Fonte: Portal Catarina: Biblioteca Digital da Literatura Catarinense

LITERATURA BRASILEIRA

Textos literários em meio eletrônico

Lises e martírios, de Delminda Silveira


Edição de base:

Delminda Silveira de Sousa, Obra Completa, Org. de Lauro Junkes,

Florianópolis: Academia Catarinense de Letras, 2009.

ÍNDICE

Versos

Deus!

A minha terra

Ave, Maria!

Minha infância

De manhã

O primeiro sorriso

No álbum de uma amiga

Desejo e súplica

A saudade roxa

Vem!...

O pranto da virgem

Deixa...

Num álbum de retratos

Improviso

Homenagem

Vésper

Tristeza

Ave-Maria

Minha saudade

Nuvem dourada

Teu nome

À beira-mar

Passado e presente

A primavera

Amor

O meu ideal

Por que sou triste

No álbum de uma menina

Lembra-te de mim

O meu canto

Recordação

Minh'alma

Um canto

Salve!

Livre

Na convalescença

O sabiá

O velho nauta

O poeta

Invocação à lua

Não sei!

À stela confidente

Noites de luar

Aquarela

A caridade

Raboni!

Morte d'Holofernes

Teus quinze anos

Um buquê de violetas

Num rosal de brancas rosas

Meu retrato

O teu olhar

Compassivo

A Madona

Fatalidade!

Longe!...

Amor de poeta

Canção do marítimo

Tupã

A aurora e a tarde

Simpatia

Mãe

Êxtase

Ao romper da lua

Mistérios

Sorrir, cantar, gemer

Vogando

Inocência

Mimosa

Saudades de minha terra

Branco e azul

Os olhos azuis de Edite

Os olhos de Alaíde

O meu sonho

Poesias sacras

O Natal

Cálice de amargura

Na soledade

No horto

Na agonia

Ressuscitou!

Lutuosas

Dor e saudade

Tributo de amor filial

No trespasso

Morta!

No túmulo de uma criança

Recordação

Prantos

No túmulo

Elegia (À morte de Victor Hugo)

Crisântemos

7 de Setembro

Minha mãe!

Mater Dolorosa

A poesia

A vida

A fé

O amor de minha mãe

À Cruz

Fé, Esperança, Caridade

As horas

No campo

Flores e borboletas

Bálsamo santo

O sol

O mar

Ao cair do vento sul

A Ela

Amanhecendo

O anjo da guarda

A bênção

Jesus

A profecia

Poesia e crença

Cáritas

Canções

Contraste

Filha, Esposa e Mãe

Miosótis

Plenus

À memória de Lili Silva

Maio

A gota d'orvalho

O caçador

À tarde

O teu olhar

Bálsamo de amor

Estrela, Flor, Amor

Órfã

A tempestade

À Ester

O meu lar

Em Belém

Adoração

Fiat!

Imácula

Na primavera

O naufrágio do "Sírio"

À memória de D. José

Jesus

À memória de meu pai

À memória de meu tio

Evocações

Ideal

São as flores da minha primavera

Teixeira de Mello

Não passa de um ramalhete de flores próprias da estação.

Casimiro de Abreu

A primavera tem suas flores, seus cantos e risos, que traduzem — esperanças, amores e venturas; as alvas da estação mimosa envolvem-se de rósea luz; as tardes, de suavíssimos palores; as noites, de perfumes e luar.

Porém, enredando-se às brancas açucenas, por entre os lírios cândidos, estende-se a silva espinhosa do Martírio, que abre em rubras florinhas, cingindo as mais delicadas plantas com sua grinalda de abrolhos; assim também, à doce melodia dos cânticos entremeia-se o suspirar da rola ao festivo retinir dos risos, o eco melancólico das vozes do sino, perdendo-se na solidão do silêncio da tarde.

A primavera da minha vida, também, assim teve suas flores; dulcíssimos cantos me embalavam os sonhos d'esperanças; o sorriso da alegria, por vezes, descerrou meus lábios, como o raio de sol à nacarina rosa do val'... E eu colhi as flores todas da minha primavera...

Entreteci LISES E MARTÍRIOS aos Crisântemos em um singelo ramalhete que, para mim, jamais emurchecerá, pois é composto das flores de minh'alma, nutridas com a seiva do meu coração.

Ai! pobres flores queridas!... Si um dia a crítica tentar espezinhar-vos, si a indiferença com seu hálito gelado vos crestar as pétalas mimosas, ai, pobres flores minhas! ainda assim, mesmo magoadas, ide perfumar as horas vagas daqueles que tiverem alma compassiva e sensível o coração; ou, antes: volvei para o meu seio, que, si para o mundo indiferente não tendes valor algum, para mim sois preciosas, pois resumis da minha existência aquela quadra de encantos em que as lágrimas por vezes resplandecem luz do sorriso, como o orvalho da madrugada aos esplendores do sol nascente.

Delminda Silveira de Souza

1885.

 

Versos

 

Deus!

É este o canto que sorrindo entoa

A natureza nos idílios seus!

Idílios santos que aviventam n'alma

A crença augusta de que existe Deus

Berquó

Do sol no resplendor, da lua na beleza,

nos brilhos da manhã, no lindo azul dos Céus,

de vésper no fulgor, da tarde na tristeza

minh'alma s'extasia e louva e adora — Deus!

Nas flores do vergel, no viço das campinas,

da fonte no cristal, das águas no frescor,

no val', nos alcantis, nos plainos e colinas,

eu vejo, eu admiro o sábio Criador!

Nos ecos do trovão, do raio na vidência,

dos mares ao bramir no horror do vendaval,

minh'alma reconhece a Excelsa Onipotência,

e vê do Santo Amor o influxo paternal!

Lá geme o infeliz no transe d'agonia,

fitando o baço olhar no Cristo sofredor;

nos olhos em que a luz já frouxa s'extinguia

brilhou sublime a Fé de Deus no grande Amor!

No colo maternal sorri mimoso infante,

— borboleta gentil que sobre a flor descansa;

ali — se mostra Deus! formoso e radiante

da mãe no santo amor, no riso da criança.

Expande a magnólia ativo e grato aroma,

brilha a espiga gentil na linda florescência,

e numa e noutra flor que no vergel assoma,

oh! como se revela a sábia Providência!

Em tudo quanto há belo, em tudo o que é sublime,

neste orbe que recria a luz dos olhos meus,

minh'alma s'extasia, adora, e louva e exprime

num cântico de amor o grande Amor de Deus!

Oh, Deus que a tenra flor saúde ao desbrochar

e a ave bendiz nos cantos que desprende,

no val' do pranto e dor não deixes vacilar

a fé que no meu peito o teu amor acende!

 

 

A minha terra*

(Recordação de um passeio ao Pantanal)

Tem tantos primores, tantos

A minha terra natal,

Que nem os sonha um poeta,

E nem os canta um mortal.

C. de Abreu

Que sublime panorama

a meus olhos se apresenta!

Quem não presa, quem não ama

o quadro que ali se ostenta!

As montanhas elevadas,

de plantações adornadas,

cobertas de cafezais,

se retratam na baía,

mostrando a leda poesia

dos seus risonhos casais!

Minha terra é pequenina,

porém não conta rival!

Tenho a prova na colina,

do vale do Pantanal!

Ali, das verdes campinas

de aveludado matiz,

níveas rosas campesinas

esmaltam o lindo tapiz.

E nas penhas infinitas,

que formosas parasitas!

que lindas mimosas flores

debruçadas sobre a relva!

Morenas filhas da selva

cismando nos seus amores!

Minha terra é pequenina,

porém não conta rival!

Tenho prova na colina

do vale do Pantanal!

À sombra das laranjeiras,

que vergam de fruto ao chão,

singelas moças fagueiras

cantam, fiando algodão.

Ali — o bosque frondoso

aonde busca repouso

o cansado lavrador;

além ... silêncio! escutemos

ao bater dos remos

os cantos do pescador

Minha terra é pequenina,

porém não conta rival!

Tenho a prova na colina

do vale do Pantanal!

Na verde balsa escondido

suspira arroio queixoso;

desprende um canto sentido

o sabiá mavioso.

Ecoa a voz lamentosa

da meiga rola saudosa

no vale escuro da serra,

e, docemente, nos mares

repete a onda — pesares

dos ecos da minha terra!

Minha terra é pequenina,

porém não conta rival!

Tenho a prova na colina

do vale do Pantanal!

Como é belo, ao meio-dia,

passando nestas devesas

ouvir cantar de alegria

as ditosas camponesas!

Pelos tesouros maiores

eu não trocara os primores

dos meus formosos sertões,

que os matizes deste prado

são mais ricos que o brocado

dos suntuosos salões!

Minha terra é pequenina

porém não conta rival!

Tenho a prova na colina

do vale do Pantanal!

Minha terra tem poesia

quando rompe a madrugada,

à hora do meio dia

e quando a tarde é chegada.

Na Primavera, no Estio,

se o tempo é límpido e frio,

se as noites não têm luar,

e quando a lua saudosa

retrata a face mimosa

no claro espelho do mar!

* Foi esta uma das minhas primeiras produções.

 

Ave, Maria!

A Ti, excelsa Virgem Mãe de Deus,

Venho humilde ofertar-te, reverente,

Estes pobres, mesquinhos versos meus.

Maria ! — aceita os cantos de minh'alma!

Aceita o culto meu em teu louvor!

Recolhe no teu véu de nívea cor,

Inclita Virgem, as flores tão singelas,

As rosas que te oferta o meu amor!

Louva a aurora a Maria, quando estende

no Céu de puro azul a luz mimosa; honra

Aquela de Amor Mística Rosa,

a flor singela que no val'recende.

O sol, que mil aljôfares acende

por sobre a relva, na estação formosa,

à Stela Matutina esplendorosa

humilde culto de homenagem rende.

As águas que murmuram docemente,

a pomba que suspira de ternura

nos ermos da colina florescente,

a tarde, o meio dia, a noite escura,

a terra, o mar e todo o ser vivente

exalçam o teu Nome, Ó Virgem pura!

Maria! — Vós, que tendes a brancura

dos lises do jardim na virgindade,

e dos lírios o mel n'amenidade

do seio maternal — todo doçura,

Vós, que ainda sentis terna amargura

ante o crime da ingrata humanidade,

e dos homens lavais a iniquidade

com torrentes de graças, de ternura,

Vós, que nunca esqueceis o desgraçado,

que do vil pecador mais criminoso

tanta vez o perdão tendes logrado:

volvei à terra vosso olhar piedoso

para que seja o Céu glorificado

e possa ainda o mundo ser ditoso!

 

Minha infância

Oh! que saudades que eu tenho

d'aurora da minha vida!

Da minha infância querida

que os anos não trazem mais!

C. de Abreu

Oh! minha doce existência,

minha aurora de inocência

tão cercada de carinhos!

Ai! teus dias se passaram

como rosas que murcharam

deixando somente espinhos!

Sim! foram bem lindas rosas

aquelas horas ditosas

do meu viver d'inocente;

nelas brilhava a alegria,

como a doce luz do dia

nos arrebóis do Oriente.

— Flor abrindo melindrosa

da primavera mimosa

aos beijos primordiais,

se abria o meu coração

à virtude, pela ação

dos carinhos maternais.

Eu era a leda avezinha,

qu'em brando leito se aninha,

ao pôr de um sol quente e belo;

chorava... mas logo ria,

que ao pranto o riso prendia

da inocência o doce elo.

Chorava, sim; mas, ligeira

como a nuvem passageira,

era essa dor infantil.

Logo ao céu da doce vida

assomava a luz querida

mostrando o risonho anil.

Porém finou-se a ventura,

como a flor mimosa e pura

que o vendaval decepou!

E como a quadra das flores,

e como um sonho de amores

a minha infância findou!

 

De manhã

Linda aurora vem raiando,

destoucando

loiras tranças rutilantes;

caem rosas purpurinas

nas campinas

e sobre as rosas brilhantes.

Brilha o musgo aveludado

rorejado

d'esmeraldas e rubis,

sobre as ramas brilham flores

co'os verdores

enlaçando áureo matiz.

Puro o ar é rescendente

como a olente

flor mimosa semiaberta;

branco lírio desabrocha

sobre a rocha

nos verdores encoberta.

Gracioso passarinho

foge ao ninho,

brando chilro desprendendo,

e do ramo florescido,

suspendido,

doce néctar vai sorvendo!

Como eu amo a madrugada

destoucada

a mirar-se à flor das águas!

Trazem rosas seus frescores,

seus dulçores

dulcificam tantas mágoas!...

Sê bem vinda, ó meiga aurora

precursora

d'almo dia encantador!

Brilha o sol... quanta alegria

traz o dia,

quanta vida, quanto amor!

 

O primeiro sorriso

No alvo berço mimoso,

feito de vimes trançados,

sobre os folhos rendilhados

do travesseiro sedoso,

o pequenino dormia,

qual entre as plumas do ninho

dorme o tenro passarinho

ao findar de um belo dia.

Ao lado, a mãe carinhosa

o brando sono espreitando,

como a rola carinhosa

ao pé do ninho pousando,

Fitava o meigo semblante

do anjo seu adorado,

qual fita o lírio no prado

a estrela vésper brilhante.

E o pequenito dormia

tão ledo... talvez sonhasse,

talvez su'alma vagasse

naquele Céu qu'entrevia...

Leve, leve, a mãe cuidosa,

na pura fronte infantil

pousando a boca amorosa

imprime um beijo sutil.

Voaram os sonhos, fugindo,

foge à terra o Paraíso;

desperta o anjo sorrindo...

— era o primeiro sorriso!

 

No álbum de uma amiga

Si longe dos meus olhos quis o fado,

Amável Catarina, conduzir-te,

Uma flor de minh'alma, ao despedir-te,

Deixa que eu plante no teu seio amado;

Aceita-a e cultiva-a com cuidado...

De tu'alma no cofre da — Amizade,

Encerra a pura flor: — guarda a Saudade!

A gentil madressilva desfalece,

Murcha o lírio, desfolha-se a bonina,

Instantes vive a rosa peregrina,

Zomba o Norte da palma que floresce;

Acima destas flores, porém, vê-se

Divino lírio d'alma que perdura...

E da — Amizade — a flor singela e pura!

 

Desejo e súplica

Amor, amor sem fim num peito fido,

alma nobre e leal que amor entenda,

sensível coração, puro, extremoso,

ardente como o meu... como o meu sonha!

Um coração que alcance o meu suspiro,

que em meus olhos traduza o meu desejo

e esse eterno ansiar me compreenda;

alma que os sonhos meus sonhe amorosa,

goze os meus gozos, minhas dores sinta,

conceba o meu sofrer, e em simpatia

mútua, extremosa, ao meu sonhar dê vida, —

eis, ó meu Deus! — o que te peço, e almejo,

se algum dia, num raio de ventura,

sobre mim teu olhar descer piedoso!

 

A saudade roxa

Eu amo a roxa saudade

que exprime melancolia,

e simboliza amizade,

plantada na campa fria.

Amo o seu tenro botão

que guarda as perdas d'aurora,

como guarda um coração

os segredos de quem chora.

Amo-lhe o grato perfume,

amo-lhe a planta mimosa;

amo tudo o que resume

esta flor misteriosa!

Eu amo a roxa saudade

que me fala ao coração,

que tem do amor, da amizade

a terna e doce expressão.

 

Vem!...

Quando a campina se vestir de flores,

da Primavera na estação formosa,

quando no prado desatar-se o rosa,

e a terna rola suspirar de amores,

vem tu que eu amo, vem doirar meu sonho

quando a campina se vestir de flores.

Esmaltam os lírios o tapiz da veiga,

recende aroma o verdor da grama;

revive e canta todo o ser que ama,

desperta e aurora mais risonha e meiga,

no doce alento da estação mimosa

esmaltam lírios o tapiz da veiga.

Na quadra amena da estação florida

tem mais perfumes a cecém tão pura;

também meu peito, qual cecém n'alvura,

tem mais carinhos, mais amor, mais vida:

tem mais encantos nosso afeto unido

na quadra amena da estação florida!

Vem, que eu já ouço festival gorjeio;

a selva toda já rebenta em flores;

da Primavera co'os gentis amores,

juntos voemos ventura ao seio...

dentre as boninas qu'engrinaldam a selva,

vem, que eu já ouço festival gorjeio!

Vê como anseia o beija-flor dourado

entre os perfumes do vergel em flor!

Como a papoula de carmínea cor

abre formosa no matiz do prado!

Ante a brancura dos jasmins cheirosos

vê como anseia o beija-flor dourado!

Ao sol de Abril, sob um docel de flores,

a laranjeira nos of'rece abrigo;

oh! quão ditosa não serei contigo,

tendo na vida o meu sonhar de amores!...

Que doces cantos t'erguerá minh'alma,

ao sol de Abril, sob um docel de flores!...

Oh! dá-me em troca deste amor infindo

afeto puro qual das rolas fidas;

não vês, constantes, como vivem unidas

do bosque ameno no reino lindo?...

Toda a ternura de teu peito ardente,

oh! dá-me em troca deste amor infindo!...

Vem, tu que eu amo, vem dourar meu sonho,

que a primavera já raiou formosa;

na rude selva que perfuma a rosa,

há luz, há cantos desde o alvor risonho.

O sol desmaia no poente agora...

— vem, tu que eu amo, vem dourar meu sonho!

 

O pranto da virgem

A perla brilhante

que a concha formosa

dos mares, vaidosa,

no seio ocultou,

não tem os encantos

da lágrima pura

que a doce ternura

da virgem formou.

A límpida gota

que a noite sentida

lá deixa escondida

no seio da flor,

não tem a poesia

da lágrima bela

que verte a donzela

no sonho de amor.

Aljofar mimoso

De brilho sem par

No rico colar

Da noiva risonha,

Não tem a beleza

Da perla que oscila

Na triste pupila

Da órfã tristonha...

— O pranto da virgem —

é puro, é sagrado

qual hino entoado

bem junto de Deus!

É grato perfume

de meiga violeta

que a brisa faceta

derrama nos Céus!

 

Deixa...

Como frouxo luar que se derrama

sereno, docemente, na campina,

dos teus olhos se esparze a luz divina

com que minh'alma se embriaga e inflama:

Suave, como o sonho de quem ama,

lisonjeira esperança me fascina,

e a fé tão pura que o teu riso ensina

a um Éden de amor minh'alma chama.

