário postal como sou, eu já sabia o que era, e imediatamente a satisfaria... Assim, ia-se passando o tempo. Dias havia em que eu lhe punha três e até quatro cartas!

— E a tinta chegava?

— A princípio, chegava; e quando não chegava, ia mesmo a lápis.

— A lápis?

— Sim, filho; ia mesmo sem tinta...

— Compreendo.

— Bem. Ao cabo de um ano de casamento, não havia mais tinta nem papel que chegasse. Eu me sentia morrer.

— Então, metia-a, a princípio, numa casa de saúde. Foi pior. O seu estado agravou-se, e a tal ponto, que enlouqueceu!

— Pobre Jeanete!...

— E hoje está no Hospício, onde faz pena. Grita, para se acabar. E que gritos!...

— Que grita ela?

— É dia e noite isto, meu velho: “Eu quero ser “Caixa do Correio”! Eu quero ser “Caixa do Correio”! Eu quero ser “Caixa do Correio”!...”

“In extremis”...

O Belarmino agoniza.

— Então, está pronto para a grande viagem? — pergunta-lhe o padre.

— Psit! — pede o enfermo. — Fale devagar, pelo amor de Deus!

E ansiando:

— Minha mulher é tão ciumenta, que é capaz de querer ir comigo, para saber onde é que eu vou!...

A vagarosa

Eram três (três senhoras) à mesa. Pareciam muito íntimas, muito camaradas. A certa altura do chá, uma despede-se, beija as outras, é beijada por elas, e sai.

— É pena que essa criatura seja tão vagarosa! — opina uma das que ficaram.

— Vagarosa? — estranha a outra.

— Então, menina!

E perversa:

— Imagina tu que ela nasceu no ano em que eu nasci; e eu já estou com trinta e seis anos e ela agora que chegou aos vinte e nove!...

A resposta de Sancho Perez

Don Jerônimo, o gordo colecionador de livros, chega à livraria de Don Sancho Perez, e encontra-o debruçado à janela.

— Boa vida, hein, meu amigo?

— É verdade senhor Don Jerônimo. Estava quase tomando um pouco de fresco.

— É por isso, meu caro, que o seu negócio não vai para diante. Em vez de estar tratando dos livros está você aqui a refrescar-se à janela. Olhe: quer saber o que seria melhor? Era que, em vez de estar com o focinho para o lado da rua e as nádegas para dentro de casa, estivesse com o focinho para dentro de casa e com as nádegas na janela.

— Ah, senhor Don Jerônimo, eu já fiz isso algumas vezes — retrucou o livreiro; — já fiz isso, mas dei-me mal. Ainda ontem, eu estava com as nádegas pousadas na janela, quando começou a passar gente e a tirar o chapéu. E todos passavam, diziam...

— Diziam o quê?

— Diziam: “Boa tarde, senhor Don Jerônimo!”...

Questão de “partido”

O caso ocorreu num Estado do Norte, — digamos logo tudo — no Pará, no tempo em que o senador Lauro Sodré foi para ali promover a revolução contra os Lemos. Entre as pessoas da comitiva do ilustre viajante, ia um médico paraense, conhecido “pirata” no Rio, e que, ali, pôs em evidência toda a sua capacidade de conquistador.

Um dia, ao entrar em casa, um comerciante, portador de um nome tradicional no Estado, encontra em colóquio amoroso a esposa e o médico. Segura-se à parede, para não cair.

— O senhor, senhor doutor!?... — exclama o mísero, desolado.

E sacudindo a cabeça:

— Felizmente... é um correligionário!...

A adivinhação

— Vamos brincar de adivinhação! Vamos! — convida Otavinha, radiante, puxando uma, arrastando outra, pondo cada uma das amigas na sua cadeira.

Feita a roda, começa o brinquedo. Várias adivinhações são feitas, umas simples, outras complicadas, motivando, todas, gargalhadas tumultuosas. E reina a alegria mais franca, mais barulhenta, quando Dona Marieta anuncia:

— Vamos ao chá; andem! O chá está na mesa!

— Ah, mamãe! Não — faz Otavinha, ruidosa. — Só uma vez! Só uma vez!

E, de pé, diante do desembargador Silveira:

— Que é, que é? É duro...

— Sim, senhora.

— A gente molha, e amolece!

Um silêncio pesado enche a sala. O conceito daquela charada é difícil, profundo, misterioso.

— Não sabem? — faz a Otavinha, olhando em torno.

E, batendo palmas:

— É biscoito, gente! É biscoito, que é duro, a gente molha no chá, e amolece!

Amor pla... “tônico”

A formosa artista, uma das atrações do Paris noturno, vai procurar um dia o seu médico, o Dr. Richet. E no meio de outras coisas, indaga:

— Doutor, diga-me: que é o amor pla... tônico?

— Pla... tônico? — faz o médico. — Mas, minha senhora, o próprio nome o está dizendo: pla... “tônico”.

— ?...

— Os “tônicos” não são para abrir o apetite?

No tribunal

— Vejamos, madame, — pede o juiz — quando a senhora se casou, o seu marido a amava?

— Ah, senhor doutor, o coração dele, então, batia com toda a força!

— E agora?

— Agora, o que bate é a bengala dele!

Gente limpa

— Tu não imaginas — dizia o comendador Fernandes ao seu colega Pereira: — tu não imaginas como o Almeida é sem educação à mesa. Convidei-o para almoçar em nossa casa, e fiquei tão espantado quando o vi coçar a cabeça com o garfo, que me caiu da mão a faca com que eu estava palitando o dente!...

Reclamação de artista

— Maria, prende esse cachorro; esse animal põe-se sempre a ladrar quando eu canto.

— Não é o cachorro, não, patroa.

— ?...

— É o patrão!

A prestações

— Dize-me uma coisa, fulana: teu noivo já sabe a idade que tens?

— Uma parte, apenas...

A enteada

Sentados nos seus tamboretes, em frente às respectivas rótulas, as duas raparigas, a Helena e a Celina, dois rebutalhos da sociedade e da vida, aguardam, infelizes, os namorados eventuais daquela noite. De quando em quando passa um homem, lento ou apressado.

— Psit!... Psit!... — chamam as duas, ao mesmo tempo.

O transeunte olha-as, e lá se vai, logo, o seu caminho, ao vê-las tão indesejáveis, precocemente envelhecidas pela intensidade do prazer ou do vício.

Naquela noite, como ninguém passe na rua, começam a contar, uma à outra, a origem do seu infortúnio.

— Eu, se sou o que sou, — principia a Celina, — devo isso ao meu marido. Foi ele que me atirou a isto, deixando-me semanas e semanas sem um vintém para comer. Resisti quanto pude; depois não pude mais, e fui cuidar da vida. E você?

— Eu não fui casada, não, minha filha, — conta a outra. — Nem cheguei a ser.

— Foi seu noivo que lhe fez mal?

— Não. Eu não tinha noivo. Quem me fez mal foi meu padrasto.

— Seu padrasto?

— Sim, o segundo marido da minha mãe. Eu estava no meu quarto, quando ele chegou em casa. Andou de um lado para outro, e foi bater onde eu me achava deitada. Aí se atirou a mim, me tapou a boca, e me desgraçou.

— E sua mãe não estava em casa? — obtempera Celina.

— Mamãe? Estava, sim.

— E por que não lhe socorreu?

— Porque não podia.

— Não podia?

— Não, minha filha, — desculpa Helena.

E singelamente:

— Como é que a mamãe podia me socorrer, coitada! Se quando meu padrasto entrou, ela estava trancada no quarto, com um primo dela?

Assim... Assim...

O rico e bojudo comerciante enviuvou há uns seis anos, e casou com uma cunhada, que tinha uma filha. Ultimamente, madame começou a notar que o marido se multiplicava muito em gentilezas com a rapariga, e que esta principiava, mesmo, a ter ciúmes do velho. E para evitar complicações, exigiu que se arranjasse, quanto antes, um casamento para a moça.

Obediente, e para impedir um escândalo, o comerciante propõe o casamento a um empregado seu, rapaz pobre e honrado.

— Mas, Sr. Fulano, — observa-lhe o empregado; — dona Fulana é... é... virgem?

O velho faz um gesto com a mão, e, numa careta, definindo tudo:

— Assim... assim... isto é... mais ou menos...

Exigência justa

Um capitalista sul-americano vai a Paris exclusivamente para consultar o Dr. Voronoff. O ilustre fisiologista examina o caso, regula a operação, as condições, e conclui:

— O senhor entra para o hospital amanhã mesmo. Dentro de três dias eu farei o enxerto.

— De glândula de macaco, doutor.

— De glândula de macaco, sim, senhor.

E o enfermo, preocupado:

— Mas, doutor, eu quero um macaco garantido... Sim?

Os ovos

O João Belisário vem vender ovos na feira-livre e, como precise de pregos para o galinheiro, entra, a cesta no braço, numa casa de ferragens das proximidades, onde uma senhora gorda, balofa, mulher do ferrageiro, corre a atendê-lo.

— Deseja alguma coisa? — indaga esta, solícita.

João Belisário pede pregos. Escolhe o tamanho, a grossura, a qualidade, indaga o preço.

— Quatro mil réis o quilo.

— Quatro mil réis?... — faz, espantado.

A mulher é mulher de turco. Sabe negociar.

— O senhor acha caro? Um quilo são quase duzentos pregos. Se o senhor fabricar, sequer, um prego como estes, eu lhe dou dez tostões.

O caboclo precisa dos pregos. Pede meio quilo, paga, e vai, já, a sair, quando a mulher indaga:

— Que é que o senhor leva nessa cesta?

— Ovos.

— São para vender?

— Sim, senhora.

— A como?

— Três mil réis a dúzia.

— Três mil réis?... — faz a dona, com espanto. — Que horror!

João Belisário põe a cesta, de novo, no balcão, retira a toalha, e mostra.

— A senhora acha caro? Pois, olhe, dona...

E rindo:

— Se a senhora puser um só, como estes, eu lhe dou cinquenta mil réis!...

O umbigo de madame

— Senhor Fulano — informa o cirurgião — eu tenho a comunicar-lhe que, depois da operação, a sua senhora vai ficar sem umbigo.

— Não faz mal, não, doutor, — tranquiliza-o o marido.

E com desdém:

— Também, juntava tanta poeira!...

Complicação

Um cavalheiro está sentado na “terrasse” da Americana, quando se aproxima uma dama chic, e pede-lhe:

— Cavalheiro, por favor, pague-me um sandwich. Eu estou com tanta sede que não sei onde vá dormir!

A noiva experiente

Manon vai do interior para empregar-se em Marselha. Como é linda e bem feita, encontra depressa um galã que a namora, e que acaba casando. No dia seguinte ao do casamento, o jovem esposo diz à mulher:

— Tu fizeste bem, Manon, não te entregando antes do nosso casamento. Se eu te tivesse possuído, não tinha casado contigo.

— Ah, isso sei eu! — atalha Manon. — Por isso mesmo foi que eu me guardei.

E experta:

— Eu já tinha sido vítima de dois. Havia de cair no terceiro?

A confissão de Consuelo

Toda vermelha, torcendo e retorcendo nos dedos nervosos a gola da sua blusinha de tricoline, a Consuelo, criadinha da pensão familiar de Mme. Anete, entra na igreja, naquela manhã. Pedira licença à patroa para ir ver um sapato, e, no entanto, em vez de cuidar do pé, estava ali cuidando da alma.

Chegada a sua vez, ajoelha-se diante do confessionário, fazendo com o dedo umas garatujas na testa, na boca e no peito, e que ela supõe ser o “sinal da Cruz”. E começa a relação dos seus pecados.

— Eu furtei um pedaço de queijo da patroa, Sr. padre... — geme.

— Isso é feio, minha filha; isso é pecado, — declara o sacerdote, paternal.

— Eu menti outro dia, para minha mãe, indo numa festa, e dizendo que não fui...

— Também é pecado, filha; principalmente, tratando-se de sua mãe.

Chega, porém, o momento grave. O rosto em brasa, Consuelo não sabe se deve contar, ou não. Afinal, resolve:

— Eu deixei, também, Sr. padre, um moço da pensão onde sou empregada, me beijar...

— Deixou? É um pecado muito grande, minha filha! Mas... não passou do beijo?

— Passou, sim, Sr. padre.

— Então, conte.

— Ele tinha marcado para eu ir no quarto dele, depois de meia-noite.

— E você foi?

— Fui, sim, senhor.

— E ele, então, lhe deu o beijo...

— Deu o beijo e quis que eu dormisse lá.

— E você dormiu?

— Dormi, sim, senhor. Dormi com ele, na cama dele.

— Que horror, filha! Pois, olhe, você vai rezar doze terços, como penitência! Ouviu?

— Ouvi, sim, senhor.

Terminada, assim, a confissão, vai a menina levantar-se, quando se ajoelha de novo.

— Senhor padre... — aventura.

— Que é?

— Vossa Reverendíssima me diga uma cousa: se eu rezar vinte e quatro terços em vez de doze...

— ?...

— Posso ir dormir com o moço outra vez?

Questão financeira

— Tu casaste comigo porque eu tinha dinheiro... Não foi?

— Não.

— ?...

— É porque eu não o tinha!

Gesto de consciência

O sacerdote está no púlpito e pronuncia um sermão contra o adultério. E troveja:

— Não enganeis jamais vossos maridos, mulheres casadas!

— Ah, meu Deus! — exclama, assustada, uma formosa devota, olhando em torno.

E nervosa, para o marido:

— Por falar em adultério, não é que eu deixei o meu chapéu de sol na casa do Gastão?

Indignação materna

A velha dama de pensão, ao surpreender a filha em flagrante delito com um hóspede, fica furiosa.

— Que desgraça, meu Deus! E logo com um nortista! Que vergonha para a família!...