Oh! — dá que nunca minta o brilho ameno

que se difunde destes olhos belos,

formosos como o Céu de azul sereno...

Deixa-me sempre carinhosos vê-los,

enquanto neste mundo eu triste peno

a viver de ilusões, sonhos e anelos!...

 

Num álbum de retratos

(Sob o retrato de Gonçalves Dias)

Oh! mar! — ingrato mar qu'espedaçaste

do teu cantor a fronte engrinaldada

co'as rosas de celestes harmonias... —

Ah! ruge! ruge em vão, que em vão quebraste

do meigo vate a lira sublimada!

Pois não morre a memória venerada

do Cantor imortal — Gonçalves Dias!

 

Improviso

(Sob o retrato de Casimiro de Abreu)

Como o perfume na flor,

como a estrela no Céu,

como a chama no vulcão,

brilharam — a Poesia, o Amor —

de Casimiro de Abreu

no sensível coração!

 

Homenagem

(Sob o retrato do ilustre catarinense cônego Joaquim G. de O. Paiva)

A Pátria lacrimosa, inconsolável,

do ilustre filho a perda irreparável

pranteia, imersa em dor;

e de louros virentes entrelaça

a triste c'roa que o sepulcro abraça

do — Poeta — Orador!

 

Vésper

Oh! místico fanal,

Oh! meiga filha da saudosa hora,

vem beijar a cecém que te namora

do lago no cristal!

Brilham do prado os lumes,

perpassa a brisa merencória e grata,

abrem no val' caçoulas d'ouro e prata

a derramar perfumes.

Nos plainos, nas quebradas,

e sobre o leve azul das ondas mansas,

já solta triste noite as negras tranças

de perlas enastradas.

Vem, astro meu risonho,

confidente gentil dos meus amores:

é bela a noite e eu quero em teus fulgores

haurir meu doce sonho!

Lá surge alfim do monte

a meiga fada que sorri no lago!

Seu brando raio em carinhoso afago

já vem beijar-me a fronte!

Oh! doce e meiga Diva,

celeste mensageira da esperança,

tu que trazes aos nautas a bonança,

— dá-me a ventura esquiva!

 

Tristeza

A tarde morria,

a lua surgia

com doce poesia

no plácido Céu;

minh'alma saudosa

mais triste e queixosa,

na voz amorosa

da lira gemeu:

As cândidas flores

em brandos vapores,

entornam odores

do seio gentil;

o lago retrata

nas águas de prata

o verde da mata

num fundo de anil.

No meio das rosas

purpúreas, mimosas,

as rolas saudosas

gemendo adormecem;

nas moitas que oscilam,

mil lumes cintilam,

estrelas rutilam

nos véus qu'escurecem.

No mar e na terra,

no campo e na serra,

na flor que descerram

que doce viver!

Porém, no meu seio,

que mágoas, que anseio,

que vago receio...

que atroz padecer!...

A noite formosa,

silente, chorosa,

lá vem majestosa,

seus véus arrastando;

nos negros vestidos

brilhantes prendidos,

cabelos descidos,

o ar perfumando.

É triste a minh'alma!...

Sem risos, sem calma,

nos prantos acalma

da vida o penar!

Nas vozes da lira,

soluça, suspira,

— foi todo mentira

meu ledo sonhar! —

 

Ave-Maria

Do trono d'ouro que circundam anjos,

sorrindo ao mundo a Virgem-Mãe s'inclina.

C. de Abreu

O sol tomba no oceano purpurino...

Vem, mistério da tarde, vem dos Céus!

Dá-me o teu doce bálsamo, ó saudade,

rosas, abri-vos ao sorrir de Deus!

Mistério doce no cantar das aves!

Segredos puros no rumor dos mares!

Preces sagradas no suspiro flébil

do viajor ao recordar os lares!

— Amor e crença! — Nesta hora santa,

como em noss'alma vossas chamas crescem!

Se a saudade nos traz da terra — espinhos,

quantas flores do Céu na esp'rança descem!...

Silêncio, ó Natureza! Vem dos lírios

no grato incenso preces mais singelas;

a voz do sino — Ave-Maria soa,

os anjos pelo Céu esparzem estrelas.

Ave-Maria! — no silêncio augusto

que faz a Natureza, na harmonia

da Terra e Céus, minh'alma cismadora

prosternada repete: — Ave-Maria!

 

Minha saudade

Vem, oh! saudade, vem,

a mim também.

G. Dias

Transmonta o sol, ameiga-se a natura,

suspira a viração doce quebranto,

e no flóreo matiz da brenha escura

desata o sabiá mais terno canto.

Curva a fronte gentil sob a folhagem

a violeta mimosa das campinas,

e o orvalho sutil sobre a ramagem

tomba do Céu em perlas cristalinas.

Já solta a coma d'ouro perfumada

a branca flor do cactus, formosa;

no retiro da mata, abandonada,

geme triste a rolinha suspirosa.

Nas noites serenas, de azul firmamento,

sonhando ao relento meus sonhos de amor,

eu leio o teu nome formado d'estrelas

em letras mais belas que em fino lavor!

Eu sou a florinha que vive isolada,

sem luz, desmaiada, no meio d'espinhos;

teu nome é a réstia de sol, carinhosa,

que a beija amorosa com terno carinho!

Eu leio o teu nome na onda saudosa,

nas pétalas da rosa que o sol aqueceu;

nos ais de meu peito que a mágoa consome,

eu leio o teu nome... na terra e no Céu!

 

Nuvem dourada

Nuvem dourada que no Céu d'aurora,

brandamente deslizas,

é o arrufo das brisas

ou o sopro de Deus que t'evapora?

Serena espuma d'ouro que te amplias

como um véu de princesa

na luz do sol acesa,

lavras no azul mimosas fantasias.

Linda nuvem dourada, onde nascente,

cortina primorosa

do berço cor-de-rosa

de uma aurora gentil te desprendeste?

Por que desmaias, áurea nuvem bela,

ai! por que t'evaporas?

E choras, nuvem choras,

vertendo orvalhos sobre a flor singela!

Ai! nuvem d'ouro! — no meu céu de outrora

formoso, sorridente,

também passou, fulgente,

linda nuvem serena, encantadora!

Depois, na cor mimosa esmorecendo,

seu brilho esvaeceu,

e plúmbeo, triste véu

foi-se em gotas amargas desfazendo.

— Era a minha ilusão! nuvem mentida

lindo sonho dourando,

desfaz-se, rorejando

de lágrimas a flor da minha vida!...

 

Teu nome

Hélas! Je t'aime tant qu'à ton nom,

seul, je pleure...

V. Hugo

No sopro da brisa que as folhas agita,

na onda que imita queixume sentido,

nos ais de meu peito que a mágoa consome

eu ouço o teu nome suave e querido!

N'aurora risonha de cores mimosas,

de lírios e rosas num lindo arrebol,

fulgura brilhante no céu estampado

teu nome dourado dos raios do sol!

No seio mimoso da rosa entreaberta

na linda coberta do prado florido,

eu vejo o teu nome, de aromas cercado

nas flores do prado, teu nome querido!

Vésper desponta, e no cristal das águas

da face linda estampa os esplendores:

vem, ó minha saudade! - oh, doces mágoas

do mimoso sonhar dos meus amores!

Agora que a avezinha sem receio

dorme entre as franças do salgueiro umbroso,

e o níveo bogari, abrindo o seio,

desprende aromas do botão mimoso,

— Vem, ó doce memória da ventura,

vem delir-me o pungir dos amargores!

Oh! vem!... desta hora meiga na tristura,

vem trazer-me o sonhar dos meus amores!...

 

À beira-mar

Como é triste, à beira-mar,

neste silêncio da tarde,

agora que o sol não arde,

como é triste o meu cismar!

Além — um barco a vogar

nas ondas de anil dourado;

aqui, a desabrochar

branco lírio imaculado.

Ouço um suspiro magoado

de junto a fonte que chora...

é a rola que deplora

o seu amor infeliz!

Ai! de tudo o que ela diz,

de tudo — eu tenho chorado

sem ter, jamais, abrandado

as mágoas nesta saudade!...

Doce amor, doce amizade

porque deixastes-me assim,

sem um olhar de piedade,

sem um suspiro?... Ai de mim!

O lírio murcha por fim

se orvalho o Céu não goteja;

lá nesses mares sem fim

se afunda a vela que alveja.

Ai! — minh'alma é como a flor

é como a vela nas águas!

— Também se afunda nas mágoas,

— também se fina — de amor!

 

Passado e presente

Uma manhã o céu d'anil dourando,

um lírio a desbrochar-se imaculado,

a primavera rosas semeando,

— tal foi o meu Passado.

Sombras da tarde num vergel sem flores,

na solidão um cântico plangente,

da saudade o perfume e os amargores...

— tal é o meu Presente.

 

A primavera

Traz gala o monte, os vales se alcatifam,

ri-lhe o Céu todo, a natureza é dela!

A. F. Castilho

Os vales s'enfeitam de lírios nevados,

arrelvam-se os prados de florida grama,

floresce a ramada dos velhos jambeiros,

mil cantos fagueiros a brisa derrama.

No ermo da selva desata-se a rosa,

a pomba saudosa no bosque suspira;

a brisa nos ares, envolta em perfumes

recolhe queixumes dos ecos da lira.

Sorri-lhe a crença tombando cansada

na veiga enfeitada de flóreo tapiz;

gentil borboleta na rosa se abriga

baldando a fadiga das mãos infantis.

De mil laranjeiras virentes, frondosas,

as flores cheirosas perfumam a soidão;

se meigo favônio beijá-los se atreve,

de pet'las de neve branqueja-se o chão.

E os ecos repetem nas curvas dos montes

cantigas insontes que amores traíram...

e as jovens serranas às tranças compridas

gentis "margaridas" prendendo, suspiram.

Que doce harmonia no seio da mata

aos sons da cascata se vai misturar...

— são hinos das aves que ali, na ramada,

a luz d'alvorada já foi despertar.

Que brandos murmúrios, que tristes gemidos,

dos prados floridos s'escutam também;

— são rolas que choram seus ternos amores,

talvez beija-flores beijando a cecém.

Que doce mistério de vozes sumidas

Das moutas crescidas por entre a espessura...

— São ternos segredos que a fonte suspira,

— são ecos da lira gemendo ternura.

No teto musgoso de rude casinha

saudosa andorinha cantando volveu,

e sob latadas de cândidas flores

seu ninho de amores cuidosa escondeu.

E os vales s'enfeitam de lírios nevados,

enlaçam-se os cardos aos braços da hera,

aurora mimosa nas águas se mira

e a brisa suspira: — gentil primavera!

 

Amor

Volvera a quadra das mimosas flores,

o mar, de amores, murmurava endechas,

a brisa meiga a suspirar galerna

da rola terna soletrava as queixas.

Eu disse à onda que gemia triste:

— em que consiste tua acerba dor?

E a onda triste se quebrou morrendo,

E foi dizendo brandamente – Amor!

Eu disse à brisa das auroras ledas:

— tu, que segredas nos vergéis em flor?

e a brisa meiga suspirou passando

e murmurando docemente – Amor!

Eu disse à rola que carpia aflita:

— de que desdita te consome a dor?

e a rola aflita, soluçando ainda,

na mágoa infinda, repetiu: — Amor!

Após, meu peito suspirou sentido,

Num ai dorido, de profundo horror,

e eu disse n'alma que a tristeza oprime

— que mágoa exprime essa palavra — Amor!

....................................................................

Volvera a quadra das mimosas flores,

volvem amores ao universo inteiro,

só de minh'alma as ilusões queridas

foram perdidas qual sonhar fagueiro!

 

O meu ideal

No porte a distinção nobre e correta,

cheia da graça natural que encanta;

nos olhos — doce luz que me aquebranta,

— um reverbero d'alma de Poeta.

Como o canto materno que aquieta

febril infante co'a harmonia santa,

derrama a sua voz doçura tanta,

que a negra dor não mais minh'alma afeta.

Tudo o que eu penso, vejo em seus pensares;

prefere o gosto seu tudo qu'eu amo;

são como os meus seus íntimos pesares...

e eu — louca, louca! — o meu ideal — lhe chamo!

mas se existe a visão dos meus sonhares,

embalde em seu amor meu peito inflamo!...

 

Por que sou triste

No álbum de uma amiga.

Perguntas — "por que sou triste?"

— Pode, acaso, a violeta

ser, qual a rosa dileta,

tão leda e cheia d'encantos?

Vive a rosa entre os amores,

tem do sol um raio puro,

enquanto no val'escuro

só tem a violeta — prantos!

O seu perfume suave

no ermo a triste derrama;

si do sol os raios ama,

ah! não tem o seu calor!

Pois tal é minha existência...

assim s'esvai o meu sonho,

como no vale tristonho

o doce aroma da flor!

Do meu sonhar de venturas,

da minha doce esperança,

ai! só ficou-me a lembrança

no padecer da saudade!

E neste viver penoso

meu coração desfalece

e não mais sonha, padece

amarga realidade!

Ai! não perguntes ao triste

— por que é triste o peito seu!

Não queiras romper o voo

que o seu martírio ocultou!

Se um dia sentires n'alma

a dor que a esperança mata

terás uma ideia exata

de — por que tão triste eu sou!

 

No álbum de uma menina

Nena, desperta, já desponta a aurora,

abre os teus olhos como a fresca rosa

qu’estende as níveas pétalas agora,

e vem comigo contemplar o Céu.

— O que vês tu, mimosa?

— Abrilhantado véu

de nuvens cor-de-rosa

por todo o Oriente,

e, no azul ridente,

linda estrela a brilhar!

— E o que vês tu na terra?

— A flor desabrochar!

E o aroma qu'ela encerra,

nos ares s'expandir,

e todo, além subir

da brisa ao respirar!

— E aonde vai-se o aroma?

— Ah! passa além da coma

frondente do arvoredo,

e vai, como um segredo,

té onde brilha a estrela

precursora do dia!

— Oh! sublime poesia!

— Imagens da inocência

é a flor, é a essência,

e est'alva de Agosto,

que formam n'harmonia,

o teu gentil composto!

Pois tu és a flor mimosa

que desabrocha louçã!

Tens a frescura da rosa,

Tens o sorrir da manhã!

Tens, no Céu do teu viver,

arrebóis d'encantos mil;

tens, no sonhar infantil,

a luz do dia ao nascer!

E quando dos lábios teus

s'eleva a prece singela,

tua oração sobe a Deus,

toda, toda inteira e bela,

— como sobe o doce aroma

que se eleva além da coma

frondente do arvoredo —

e vai pousar, qual segredo,

no seio da linda estrela!

 

Lembra-te de mim**

Do pé da tenra grama debruçada,

florinha azul mimosa,

à corrente fugace enamorada

dizia, suspirosa:

Ah! não me deixes, meiga fugitiva,

não me deixes assim,

leva em teu seio a pobre flor cativa,

ai! lembra-te de mim!

Deixa rever-me em tua face pura,

neste cristal, oh, sim!

Para um momento, ó mágica doçura...

ai! lembra-te de mim!

Vê: si eu não tenho dos jasmins a neve,

das rosas o carmim,

tenho do Céu azul a tinta leve...

ai! lembra-te de mim!

Mas a corrente, — a meiga fugitiva —

corria sem cansar,

a pobre flor azul, triste, cativa,

morria a suspirar.

"Adeus!" já diz o sol adormecendo

num leito de rubis;

"adeus!" — volve a papoula desprendendo

as pétalas gentis.

E no Céu linda nuve'em flocos d'ouro

gazil se desmanchou;

era de fadas místico tesouro,

mil perlas derramou.

Sobre a florinha terna, agonizante,

um aljôfar caiu,

e mimosa safira, num instante,

sobre a grama luziu.

Logo, ao sopro suave d'aura leve

que a impele docemente,

foi deslizando, deslizando breve,

té cair na corrente.

Voz mal distinta e doce, fugitiva,

Lá repetiu assim:

"leva em teu seio a pobre flor cativa....

ai! lembra-te de mim!..."

 

**florinha azul, silvestre

 

 

O meu canto

(Ao abrir de um álbum)

Para abrir o livro vosso

pedi à aurora mimosa

aquelas tintas de rosa

com que abre o dia nos Céus;

mas a aurora desmaiando

acenou-me o lago quedo

que lhe roubara o segredo

dos magos encantos seus.

Veio o sol; pedi-lhe um raio,

um doce raio do Empíreo

com que abrira o casto lírio

tão perfumoso, no val',

porém o astro vaidoso

prossegue, a flores abrindo,

as frescas rosas tingindo

da viva cor do coral.

Desceu a tarde formosa,

abriram pálidas flores;

pedi à tarde os palores,

aroma às flores gentis;

deu-me a frescura da noite

o grato orvalho do Céu,

e a tarde soltando o véu,

deixou-me aromas sutis.

Para abrir o livro vosso

não tive d'aurora as cores,

nem do sol os esplendores,

só deu-me a tarde o seu pranto!

Assim, na folha tão bela

do vosso livro, Senhor,

só pude deixar a flor

mais desmaiada — o meu canto!

Recordação

Oh! souvenirs! printemps! aurores!

Hugo

Primavera da vida venturosa,

quinze anos! — meu sono de criança

mimoso sonho de fugace esp'rança,

botão singelo de virgínea rosa!

Inda vejo-te a imagem vaporosa....

ainda te conservo na lembrança!

Eras a meiga pomba da bonança,

eras a aurora de manhã formosa!

Mas a flor dura um dia; o sol desmaia;

geme a rola; suspira a onda pura,

e morre a onda quando chega à praia.

Assim passa-se a quadra da ventura!

E d'avezinha que o voar ensaia,

rasga-se o peito contra a rocha dura!

 

Minh'alma

Ao raiar da manhã serena e bela,

abre a cecém, do val'entre os verdores;

dão-lhe beijos do sol os esplendores,

à tarde vem beijá-la meiga estrela.

Traz-lhe o orvalho, que do Céu vem vê-la,

às pétalas gentis mais lindas cores;

envolve-se o ambiente em seus odores;

o beija-flor volita em torno dela...