E as mãos nas cadeiras:

— Ao menos dize, criatura: quanto ele te deu?

Posições...

A ilustre senhora, figura mundana de relevo (alto e baixo), procura um dos nossos grandes fotógrafos para tirar uma série de retratos:

— Quero nas melhores posições que eu conheço, — declara.

— Ah, madame, isso não! — protesta o mestre-fotógrafo.

E rindo:

— As melhores posições que a senhora conhece seriam um escândalo, fotografadas!

A galinha e o ovo

Entre o tenente e a viúva Solheiro não há senão esse sentimento de curiosidade que tem todo homem por toda mulher. Convida-a para o passeio como convidaria qualquer outra, contanto que fosse mulher, e não fosse feia. É, pois, sem propósitos pecadores que se põem em marcha, até que, em certo ponto da subida do morro, a rapariga para, preocupada.

— Tenente, o senhor é um cavalheiro? — indaga com vivacidade.

— Por que não, madame?

— Pois bem; o senhor me vai dar uma demonstração disso; o senhor fica aqui, enquanto eu subo mais um pedaço da ladeira. E não vá enquanto eu não o chamar.

— Está bem, madame. Estou às suas ordens — aceita o oficial.

Suspendendo o vestido, já exageradamente curto, a moça galga a primeira volta da ladeira. E desaparece. Desaparece, mas, dois minutos depois, o rapaz vê surgir, em cima, na curva do caminho, que fica quase sobre a sua cabeça, uma espécie de lua muito branca, muito redonda e cheia, e que emergia, clara, de umas nuvens de fazenda preta e branca, de quem alivia luto. É a viúva Solheiro que, fulminada por uma dessas necessidades a que se acha sujeita a mísera natureza humana, dá a estas, após almoço tão opíparo, as necessárias satisfações.

Minutos depois, a moça se ergue, e, de pé, recompondo-se, sem saber que havia sido vista, chama:

— Tenente Marcos, pode vir!

— Obrigado, minha senhora! — responde, de baixo, o oficial.

E ganhando a ladeira, para descer:

— Eu sou um avicultor exigente, madame!

— Prefiro ver a galinha pôr, a ver-lhe o ovo!

Maternidade

Lili e Mimi brincam de mamães.

— Bons dias, comadre.

— Bons dias; como está a senhora?

— Bem, obrigada; quantos filhos já tem?

— Eu tive quatro no primeiro ano.

— E dá de mamar a todos quatro?

— Oh, não, senhora! Dei de mamar ao primeiro; mas fez-me tanto mal, que meu marido me proibiu... Quem dá de mamar aos outros é ele.

Problema familiar

— Estou indignado com minha mulher; ela só se preocupa com a falta de casas.

— Não vejo motivo. Uma senhora que se preocupa com assuntos domésticos, só merece elogios.

— Mas é que, enquanto ela pensa na falta de casas, eu me atrapalho todo com a falta... de botões!

Vencendo obstáculos

A porta da ilustre senhora, à praia do Flamengo, bate a costureira:

— Madame está?

— Está, sim, senhora — responde-lhe o criado; — mas não pode “receber”.

— E pagar, ela não pode?

Presunção

O trem das 8:20, que vai para Petrópolis, corre desabaladamente pela Baixada, demandando a serra, quando, um pouco além da estação da Estreia, o Aldrovando sente uma das necessidades comuns a que está sujeita a humanidade.

— E agora? — pergunta ele à mulher.

— Vai lá dentro... — aconselha Dona Emerenciana. — Vai, que eu espero.

O Aldrovando vai até o compartimento minúsculo fronteiro ao do lavatório, e mexe na maçaneta. Uma voz responde, porém, de dentro:

— Já vai!

— Diabo! — faz o rapaz, voltando para o lado da mulher, no banco que lhe coubera.

— Faz mesmo lá na plataforma, Dódó, — insiste a esposa. — Fica na escada, mas segura-te bem, que o trem está sacudindo muito.

E ainda num último aviso:

— Cuidado com as curvas!

O Aldovandro dá alguns passos, abre a porta, e sai para a plataforma. A noite está escura como a alma de um assassino que não foi absolvido. E pelo meio da noite, resfolegando e apitando, o trem é como uma faca doida a cortar, às tontas, uma fatia de caviar. Descido o primeiro degrau da escadinha, o rapaz, segurando-se bem, livra-se de um ou dois botões, e começa a desoprimir-se, quando um passageiro do carro vizinho, que se acha na portinhola, o descobre.

— Vou já pregar-te uma peça! — diz.

E fazendo passar a bengala pela portinhola, zás! uma pancada forte, vigorosa, decidida, na parte do corpo do Aldrovando que havia ficado para fora do carro.

— Ui! — faz este, recolhendo-se.

Ao chegar junto da mulher, esta vai, logo, indagando:

— Estás aliviado, filhinho?

— Eu? Assim... assim...

— Não chegaste até o fim?

— Não.

— Vinha gente?

— Não.

E num gemido:

— É que eu, na pressa com que estava, nem pensei no diabo dos postes telegráficos!...

Metendo “ferro”...

A cena passa-se na estação das barcas de Niterói. O seio, enorme como um melão, posto para fora, a mãe procura meter o bico do peito na boca do pirralho que berra, não querendo aceitá-lo. Diante deles, um cavalheiro bem vestido, figura de homem educado, vira o rosto, aborrecido.

— Toma, neném, toma o peitinho... — diz a pobre mãe, ao menino.

E como este persiste recusando-o:

— Toma... Não quer, não?... Olha, se você não quer, eu dou ali pro moço...

O guardanapo

Madame, que é casada recentemente, é de uma delicadeza encantadora. Logo no dia primeiro do mês seguinte ao do casamento, resolve:

— Bom; eu própria quero ir fazer o sortimento no armazém.

E vai. Compra arroz, manteiga, vinho, ervilhas, frutas em calda, açúcar, palitos, e o mais. A certa altura, lembra-se do papel higiênico.

— Mas, como será que se pede isso? — conjectura.

E para sair da dificuldade, dirigindo-se ao caixeiro:

— Diga-me uma coisa: o senhor tem aqui aqueles... aqueles... aqueles... guardanapos para o posterior?

Opiniões perigosas

— Diga-me uma coisa, Sr. Gustavo — indaga o professor Tobias, — qual é a mais bela conquista do homem?

O pirralho fica, primeiro, muito vermelho, mas responde:

— A mais bela conquista do homem, professor, é... é... é...

— Diga! Vamos!

— É... a mulher!

Uma gargalhada dos outros alunos é o comentário irônico à opinião do menino. Tobias Borges, fecha, porém, a cara, e faz-se silêncio.

— Isso é resposta que se dê, Sr. Gustavo? — ruge o educador. — O senhor não tem vergonha de dizer semelhante coisa?

E indignado:

— Sim, senhor! Nesta idade, e já tão cínico, tão desavergonhado!

No dia seguinte, à hora da lição, lá está, como de costume, o Gustavinho. Mostra-se calmo, tranquilo, despreocupado, como se nada lhe houvesse acontecido. Ao vê-lo, o diretor chama-o:

— Senhor Gustavo?

— Pronto, “fessor”!

— O senhor contou ao seu pai o que ontem aconteceu aqui?

— Contei, sim, senhor.

Disse-lhe qual havia sido a minha pergunta?

— Sim, senhor.

— E repetiu-lhe a sua resposta?

— Sim, senhor.

— E ele, que disse?

— Professor, ele disse que ia me tirar deste colégio, por que, se o senhor não era da minha opinião, era um perigo os meninos virem aqui na sua aula!

Vícios de origem

Abraão Bensimon, que realizou uma fortuna considerável vendendo produtos químicos ao exército, apaixona-se por uma bailarina. Não obstante a sua grande fortuna, guarda, ainda, da sua origem modesta, hábitos de rigorosa meticulosidade. Um dia, leva ele à rapariga um presente magnífico.

— Aqui tens, meu amor, duas pérolas de cinco contos cada uma.

E enquanto a bailarina lhe salta ao pescoço, beijando-o:

— Dá-me, agora, um recibo... É para documento de “Caixa’'...

Orgulho de gigolô

No Alvear, acompanhando a linda rapariga sustentada por um capitalista do alto comércio, chega o Abelardo, jovem mundano, que é um dos “moços bonitos” mais famosos do Rio. Moreno, olhos verdes, o rapaz desvanece-se da companhia, quando a rapariga lhe diz, baixo:

— Olha, paga a despesa... Eu estou sem dinheiro...

— Eu? — estranha o Adonis. — Eu, não.

E passando-lhe dez mil réis por baixo da mesa:

— Toma, paga-a tu... Eu não quero que me tomem por “coronel”...

Visita de cerimônia

Faltam ainda cinco semanas para os dois virem ao mundo. Lançadas no mesmo dia, na mesma hora, na roda do mesmo canteiro, as duas sementes haviam se transformado em dois garotos, que andavam, assim, pelos seus oito meses de vida misteriosa.

A ciência, na sua tirania, costuma contar a vida das crianças do dia em que elas vêm espiar, aqui fora, o céu, a lua e as estrelas. E, no entanto, assim não devia ser. Antes disso, o pequeno ser já existe. O seu mundo é outro. Os seus horizontes são mais estreitos, tendo como limites, de um lado, uma bacia hidrográfica, e do outro, uma floresta, por onde se sai e não se volta mais.

E era aí, nesse pequeno mundo, que os dois pirralhos conversavam sobre o mistério do seu destino, quando ouviram, de repente, barulho na zona.

— Psit! Caluda! — faz um, dos dois.

E com o dedinho sobre os lábios, pedindo silêncio:

— É papai, que vem!

Ao fim de quinze minutos, em que cada um se esconde como pode, voltam os dois à conversa:

— Maninho?

— Que é, maninho?

— Você acha que era papai?

— Acho que não, maninho; parece que era visita, gente de cerimônia.

— ?...

— Você não viu como vinha de luvas?

A meia

O comendador Fabregas está naquela idade em que o pobre, sabendo-se pobre, não quer que se tenha conhecimento da sua pobreza. Para impedir a divulgação desse fato, procura ele, por isso, dar a impressão de que está mais moço do que nunca, falando nas mulheres.

— Mas fulano é, ainda, o que diz? — indaga um dia o Lopes, a uma das suas amantes.

A rapariga ri.

— Qual, filho!

E garota:

— Você já viu uma meia cheia de areia? Pois, é isso!

Franqueza de pai

Cego de espírito, não se conhecendo a si mesmo, o comendador Praxedes vai procurar o pai da Carlotinha, mais moça do que ele quarenta anos, e faz-lhe o pedido da praxe. Recebido atenciosamente, vai logo dizendo ao “velho”, que é, no entanto, mais moço que o futuro genro:

— Meu caro senhor, eu sou um homem de fortuna... Consumi a mocidade em orgias, em pândegas, em prazeres. De certo tempo a esta parte, resolvi, porém, mudar de conduta. Quero, agora, constituir família, casar-me, ter o meu lar, ter a minha esposa, ter os meus filhos...

O pai de Carlotinha, que fuma um charuto, chupa-o longamente, demoradamente, como quem medita. Afinal, indaga:

— Que idade o senhor tem, Sr. comendador? Seria indiscrição saber?

O capitalista fica vermelho por um instante, mas é sincero:

— Sessenta e três anos.

— E casa-se com a ideia de que a sua esposa lhe dará filhos?

— Perfeitamente.

— E é isso, essa ideia de paternidade, que o leva a casar-se?

— Exatamente.

— Então, meu caro senhor — conclui o pai da rapariga, — se o senhor faz questão de que sua mulher tenha filhos, eu acho melhor que o senhor procure outra moça para casar-se. A minha filha não serve.

— Não me serve?

— Não, senhor; a minha filha é uma menina pura, direita, e será com certeza, uma esposa honesta.

E olhando-lhe a fisionomia devastada:

— Minha filha será incapaz de traí-lo, Sr. comendador!...

Resposta de bilontra

Dona Veneranda é uma das maiores fortunas do Rio. Viúva e rica, é natural que não faltem os candidatos à sua mão. E um deles é o Dr. Pafúncio, celibatário cujo coração é um imã que só se volta para onde pressente a existência de “metais”.

Solícito junto à milionária, o rapaz fala-lhe de casamento.

— Ah, doutor! — sorri a dama. — Não me fale nisso! Eu nunca mais me casarei!

O pretendente não se contém. E estoura:

— Mas, madame.

— ?...

— Que é que a senhora vai fazer desse dinheiro todo?

Recordação...

— Aquela é a viúva do Pires... Não é?

— É sim. Coitada! Naquele desastre da Avenida Atlântica, perdeu o marido, perdeu o automóvel, de modo que teve de guardar o chauffeur como única recordação!...

A criada indiscreta

— Honorina, prepare a sua bagagem e depois venha ter comigo, para fazer as suas contas.

Sabendo-se bonita, a rapariga para diante da patroa, sorrindo. Com a sua touca e o seu avental, não parece uma criada: parece uma princesa fantasiada.

— Madame está, então, me mandando embora? — indaga, num desafio.

— Estou; não percebeu isso?

— Percebi, sim, senhora; e já esperava... Já esperava, desde o dia em que me disseram que eu era mais bonita que madame.

— Quem lhe disse isso? — estranha a moça, como quem se sente apanhada em flagrante.

— O primo da patroa. E há quem diga, também, que eu sou mais inteligente que madame.

— Quem é?

— O patrão.

— Está bem. Não tem nada mais a dizer? — faz a jovem senhora, com desdém.

— Tenho, sim, senhora. É que me disseram, também, que eu, como mulher, sou, no leito, muito mais interessante que madame!

— Meu marido disse-lhe isso também?

— Não, senhora.

E, pérfida, as mãos nos quadris:

— Quem me disse foi o chauffeur!