Também minh' alma é flor, porém, pendida,

sem a luz, sem o ar, sem os carinhos,

sem os perfumes dúlcidos da vida!

— Rosa que abriste em meio dos espinhos —

pelas rajadas do tufão batida,

serás levada em doidos remoinhos!...

 

Um canto

À minha terra

É formosa a baía do "Desterro",

como lago sereno,

d'águas cor de safira;

passa a brisa sutil de serro em serro,

e doce e brando treno

nas ondas suspira.

Corta leve batel as águas mansas,

a branca vela cheia,

roçando o mar azul;

voam gaivotas como fogem esp'ranças,

e geme a onda e anseia

ao brando vento-sul.

Nas tardes de verão à hora bela,

em que o sol embrandece,

cobrindo o Céu de rosas

doura-se o mar em límpida aquarela,

e a nuvem s'esvaece

em pérolas mimosas.

Ah! nessa hora da saudade amada,

eu, solitária e triste,

nos sonhos da poesia,

pelas ternas saudades embalada,

um bem que não existe

crio na fantasia.

Cismando, à beira-mar, do Céu tão lindo

que vejo retratado,

nas águas sossegadas,

as leves cores que se vão sumindo

me lembram do passado

as rosas desmaiadas.

Então, de afeto cândido os dulçores

minh'alma apaixonada

envolvem com fervor;

e — a ti — berço gentil dos meus amores,

minha terra adorada,

teço um canto de amor!

 

Salve!

Por ocasião da extinção do elemento servil, na cidade do Desterro, capital de Santa Catarina

Mais uma aurora de glória

no Céu da pátria raiou,

que mais um nome na História

o livre império gravou!

Salve! — ó "Desterro" gentil,

berço da minha inocência!

Hoje a tua florescência

já não mancha a nódoa vil!

Sim; é teu nome adorado,

ó linda estrela do sul,

que brilha, de luz formado,

como o cruzeiro no azul!

Não, não mais do escravo há de

ouvir-se o pranto em teu seio;

té das aves o gorjeio

proclamarás — liberdade!

O auriverde pendão

que Castro Alves amou,

nas águas da redenção

lave a nódoa que o manchou!

Da liberdade no templo,

ó bravos catarinenses,

na glória dos Desterrenses,

já tendes o nobre exemplo!

Eia! na senda de luz

por vossos irmãos trilhada,

avante! é santa a cruzada

que a tanta glória conduz!

Sim! do sul a bela filha

que sobre as ondas descansa

seja livre como a esperança,

como a luz que no Céu brilha!

 

Livre!

À Pátria Brasileira, expurgada da escravidão

Ribomba um hino de festa

desde o Palácio à senzala

acorda a virgem floresta

à voz que a nova propala!

Lá onde o escravo gemia,

aonde o pranto escondia

nas trevas da solidão,

como uma luz peregrina,

como uma aurora divina,

assomou a redenção!

Quantos soluços trocados

nos risos sãos d'alegria!

Quantos e quantos cuidados

destruídos num só dia!...

Eis a luz consoladora...

Eis, alfim, a meiga aurora

que o sonho horrendo desfez!

Eis o Brasil radiante

como um herói triunfante,

mil grilhões calcando aos pés!

Sobre o solo abençoado

em que ergueu Cabral a Cruz,

brilha agora desfraldado

o estandarte da luz!

Hosana à Pátria de bravos

que preconceitos ignavos

p'ra sempre altiva extirpou!

Exulte o brasílio povo,

que a Liberdade de novo

da pátria o solo beijou!

Que o Céu nas lúcidas galas,

que a onda beijando areia,

que a brisa em dúlcidas falas

cantem a grande epopeia!

Salve, salve, ó Pátria minha!

Ergue a fronte de rainha,

de luz e louros c'roada,

que a tua nobre vitória

honra a ínclita memória

de Rio Branco e de Andrada!

 

Na convalescença

No campo

Adoro o verde alegre destes prados,

estas lindas boninas multicores,

os perfumes da selva, os esplendores,

da cachoeira pelo sol ferida.

Amo tudo isto que me chama à vida,

à glória, ao amor; amo estas maravilhas,

— a aurora envolta em róseas escumilhas,

— a tarde em manto azul cintado d'ouro!

Minh'alma s'embriaga no tesouro

de poesia sem fim que o Céu derrama,

e no aroma, e na luz do ocaso em chama,

ou no Levante em brando sol banhado.

Adoro o Grande Gênio! O Sublimado

Poder que exalça o Universo inteiro!

E ao perfume dos lírios misturado

— sobe meu canto ao Céu, doce, fagueiro!

 

O sabiá

Eu sempre o vejo, em cada primavera,

quando lança a manhã seu véu mimoso

por sobre a Natureza,

qual trovador que o meigo canto esmera

casando — amor — ao treno suspiroso

da lira da tristeza.

Eu sempre o vejo, e o salmear sonoro,

do cajueiro em flor por entre o aroma,

mais terno se desprende,

quando silente, pelo ocaso d'ouro

mimosas cintas que do Ires toma

a tarde bela estende.

Eu sempre o vejo... e embevecida escuto

a doce queixa ao rumorejo envolta

da verde ramaria,

quando a noite desdobra o véu de luto,

e a voz do sino pelos ares solta

o — salve — preludia.

Quando andorinha forasteira volve

co'o renovar primaveril das flores,

à beira dos telheiros

eu sempre o vejo, e o canto seu m'envolve

de saudoso cismar dos meus amores

nos sonhos feiticeiros.

Vem, ó meigo cantor! não tardes tanto,

que já no verde laranjal branquejam

os ternos botõezinhos.

Suspira a brisa em lânguido quebranto,

do sol aos raios tépidos verdejam

as moitas dos caminhos.

As borboletas, nos relvados bastos,

por sobre o verde semelhando flores,

espreitam o abrir das rosas;

plúmeos artistas d'entre os lírios castos,

fabricam berços p'ra novéis amores

co'as plumas cetinosas.

Vem, ó meigo cantor, não tardes tanto!...

anseio ouvir o dúlcido lamento

que o meu cismar circunda

como auréola de luz ou mago encanto

de perfumes sutis que em brando alento

triste remanso inunda!

 

O velho nauta

Soprava rijo do sul,

o mar batia nas fragas,

quando o vi, soltando às vagas,

a leve barquinha azul.

Em bando fogem medrosas

as níveas gaivotas belas

qu'em véu de negras procelas

se trocam nuvens mimosas.

E o velho nauta às rajadas,

o branco pana desata;

rebentam em velos de prata

as altas vagas iradas!

Rugem as vagas...e, fundo,

cava-se o abismo terrível!

Murmura o nauta - "impossível!"

fitando triste o profundo.

E ruge o trovão ferindo

d'horrores o Céu pesado;

no mar, d'espumas rendado,

se abisma o raio, caindo!

Depois... torrentes, torrentes

dos regaços da procela;

depois, cintila uma estrela...

e sopram auras trementes.

Mas... ah! que à praia chegando

as ondas gemem de dor,

medonhos transes de horror

à branca areia contando!

Batel azul temerário,

além no mar se perdera,

e o pobre nauta envolvera

da vaga o negro sudário!

…........................................

E as ondas volvem gemendo

e à praia morrem de dó,

do pobre nauta trazendo

despojos...despojos só!...

 

O poeta

Vate! Vate! — o que és tu ?

G. D.

Astro — a um Céu puríssimo alumias,

quando o sendal das magas fantasias

o Gênio te adelgaça;

— lírio — rasgas as pétalas nevadas,

ao açoite impiedoso das rajadas,

aos golpes da desgraça.

Águia soberba a devassar os Andes,

quando, do alto, como a luz, expandes

teu ideal sublime;

meiga pomba de amor quando entre flores

tu'alma arrulha os dúlcidos amores

que só teu verbo exprime.

— Quem poderá sondar-te d'alma o fundo,

si à flor do lago plácido e profundo

só se retrata o Céu?

Si do vulcão a chama abrasadora

bem no seio da terra s'elabora

e abrasa o imo seu?!

Mas quando negra tempestade enluta

o puro azul do Céu, e a terra nuta,

aos roncos do trovão;

quando derrama altivo monte a lava

da profunda cratera que se cava

às iras do vulcão:

não vês por sobre a flor do manso lago,

sombrio crepe a distender-se vago,

lhe vir turbar a cor?

e a voraz chama que o contorno abrasa

tornar d'aurora a branca e fina gaza

sanguíneo véu d'horror?...

Pomba de amor — a alma do Poeta,

mimosa e triste, qual gentil violeta,

quer amor, quer ternura;

ferida, geme, e altiva o insulto esmaga;

mas si a vida sorri-lhe, e amor a afaga

— é flor, só tem doçura.

Ah! si na terra o ideal sonhado,

como oásis de flores perfumado,

encontra a peregrina:

— astros, auroras, flores e perfumes,

d'aves canoras gárrulos cardumes —

que o Céu vos não fascina!..

Sim; do Poeta o coração sensível

guarda um Éden, no íntimo, invisível,

que só ventura encerra!

e o amor de sua alma apaixonada

é como a doce luz da madrugada:

— de flores enche a terra!

 

Invocação à lua

Ó lua merencória, ó lua de Janeiro,

dessa luz divinal de mágico palor

dá-me um raio sutil, um raio teu fagueiro

que rompa ao meu sonhar o véu de negra cor!

Oh! lua merencória, amiga da minh'alma,

escuta carinhosa o rogo angustiado:

— no teu raio gentil me volve a doce calma,

os risos, a ventura, os sonhos do passado!

Tu vês nos olhos meus a dor que o seio atura...

nos ais do meu penar — o fel do dissabor,

oh! lua merencória, envolve na doçura

da luz dum raio teu — minh'alma, a minha dor!

Do mundo nos parcéis, nas vagas procelosas,

sem rumo a triste vida incerta vai-se além...

Quem há de a frágil barca, em águas tormentosas,

suster, do vendaval nas fúrias do vai-vem?...

Minh'alma angustiada ao Céu transporta agora...

num doce raio teu, me volve a doce esp'rança;

oh! astro meu gentil, no Céu da minha aurora,

sumiu-se em negra cor meu íris de bonança!...

Oh! lua merencória, oh, lua de Janeiro,

escuta de minh'alma o rogo angustiado:

volve-me em teu palor, no teu clarão fagueiro,

- os sonhos, a ventura, as crenças do passado!

 

Não sei!

Onde estás, onde estás, minha ventura,

amor que eu sonho, amor que em vão procuro,

deste viver cansado — oásis puro —,

serás um ideal, um sonho apenas?

Toda a existência a delirar de anelos,

uma alma crente a se finar d'esperanças,

e, embalde, embalde! — só cruéis lembranças...

nem uma rosa nos rosais da vida!

E eu quero amar...quero expandir profuso

todo este amor que geme no meu peito,

como a linfa represa em curto leito,

como a íntima dor que não tem prantos!

Sim; quero amar, porém, n'outra alma pura

quero ver doce amor gêmeo do meu,

como vejo no lago um outro Céu,

como vejo no Céu a cor das flores!

Ah! — por que vem do sol réstia amorosa

partir, num beijo, virginal cecém,

e do pródigo Céu por que não vem

luz carinhosa que me aclare a vida?...

Sorve a violeta a gota do sereno,

e sorri grata, perfumando a noite;

— Ai! como ela eu seria, si o açoite

de um destino cruel me não ferisse !...

Bem vejo a borboleta sequiosa

fartar-se em doce mel de finas taças:

— por que só a minh'alma das desgraças

encontra o fel amargo em cada esperança ?...

— Não sei!... Não sei, meu Deus, si est'alma pede

as venturas do Céu aqui na terra,

ou se o teu grande amor me não concede

esta ventura que amor só encerra!

 

À stela confidente

Eu não tenho na terra os meus amores,

alma afinada pelos sons da minha

só existe no Céu: — é nívea estrela.

João de Lemos

Se a vida tem risos nos puros afetos,

se há seres diletos que gozam venturas,

se a vida tem gozos n'aurora dos anos,

pra mim teve enganos, sofrer, amarguras!

— Sorrisos, esperanças — meus sonhos mimosos,

amores ditosos da quadra gentil,

ai! foram perfumes, foi nuvem dourada

que em fria orvalhada desfez-se sutil!

Se a meiga saudade do tempo passado

meu seio magoado me quer consolar,

eu sofro um tormento d'envolto à doçura

da lágrima pura que me faz chorar!

Da palma virente dos ledos amores,

murcharam-se as flores ainda em botão;

fanadas as rosas de ternos carinhos,

que duros espinhos restaram-me então!

Só tu, meiga estrela das tardes formosas,

nas réstias mimosas de luz divinal,

me trazes sorrisos dum anjo saudoso...

relatas-me o gozo da vida imortal!

Fujamos, minh'alma, fujamos da terra

que as dores encerra do teu padecer!

Lá onde fulgura puríssima estrela,

a vida é mais bela, tem riso e prazer!

 

Noites de luar

Oh! noites de poesia!

T. Ribeiro

Lá vem rompendo a lua, além, no serro escuro,

suavíssimo clarão, formosa, derramando;

recende de jasmins o ar sereno e puro,

um descante de amor nas águas vai passando.

À flor do lago azul, as brancas nenúfares

estendem docemente as pétalas gentis;

repousa o sabiá na coma dos palmares,

fulgura o lança-luz dos campos no tapiz.

Ao plácido luar, as ondas rumorosas

espalham frisos d'ouro em nítido cristal;

do doce murmurar das brisas carinhosas,

desperta a juriti nas moitas do rosal.

Quanto é risonho e belo o quadro esplendoroso

das noites de luar — enlevo dos amores!

— O Céu mandando à terra um beijo fulguroso,

— a terra ao Céu mandando o incenso de mil flores!

Oh! noites de luar mais belas do que o dia!

Suave azul do Céu, astros, flores, amor!

Feliz quem vos escuta a dúlcida harmonia!

Feliz de quem em vós adora um Criador!

 

Aquarela

Era uma casinha bela,

porta verde, muros brancos,

alvas cassas na janela,

franca entrada aos ares francos.

Ao redor, nos verdes campos

de florinhas semeados,

a noite acende pirilampos,

o dia, orvalhos dourados.

Lindas, contentes crianças,

rósea tez, cabelos d'ouro,

nos olhos — Céus d'esperança,

d'inocência alma tesouro,

brincam, colhendo nos prados

mil borboletas mimosas;

brancos lírios perfumados

e açucenas mimosas.

Foge o sol, reverberando,

das águas na branda tela,

à flor do lago, brilhando,

s'estampa a casinha bela...

E enquanto à porta da herdade

espera a esposa saudosa,

no bosque a rola mimosa

suspira — amor e saudade!

 

A caridade

Triste noite hiemal nos campos estendia

o gélido lençol que a relva cresta e mata;

não brilha em Céu de anil a nuvem cor de prata

beijada do luar das noites de poesia.

Não ferem docemente as harpas invisíveis

da virgem solidão as brisas carinhosas;

nem ondas de perfume entornam frescas rosas

abertas ao frescor das alvas aprazíveis.

Nem um astro no Céu!... Na terra e sobre as águas,

somente o véu da morte em gélida brancura!

— Horror e solidão! — por cantos de ternura,

o vento a sibilar d'encontro às duras fragas.

De mísera choupana o colmo arrebatado,

num ímpeto infernal, arranca o furacão,

e o pobre, sobre a enxerga, às iras do bulcão,

presenta amortecido, o corpo enregelado!

No lar, sem pão, sem luz, entram, as agonias

da dor, que o corpo abate e a alma dilacera;

no entanto o rico dorme, e sonha, e goza, e espera

mil gozos ideais de loucas fantasias!

O ouro da avareza, o vil tesouro seu

que o flácido tapiz d'alcova dissimula,

jamais do pobre à mão que o crime não macula

fecundo deslizou, qual pérola do Céu!

E o pobre agonizava... e o rico, entanto, sonha!...

Ai! dorme a mesquinhez, mas vela a Caridade,

e a Providência vê, no ermo e na cidade,

a límpida virtude, e o crime que envergonha.

…......................................................................

A aurora borda o Céu d'opalas e safiras,

o gelo da campina o sol deliu, piedoso;

e o pobre achou conforto, o seio carinhoso,

que tu, ó Caridade, aos males seus abriras!

E ao ímpio opulento, oh! Deus, teu Céu, irado,

terrível despedira o raio da justiça,

e sobre o ouro vil da ínfima cobiça,

o rico avaro e mau caiu desamparado!

No entanto, a Caridade, a excelsa, meiga aurora

que a noite do sofrer aclara radiosa,

lá, junto à fria cruz, prostrada, lacrimosa,

do réprobo o perdão ainda aos Céus implora!

 

Raboni!***

Só, Madalena, o túmulo sagrado

de lágrimas regando, soluçava,

— que no frígido leito não pousava

do seu Jesus o corpo regelado.

O precioso nardo delicado,

no vão jazigo, triste derramava,

e a loira coma pelo chão rojava,

naquele chão do Sangue seu regado.

Eis que, na dor extrema, ao Céu piedoso

levando o olhar que a mágoa desfalece,

vê ante si um homem majestoso...

O belo rosto atenta, e estremece!

Ele a chama: ah!... no acento mavioso

a doce voz do Mestre reconhece!

 

*** Mestre

 

Morte d'Holofernes

Toma Judith a veste preciosa,

o colo, os braços de rubis adorna,

grato perfume no cabelo entorna,

de penas cinge a fronte majestosa.

À tenda d'Holofernes, valerosa,

eis chega, quando aurora o Céu já orna;

desprende a doce voz, e escravo torna

o fero assírio, dos seus dons, formosa.

Após lauto banquete, adormecido

jaz o guerreiro. A bela, prosternada,

implora aos Céus valor ao braço ardido,

e do inimigo, alçando denodada

o mauro alfange sobre o chão luzido

faz tombar a cabeça ensanguentada!

 

Teus quinze anos

No álbum de uma mocinha

Teus ditosos quinze anos

são quinze rosas mui belas,

tão puras e tão singelas

como a tua alma inocente.

As alvas da primavera,

oh! não! não têm mais doçuras

do que as auroras tão puras

desta quadra florescente!

Na tua idade formosa

como são belos os sonhos!

Como os dias são risonhos,

e o mundo cheio d'encantos!...