Família “chic”

— Alô! Alô!... — atende o gerente do hotel, chegando o fone ao ouvido. — Com quem deseja falar?

— ?...

— Com o Dr. Mendes Godinho? Está agora na roleta.

— ?...

— Com a filha dele? Está no pavilhão, dançando.

— ?...

— Com a mulher dele? Ah, meu amigo, isso é mais difícil!

— ?...

— Essa, ninguém sabe onde anda!

A decalcomania

Mme. De Lachassure é de um ciúme feroz. É preciso confessar, entretanto, que o seu marido faz o possível para justificar essa falta de confiança.

Madame é, porém, imaginosa. As suas preocupações com o esposo são múltiplas e variadas. E é em uma dessas crises de cuidado, que tem a ideia de impedir, de modo original, que o bilontra vá desperdiçar por fora os seus tesouros de ternura, como se costuma dizer nos romances populares. Esse processo é simples: a colocação, pela decalcomania, de uma imagem qualquer, à altura do... do... do coração, de modo que saísse, se o leviano se aproximasse demasiadamente de alguém. O leitor, com certeza, dispensará maiores particularidades.

Durante dias e dias, o marido volta à casa com a imagem perfeitamente inalterável. Apenas, aqui e ali, uma arranhadura, pelo contato da camisa. O amor é, porém, mais engenhoso do que o ciúme. É cego, mas enxerga perfeitamente os caminhos... E tanto assim que De Lachassure descobre onde a esposa compra decalcomania, e arranja, também, uma folha. Deste modo, pode ele continuar a sua antiga vida de aventuras galantes, reentrando, contudo, em casa sem a menor alteração na película que madame lhe faz aderir à pele, antes de sair.

Certo dia, porém, desabam os seus planos. Acaba de entrar da rua, quando a esposa o chama, como de costume:

— Jean, abre essa camisa.

Ele abre.

— Que é isso? — faz a senhora, recuando, os olhos ferozes. — Que é que vejo?...

De Lachassure baixa os olhos sobre a imagem aderida à pele, e empalidece.

É que ele traz nessa noite uma locomotiva, no lugar em que a mulher, de manhã, havia estampado uma borboleta...

O 3° mandamento

Ao penetrar em casa subitamente, o coronel Fidelis encontra no seu leito, um domingo, sua cara metade e o virtuoso padre Ernestino, vigário da paróquia.

— Sim, senhora, Sra. Dona Marianinha! — exclama, parando à porta. — Um domingo destes, e a senhora infringindo o 3° mandamento da Lei de Deus!...

Vira-se para o sacerdote:

— E vossa senhoria, Sr. Vigário, não estava aí para lembrar-lhe isso?

E outra vez, para a mulher:

— A senhora então não sabe, Sra. Dona Marianinha, que é pecado, e pecado grande, abrir aos domingos as portas das casas de negócio?

Até dez

João Trovoada é valente. Valente como as armas. Já foi à Detenção três vezes e frequenta o xadrez com a pontualidade com que um mundano vai a Petrópolis: uma vez por semana. Por isso mesmo, para salvar-lhe a alma e o corpo, monsenhor Gabriel toma-o para criado, na esperança de corrigir-lhe o gênio impetuoso. E recomenda-lhe:

— João, ouça o que lhe digo: não se deixe levar pelo primeiro ímpeto. Quando você tiver desejo de se atirar a alguém, não o faça logo: conte até dez, e, só então, faça o que a sua vontade lhe determinar.

Dois dias depois passa monsenhor Gabriel pela copa do presbitério, onde mora, quando ouve barulho de tabefes para o lado da cozinha. Corre para lá, e que vê? O Trovoada imprensa de encontro à parede o açougueiro, comprimindo-lhe o pescoço com a mão esquerda, e esbofeteando-o, feroz, com a direita.

— João! João! Tu estás doido, João? — grita o vigário, socorrendo o esbofeteado. — Eu não te disse que, quando tivesses raiva, contasses até dez, João?

Trovoada baixa a cabeça:

— “Seu” vigário, desta vez não podia ser. Porque, se eu fosse contar até dez, “seu” vigário, quando chegasse no onze...

E desculpando-se:

— Esse desgraçado corre tanto que eu não pegava mais!...

A “viuvinha”

— Então, Lili, quando cresceres, queres casar com um militar ou com um bacharel?

— Eu, não; não quero nenhum! — protesta a garotinha, confusa.

— Não te queres, então, casar? — tornou a visita.

E a pirralha:

— Eu, não; eu quero ficar viúva, como mamãe...

Bodas de ouro

O casal Alcock festeja nesse dia as suas bodas de ouro. Às dez horas da noite recolhem-se, displicentes, ao leito em que dormem há cinquenta anos. De repente, madame tem uma ideia.

— Alfredo, — diz — se experimentássemos mais uma vez?

— Não penses nisso; dorme...

— Não há mais fogo em ti... — soluça a pobre, desolada.

— Fogo, há, — obtempera o velhinho.

E desanimado:

— O defeito é da chaminé...

As alegrias da paternidade

Eles tinham ido, em viagem direta, da Bolívia ou do Peru. Eram três: um nobre fidalgo, uma senhora de tratamento e uma dama de companhia. Na realidade, o fidalgo era marido da senhora de tratamento. Mas escondia essa condição.

A razão desse disfarce? É fácil de compreender. O fidalgo e a senhora deviam receber uma herança de alguns milhões de francos, mas, se o casal tivesse um filho. Ora, consultados alguns anos antes, os especialistas haviam declarado madame perfeitamente adequada à maternidade, considerando, porém, o fidalgo sem as condições para ser pai da criança.

Era preciso, contudo, o filho. E o casal, para não perder a herança, resolveu ir pedir a um francês que... arranjasse o menino, voltando em seguida à América do Sul, para tomar conta do espólio. Era simples o plano, e foram a Paris, executá-lo.

A fama dos aviadores havia atravessado os mares, e eles procuraram um. Encontraram-no. Naturalmente, não explicaram o que esperavam dele, mas deixaram-no fazer a corte à senhora. Para abreviar, o marido aproxima-se dele, e, para animá-lo, sussurra-lhe, em segredo, que madame é uma beleza accessível. E madame, com os seus olhares, confirma, de longe, a informação.

Transformado em confidente do aviador, o fidalgo encoraja-o, empurra-o, para a conquista de madame. Até que, uma noite, o francês corre a procurá-lo.

— Sabe, — informa, — cheguei às do cabo!

— Tudo consumado?

— “Consummatum est”!

Um longo sorriso ilumina o rosto do fidalgo.

— Bravos, meu caro! — faz este, estendendo-lhe a mão. — Venha de lá esse abraço! Dentro de nove meses, então, será você pai, e eu quero ser padrinho do seu filho.

— Ah, isso não! — protesta o aviador, dando um pulo. — Por essa parte, pode você ficar descansado.

— Por quê?

— Ora, porque! Tratava-se, como você próprio me disse, de uma mulher fácil, de uma mulher que eu não conheço, e, então...