Sem ter a mente lembrança

de alguma crença perdida,

quão bela desliza a vida

por entre risos e cantos!

A flor serena das águas

que em linda manhã de Abril

a meiga aragem sutil

bafeja, sem perturbar,

não tem mais doce sossego

do que o teu cândido seio,

que nunca o mais leve anseio

de manso fez palpitar.

Qual da leda Primavera

mais belas abrem-se as flores,

e d'aurora os esplendores

mais vivos brilham no Céus,

assim na tu'alma pura

brilha com mais pura essência

a branca flor da inocência

tão grata aos olhos de Deus.

Conserva, pois, entre as rosas

dos teus ledos quinze anos,

a flor que os puros arcanos

desvenda nos sonhos teus;

e lembra que da inocência

a branca flor perfumada

do mundo é sempre estimada,

sempre é querida dos Céus!

 

Um buquê de violetas

No álbum do ilustrado poeta Sr. Wenceslau B. de Gouvêa

Musa do Céu, consoladora amiga,

vem carinhosa como meiga aurora

à lira adelgaçar-me os negros véus...

Pede-me o bardo um canto... que te siga,

deixa um momento est'alma cismadora

ao Éden me conduz dos Paços teus.

Preciso colher flores mais ridentes,

como as rosas apenas descerradas

que a Primavera nos regaços traz;

preciso cores, brilhos refulgentes

como arrebóis de lindas madrugadas,

que plúmbea nuvem pelo Céu desfaz.

Quero harmonias brandas, maviosas

como o cantar do sabiá sonoro,

na primavera, no jambeiro em flor;

margaridas gentis, purpúreas rosas...

um ramalhete lindo e perfumoso,

contigo, ó doce musa, eu vou compor!

Mas... ah! nem cravos nem rosas,

nem margaridas garridas!...

Só vejo tristes, pendidas,

as violetas mimosas...

Qu'importa? — É a linda violeta;

deve estimá-la o poeta

que estima as flores singelas;

eia, ó musa! ao prado vamos,

um ramalhete façamos

d'aquelas florinhas belas!

…....................................

Poeta! aceita a homenagem pura!

Ao pé da tua fulgurante palma,

deixa qu'eu ponha as flores sem renome!

Entre os mimos mais gratos da natura,

— elas têm as tristezas da minh'alma

e são humildes como o é meu nome!

 

Mote

Num rosal de brancas rosas

que grato aroma espalhavam,

duas pombinhas mimosas

mutuamente se beijavam.

 

Glosa

Sentada à sombra ondulante

de verdes ramas viçosas,

tinha Dida a vista errante

num rosal de brancas rosas.

A seus pés, meigas, queixosas

mansas águas suspiravam,

e das brisas que passavam

os doces eflúvios puros,

dos seus cabelos escuros

que grato aroma espalhavam!

Súbito, as ramas viçosas

do rosal se desuniram,

e d'entre as flores surgiram

duas pombinhas mimosas.

Inocentes, graciosas,

seus amores arrulhavam,

sem saber quanto magoavam,

da virgem o peito saudoso

quando em êxtase amoroso

mutuamente se beijavam!

 

Meu retrato

Meu retrato é a violeta

no ermo vale pendida,

como a virge'entristecida

a duro martírio afeita.

Quando a vires no vergel

das outras flores em meio,

colhe-a, guarda-a no teu seio,

que é meu retrato fiel.

Meu retrato é a rola meiga

gemendo na selva umbrosa;

é a brisa suspirosa

passando triste na veiga.

Quando ouvires seus gemidos

nas brenhas da solidão,

escuta os ais doloridos

de meu triste coração.

Meu retrato é a saudade

de puro rocio banhada,

meiga flor desabrochada

à luz serena da tarde.

Quando a vires, meiga e pura,

curvada a face mimosa,

lembra alguém que suspirosa

curva a fronte de amargura.

Meu retrato é a lua triste

vagando no azul sem fim;

singelo, branco jasmim

que ao vendaval não resiste.

Contempla a lua serena

afaga o branco jasmim

pois que pálidas assim

são a imagem de quem pena.

E no teu peito, mais vivo,

se me amas com ardor,

tu verás, ó meu amor,

o meu retrato cativo!

 

O teu olhar

Fita-me o teu olhar. No azul celeste

dos teus olhos formosos quero ler

se este terno carinho que me deste

o amor dos meus sonhos pode ser.

Fita-me assim, que assim foi que fizeste

por ti meu coração tanto bater!

Fita-me assim!... minh'alma que prendeste

nestes olhos gentis eu quero ver!

Brilham tuas pupilas como estrelas

e minha imagem fiel eu vejo nelas

em mimosa e sutil miniatura,

Como em gotas d'orvalho retratada

uma triste violeta delicada,

cheia do encanto d'ideal ternura!

 

Compassivo

Não foi amor!... oh, não!... foi a piedade

que o teu olhar de lágrimas velou!

E si mais forte o coração pulsou

no teu peito com terna ansiedade,

ah! — foi porque celeste caridade

na tu'alma formosa se abrigou,

como o aroma na flor que Deus formou,

pura, cheia d'encanto e amenidade!

Amor ou compaixão — seja o que fosse,

quero inspirar-te um sentimento doce

e vê-lo nos teus olhos retratado!

Sim, quero vê-lo — e sôfrega beber

esta vida que sinto esmorecer

se esse conforto teu me for negado!

 

A madona

A cabeça inclinada, as mãos divinas

— lírios nevados — sobre o peito esquece,

d'olhos fitos no Céu, a cor, parece,

daquele azul brincar-lhe nas retinas.

Sob o cândido véu de gases finas

outro mais rico e belo transparece

qu'em ondas d'ouro pelo flanco desce

até beijar-lhe as plantas pequeninas.

D'estrelas semicírculo brilhante,

— as Sete Dores que sofrera outrora, —

forma-lhe agora a cr'oa radiante,

E em torno ao doce vulto da Senhora,

brilha celeste luz, qual no Levante

o despontar de meiga linda aurora!

 

Fatalidade!

Tão moço ainda, e no cabelo escuro

tramas de prata s'enredando já!

Pobre mancebo!... Triste palinuro,

no mar da vida quão perdido está!

Viu a Sereia... era mulher formosa,

tinha nos olhos lindo azul do Céu

nos frescos lábios o carmim da rosa,

louro o cabelo qual dourado véu;

Viu a Sereia... doce canto ouviu-lhe,

a voz tão meiga na su'alma ecoa;

da mão pequena a maciez sentiu-lhe,

era poeta... docemente amou-a!

"Vem, disse a bela, no meu leite verde

contigo eu quero adormecer, sonhar!

Vê no Infinito que no mar se perde,

a linda estrela que nos vai guiar!

O mar é verde, de coral vermelho

mimosos ramos lá se ocultam mil;

o maré lindo, cristalino espelho

o Céu d'aurora a retratar gentil!

Vem, que eu te amo, sonhador d'encantos!

Vem que te oferto meu constante amor;

— aqui tens perlas, que não são de pranto,

— e tens suspiros, que não são de dor!"

Pobre poeta! Na manhã da vida

o doce canto da Sereia ouviu!

Mas se era um anjo essa mulher querida...

ao dela o triste o seu destino uniu!

Ele era moço; ela, mulher formosa,

a voz tão meiga, tão singela e boa!

O Céu nos olhos e nos lábios, rosa...

era poeta, docemente amou-a!

Porém qual nuvem de manhã ridente,

desfez-se um dia essa ilusão falaz!

Pobre Poeta! sobre a mão tremente,

pendida a fronte cismadora traz!

Ah! quem diria que a traição pudesse

num peito d'anjo se abrigar possante,

e sem piedade a retalhar viesse

do meigo vate o coração amante? !...

…....................................................

Pobre poeta, na manhã da vida,

tramas de prata no cabelo tem!

Ah! foi-lhe o sonho uma ilusão mentida

que amor lhe fora uma ilusão também!

 

Longe!...

Na branca praia a onda merencória

tristemente suspira, e, longe, a rola

também geme de amor doce memória

entre o perfume que do val'se evola.

Nas verdes moitas desabrocham rosas,

e cristalinas pérolas rorejam

a face de açucenas melindrosas

que auras suaves ternamente beijam.

Ai! que bem longe o pensamento voa

quando a Natura geme e triste chora!

E a voz do sino que saudoso ecoa

nos vibra n'alma as afeições de outrora!...

É que uma alma amorosa outr'alma segue,

e amante peito um peito amante anseia,

e o pensamento, a doce amor entregue,

longe, bem longe vai... longe vagueia.

Ah! como a rola aqui, minh'alma geme,

além meu pensamento vai, saudoso!

anseia o peito meu, e a noite vê-me

e vê-me o dia neste ansiar penoso!

 

Amor de poeta

Anízio, se tu visses que o desgosto

da mocidade a flor me deslustrava,

arrugando-me a tez, dando-me ao rosto

pálidos tons d'esmorecida rosa,

em vez da cor mimosa

com que outrora a ventura m'o alindava;

ai! se tu visses, entre os meus cabelos,

como flocos sutis de finos gelos,

prateados fios enastrando a trança...

dize-me, Anízio, te morria a esperança?...

ou, nesta desilusão amarga, infinda,

me adoraras ainda?...

Ah! se de prova tão cruel, embora,

teu doce amor ileso triunfasse,

dúlcido e grato, como a fé de outrora

que crescia no altar do sacrifício,

como si o suplício

mais, ainda mais o heroísmo sublimasse...

Anízio! Anízio! — onde haverá ternura

que o meu sentir te diga, se assim fosse?

— Não há nas flores mel mais fino e doce,

não há nos astros luz mais pura e clara,

nem harmonia mais rara

há, que te exprima essa ideal ventura!

Escuta, Anízio: há um amor sublime,

um afeto do Céu que terra desce;

— amor que toda mágoa atroz — redime,

amor que toda esperança fortalece:

— pois se eu visse que a fé não te morria,

com esse afeto, Anízio, eu te amaria!...

 

Canção do marítimo

Nas ondas serenas

meu barco flutua,

que o brilho da lua

aclara o parcel;

estrelas brilhantes

as nuvens do espaço

colhendo em regaço

te formam docel.

Qu'eu cante, embalado

da brisa dos mares,

meus fundos pesares,

meus sonhos gentis;

saudade, saudade

do nauta no sonho,

mostrai-lhe risonho,

seu lindo país.

Ah! longe! bem longe,

deixei meus amores!

Bem longe, entre flores,

distante do mar!

Mas, longe, qu'importa?

si o peito extremoso,

do nauta saudoso,

também sabe amar!

Nasci lá nas plagas

gentis, brasileiras,

que brisas fagueiras

meu berço embalaram!

Aos ternos cuidados

de mãe carinhosa,

da infância ditosa

meus dias passaram.

Cresci nas montanhas,

por entre os rochedos;

saltei nos penedos

qual gamo a brincar;

ouvi da tormenta,

à voz retumbante,

o cedro gigante

gemer, e tombar!

Às vezes, se a lua,

surgindo do monte,

na límpida fonte

seu brilho esparzia,

meus louros cabelos

nas águas mirava,

e — um anjo — cuidava,

que ali me sorria!

Oh! água, que a face

risonha estampavas,

porque suspiravas

de um anjo ao sorrir?

Acaso sabias

que o pranto viria

cruel, algum dia,

meu riso banir?...

Ai! longe, bem longe,

deixei meus amores,

bem longe! e entre flores,

distante do mar.

Mas, longe, qu'importa?

si o peito extremoso

do nauta, saudoso

também sabe amar!

Lá dorme, formosa,

o meio das flores,

a terra de amores,

— meu berço gentil!

Aragem que passas,

escuta o meu canto,

recolhe o meu pranto

num beijo sutil.

"No mar argênteo, meu batel resvala,

qual flor qu'embala manso lago azul;

chorem as ondas namoradas queixas,

e gema endechas brando arfar do sul".

Brisa suave que ao passar na serra,

da minha terra desbrochaste as flores,

lá, sob a copa a palmeira verde

meu lar não viste? meus gentis amores?...

Oh! lua meiga que no Céu divagas,

tu que me afagas carinhosa assim,

lá nessas praias onde a vaga expira,

dize, suspira meu amor por mim?...

Rútila estrela, que, ao morrer das tardes,

tantas saudades me derramas n'alma,

lá, nessas plagas que o luar prateia,

dize, vagueia terna virgem incalma?...

Dorme serena, meiga virgem bela,

que o nauta vela n'amplidão do mar,

e, embora às iras da procela afeito,

seu rude peito também sabe amar!

Ah! dorme, ó virgem! meu batel fagueiro,

por ti, ligeiro sobre o mar desliza;

minh'alma geme no gemer das águas,

fogem-me as mágoas, no fugir da brisa.

Longe, bem longe, meu amor, descansas,

lá, sob as franças da palmeira em flor,

e o pobre nauta, n'amplidão dos mares,

canta pesares de saudoso amor!

 

Tupã

Canto da Índia

Quem, com a plumagem do guará formoso,

tapiza o leito para o sol que nasce,

e a flor de raios faz brilhar, vivace,

da madrugada sobre o azul mimoso?

Quando o sol morre, como o rei das tabas,

tem linda rede de vistosas cores;

mas quem t'o ordena, ó criador das flores,

que presto o raio cintilante apagas?...

Qual magnólia que à manhã descerra,

e o aroma vaza na soidão profunda,

a lua meiga de saudade inunda

meu seio triste que o pesar encerra.

Quem fez o astro que a saudade inspira?

a flor, a mata, a solidão frondosa?

Quem deu ternura à juriti mimosa,

e amor à virgem que de amor suspira?...

Há tantas flores na campina verde!

Há tantos astros lá no azul do Céu!

E como a rosa que o tufão pendeu,

o astro brilhante no bulcão se perde!

Assim a virgem, do guerreiro ausente,

é como a rosa que desmaia e chora;

é como a estrela de nublada aurora...

o véu da morte sobre as faces sente!

A laranjeira se cobriu de flores,

depois, de frutos pelo sol dourados;

novas folhagens vêm vestir os prados,

a selva toda já recende odores.

No verde galho que a roseira estende,

macia paina o beija-flor enreda,

e à flor mimosa, que desbrocha leda,

o brando ninho docemente prende.

Depois, o campo, num lençol de neve

todo s'envolve; desfalece a rosa;

a cachoeira se despenha irosa;

o rio as margens vai transpondo breve.

Desperta o Índio na cabana pobre,

desata a igara da palmeira esguia;

e, mal desponta a madrugada fria,

vai pela água que os outeiros cobre.

De novo canta o sabiá fremente,

cores gentis vêm esplender no Céu;

junto ao guerreiro que feliz volveu,

a Índia virgem já sorri contente.

Ah! quem das flores — virginais tesouros, —

dourados pomos, saborosos, fez?

O dia? o ar? a noite? o sol?... talvez

Tupã, que desce nos seus raios d'ouro!

Tupã, que ordena à primavera alada

esparza flores sobre a verde selva;

Tupã, que manda desdobrar na relva

o branco manto à glacial geada!

Tupã, que pródigo os vergéis enflora,

Tupã, qu'estrelas pelo Céu derrama,

Tupã, que a virgem não conhece e ama,

Tupã, que o índio reverente adora!

Tupã, que eu vejo nos mistérios tantos

que a Natureza nos desvenda aqui!...

Tupã, que escuto nos amenos cantos

que à tarde entoa divinal tupi!

 

A aurora e a tarde

Olha, Elvira, como é belo

o despertar da manhã!

Escuta o idílio singelo

desta hora meiga e louçã!

Aquela nuvem mimosa

que se desdobra no Céu,

é d'aurora o branco véu

que o sol já tinge de rosa.

Vê como brilham na relva

mil penas que a luz matiza!

Como s'espalha na brisa

o grato aroma da selva!

Aquela gota brilhante

que se desprende da flor,

é do teu cândido amor

doce lágrima inconstante.

Vem ver da rosa singela

abrir-se o botão gentil,

— que grato aroma, sutil

s'escapa do seio dela!

Escuta o sussurro brando

do beija-flor namorado,

que vai às flores do prado

amor, amor, segredando!

Despertam os passarinhos:

vem ouvi-los gorjear!

Vem vê-los a saltitar

pelos floridos raminhos!

Olha, Elvira, como é belo

o despertar da manhã!

escuta o idílio singelo

est'hora meiga e louçã!

…...............................................

Mas, Elvira, escuta ainda:

— tu que amas tanto a poesia,

dize-me — a aurora é mais linda

que o findar de um belo dia? —

Fita os olhos no horizonte...

vê a luz que vai findar,

aquela vista do monte

que se retrata no mar!

Vê do Céu as lindas cores,

o verde que o campo esmalta,

olha as casinhas... as flores,

tudo no mar se retrata!

Escuta o doce gemer

das mansas ondas na praia:

olha o sol a s'esconder...

como a vida que desmaia!

Ouve a fonte que suspira

à sombra dos salgueirais;

como a saudosa lira

vibrando doridos ais!

Mais, mais rescendem as flores...

geme a rola no silvedo,

a brisa suspira amores

entre as franças do arvoredo.

Desmaiam cores no Céu,

calam-se os ecos da terra;

as sombras d'escuro véu

já se desdobram na serra.

Elvira, a noite já desce;

toca o sino — Ave-Maria!

Eleva aos Céus doce prece

em meio desta poesia!

 

Simpatia

No álbum de uma senhora

Simpatia é quase amor.

C. de Abreu

Simpatia é a flor misteriosa

que ri alma desabrocha a um doce olhar;

mais pura do que o lírio, mais formosa

do que a branca açucena ao desbrochar.

É o elo de luz celeste, pura,

que duas almas prende na ternura

de um só sentir — seja prazer ou dor;

— Simpatia, senhora, é o terno agrado

que experimenta minh'alma ao vosso lado;

— simpatia é bem doce, — é quase amor!

 

Mãe

Canto primeiro que modula o infante,

nota sublime de bendita esperança,

suspiro meigo de pombinha mansa,

lago sereno a retratar o Céu.

Mãe! quando a tarde desdobrando o véu,

vai sobre a terra derramando encantos,

à doce hora dos enlevos santos,

quando entre aromas a florinha cresce.

Desce à morada das alturas, desce

grata saudade ao coração magoado,

e a tua imagem vem do Céu dourado...

se já na terra não existes meiga.

Tu és o lírio que perfuma a veiga,

a luz mimosa do sorrir d'aurora,

oh! doce imagem que o Universo adora,

bálsamo santo para as chagas d'alma!

Tu és a coroa de virgínea palma,

tu és o aroma qu'embalsama o altar;

o riso meigo que nos prende ao lar,

celeste bênção que o prazer derrama!

Tu és o estro que a minh'alma inflama

Quando a tu'alma em cada flor divisa,

Quando te escuta no gemer da brisa,

E o olhar te adoro no fulgir da estrela!

Oh! desce, desce, carinhosa e bela,

vem da saudade acalentar-me os ais!

— Quero beijar-te em cada flor singela...

já que na terra não existes mais!.

 

Êxtase

O sol ia morrendo

por trás do serro azul, suavemente;

tintas de rosa e ouro no poente

gentis se confundiam como as flores

nas extensas campinas arrelvadas

de grama veludosa.

No verde laranjal, níveos primores

abrem à luz da tarde carinhosa.

A sós, à grata sombra dos verdores

que a Primavera como um Céu bordara

d'áureas boninas frescas e mimosas,

eu sonhava, e o meu sonhar tão doce,

qual se arroubo de amor celeste fosse,

minh'alma arrebatava embevecida

longe, longe da terra!

Na ideal vida

eu não sentia os fundos dissabores

que aqui nos pungem... não!

— só a saudade — do coração martírio,

— doce e branda —

como o sorrir que ao pranto se mistura,

o seio me inundava!

Mas, eis que voz sentida

dentre as balseiras de silvestres rosas,

veio quebrar-me o doce encantamento,

qual se fora de brisas suspirosas

múrmuro alento...

A fronte alevantei; já do poente

as cores desmaiavam...

lágrimas d'ouro pelo val'brilhavam

no seio das cecéns;

só uma estrela,

uma estrela formosa lá do ocaso

velava-me o sonhar,

e a meiga rola, a rola entristecida

co'a terna voz tão dúlcida e sentida!

…................................................

E eu despertei; minh'alma sequiosa,

ai! fora aos Céus haurir suave néctar

que a terra já não tem!...

Porém, volvendo, — meiga sensitiva,

confrangeu-se e... chorou!

— nos Céus ficara

o amor de minha Mãe!...

 

 

Ao romper da lua

Como vens tão formosa, oh! lua bela,

serena, pelo azul da imensidade,

qual ave branca na lagoa mansa!

Assim, acompanhada de uma estrela,

ó lua, me recordas a saudade

seguida da esperança!

Agora teu palor não m'entristece

como outras vezes que no Céu te vi

e dor cruel não me deixou sorrir-te.

Como estás longe, entanto!... Ah! se pudesse

a minh'alma voar até junto a ti,

como essa estrela — n'amplidão seguir-te...

Do Céu sereno pelo azul infindo

errante iria est'alma tão saudosa,

olhando o mundo, ao teu clarão, d'altura;

e, quem sabe?... n'algum recanto lindo,

como em Oásis fonte preciosa,

não acharia eu minha ventura?...

Ai! segue n'amplidão, formosa lua,

minh'alma te acompanha num suspiro;

és sempre a mesma, aqui ou noutro Céu:

Vamos pois: que esta luz mágica, tua,

me mostre além o plácido retiro

onde a minha ventura s'escondeu!

 

Mistérios

Meiga violeta por que pendes triste

entre as mais flores do jardim virente?

Acaso o orvalho que sedenta hauriste

gelou-te o seio neste amor fervente?!

E o doce aroma que o teu seio encerra,

alma mimosa d'inocente flor,

por que a derramas pela fria terra

qual terno pranto d'inditoso amor?!

Ai! ninguém sabe que mistério fundo

faz que te escondas nesta sombra densa!...

— Talvez a mágoa dum sofrer profundo,

talvez um sonho de mentida crença!

Rola das selvas a gemer sentida,

quem magoou-te o coração tão puro?...

Pobre avezinha! Tua voz dorida

triste perdeu-se num deserto escuro!...

Aves canoras qu'esqueceis os cantos,

lindas boninas que perdeis a cor,

— qual o segredo de pesares tantos?

— qual o mistério de tão agra dor?...

Ai! ninguém sabe por que pende o lírio,

E por que as aves emudecem assim,

Qu'estes segredos de fatais mistérios

só Deus conhece, só nos Céus têm fim!

Ai! ninguém sabe por que morrem flores,

E por que a rola na soidão suspira!

Ai! ninguém sabe por que acerbas dores

Rebentam cordas de mimosa lira!...

 

Sorrir, cantar, gemer

Vem raiando serena a madrugada,

rubros botões na moita serenada

em rosas vão se abrir;

mimosas flores no matiz virente

as pétalas estendem docente,

— só eu não sei sorrir!

Acordam passarinhos no arvoredo,

harmonias de amor num hino ledo

vão todos modular;

a brisa passa segredando às flores

um poema de cândidos amores,

— só eu não sei cantar!

Agora, a tarde vem; as flores pendem,

véus de tristeza pelo azul s'estendem,

tudo exprime — sofrer!

Soluça a rola, as suspirosas águas...

e minh'alma suspira imersa em mágoas

"Meu Deus! Só sei gemer!"

 

Vogando

Verde mar da esperança, em tuas ondas

leva o róseo batel dos meus amores;

quero que no teu seio as minhas dores,

como um amigo piedoso, escondas.

Oh! Céu! — docel azul que te arredondas

sobre este abismo cheio d'esplendores,

mostra-me o íris de risonhas cores

neste infinito que constante sondas.

Ah! si eu pudesse, nestas águas puras,

perlas que a dor me dá ir desfiando

do meu colar d'infindas amarguras...

feliz iria, só de amor cuidando,

por entre flores e gentis verduras,

— meu coração sereno navegando!

 

Inocência

I

Rosa em botão — no teu gentil bercinho

feito de brandos vimes enastrados,

sob a gaze de finos cortinados

dorme ao terno embalar do meu carinho.

Dorme, anjo meu, que no pomar vizinho,

sob a copa dos ramos enlaçados,

entre flores e pomos sazonados

também já dorme o tenro passarinho.

Olha, por vezes, no rosal das veigas,

dentro do ninho das pombinhas meigas,

descansa — Amor — em plena florescência.

Porém do berço teu na macieza,

só repousa em castíssima nudeza

uma flor em botão - tua inocência!

 

Mimosa

II

Uns, — Maria — te chamam; outros, — Mimosa;

és, com efeito, delicada e pura!

— És branco lírio cheio de doçura,

és açucena cândida e formosa!

Mas, de onde vieste, ó graciosa,

dúlcida flor de tanta formosura?...

O teu nome, de mística ternura,

é dos Céus uma ideia preciosa!

Quer — Mimosa te chamem, quer — Maria, —

tu és celeste como a estrela linda

que no Oriente assoma ao vir do dia.

Mas eu te chamarei — Divina — ainda,

pois que a tu'alma — essência da poesia,

é da Luz Divinal centelha infinda!

 

Saudades de minha terra

(Sonetos compostos n'ausência, no Rio de Janeiro)

I

Magoa-me o tormento da saudade

longe de ti — meu berço idolatrado!

Nem me consola aqui quanto hei achado

nos tesouros tão ricos d'amizade.

Não ouço riso que me não enfade!

Só ao pranto abro o seio amargurado!

Vela-me o dia, a noite o teu cuidado:

matar-me o anelo de te ver, quem há de?

Doce imagem que vens no meu sonhar

consolador perfume derramando,

ao sentir de minh'alma acalentar,

Por que te vejo triste suspirando,

qual se a dor que me vem amargurar

assim te esteja o coração rasgando?!...

II

Lindas praias intérminas, saudosas,

aonde o mar estira a branca espuma;

ai! gaivotas gentis, que, uma, por uma,

vindes pousar nas ondas bonançosas.

Meus verdes campos cheios d'alvas rosas,

meu serro azul que raro a névoa enfuma,

ledas auroras que não vestem brumas,

estrelas do meu céu, sempre radiosas!

Oh! — noites suavíssimas do Poeta,

quando vem plena do Oriente a lua

e beija o orvalho a cândida violeta,

Ah! não vos vejo aqui!... Que mágoa crua

vara-me o peito como aguda seta?...

Oh! — minha terra! — é a saudade tua! —

 

Branco e azul

No álbum de Elvira

De branco e azul como as flores,

ó meiga Elvira, te vestes;

amas acaso estas cores,

por serem cores celestes?

Olhando o Céu da manhã

tu viste a vagar talvez

a branca nuvem louçã

que em pranto, além se desfez;

E amaste as mimosas cores

da nuvem, do puro Céu;

como germinam amores

tão castos no seio teu!

Tu és, mimosa donzela,

nas trevas densas do mundo,

a branca rosa singela

no val'escuro e profundo.

Também a Virgem Celeste,

meiga Flor da Judeia,

de azul e branco se veste,

nas graças divinas cheia!

É azul o mar ondeante

coberto d'alvas espumas;

azul o monte distante,

sob um véu de finas brumas.

Quando recordo as saudosas

tardes minhas lá do Sul,

eu sempre as vejo, formosas,

envoltas num véu de azul!

E por isso amo também

a doce e pura harmonia

das duas cores que têm

tanta beleza e poesia!

Ai! bem me lembro o carinho

com que a mãe que eu tanto amava,

o meu branco vestidinho

de fita azul enfeitava!...

Eu era criança ainda

E não conhecia o pranto;

minha mãe... (saudade infinda!)

tu eras meu doce encanto!

Oh! mais que tu, meiga Elvira,

Eu amo estas duas cores,

cuja lembrança m'inspira

saudade dos meus amores!

Rio de Janeiro -1885.

 

Os olhos azuis de Edite

Num álbum de crianças

Os olhos azuis de Edite

— Duas estrelas mimosas —

Têm a doce transparência

das mansas águas saudosas.

São meigos, lindos, brilhantes

Como os de um anjo de Deus!

— fazem o encanto da terra,

— e são o encanto dos Céus!

Os olhos azuis de Edite

têm mais celeste matiz

do que as turquesas mimosas,

que os miosótis gentis.

Oh! querubim gracioso,

Sob estes lindos cabelos,

como brilham mais formosos

Teus meigos olhos tão belos!

Quando esta face — mimosa

como a açucena só é,

enflora meigo sorriso,

minh'alma o Céu entrevê.

Leve azul da madrugada

espelhado em quedo mar,

gêmeas estrelas mimosas

na esfera brilhante à par;

Não tem mais doce poesia,

nem mais me encantam a existência,

que ver no azul de teus olhos

brilhar a tua inocência.

Se pode haver Céu na terra,

aonde a ventura habite,

será o lar venturoso

onde tu vivas, Edite!

 

Os olhos de Alaíde

Tens olhos castanhos,

formosa Alaíde,

quem há que os olvide,

tão lindos assim?

Embora alguém diga:

— celestes não são; —

eu provo-o, serão,

divinos, por fim!

São tantos os anjos

que a Virgem rodeiam,

que em torno vagueiam

do Sólio de Deus,

que, certo, algum deles,

terá, graciosos,

os olhos formosos

da cor destes teus!

E eu creio, Alaíde,

florinha singela,

que o anjo que vela

teus sonhos, oh! tem

os olhos brilhantes,

castanhos, tão belos!

e os lindos cabelos

castanhos também!

E penso, querida,

que à face mimosa

da mãe amorosa

que cinge-te ao peito,

também se assemelha

o rosto peregrino

do anjo divino

que vela o teu leito!

Formosa Alaíde,

teus olhos tão belos,

teus lindos cabelos,

são de anjo, são, sim!

Nem mesmo há quem diga

não serem celestes

uns olhos como estes

tão lindos assim!

 

O meu sonho

Et cette âme, soeur de mon âme,

Hélas! que j'attendais pour aimer et souffrir...

Camile Deschamps

Ah! tudo o qu'eu sonhei na doce primavera

do meu viver feliz, foi tudo uma ilusão!

julgava ser amada... Oh! dúlcida quimera!

pensava amar também... e não amava... Oh! não!

Julgara amar porque, no meu sonhar tão doce,

pensava ter achado a vida do meu ser;

— uma alma irmã da minha —, um anjo que me fosse

amparo e guia meu na senda do viver!

Ah! pobre coração!... ai Tântalo sedento

ouvindo o murmurar d'arroio fugidio!

Embalde o desejaste... embalde! o teu tormento

só tenhas num deserto extenso, árido e frio !...

Que resta ao viajor perdido, fatigado,

triste solidão, sem norte, sem ventura

ter sequer um dia, uma hora descansado

oásis gazil de flores e verdura?

…............................................................

Ai! tudo o qu'eu sonhei na doce primavera

do meu viver feliz — foi tudo uma ilusão!

Amor — suave engano! Oh! dúlcida quimera!

Julguei-te a flor do Céu, tu foste a ingratidão!

 

 

Poesias sacras

 

O Natal

Mais um hino cristão, ó minha lira,

uma saudade mais que desabroche,

com místico perfume, a raiz d'alma!

João de Lemos

Arcanjos divinais, que os hinos santos

da Sião imortal cantais ferventes

de vossos plectros douro refulgentes,

dai-me um raio celeste aos pobres cantos!

Vós, que os lírios mimosos da Poesia

entre as urzes da terra desparzis,

a minh'alma banhai nessa harmonia

que das célicas harpas desferis.

Arcanjo da Poesia! — Ó Ser divino,

que do vate cristão preside aos cantos, —

unge meus versos c'os perfume santos

que os Magos foram dar ao Deus Menino!

I

Envolta nos véus da noite,

há muito Belém dormia;

nem um só eco se ouvia

na choupana do pastor.

Lá no azul firmamento

mil estrelas cintilavam,

e as campinas se douravam,

da lua ao doce esplendor.

Ao fresco orvalho da noite

os prados reverdeciam;

mil açucenas se abriam,

mil rosas desabrochavam;

Nos vastos campos relvosos,

fechadas em seus redis,

brancas ovelhas gentis

de quando em quando balavam.

No meio da solidão

daquele ermo ditoso,

dum val'ameno e formoso

profunda gruta s'erguia;

festão de mil trepadeiras

lhe lançava a austera agrura

que de um manto de verdura

macio musgo cobria.

Quando o rude pegureiro

seu rebanho apascentava,

das chuvas lá se abrigava

recolhendo o manso armento;

e na tosca manjedoura

que ali na rocha entalhava,

sempre o rebanho encontrava

farto, gramíneo sustento.

Foi aí (mistério ingente!)

que o Rei dos reis quis nascer!

Quem poderá conceber

do Presépio o grão poema?...

Ah! — pobre musa mesquinha

da terra no pó manchada,

rompe a cadeia pesada

com que este mundo te algema!

Maga estrela dos Magos do Oriente,

ensina-me os caminhos de Belém;

quero ir-me a Jesus levar também

as puras flores de minh'alma crente!

II

A noite ia em meio,

os pobres pastores

seus rudes labores

já vão começar;

ao val's'encaminham,

da noite ao relento,

o dócil armento

se vão a guardar.

Então, qual num sonho

de magos encantos,

de luzes, de cantos,

cercados se viram!

Que doces eflúvios

de místico incenso,

que júbilo imenso,

que pasmo sentiram!...

No súbito assombro

que os tinha, pasmados,

caíram, prostrados,

com os olhos nos Céus;

talvez procurando

no livro sidéreo

o fundo mistério

traçado por Deus.

D'esplêndida nuvem

no áureo regaço,

um anjo, no espaço,

baixava, radioso;

co'a nívea roupagem

a terra tocando,

no gesto, mui brando,

falou, majestoso:

"Não temais! Feliz nova aqui vos trago,

qu'encherá todo o povo de alegria,

de bênçãos e de amor; —

pois de Jessé na hástea venturosa

brotou a doce flor imaculada

— O Cristo Redentor!

Ide, além, num presépio reclinado,

envolto nas matilhas da indigência,

um menino achareis... É este o Cristo,

é este o Salvador!"

E as asas brilhantes,

d'argêntea plumagem,

por sobre a paragem

sereno estendeu;

da nuvem mimosa

no áureo regaço,

ao célico espaço

formoso s'ergueu.

Alou-se, alou-se o divo mensageiro

fé perder-se no ar resplandecente,

e aos magos poderosos do Oriente

foi-se a nova levar, breve, ligeiro.

III

Já desperta o val'formoso,

todo em galas, jubiloso,

todo em risos festivais;

fresco orvalho rega as flores,

mais frescura, mais odores

espalhando nos rosais.

Já se vão pastores ledos,

ensaiando mil folguedos,

ao Deus Menino adorar;

uns levavam o mel puro,

outros o fruto maduro

do seu viçoso pomar.

Aqui, a infância contente

carregando o leite quente

da mansa ovelha dileta;

Ali — pastoras singelas

de suas rosas mais belas

levando oferenda seleta.

Além, um velho curvado

sobre nodoso cajado,

alvo cordeiro levava;

a seu lado o moço, lesto

meigos pombinhos num cesto

prazenteiro carregava.

E à gruta ditosa

humildes chegaram;

no chão se prostraram

ao Deus adorando,

das puras ofertas

os mimos singelos

com santos desvelos

ao Cristo ofertando.

Lá da celeste abóbada fulgente,

eis um coro d'arcanjos vem baixando,

hinos sacros de glórias entoando

ante o berço do Deus Onipotente:

"Glória a Deus nas alturas! Paz na terra,

que a Luz do Céu as trevas dissipou,

mais brilhante que o dia radioso

que d' aurora serena despertou.

Glória a Deus nas alturas! Paz aos homens,

que do mundo nasceu o redentor!

Graças mil sobre a terra já derrama

em mil bênçãos de amor o Eterno Amor!

Formosa no espaço

brilhava uma estrela

mais pura, mais bela

que a estrela do albor;

por ela guiados

os reis caminharam

e ao berço chegaram

de Deus Salvador!

E lá, ante o exemplo

de um Deus entre os pobres,

os magos, tão nobres,

pasmados estão;

e a mirra, o incenso,

o ouro mais fino

lá dão ao Menino,

c'o as frontes no chão!

Celeste ventura

de um gozo inefável,

da Mãe adorável

o seio inundava;

tão bela fitando

seu meigo Jesus,

de amor nesta Luz

seus olhos banhava.