— Então?...

— É claro... Eu tomei as minhas precauções...

Calma de marido

Pancrácio está no escritório com um amigo quando a criada bate, aos gritos, na porta:

— Patrão!... Patrão!... A patroa se enforcou!

Os dois correm, atravessam duas salas, e, na terceira, encontram Mme. Pancrácio, os olhos esbugalhados, a língua para fora, pendurada na bandeira da porta.

— Depressa!... Corta a corda! — grita o amigo, aflito.

E Pancrácio, calmo, detendo-o:

— Espera, rapaz... Espera... Ela ainda não morreu...

Razão de sobra

— O senhor tem coragem de pedir tal cousa a mim, uma mulher casada?

— Por isso, não; minha mulher também é casada e nunca se zanga quando eu lhe falo nisso!

Rebate falso

O Latâncio, que sofre dos intestinos, envereda, um dia, por uma casa de comércio, procurando o “reservado”.

— Como o senhor não é freguês da casa, custa-lhe dez tostões, meu amigo! — diz-lhe o dono do estabelecimento, dando-lhe a chave.

De regresso, o Latâncio pede:

— Moço, faça uma diferença; sim?

E justificando o pedido:

— Foi um rebate falso!

As casadas

Quando o Fabrício foi pedir em casamento a mão da Lolinha, a futura sogra, que vivia separada do marido, impôs, solene:

— Com uma condição: tenha horror às mulheres casadas... Meu marido abandonou o lar arrastado por uma das minhas amigas, e eu não quero que a minha filha tenha a mesma sorte.

O rapaz prometeu, casou. Um dia, a esposa corre à casa materna:

— Minha mãe, eu sou muito infeliz! Fulano não me tem mais amor! Anda metido com uma costureirinha da rua do Ouvidor, com quem vai ao cinema, aos clubes, às casas de chá!

Chamado a contas o genro, a velha interpela:

— É certo, então, que o senhor não quer saber mais de sua esposa?

— Mais ou menos. E quem me deu esse conselho foi a senhora.

— Eu?... — faz a matrona, recuando.

E ele, que é um cínico de marca:

— Então? A senhora não me disse que tivesse horror às senhoras casadas? A sua filha o é, e eu, então, ando agora com uma solteira!

O cliente de bronze

Em uma roda de médicos discute-se medicina. Miguel Couto, Austregésilo, Aloísio, Afrânio Peixoto, contam casos de clínica. De repente um deles refere:

— Certa vez, eu fui chamado, à noite, por telefone, para ver uma criança que urinava dia e noite, seguidamente. “Não falte, doutor; venha ver o pequeno!” — dizia-me o pai. Declarei que ia, e perguntei onde era a casa. “Na Avenida, doutor!”. Indaguei o número. “Não tem número, não, senhor!” Sabem quem era a criança?

— ?...

— O Maneken-Piss!...

Queijo da terra

Grande conhecedor de queijos, padre Nataniel recebe convite para jantar na casa do Dr. Balduino, o qual, por sinal, é celibatário. E à hora aprazada, lá está, na sala de visitas do eminente representante da lei, na qual já se acham, como convidados, o promotor, o juiz substituto, o coronel Patrício, e a professora Dona Justininha, que, pelo seu cargo, faz parte, pode-se dizer, do mundo oficial do município.

— Agora, padre, vamos ver se Vossa Reverendíssima conhece, mesmo, o queijo pelo cheiro!

Certo da vitória, padre Nataniel não põe o menor obstáculo à experiência. Pede um lenço, manda que lhe amarrem aos olhos, e, assim, é conduzido pela mão à sala de jantar, onde se acha posta a mesa com todas as variedades de queijo encontradas na localidade e, mesmo, em toda a região. Aglomerados todos em torno, o Dr. Balduino pega no primeiro, e, chegando-o à distância de três dedos do nariz do vigário, indaga:

— Que queijo é este, Reverendo?

— Roquefort! — responde ele, firme.

— E este?

— Camembert!

— E este?

— Flamengo, duplo creme!

— E este?

— Parmezão!

Os assistentes estão espantados. A experiência, entretanto, continua.

— E este?

— Palmira!

— E este?

— Requeijão do Norte!

— E este?

— São Bento!

— E este?

— Gruyère!

— E este?

— Serra da Estrela!

“Torcedora” contra o vigário, a professora mostra-se desolada. Resolve, por isso, intervir, com uma pilhéria.

— Esperem aí — diz.

E chegando a mão, inteiramente vazia, a pequena distância do nariz do padre Nataniel:

— E este aqui, Reverendo?

O sacerdote aspira, e faz uma careta:

— Hum!... hum!... Este... é nacional... É queijo da terra...

E fungando:

— Hum!... hum!... E a vaca... não está longe!...

Felizmente!...

Mme. Trancoso, de vida tão acidentada, e que luxa tão escandalosamente, sendo o marido tão pobre, chega em casa e começa a tirar as meias, quando o esposo lhe observa:

— Que é isso? Que pés tão sujos!...

— Ah, filho, é verdade! — faz a moça, verificando.

E distraída:

— Ainda bem que és tu, que estás aqui. Imagina se é outro?

Indiscrição

O coronel Menelau vai a São Paulo, a negócios, e passa ali uma semana. No dia do regresso, que foi no diurno, estão todos à mesa, quando o filho do casal, o Zezico, intervém:

— Mamãe, o papai vai dormir hoje na tua cama?

— Ora, meu filho; por que não? — observa a mãe, despreocupada.

E o pirralho:

— E onde é que vai dormir aquele moço que tem dormido lá?

A sineta

— O senhor acha, então, que é impossível, doutor?

— Acho, meu caro senhor. Como o senhor deseja, é impossível. O senhor abusou demais da sua juventude, de modo que, além do enxerto preconizado pelo Dr. Voronoff, nós teremos de fazer uma outra operação: temos de substituir certa parte do seu corpo, ou antes, duas partes, por pequenas bolas de prata. Feito isso, pode o senhor contar com mais uns dez anos de mocidade.

O professor Cantidiano havia tido, realmente, uma vida de boêmio mais intensa do que permitia a sua condição. Homem bonito, forte, elegante, a sua qualidade de professor o punha em contato com senhoras e moças de todas as classes sociais. E tais eram esses contatos, que, aos cinquenta e um anos, o ilustre educador parecia ter, no mínimo, sessenta e dois.

Daí aquela visita ao consultório do Dr. Aristides Lopes e aquele conselho do jovem fisiologista.

— Então, doutor, — concluiu Cantidiano, — amanhã mesmo eu me recolherei à Casa de Saúde, para as duas intervenções a que o senhor se refere.

A primeira operação consistiu em uma simples substituição de... como direi? Em uma troca de bolas, substituindo-se as existentes por outras, de prata. E a segunda, em um enxerto de glândulas, utilizando-se a do bode por não existir macaco na região.