José, piedoso,

no solo prostrado,

medita, enlevado,

mistério tão fundo;

e os anjos celebram

nas liras supernas

as glórias eternas

à face do mundo!

…..............................................................

Senhor! — não pode a lira humilde e rude

do Messias cantar a glória ingente

que o Céu nas harpas d'ouro celebrava;

tem de um mortal as vozes poderiam

jamais dizer a divinal ventura

que de Maria a alma transportava.

Porém, se meu espírito enlevado

à doce luz da Fé contempla absorto

o presépio ditoso de Belém,

crendo ouvir desse val'abençoado

doces ecos de um hino descantado,

deixa-o, da lira aos sons cantar também:

"Glória ao Excelso Pai Onipotente,

Glória ao Filho do mundo Redentor,

Glória ao Espírito Santo Onisciente,

Glória à Mãe Divinal do Salvador!"

 

Cálice de amargura

Quanto fel, quantas lágrimas encheram

aquele amargo cálix que esgotaste

na hora da tristura!

Do santo Arcanjo as puras mãos tremeram...

mas Tu, Ó Cristo! — aos lábios teus chegaste

a taça d'amargura!

Oh! quanta dor, meu Deus, então vertestes

no Sacrário puríssimo que abria

teu santo Coração!

A fronte divinal ao chão pendeste

e os acerbos tormentos d'agonia

começaram então!

Oh! Mãe! Ó terra Mãe! — tu'alma pura

mais que a branca cecém, não mais na terra

mimos do Céu terá;

ai! sensitiva d'eternal brancura,

como este seio que amor tanto encerra

tal dor suportará?!

Já do Calvário na espinhosa senda,

da Cruz, d'opróbrio e dores magoado

caminha o filho seu;

Vozeia a multidão blasfema, — horrenda,

e o Sacro-Santo Mártir fatigado

o doce olhar volveu.

Oh! transe doloroso!... A Mãe piedosa,

por entre a fera turba angustiada,

triste divisa, aflita;

na desmaiada face lacrimosa

mostrando a pura alma amargurada

que de amor só palpita!

Braveja a multidão... o Mártir santo

prossegue no caminho d'amargura

de dor dilacerado;

Ai! Triste Mãe! — no teu pudico manto

esconde a face lacrimosa e pura

e chora o filho amado!

Flor redimida, ó terna Madalena,

que no sublime amor regeneraste

teu langue coração,

Vem consolar a mística Açucena

C'o a pura voz que a Jesus rogaste

o amor e o perdão!

Lá chega alfim ao descalvado monte

a vítima inocente aparelhada

aos martírios da cruz;

d'espinhos lacerada a pura fronte,

a alma d'amargores trespassada,

dos olhos frouxa a luz.

Esmoreceu d'horror a luz divina!

Pelo vil pecador foi imolada

a Hóstia do perdão!

E como diva Rosa peregrina

do sacro Sangue de Jesus regada

brotou a Redenção!

…......................................................

Quanto fel, quantas lágrimas encheram

aquele amargo cálix qu'esgotaste

na hora do amargor!

d'assombro Céus e terra estremeceram,

mas tu, ó Cristo! — um mundo resgataste

Com teu Divino Amor.

 

Na soledade

Virgem! Oh! triste Mãe! — a dor incomparável,

que n'alma te vazou o fel das amarguras,

não pode o perceber d'humanas criaturas

ao fundo perscrutar o pélago insondável!

Ele! — O teu Santo Amor, teu Deus, teu filho caro,

pendente de uma Cruz, aflito, angustiado;

depois... agonizante: agora sepultado,

e tu nesta aflição! tu neste desamparo!...

Enquanto dessa Cruz descia o olhar piedoso,

qual bálsamo de amor à tua angústia imensa,

a lança da aflição não ia tão intensa

ferir-te o Coração materno, carinhoso!

Oh! Virgem Dolorosa! — Angélica bonina

qu'entre abrolhos cruéis o seio laceraste,

— que lágrimas de fel tão d'alma derramaste

para um mundo salvar da universal ruína!

Oh! brandos corações das ternas mães aflitas,

Oh! puro e doce amor dos dúlcidos amores,

daquela Dor cruel, qu'excede as outras dores,

dizei-me o delirar, as magoas infinitas!...

Porém... Oh! Santa Mãe! — da Dor incomparável

que n'alma te vazou o fel das amarguras,

quem poderá dizer as místicas ternuras?...

Quem poderá sondar o pélago insondável?!

 

No horto

Do virente Olival à sombra escura,

Jesus prostrou-se e, triste, ao Céu formoso

levando o meigo olhar, terno, ansioso,

com voz serena e branda assim murmura:

— "Fica minh'alma imersa na tristura,

até que a morte traga-me o repouso.

Meu Pai! Meu Pai! Oh! Deus tão Poderoso,

de mim passa esse cálix de amargura!

Mas... não! — que toda mágoa sofreria

teu filho, por cumprir tua Vontade

na terra, qual nos Céus a cumpriria!"

— E no ardor da divina Caridade,

sorve o fel que enche a taça d'agonia,

— mártir do Amor à ingrata humanidade!

 

Na agonia

Mártir do amor, o mais sublime e santo,

inclina a pura fronte dolorida;

Olha a Virgem das Dores esvaída

de tantas mágoas, de tão longo pranto!

Vê: de seus olhos belos o quebranto,

procura a luz dos teus amortecida,

pedindo — alento, esperança, afeto, vida

para su'alma que há sofrido tanto!

Meigo Jesus! — tu bem compreendeste

o rogo maternal, angustiado,

quando terno e piedoso lhe disseste:

"Mulher, eis o teu filho!" e ao muito amado

discípulo: "eis tua mãe!" — e assim rendeste

sereno, ao Pai, o Espírito magoado!

 

Ressuscitou!

Raiava o sol formoso, deslumbrante,

abrindo pelos campos as boninas,

e já as três Marias vão distante

levando essências em caçoilas finas.

Além, sobre arvoredo verdejante

dum horto que se vê entre colinas

era o sepulcro do Divino Amante

que ora buscam as santas peregrinas.

Eis chegam: do jazigo a enorme lousa

que fecha o leito em que o Senhor repousa,

alguém, com mão sacrílega, afastou...

Do Mestre o corpo ali não se encontrava!...

Porém à Madalena que chorava,

um anjo diz: "Jesus ressuscitou!"

 

Lutuosas

 

Dor e saudade

À memória de minha querida mãe, falecida a 19 de abril de 1884.

Dezenove de Abril! infausto dia

em que se apagou a luz de sua vida,

como o raio da tarde esmorecida

no regaço da noite escura e fria!

Bem formoso, no entanto, o sol brilhava,

era o Céu tão azul... tão verde o prado...

e eu tinha o coração dilacerado,

e a minh'alma negra dor trajava!...

Quadro horrível d'acérrima agonia,

— o pranto e o luto à dor entrelaçados

a meus olhos em lágrimas banhados

eis tudo quanto a morte oferecia!...

Ai! quanto eu sinto funda a mágoa intensa

desta dor que me enluta a triste vida,

ao pesar de uma mãe terna e querida

a irreparável perda, a falta imensa!...

Ela era a luz que os passos meus guiava,

era a flor que a meus olhos aprazia,

era o afeto mais doce que eu sentia,

era o mais santo amor que me alentava!...

Dos meigos olhos seus o doce brilho,

de ver tão cedo extinto, eu não cuidava!

E essa voz que no lar tudo alegrava

não mais ouvir-se a consolar o filho!...

Consolo n'aflição, na dita — encanto,

su'alma, claro espelho, refletia

as nossas aflições, noss'alegria,

nos ledos risos, no sensível pranto!

Tesouros de ternura e amor, seguro,

guardava em seu materno coração,

como a rosa no púrpuro botão

o mais doce perfume, o mel mais puro!

Mas, ah!... qual meiga flor que na doçura

do grato aroma seu remonta aos Céus,

su'alma terna alou-se para Deus

do maternal amor na essência pura!

…..............................................................

Lá, na Excelsa Mansão da Eterna Vida,

onde ecoam suspiros da orfandade,

aceita, nos perfumes da saudade,

o triste pranto meu, oh, mãe querida!...

 

Tributo de amor filial

(No túmulo de minha mãe)

Oh! puro amor que de saudades vives,

vem rorejar de lágrimas a lousa

qu'este sepulcro cerra...

Oh! dor! Oh! funda dor! — não mais te avives

em meu peito, pois já no Céu repousa

Quem tanto amei na terra!

Morreste, oh, doce mãe! e, n'amargura

o peito de teus filhos extremosos

inda sangra de dor!

Ai! Deus não quis que a filial ternura

haurisse por mais tempo os dulçorosos

mimos do teu amor...

Morreste, oh, doce Mãe!... Porém, tu'alma

foi junto a Deus brilhar, na Eternidade,

— mais pura e radiosa —

do que a estrela gentil que em noite calma

do Céu nos vem trazer tua saudade

na meiga luz formosa!

 

No trespasso

À memória de minha querida irmã, falecida em 6 de Maio de 1889.

Sorrindo esmoreceu, como a bonina

que ao vir da noite as pétalas retrai;

cerram-se os olhos, langue a fronte cai

e ela adormece pálida e serena!

Minh'alma imersa em cruciante pena,

como que sente a vida arrebatar-se,

e voa ao Céu, buscando consolar-se,

e volve à terra para vê-la ainda.

Leve sorriso, placidez infinda

na face a fria morte lhe desenha;

embora a gelidez da neve tenha,

é bela assim como a visão de um anjo!

Eu, triste, olhei-a... e a desventura abranjo

no peito em que vibrara a dor mais forte

o despiedoso e pungitivo corte

que d'outro um coração terno separa!

Ai! só me resta esta lembrança amara!

Esta saudade que no Céu floresce;

memórias de um amor que não esquece

minh'alma triste em cismas dolorosas!

Chorai, ó belas tardes carinhosas

sobre o mármor do leito em que descansa

— pálido lírio de fanada esperança —

a branca virgem irmã das açucenas!

E quando em horas límpidas, serenas,

desmaiado luar brincar nos Céus,

vós, meigas auras que passais amenas,

levai-lhe esta saudade — os cantos meus!

 

Morta!

Entre flores a vi: mais branca estava

do que os lírios, — estátua peregrina —

era do Artista a inspiração divina

que a celeste Madona apresentava.

Noival grinalda a fronte lhe apertava,

virtude e amor a casta palma ensina

sob a mão que no peito se reclina,

qual flor sem vida que do hastil dobrava.

Era a noiva do Céu — pálida e bela,

entre as dobras da gaza vaporosa,

qual entre névoas matinais a estrela.

Ai! dizei-lhe o meu pranto; — sob a lousa,

rosas gentis, que fostes-vos com ela,

astros, no Céu, onde a su'alma pousa!

 

No túmulo de uma criança

Dorme, inocente Adolfo

Anjo que aos brancos lises da inocência

do martírio os espinhos enlaçaste

e a tenra, pura fronte engrinaldaste

aos albores primeiros da existência,

foste qual lírio de mimosa essência,

a doce primavera não lograste!

Ai! loura espiga que ao tufão vergaste

no começo da linda florescência!...

Sim; mas se o berço que cercavam flores,

delirante deixaste, d'improviso,

como se viras mais gentis primores,

foi porque o mundo, embora tenha riso,

prazer, delícias, mimos e dulçores,

— nunca pode valer um Paraíso!

 

Recordação

À memória do humanitário médico Dr. Frederico Rola

Oh! lira da tristeza, oh! lira amada,

doce sócia nas minhas amarguras

quando o amor de minha mãe pranteio,

Oh! vem, que tenho est'alma angustiada...

vazar quero sentidas queixas puras

no santuário do teu meigo seio!

Envolve em tuas notas carinhosas

os ais doridos do meu pranto intenso

para que a brisa em seu rumor os leve;

não te posso enastrar de lindas rosas,

que só dos goivos de um pesar imenso

meu triste coração cingir-te deve!

Porque muda ficaste, oh! lira terna,

quando ouvias do pranto o triste ruído,

ao desfolhar tão bela flor da vida?...

Ah! tu também sentiste a dor superna

e teu seio não teve um só gemido

porque é mais forte a dor n'alma contida!

Pedi-te, embalde, um canto ao ver a turba

dos corações magoados que choravam,

seguindo o bem que lhes roubara a morte;

mas ante a dor que a multidão conturba,

tuas cordas sensíveis estalavam

como feridas d'impiedoso corte!

Oh! morrer quando a vida era tão bela,

em sonhos d'oiro, ao desbrochar das flores,

na primavera de mil crenças lindas!

Quando inda lhe sorria — meiga estrela, —

a fagueira esperança dos amores

doirando auroras lúcidas infindas...

Morrer entre aflições, porém, distante

do terno seio de uma mãe querida,

dos fraternais abraços carinhosos...

deixar na terra a mágoa cruciante

de uma saudade sempre revivida

na dor de mil amigos desditosos...

E tu morreste assim!... Na primavera,

porque deixaste tão formosa vida

por duro sono em leito regelado?

Ai! se o aroma das rosas te pudera

chamar de novo à gloriosa lida,

verias quanto foste idolatrado!...

Porém quis Deus bem cedo premiar-te

dos esforços em prol do amor sublime

que d'Ele emana como luz radiosa...

Sim, que não foi ao infeliz roubar-te,

não foi querer com dor que não se exprime

ferir maternal alma, carinhosa!

E assim, na primavera, te finaste!

Belos sonhos, esperanças, mocidade,

tudo desfeito como nuvem linda!...

Só nos resta o amor que conquistaste,

— grato incenso que sobe à Eternidade,

de amargo pranto repassado ainda! —

 

Prantos

À saudosa memória do meu estimado médico e bom amigo Dr. Duarte P. Schutel

Vem, lira minha, ó doce companheira,

sócia nos risos, sócia ri amargura,

oh! meu consolo desde a dor primeira,

Chora comigo a grande desventura,

como outrora comigo pranteaste

minha mãe, meu amor, minha ventura!

Houve um tempo, — oh! meu Deus! — que adelgaçaste

o negro véu que te reveste agora,

e das mais ledas flores te adornaste...

Lembras-te, oh! lira? — Foi na fausta hora

em que nos braços apertei, saudosa,

o bom amigo que a minh'alma chora!

Tornara a vê-lo; a alma carinhosa

nos olhos lhe sorria, sempre triste,

qual presa de uma mágoa angustiosa...

Ah! como traduzir o que sentiste,

meu coração, tu, que o amavas tanto,

tu que na sua dor sempre o seguiste...

Naquela dor acerba, que o quebranto

no peito lhe infundiu, cruel, profundo,

deixando-lhe a existência imersa em pranto,

e as falsas esperanças deste mundo

quais rosas que pendidas murcham n'haste

o sul ao sopro gélido, iracundo!...

Alma serena e bela, que voaste

do Deus Eterno à plácida morada,

tu, que a palma de mártir conquistaste,

lá na Glória, onde estás, purificada,

lá, na celeste paz da Eternidade,

aceita de minh'alma angustiada,

— os suspiros, as mágoas, a saudade!

 

No túmulo

Do Dr. Duarte Paranhos Schutel, falecido em 6 de Outubro de 1901.

D iante deste túmulo, que encerra

O s despojos mortais de quem na terra

U m bom amigo foi, um justo, um crente,

T odos vós que tivestes seus desvelos,

O preito de gratidão, vinde, singelos,

R ender-lhe aqui numa oração fervente!

D escansa, lutador! — tu, que na vida

U ma senda de espinhos mal florida

A percorrer tiveste em dura sorte,

R osas de luz celeste, peregrina,

T erás, decerto, na Mansão Divina,

E ntre os eleitos, em bendita coorte!

S im, — pois se a alma que sofreu serena

C om fé e resignação, vida penosa,

H á de, no Céu, gozar ventura plena

U ma c'roa imortal, esplendorosa,

T u, ó excelso espírito formoso,

E ntre os justos cingiste, glorioso

L á do Eterno na Mansão ditosa!

 

Elegia

À morte de Victor Hugo

Chorem as meigas liras da tristeza

magoadas endechas de amargura,

gema em saudosa voz a Natureza,

O mar soluce nênias de tristura,

que a flor das águas lutuoso agita

o sopro funeral da desventura!

Ai! chora, chora a França! Mãe aflita

que o filho amado mísera pranteia

nos transportes cruéis que a dor excita!

Funérea c'roa um túmulo rodeia

e dentre roxos lírios, majestoso,

de Hugo o nome excelso ali campeia!

Também no Ocaso o astro radioso,

cercado de brilhantes esplendores,

e o mundo s'entristece pesaroso,

e chora a Natureza de amarguras,

o gênio, que dos gênios inspirado,

cantava em doce lira os seus louvores!

Ai! chore, chore a França o sublimado

ínclito herói, da pátria ingente glória!

e chore inteiro o mundo consternado!...

E as novas gerações, na voz da História,

ouçam o nome excelso, imperecível,

daquele que no templo da Memória,

cinge da Glória a c'roa imarcessível!

 

Crisântemos

Quem tem o coração a amor propenso,

Quem sente a interna voz que dentro fala,

Delicado sentir dum brando feito,

Alma virgem que os homens não mancharão;

Quem sofre ou tem prazer, ou ama ou espera,

E vive e sente a vida, — esse vos ama!

Gonçalves Dias

É a 2ª parte do livro da minh'alma. São as — últimas flores — da minha Primavera. Desabrochadas ao começo da tarde, são pálidas e rorejas já do orvalho vespertino; porém, mais cultivado, talvez, esse meu segundo canteiro, suas flores são tão mimosas, tão queridas à minh'alma, como as primeiras, abertas ao sereno alvorecer da minha adolescência.

Essas flores melancólicas rodeiam os Lises e Martírios que compõem o meu ramilhete singelo, tão vulgar e sem valor para o mundo indiferente, quão precioso para mim, pois representa o meu coração de mulher; sintetiza a minha vida; o compêndio fiel e puro dos sentimentos terníssimos da minha alma de poetisa. Os Crisântemos vão colocados sem ordem, em variegada miscelânea de — poesias diversas —, matizando, assim, ora dos tons violáceos de uma tristeza suave e saudosa, ora dos flavos lampejos de uma alegria tênue e fugace, esse ramilhete ideal das meigas flores da minh'alma.

Que este singelo — buquê — perfume de suavíssimo bálsamo, ao menos, os fugidios momentos que as almas sensíveis e magoadas lhe dedicarem!

Delminda Silveira

 

7 de setembro

Pátria! venho sagrar-te n'harmonia

da minha lira humilde, ardente canto;

são puras rosas de um afeto santo

que reverente te oferto neste dia.

Hinos e flores, sonhos de alegria,

doces memórias de um passado encanto,

dos brasileiros peitos o quebranto

hoje dissipam, como por magia!

Sim; — que não pode o coração fervente

do amor que te sagra, indiferente

recordar os lauréis da tua glória,

pois de teus filhos n'alma está gravado

o triunfo maior do teu passado,

como o ficou nas páginas da História!

 

Minha mãe!

(Recordação)

Lembro teu santo amor, lembro a doçura

dos teus carinhos, dos desvelos teus;

— meu prazer, meu sorrir, encantos meus,

flores da minha primavera pura!

Lembro-me, após dos dias de amargura

sem ti; — oh! que pesar atroz, meu Deus!...

Bela te vejo sempre lá nos Céus,

Mas me falta no lar tua ternura.

Minha mãe! minha mãe! — qu’ imenso afeto

do coração te guardo no sacrário

de saudades e lágrimas repleto!...

Oh! minha mãe... e neste santuário,

geme a minh'alma o salmo predileto

de tanto amor num mundo solitário!

 

Mater dolorosa

Por sob o véu d'imaculada brancura

vestes a cor modesta da violeta;

mais penetrante do que aguda seta

punge-te o seio a espada d'amargura.

Oh, Virgem dentre as virgens — a mais pura!

oh, Ideal Sublime do poeta!

Mística Rosa! Rosa predileta,

Oh! Mãe de mais afeto, mor ternura!

Bendita sejas nos teus agros prantos!

os teus sorrisos, nos teus gozos santos,

no teu Amor — essência dos amores,

celestial perfume de pureza,

mel que suaviza a acérrima aspereza

do nosso padecer, das nossas dores!

 

A poesia

I

Um dia a vi: era visão formosa!

Tinha o doce palor das açucenas,

trazia sobre a fronte radiosa,

a estrela d'alva das manhãs serenas.

Foi nas horas d'encanto, horas amenas

da minha leda infância descuidosa,

qu'eu a vi; vejo-a sempre; agora, apenas,

é mais triste essa imagem vaporosa...

Vem, no meu leito, em noites de martírios,

vestida de cetim dos brancos lírios,

em debruçar-se meiga, — anjo bendito! —

e a mão de neve pousa no meu peito,

como a quebrar de um sonho mau o efeito,

como a saudar-me o coração aflito!

II

Desce ao luar das noites mui formosas

o meigo arcanjo que a minh'alma inspira,

traz, cingida de louros e de rosas,

bem junto ao branco seio, argêntea lira.

Vibra suave a corda que suspira

da saudade essas notas carinhosas

que a onda geme e a viração expira

no remanso das praias silenciosas.

E eu durmo e sonho; e o meu sonhar é lindo

como o consolo de um amor infindo

que a vida toda nos enflora e encanta!

É belo como o céu que se retrata

do mar sereno na luzente prata

quando mimosa a aurora se alevanta!

 

A vida

Vida! — o que és tu?... na quadra da inocência,

para uns, — és manhã aurirrosada;

para outros — aurora rorejada

d' orvalhos de uma noite de inclemência.

Quando desponta o sol da adolescência

e abre do amor a rosa perfumada,

vida, — tu és uma ilusão dourada,

ou és da realidade a amarga essência!

Noite de luar de dúlcida saudade,

ou de horror densa treva entristecida,

tu és, ó vida, na postrema idade...

Mas, sejas alva triste, ou florescida,

dia, noite de dor ou felicidade,

tu — do mortal és sempre a cruz — ó vida!

 

A fé

— Viajor dos caminhos abrolhosos,

— dize-me, — qual o teu itinerário?

— Chegarei nestes passos dolorosos,

— além, até o cimo do Calvário.

— Mas, vê, não abrem lírios perfumosos

por este val'que segues, solitário!

— Qu'importa? — os palmeirais são tão viçosos

onde vejo da Dor o Santuário...

Embora não floresça meigo lírio,

nem s'escute almo canto que seduz

quando do amor sonhamos num delírio,

da estrela mais bendita eu tenho a luz:

— lá, colherei a palma do martírio

que se abre em flores ao sopé da cruz!.

 

 

O amor de minha mãe

Oh! l'amour d'une mère! amour que nul n'oublie!

V. Hugo

Eu tive um grande tesouro,

porém bem pouco o fruí,

que o meu escrínio de ouro

perdi-o, meu Deus, perdi!

Era um tesouro celeste...

Sob funéreo cipreste

a terra um dia o guardou.

Porém a joia mais bela

que dentro dele fulgia,

talvez um anjo que a via

a transformasse em estrela

que lá no Céu engastou!

Eu tive um jardim mimoso

de mil florinhas plantado;

não tinham caule espinhoso

as rosas do meu agrado.

Era o meu horto querido

o meu prazer preferido,

a minha consolação:

mas numa hora tristonha

vestiu o Céu negras cores,

e com lufada medonha

a rosa dos meus amores

desfolhou cruel tufão!

Eu tive um sol que brilhava

no céu da minha existência;

a sua luz aclarava

a trilha à minha inocência.

Mas a vida inda me era

como doce primavera

que mil encantos sonhou,

quando nuvem fria, escura,

qual negro manto estendido,

na sua densa negrura

meu sol formoso e querido

todo p'ra sempre ocultou.

E tudo, tudo perdi!

Nada mais me resta agora!

Vivo em trevas, não sorri

lindo sol da minh'aurora!

Nem já tenho as meigas rosas,

nem mais as joias preciosas

que cingiram o colo meu!

Oh! meu Deus! — se anjo bendito

levou à Mansão ditosa

o meu tesouro infinito,

dá que a minh'alma saudosa

vá encontrá-lo no Céu!

Sim, no Céu; que esta riqueza,

este bem que me fugiu,

dos encantos, a beleza

dessa luz que me sorriu,

a minha estrela de amores,

o aroma das minhas flores,

o conforto à minha dor,

toda essa doce ventura,

sabeis o que foi na terra,

que agora tanta amargura

— tanto pranto e mágoa encerra?

de minha mãe foi o amor!

 

À cruz

(No dia de finados)

Oh! Cruz piedosa! — Símbolo bendito

das mágoas todas! — Símbolo que adoro!

Tu que as campas encimas dos que choro,

e à cuja sombra tímida medito,

deixa, ao meu coração saudoso e aflito

pelas ternas lembranças que deploro,

verter o pranto com que a dor minoro

desta saudade vinda do Infinito!

Recebe, nos teus braços estendidos,

onde os orvalhos lá do Céu descidos

vêm pousar ao cair da noite calma,

recebe, nestas horas carinhosas,

as lágrimas sentidas dolorosas,

que extravasam dos seios de minh'alma!

 

Fé, esperança, caridade

Meigo Jesus, quando no Horto oravas,

quando o cálix das mágoas esgotavas

perante o Céu, qu'a tua angústia vê,

no padecer daquelas agonias,

à humanidade ingrata tu dizias,

tu lhe dizias: — Crê!

E quando por algozes arrastado,

dos espinhos agudos coroado,

ias, seguindo a turba ignóbil, fera,

os teus olhos magoados levantando

àquele Céu, que assim te vê passando,

Tu dizias: — Espera!

Depois, na Cruz, entre facinorosos,

Baixando os meigos olhos piedosos,

Alma abrasada por celeste chama,

Pedindo aos Céus perdão à humanidade,

Ensinavas a doce Caridade:

Tu lhe dizias: — Ama!

 

As horas

Do tempo que passa, a hora mais linda,

mais leda e mimosa, mais pura e louçã,

a hora em que a terra festiva o Céu brinda

em flores e cantos — é a doce manhã!

Depois, — sol ardente requeima a campina;

as aves suspendem sonora harmonia;

sequiosa emudece do prado a bonina,

o sino da ermida soou — meio-dia!

Que lindo horizonte! revivem as flores,

as aves gorjeiam, o sol já não arde...

A hora mais bela, a hora de amores

Mais grata e bendita — é a hora da tarde!

Depois, quando a lua desponta formosa,

que doce perfume do cactos em flor!

à hora da noite a alma repousa

das mágoas da vida nos sonhos do amor!

 

No campo

Ar perfumado por silvestres flores,

sombras amenas de virentes franças,

trepadeiras gentis em verdes tranças

de onde pendem corimbos multicores;

frutos, ninho, mimosos beija-flores,

borboletas, gorjeios d'aves mansas;

murmúrios d'água, ternas esperanças

no solo arado pelos lavradores.

Como tudo isto é grato e benfazejo!

qu'instantes eu teria deleitosos,

nesse Éden onde vaga o meu desejo!...

Onde eu quisera, em dias venturosos,

feliz gozar quanto em meus sonhos vejo,

e morrer a sonhar mais puros gozos!

 

Flores e borboletas

Quais mais formosas, mais variegadas,

estas flores que abrem nas campinas

ou essas outras que de gazes finas,

têm as pétalas d'ouro polvilhadas?

Mel e perfumes guardam delicadas

— umas: taças de Amores, pequeninas:

outras, sensíveis, vivas, peregrinas,

são dos jardins as soberanas Fadas.

Mas qual mais linda, — flor ou borboleta?

qual é da Primavera a mais mimosa?

qual a mais terna amiga do Poeta?

Lira gentil que o diga, primorosa,

pois, tanto eu amo a grata violeta,

quanto a essa Flor que a beija carinhosa!

 

 

Bálsamo santo

Melhor que o beija-flor no brando ninho,

Nini pequenito, repousava

no maternal regaço que o abrigava

como alvo berço, em maciez de arminho.

E brincando a sorrir, o pobrezinho

co'a pequenina mão acarinhava

aquele seio, — flor que lhe guardava

os nectários da vida, do carinho.

Mas, qual da rosa espinho despiedado,

invejoso alfinete se atreveu

a picar-lhe o dedinho alvo, rosado...

Um grito soa; o sangue já correu;

porém materno beijo apaixonado

tudo sanou qual bálsamo do Céu!

 

 

O sol

Surges além, e o Céu se esmalta d'ouro,

e convertem-se as lágrimas da noite

em preciosas pedras rutilantes;

e de perlas derrama-se um tesouro

da brisa matinal ao brando açoite

sobre o tapiz dos campos verdejantes.

Desbrocham os botões das lindas flores,

aos almos beijos de tua luz criadora,

e a fragrância sutil do virgem seio

das boninas gentis de várias cores,

como grata homenagem sedutora

a ti s'evolam num constante anseio.

Desperta o bosque ao matinal encanto,

em ledos hinos, em murmúrios ternos,

em pipilar de amor puro, inocente;

e a tua luz num confortável manto

como em carinhos dúlcidos, maternos,

envolve os brandos ninhos docemente.

A flor desbrocha, os frutos madurecem,

e o pobre camponês para o trabalho

vai pelo campo, alegre, descuidado,

que os raios teus, ó sol, no berço aquecem

com salutar e tépido agasalho,

o filhinho que dorme desnudado.

Tu és da providência a imagem bela,

de luz, de força e vida, radiante,

nem o tempo te abate a majestade!

Se te escurece a nuvem da procela,

te revelas no Íris cambiante,

como emblema de paz na imensidade!

Tomba na mata o cedro agigantado,

desperta o raio secular rochedo,

todo o poder ao — nada — se reduz;

só tu campeias sobranceiro, ousado!

Guardas da Criação o almo segredo...

Oh! sol — jamais se apaga a tua luz!

 

O mar

Amo-te, mar, oh! quando em tuas águas quedas

os roxos lírios, as purpúreas rosas

das belas tardes, das auroras ledas

retratas em suas cores primorosas.

Quando tuas ondas mansas, docemente,

vêm segredos contar à branca areia,

a essa hora mística, silente,

em que no Céu desponta a lua cheia.

Amo-te, oh! mar! — se o lindo firmamento

recamado d'estrelas peregrinas,

mostras radiante no polido argênteo

de tuas águas puras, cristalinas.

E quando o sol derrama ao meio-dia

pródiga luz sobre o teu manto ondeante,

amo cada onda tua que irradia

como uma flor de rútilo diamante!

Mas, ah, — se a meiga, fulgurosa onda

da tempestade ao sopro se revolta,

e do batel a âncora que sonda

a profundeza tua, arrasta, solta...

Temo-te, oh! mar! — e de te ver irado

e ouvir o teu rugir feroz, medonho,

no pensamento eu tenho desenhado

horrível quadro de lutuoso sonho!

Penso no rude marinheiro pobre,

— triste marujo que o batel levou; —

penso na choça que a palmeira cobre,

penso naquele que o temor gelou...

A triste esposa que na praia extensa,

ao vir da noite, o pescador espera,

e vendo, oh! mar, tua negrura densa,

sente as angústias que o receio gera...

O pequenino, carinhoso filho

que tens nos braços, da tormenta após,

e olha, chorando, da ardentia o brilho,

Treme se passa uma alcion veloz...

Ai! quanta angústia nestas pobres almas!

que tristes prantos destes seios vêm!...

Meu Deus! Meu Deus! — as belas noites calmas,

que doce encanto, que poesia têm!...

Mas, tu, oh! mar, em vão feroz bravejas,

soberbo alteias tuas doidas vagas!

— Leão de jubas ondeantes sejas

de manso velo a cabritar nas fragas:...

Em vão! — que a Onipotência a branca praia

por limite marcou-te, e, nesse leito,

quebram tuas vagas; lá, na estreita raia

ao Supremo Poder rendes um preito!

 

Ao cair do vento sul

Olhei o mar: — era uma verde tela

em refegas de ondas encrespadas;

vinham, na praia, as céleres rajadas

do austro frio em rendas estendê-la.

Ou era um campo, cuja alfombra bela

o Inverno matizasse de geadas,

e por onde ovelhinhas espalhadas

corressem, do trovão à voz que gela.

E ao sopro hibernal do vento sul,

as brancas nuvens pelo céu azul

em turbilhão veloz iam voando,

a se agrupar em cúmulos no horizonte,

Como no cimo do mais alto monte

d'alvas alciones erradio bando.

 

A ela

A ti, meu canto,

a ti meu coração, meu puro extremo!

João de Deus

Tu, que n'alva da vida me sorrias,

— Fada gentil do meu sonhar de amores,

tu, que nos melancólicos palores

das minhas tardes inda refulgias;

por que agora t'envolves nas sombrias

gazes da noite de tristonhas cores?

Por que teus radiosos esplendores

apagas, quando mais brilhar podias?

Ai! o crepúsculo envolve a tarde bela...

hora dos prantos, hora da saudade

em que o céu chora sobre a flor singela!

Como o sol a morrer na imensidade,

morre o meu estro; vem, oh, minha Estrela,

vem tu brilhar na minha soledade!

 

Amanhecendo

O negro véu da noite rareando

descobre a cor celeste graciosa

de onde a estrela d'alva radiosa

o verde-mar das ondas vai doirando.

E vai-se o claro Oriente matizando

de roxo, de ouro, de purpúreo e rosa,

e do orvalho a chuva carinhosa

lírios e cravos vai desabrochando.

O sol desponta alfim; a Natureza,

deslumbrante de lúcida beleza,

desperta em cantos de alegria e amor!

Hinos, perfumes em serena prece

sobem da terra aos céus; e à terra desce,

— pródiga e santa, — a bênção do Senhor!

 

O anjo da guarda

Noite d'inverno, límpida e formosa,

lá fora, o frio, o orvalho congelado,

noturno vento a suspirar magoado,

na solidão, endecha dolorosa.

Do pobre na mansarda silenciosa,

dorme, no berço, o filho desnudado;

o luar, pelas fendas do telhado,

beija-lhe a face pálida, mimosa.

Cai o gélido sopro da desoras...

o pobrezinho, nestas mortas horas,

geme aos açoites d'hibernal rigor.

Mas o beijo que as lágrimas sorveu

nos seus lábios gelados, quem lho deu?...

— O anjo da guarda, — o maternal amor!.

 

A bênção

"Deixai que venham a mim os pequeninos",

Cristo dizia; e os tenros inocentes

corriam pressurosos, sorridentes,

desta voz aos acordes peregrinos.

E sonorosos, e festivos hinos

de querubins celestiais, contentes,

Jesus escuta nesses tons ridentes

que são da infância os cânticos divinos,

Então, sorrindo, o Santo Nazareno,

levanta o meigo olhar, belo, sereno,

para o azul radiante d'esplendores,

e sobre as loiras cabecinhas traça

a cruz da bênção: — doce cruz da graça

que faz dos prantos um colar de flores!

 

Jesus

Da avezita implume ao rude ninho

oculto na espessura do ramal,

quiseste fosse o berço teu igual,

pobre, mais pobre que o do montezinho.

— Palhas e fenos — não macio arminho,

receberam teu corpo divinal;

— tenro botão mimoso de um rosal,

— lírio pendido sobre um chão d'espinhos.

Oh! exemplo, divino de humildade

que, baixando dos Céus, piedoso e amante,

quis nivelar-se à triste humanidade!

Salve, Jesus! Oh, Salvador — Infante

que uniste em perenal fraternidade,

a terra ao Céu em teu Natal radiante!

 

A profecia

Preciosas telas, verdes palmas, flores

cobrem a larga estrada de Sião;

Jesus assoma: "Hosana!" a multidão

vozeia em altos, férvidos clamores.

Cheios de ira, os fariseus traidores,

fremem de inveja, ouvindo a aclamação;

e ao Cristo dizem: — manda, e calarão

os teus discípulos, Mestre, estes clamores.

Mas o Senhor lhes torna com brandura:

— Se estas vozes calassem, subiria

das pedras mor clamor à excelsa Altura.

E à Cidade olhando, após, dizia,

com lágrimas, nos olhos, de amargura:

Ah! quanta mágoa e dor terás num dia!...