Lépido, alegre, jovial, o professor Cantidiano retirou-se da Casa de Saúde, como um homem que tivesse tornado à liberdade após dez anos de prisão. Quinze dias depois volta, porém, desolado, ao consultório do Dr. Aristides.

— Então, meu amigo, que é isso? — indaga o operador. — Por aqui outra vez? Vem dar-me os agradecimentos... Não é?

— Ah, doutor, não! — geme o mísero. — Eu vim aqui para o senhor me substituir as tais bolinhas de prata. Imagine o senhor que eu combino os meus encontros galantes para a minha casa, que é no colégio. Mas, quando chega a criatura que eu convido, tem que sair logo.

— ?...

— É tal o barulho de sineta, que os meninos começam a se amontoar na porta, pensando que é hora da aula!...

O pulmão atingido

Dois dias após o casamento, vendo a mulher indisposta, o Bernardo leva a jovem esposa ao médico. Este a ausculta, a examina, e informa:

— Eu achei tudo bem: o fígado, o baço, os intestinos, o ovário; tudo em perfeito estado. Apenas o pulmão é que eu...

— Que é que tem, doutor! — interrompe o rapaz.

— Não se assuste... O pulmão é que eu encontrei ligeiramente atingido...

— “Atingido”, doutor? — exclama, contrafeito, o Bernardo.

E num orgulho mal dissimulado:

— O senhor está falando à minha vaidade, doutor... Porque, a verdade é que podia atingir o fígado; mas o pulmão...

E resoluto:

— Então, não fui eu!...

Convalescença

— Eu falei com o teu médico, Suzete; ele disse-me que tinha te encontrado a língua muito melhor... Tão melhor, mesmo, que, na opinião dele, já podes voltar ao trabalho...

Mercadoria podre

Os dois vendeiros estabelecidos um em frente ao outro no Engenho de Dentro, costumavam vir, uma vez por semana, à cidade, fazer sortimento.

O guarda-chuva de volta pendurado no braço, vinham os dois conversando. E o assunto, eram as compras e as vendas, o crédito dos outros comerciantes e as quebras mais ou menos fraudulentas da praça.

— Dizem que o Morais Nunes não bai bem; outro dia eu bi uma letra dêl prutestada.

— E o Gomes Pinho também. Dizem co tiro na praça bai sêre de doze mil contos.

— Chiça!

Foi por essa altura que um deles, o Antônio Pereira, cujo ventre rotundo ia esfregar a orelha da camisa no banco fronteiro, deixou escapar uma flatulência... Pelo lado de baixo, a qual, sentindo-se em liberdade, soltou um grito discreto e empestou, logo, o ambiente.

Ao sentir o cheiro desagradável, o outro, o José Lopes, passou, três vezes, a mão pelo bigode. De repente, voltou-se.

— “Sô” P’reira“? — observou. — Bocê fez bãim em botare essa mercadoria pra fora.

E abanando o nariz:

— Já estava começando a estragar...

O fazendeiro

— Que é que tem esse menino, senhora? — indaga o marido, fazendeiro rústico, do aposento contíguo.

— Não sei, Simeão; tem chorado a tarde toda! Já fiz o que era possível. Creio que é dor de barriga.

Simeão irrompe no quarto.

— Que dor de barriga, nada! Troveja. — Isso é fome, é que é.

E com a sua simplicidade de vaqueiro, pondo a mão no decote da moça:

— Vamos! Abre a porteira aí... Deixa o bezerrinho mamar!

“A Luneta”

Havia em Ouro Preto, pelas voltas de 1885, um jornal “A Luneta” que, por motivos políticos, verrinou o padre Correia de Almeida, espírito mordaz e picante. Padre Correia, ao ter notícia da verrina, escreveu o epigrama que vai abaixo num feliz improviso que fez calar a “A Luneta”, temerosa de outros epigramas tão mordazes e agudos quanto este:

Seja ou não seja trambolho

Ninguém me dirá que é peta:

— Ter-se inventado a luneta

Para servir a um olho.

Mas tem dois olhos o rosto!

Como escolher?... ora ponde,

Conforme já tendes posto

"A Luneta” não sei onde!

Sporolof

O grande circo está repleto, já àquela hora da noite. Desafiado por Batistini, campeão argentino, Sporolof, o valoroso lutador moscovita, aceitara o encontro, em doze “rounds”. É ali estão os dois, vindos, um de Buenos-Aires, outro de Nova-York, para a luta decisiva, em que o vencedor ganharia 10.000 dólares e o vencido, para consolo, a terça parte dessa quantia.

Dentro, nos bastidores, a azáfama é desusada. De quando em quando sai um empregado, procurando, ora uma autoridade policial, ora um dos cavalheiros mais em evidência no contrato do match. E estes, quando voltam é preocupados, a fisionomia carrancuda, a atitude de quem vê, de repente, toldarem-se os horizontes.

A situação é, realmente, delicada. De acordo com as negociações entabuladas de longe, Sporolof devia ter 85 quilos, e, no entanto, apresenta-se com 88. A diferença de três quilos basta por si para anular o jogo, fazendo-se mister, por isso, fazê-la desaparecer.

Chamado às pressas, o manager do campeão russo põe as mãos na cabeça. Com certeza, aproveitando alguma distração do entraineur, o moscovita havia ingerido alguns litros de vodka ou devorado o feijão da cozinha. De qualquer modo, o certo é que Sporolof pesa três quilos a mais, e que esses três quilos precisam, quanto antes, eclipsar-se na balança.

Cientificado do caso no seu camarote, o prefeito manda o seu secretário aos bastidores, com um recado.

— Diga lá dentro que cortem o cabelo dele!

O secretário vai, e volta:

— Mandaram dizer que já cortaram, excelência, mas a diferença continua.

— Que lhe aparem as unhas!

O rapaz vai. E traz a resposta:

— Já apararam!

O prefeito vai mandar o terceiro recado, com a terceira ordem, mas, nesse momento, entra no seu camarote, radiante, o manager de Sporolof. Mostra-se risonho, denunciando a solução do caso.

— Tudo pronto, excelência! — comunica.

— A diferença de três quilos, no peso do russo, desapareceu?

— Desapareceu, excelência; desapareceu totalmente!

E esfregando as mãos, contente:

— Sporolof acaba de... fazer-se judeu!...

O canivete

Após dois anos de separação, as duas amigas encontram-se.

— E teu marido, endireitou?

— Hoje é completamente outro.

— Não persegue mais as tuas amigas?

— Não.

— Queres dizer, então, que ele não dá mais, como se costuma dizer, “canivetada” no contrato matrimonial?

— Infelizmente, é verdade.

— Corrigiu-se?

— Não, minha filha; mas é que...

E enxugando uma lágrima:

— O canivete dele não corta mais!...

O vitelo

— Venha cá, meu caro, — chama um sujeito importante, numa festa, dirigindo-se a um rapazola.

E indicando, meio bêbado, uma das senhoras:

— Quem é aquela vaca que está acolá?

O rapaz fica lívido.

— Aquela “vaca”, doutor? — responde, trêmulo.

E dentes cerrados:

— Aquela “vaca” é a mãe do vitelo com quem V. Exc. está falando!

Comodidade

Bonde do Leme, à tarde, quase ao anoitecer. Mme. Praxedes toma o carro em frente ao “Ponto Chie”. Em frente à Brahma senta-se a seu lado o Dr. Fuinha, famoso pirata.

Pela altura da Lapa, o doutor tem os braços cruzados e uma das mãos investe, já, por baixo da capa de madame, procurando-lhe o braço. E a mão avança... avança... avança... Agora, não é mais braço; é colo... E a mão avançando.

Súbito, chega o condutor:

— O senhor pagou passagem inteira?

— Até o Leme.

Madame volta-se para o vizinho:

— O senhor pretende continuar a fazer o mesmo progresso até o Leme?

E ante o atordoamento do “pirata”:

— Se pretende, diga, porque eu fico logo em camisa para o senhor não me rasgar o vestido!

Vida cara

— Lindo, aquele teu vestido de ontem. Custou-te caro?

— Caríssimo! Imagina que era um velho de sessenta e cinco anos!...

Mão de mulher

Um dos encantos de Mme. Trancoso, criatura de vida elegante, é aquela mão pequenina, miúda, infantil. O advogado Pafúncio admira-a por esse atributo, e por outros, quando lhe é apresentado.

— Que linda mão tem a senhora! — elogia. — Nunca vi, em mulher, mão tão pequenina! Cabe apenas um beijo!

— E cabe outras coisas também... — aventura madame.

E com aquele cinismo encantador:

— Uma cédula de quinhentos mil réis, por exemplo...

Queixa de marido

— Sabes? Eu não quero mais que tomes banhos salgados.

— Por que, Luiz?

— No dia seguinte eu amanheço com uma sede doida!

O piano de cauda

Quando o desembargador Bermudes pediu ao comendador Bonifácio Lopes a mão de sua enteada Maria Lucinda, o honrado capitalista foi franco nas suas informações.

— É uma boa menina, meu velho, — disse-lhe; — mas exige uma vigilância da nossa morte. Você leva para casa uma esposa inteligente, amorosa, sabendo bordar, cantar, tocar, e conhecendo quatro ou cinco línguas; mas eu o previno de uma coisa: não tenha canapé na sua sala.

O magistrado arregalou os olhos, e o amigo continuou:

— Foi um canapé que desgraçou a mãe dela. Como esposa, a Mariana jamais meteu um homem na minha alcova. Eu sabia disso e não me incomodei com a sala. Foi a minha infelicidade. Por isso, fique prevenido: nada de divãs; nada de canapés. Resuma quanto possível o seu mobiliário de sala: cadeiras pequenas, e pegadas no chão, para não se juntarem; estantes de música, e mesas de centro, dessas redondinhas... Nada de mapples, de cadeiras cômodas... Você me compreende... Não é?

— Perfeitamente... perfeitamente... — confirmou o magistrado, confiante na sua habilidade de velho juiz, e com o pensamento nos quatrocentos contos que a Maria Lucinda lhe levava de dote.

Passou-se, porém, o primeiro mês; passou-se o segundo. No meado do terceiro, estava o comendador à mesa do jantar, quando lhe entra pela porta, como um vendaval, furioso, congestionado, o desembargador Bermudes. As têmporas batem-lhe como papo de rã.

— Uma desgraça, Bonifácio, uma desgraça! — ruge, apoplético, a andar de um lado para outro da sala de jantar.

E parando de repente, abrindo os braços:

— Maria Lucinda tem um amante! É o Neves, teu afilhado!

— Mas... — faz o velho atônito; — como foi isso? Onde?... Como sabes?... É possível?!...

— Surpreendi-os! — grita-lhe o mísero. — Surpreendi-os!... Surpreendi-os eu próprio, Bonifácio!

— No teu leito?

— Não; na sala de visitas!

— Na sala de visitas?... Mas, como?...

— E tudo por estupidez minha, Bonifácio! Tudo!... — torna o magistrado.

E batendo na testa:

— Só agora é que eu atinei, Bonifácio, desgraçado que eu sou! Porque é que ela me pedia tanto, tanto, aquele maldito piano de cauda!...

Temores

— Faze tudo o que quiseres, mas não digas nada do caso ao meu marido! Ele é de uma intransigência horrível!

— Ele te mataria?

— Não; mas me tomaria o dinheiro todo!

O moldureiro

O Sebastião chega a Teresópolis e toma um quarto de hotel, vizinho a outro de uns noivos. Por volta da meia-noite, acorda. Umas risadinhas brejeiras, nervosas, cortam a palestra dos namorados.

— Como são lindos estes olhinhos! — diz o noivo. — Eu vou mandar botá-los numa moldura!

E em seguida:

— E esta boquinha como é bonitinha!... Vou mandar botá-la numa moldura!

Mais dois minutos:

— E estes seiozinhos bonitinhos...! Vou mandar botá-los numa moldura!

Outro silêncio, para continuar:

— E este...

Por essa altura, Sebastião não pode mais: pula da cama, sai para o corredor, e vai bater à porta do casal.

— Quem é? — gritam de dentro.

E ele, de fora:

— É o moldureiro!...

As calças do compadre

— Padre, — começa Dona Amelinha, ajoelhada no confessionário, — eu tive um sonho pecador, um sonho terrível... Eu tenho um compadre, o Dr. Belarmino...

— O Dr. Promotor aqui da comarca...

— Sim, senhor. Pois bem. Ele é muito amigo do meu marido, e mandou, um destes dias, uma roupa dele para passar a ferro em nossa casa. Quem passou fui eu mesma, com a maior pureza. À noite, porém, dormi; e durante o sono, sonhei que a calça dele estava em cima do meu corpo, do meu ventre, das minhas pernas...

— E que tem isso, filha? Não há mal nenhum nisso... Que mal pode haver em você sonhar com as calças do Dr. Belarmino?

— Mas é, reverendo... é que... — titubeia Dona Amelinha, toda vermelha. — É que no sonho...

E desatando em choro:

— O Dr. Belarmino... estava dentro da calça.

O touro

O coronel Pantaleão vai pela estrada da sua fazenda, quando encontra a Raimundinha, garota de uns dez anos, que leva pelo cabresto uma vaca.

— Pequena, de quem és filha?

— Sou filha de “seu” Joaquim Venâncio.

— E onde vais com essa rez?

— Eu vou no “Campo Belo”, levar a vaca para o touro “cobrir”.

— Ora, já se viu!?... — estranha o coronel, ao perceber a ingenuidade da criança, e o modo por que o pai a incumbia daquelas coisas.

— E por que teu pai não se encarrega disso, ele mesmo? — indaga, referindo-se ao trabalho, que tinha a pequena, de ir puxando a vaca até “Campo Belo”.

— Meu pai? Meu pai, não pode, não, senhor, — tornou a Raimundinha.

E com a maior singeleza do mundo:

— Só serve sendo o touro...