 

Poesia e crença

Cantar a Natureza, de Deus o Nome Santo

num trono só de amor erguer em doce canto,

quanto é consolador à alma do poeta,

— alma singela e pura e triste qual violeta,

— flor deste val' sombrio a que chamamos — mundo,

pedindo sempre ao Céu do sol claro e fecundo

da dúlcida esperança um raio protetor,

pedindo da ventura o bafejar de amor,

e d'alegria doce o rocio benfazejo

que a faça reviver à luz de um casto beijo,

e sempre, sempre vendo o aroma derramado

perder-se todo além sem ter ao Céu chegado!..

Cantar a Natureza... ah! quanto é belo e grato

da inocência e do amor viver no doce trato!...

Aves; flores; o Céu coberto d'ouro e rosas,

ou todo, todo azul, em nuvens graciosas,

véus das virgens de Deus, — aqui e ali velado;

ou, como de Maria o manto constelado,

vê-lo, e depois, do luar no pálido clarão,

deixando o olhar vagar na rútila amplidão,

sonhar — numa existência encantadora e calma,

viver, adormecendo as fundas mágoas d'alma

nesse mundo ideal, sublime da Poesia,

crendo pelo amor à luz da fantasia...

Oh! quanto é grato e doce à alma do poeta,

— alma singela e pura, e triste, qual violeta!

Olhar o mar azul por sob as rendas finas

da espuma que rebenta em cândidas boninas,

ou vê-lo da tormenta ao sopro aterrador

tomar d'escuro crepe o fúnebre negror;

ouvi-lo, nas manhãs serenas, purpuradas,

na orla d'alva praia, em ondas namoradas,

de amores juvenis idílios murmurar,

ou triste, ao pôr do sol, queixoso a suspirar

as nênias da saudade; Oh! quanto é grato ao poeta,

— alma singela e pura e triste qual violeta!

Montanhas que vestis a virginal roupagem

da mata secular que nem a atroz passagem

do vendaval destrói, nem o raio maltrata,

vós que as fitas cingis dos veios cor de prata

que descem a entoar louvores ao Senhor,

também vós o sabeis, quanto é consolador

ao coração que sofre, ao coração do poeta,

— alma singela e pura e triste qual Violeta —,

cantar a Natureza, de Deus o Santo Nome

erguer num pedestal que o tempo não consome!

Cantar a Natureza, de Deus o Nome Santo

cantar... é ter esperança, embora corra o pranto!

Porque não morre a fé, não morre a crença pura

d'alma que adora Deus, no templo da natura!

 

Cáritas

Oh filha de Jesus! amável Caridade!

Doce graça do Céu, da terra alma alegria!

Tu és mais do que amor, és mais do que amizade,

és o anjo do bem que as almas alumia!

Tu ensinas a amar, mas de um amor celeste,

— essência espiritual do amor da Divindade;

harmonia imortal que a terra ao Céu prendeste

na aliança de Deus có a pobre humanidade!

Ó flor do Paraíso! O coração humano,

o puro coração dos bem-aventurados,

o vaso d'ouro foi ao qual o Amor soberano

do Céu te transplantou para os desamparados!

Puro manancial nas solidões da vida,

és o doce "maná" que a sede e a fome acalma;

és radiante sol à noite escurecida

que em trevas envolveu as crenças de noss'alma!

Oh, Santa Caridade! És meiga e paciente,

humílima e singela, assim qual foi Jesus!

És o anjo de amor que os nossos males sente,

tornando-nos suave o peso atroz da Cruz!

Imagem da Justiça, imagem da Verdade,

da Fé e da Esperança amada, excelsa irmã,

— Tu és mais do que amor, és mais do que amizade...

farol na noite escura, estrela da manhã!

 

Canções

No rosal do meu vergel

fez seu ninho o beija-flor;

— os lírios davam-lhe mel,

— as rosas davam-lhe amor.

Quando a aurora se acordava

no seu bercinho doirado,

e as lindas rosas tirava

do cabelo desatado,

no brando ninho mimoso

acordava o beija-flor,

e bebia o mel gostoso,

e dava o beijo de amor.

Abriam botões de rosa

como lábios de criança;

na verde planta mimosa

abriam lírios d'esperança.

E dentro do ninho brando,

por sobre flocos de paina,

pousava de quando em quando

terno amor em doce faina.

No coração pequenino

da maternal avezita,

também o afeto divino,

o amor materno — palpita!

E lá, quais níveos botões

das flores dos laranjais,

guardavam dois corações

os dois ovinhos iguais.

Um dia a aurora sorriu,

a Primavera chegava!

O sol mil rosas abriu,

O sol que o ninho beijava!

Depois... que ternos pipilos

do ninho sobem aos Céus!

As aves vinham de ouvi-los,

e os levavam até Deus!

Era o hino da inocência,

era a homenagem do amor,

bendizendo a Providência,

exalçando o Criador!

 

Contraste

Ia morrendo a tarde docemente...

N'alcova, — um berço de mimosa tela,

era banhado da mortuária vela

pelo triste palor frouxo, fremente.

Um anjo dorme ali profundamente...

meu Deus! meu Deus ! que frio atroz o gela!...

Chora, ao pungir da dor mais funda e bela,

A mãe que o beija num delírio ardente!

Mas, enquanto assim geme angustiada,

abre-se a azul, celestial morada,

trazem os querubins c'roas de flores;

e, cantando, transportam a alma ditosa,

que irradia da luz maravilhosa

da graça, entre celestes esplendores!

 

Filha, esposa e mãe

Qual é a luz da tua noite escura,

qual é a flor do teu jardim despido,

triste ancião — que gemes de amargura

deixando a vida — lacrimosa trilha.

— quem é?

— É tua Filha.

— Homem infeliz, — no teu viver de dores,

— homem ditoso, — em tuas ledas horas,

quem mais sentiu teus fundos amargores,

quem na tua ventura mais a goza,

quem é?

— É tua Esposa. —

Criança, — a quem dás tu o teu sorriso?

Quem com seu sangue te alimenta meiga?

Quem é o teu amor, teu Paraíso,

Quem a tu'alma inocentinha encanta?

quem é?

É tua Mãe, — a mulher Santa!

 

Miosótis

No álbum de uma amiga (ao despedir-me)

Entre os mimos gentis da natureza

florinha melindrosa Deus criara;

do azul do Céu na mística pureza

as pétalas delicadas lhe banhara.

Depois, no firmamento a esteira acesa

das nebulosas, o Criador fitara,

e de uma estrela a forma e a beleza

imprime à flor gentil que abençoara.

Quando a lançou, porém, na terra dura,

vendo-a tão pequenina, tão mimosa,

"não te esqueças de mim", disse d'Altura...

Assim, a inocentinha graciosa

— tornou-se — grato emblema de ternura —

de duro — adeus — recordação saudosa!

 

Plenus

Salve, ó Deus dos Céus, tão brilhante,

Salve, pura, gentil, doce estrela!

João de Lemos

Estrela do poeta! Estrela dos amores!

Princesa d'Amplidão, do dia precursora,

vejo-te ao pôr do sol e d'alva nos palores,

n'aurora, sorridente, à tarde, cismadora.

Se aos lindos arrebóis d'aurora peregrina,

aljôfares derrama o Céu pelo jardim,

qual branco nenúfar, na água cristalina

resplendes, mais gentil que o cândido jasmim!

Um dia o sol no ocaso ardente descambava;

gemia terno canto o meigo sabiá;

da mata toda em flor, que aroma repassava

o ar que a noite pura amenizava já!

Soara — Ave-Maria — : ao Céu já sem fulgores,

ergui meu triste olhar, minh'alma ergui também;

Do Céu no manto azul, — estrela dos amores

como eras tu formosa, oh pálida cecém!

Meu triste coração chorava de saudades,

ao doce recordar de um tempo bem ditoso!

E de um bendito amor da mais santa amizade,

meu peito ressentia o puro extinto gozo!

Então não sei qu'encanto, ou que mistério doce

me fez no teu fulgor um lenitivo achar:

— a tua meiga luz brilhava — qual se fosse

de minha terna mãe o carinhoso olhar!...

E eu n'alma bem senti o influxo poderoso

daquele olhar de amor, que há tanto já não via!

Em lágrimas rolou meu pranto copioso

fazendo desbrochar os lírios da Poesia!

E assim te vejo sempre, — estrela dos amores,

estrela do poeta, ó flor do Céu mais linda!

e busco em tua luz conforto às minhas dores,

às mágoas de minh'alma, a esta saudade infinda!

 

À memória de Lili Silva

Sopro hiemal da morte despiedada,

porque d'ástea cortaste a flor mimosa,

tão nova e bela assim, tão graciosa,

da primavera na manhã doirada?

Ao vê-la aqui, pendida, desmaiada,

mais branca que a açucena melindrosa,

e dos lábios extinta a fresca rosa,

e a luz dos meigos olhos apagada:

Meu Deus! meu Deus! — que dor acerba, intensa,

o coração de mágoas nos traspassa,

a alma nos envolve em treva densa!...

Mas, lá no Céu, Lili, cheia de graça,

das virgens do Senhor na turba imensa,

quão formosa e gentil sorrindo passa!

 

Maio

Alvas de Maio! Alvas de amores,

abrem nos campos mais lindas flores,

abrem violetas nos meus canteiros:

de ouro e rosas um véu qu'esplende

a aurora estende

pelos outeiros.

Rico tesouro de perlas finas

— gemas brilhantes entre boninas,

todo disperso pela verdura:

de cada lírio brilha no meio

do branco seio

lágrima pura.

Dentro do bosque, à sombra grata,

em sonorosos fios de prata

cai dos rochedos a água do monte;

e os passarinhos fogem cantando,

voam, pousando

junto da fonte.

Há tantas rosas, tantos aromas!

Tão florescidas as verdes comas,

nos lindos dias do mês de Maio!

Perlas e flores o Céu derrama

na tenra grama

de verde-gaio!

Mês dos amores, de graça infinda,

Mês consagrado à Virgem linda!

Há no Universo mais expansões;

Abre-se em flores toda a Natura,

há mais ternura

nos corações!

Tardes de Maio ! Tardes serenas!

Que doce aroma das açucenas,

do Sol no ocaso à linda hora!

Nas meigas liras cantai, poetas...

as violetas

pendem agora!

Cantai as rosas qu'espalha o vento,

cantai os sonhos que, num momento,

rigor das fadas desfaz também!

Cantai as ondas que suspirosas,

meigas, saudosas,

à praia vêm.

Cantai o aroma que o ar satura,

d'água a corrente serena e pura,

dos passarinhos o doce canto;

deixai a meiga, terna saudade

que o peito invade

com mágoa e encanto!

Ouvi segredos à brisa mansa;

ouvi da rola que a amar não cansa

terno lamento de amor perdido...

Chorai com ela doce passado,

— Sonho doirado —

logo esvaído!

Quanto és formoso, ó mês das rosas,

mês das auroras frescas, mimosas,

das lindas tardes de mor primor!

Mês consagrado à Virgem bela,

dos Céus — Estrela

da terra amor.

 

 

A gota d'orvalho

Na pétala da branca rosa,

caíra a gota mimosa

do fresco orvalho da aurora;

a nuvem que a derramou,

já pelo Céu deslizou,

e além, no ar se evapora.

A gota d'orvalho pura

do sol aos raios fulgura

na branca pétala da flor;

por entre as rosas, fagueira,

passa avezinha ligeira,

em busca do mel de amor.

À rosa pálida e bela,

disse: — "dá-me, ó flor singela,

a doçura do teu seio;

dá-me o teu grato perfume...

oh! dá-me o mel que resume

o amor — a vida que anseio".

Mas a branca rosa triste

volve assim: — "o que pediste,

ai! não há no seio meu!

aqui — só tenho amargura;

e, entre espinhos, esta pura,

doce lágrima do Céu!"

— Pois dá-me a gota mimosa,

que no teu seio, amorosa,

foi docemente pousar;

sobre a minha asa doirada

levá-la-ei perfumada

ao seio imenso do mar!

Então, a brisa fagueira

fez o galho da roseira,

suavemente bulir;

e a pura gota mimosa,

da branca pétala da rosa,

foi n'asa d'ouro cair.

Ligeira, a linda avezinha,

ao mar o voo encaminha,

e sobre as ondas pairou:

a asas d'ouro agitando,

no mar, que gemia brando,

a pura gota entornou.

Rara concha nacarina

como a pétala purpurina

de uma flor que o sol abrira,

à doce gota d'orvalho

deu no seu seio o agasalho

que em vão à rosa pedira.

Depois, os dias passaram;

as águas do mar gelaram,

o sol, depois, as deliu

Baixa a maré, volve a cheia,

e da praia sobre a areia

que linda concha se viu!

Era corada e mimosa

como as pétalas de uma rosa,

como uns lábios de criança;

tinha no seio guardada

uma perla delicada,

— do Céu formosa lembrança!

…........................................

Ah! que bendito agasalho

não teve a gota d'orvalho

da linda concha no seio,

que numa perla preciosa

se transformou, graciosa,

das salsas águas no meio!

Só este pranto que verte

minh'alma, não se converte

em lindas perlas... oh! não!

— que a minha lágrima pura,

embalde, embalde procura

a concha de um coração!

 

O caçador

Poemeto

 

I

No castelo

É tão tarde... oh, meu Deus! e tu não voltas!

onde estás, meu Rogério muito amado?

As estrelas recamam o Céu da noite,

o vento geme triste... e tu não vens!

Era apenas manhã quando partiste;

— vou-me, disseste, à caça na Floresta.

Alda, não temas, meu amor, espera,

que eu volverei antes que o sol se esconda.

Quando a tarde estender pelo horizonte

do íris multicor as cintas lindas,

e os bogaris daquelas moitas verdes

mais doce aroma a trescalar comecem...

nos teus lábios vermelhos como o cravo

que o perfume mais grato exala agora,

eu sorverei o mais gostoso beijo,

— o beijo incomparável da saudade!

Assim falaste, e no abraço longo,

e beijando-me os olhos já chorosos,

— adeus por um instante, repetiste,

sim, meu amor, até à tarde... adeus!

E partiste. Do outeiro lá bem longe,

a poucos passos da floresta escura,

volvendo-te, agitaste o lenço branco

que esvoaçava como pomba errante.

Assim Alda gemia, solitária,

fitos os olhos na floresta escura,

aonde os pirilampos já brilhavam,

como as estrelas pelo Céu da noite.

E no magoado coração — receios,

com saudades de amor — vivos abrindo,

quais orvalhos das pétalas da rosa

iam-lhe em puras lágrimas caindo.

 

II

Na floresta

Para o ginete... a crina erriça,

arqueia o dorso, os cães procuram...

farejam, latem, tremem, avançam,

ao antro chegam... não se aventuram!

— Ali — na mata, sombria, densa,

oculto espreita jaguar temível!

Milhar de vezes caça lhe deram,

porém — vencê-lo, fora impossível!

De pé na relva o caçador

ardis inventa para o ferir;

prestes a arma hábil aponta,

o tiro parte... que atroz rugir!

O rei da selva — jaguar temível,

vacila, brame de raiva e dor;

a selva toda treme, reboa

ao longe o eco de tanto horror.

A verde relva dobra açoitada

do sangue ardente que a enrubeceu;

e, lá, ferido, o monstro irado

busca, rugindo, quem o ofendeu.

Mas como sombra que desparece,

brenhas rompendo, sem mágoa ou dor,

fugindo à morte que o segue, horrenda,

já vai distante — o caçador...

Cego de fúrias, o rei da selva,

que a bruta força sente esgotar-se,

não olha abismos, não vê tropeços,

só busca — sangue p'ra saciar-se!

Súbito estaca! Treme, soltando

medonho arranco da morte início;

após, exangue, lá entre as sarças,

cai sobre a beira do precipício!

E n'agonia convulsa, extrema,

ei-lo rolando do abismo ao fundo!

O rei da selva — jaguar temível,

alfim, descansa lá no profundo!

III

No outeiro além, distante, o Caçador medita

do bravo rei da selva a triste sorte inglória,

sentindo não poder guardar-lhe, por memória,

a pele mosqueada entre os troféus da caça.

Porém findava o dia; a lua carinhosa

rompendo nuvem branca, angélica sorriu-lhe;

no peito de Rogério o coração pungia-lhe

mais do que mágoa alguma, — o espinho da saudade.

— Alda! Alda o espera... a cândida visão,

é pálida e gentil e triste como a lua;

desmaia a linda cor da meiga face sua,

e a lágrimas lhe cai no peito angustiado.

Sente o bravo corcel os finos acicates

e lança-se veloz na célere carreira;

a lua lá no Céu sorriu-se mais fagueira,

a brisa se desata em ondas de fragrância.

 

IV

No jardim

Brando luar derrama o alvor de prata

da murta em flor por entre a ramaria;

da noite a viração suave e grata

doces preces de amor além colhia.

Lá, na avenida que o luar prateia,

branca visão errante, suspirosa,

por entre a murta em flor triste vagueia,

a murmurar — um nome —, carinhosa.

"Ah Rogério!... Onde estás? Caminha a noite,

e tu não voltas no luar sereno!

Meu Deus!... desfolha a flor do vento o açoite,

caem orvalhos sobre o prado ameno!"

Ao longe, ao longe uma canção de amores

a brisa envolve dúlcida, saudosa;

e a viração, por entre a murta em flores,

doce nome repete, suspirosa.

"Alda! Alda!... eis-me aqui! Que noite linda!

Que luar! Que perfumes! Que harmonia!...

— Trago-te n'alma o amor que nunca finda,

trago as saudades de um bem longo dia!..."

…...................................................................

E plácido luar por entre a murta em flores,

e a brisa a perfumar da noite a amenidade,

ouvem o divinal poema dos amores

no mais gostoso beijo, — o beijo da saudade!

 

À tarde

À...

Vem, vem comigo olhar o azul formoso,

agora que a tristeza é doce e meiga;

não ouves? rumoreja carinhoso

mais brando o vento a perpassar na veiga.

Oh! como é lindo o azul da imensidade

Através deste véu que se distende!

Caem lágrimas puras de saudade

de cada fina dobra que desprende!

Os bogaris de perlas rorejados

abrem cheirosos na gentil verdura;

e lá, no mar, de flóculos nevados,

abre-se um lírio em cada onda pura!

Ah! também na minh'alma abrem-se flores...

— saudades e suspiros — tantos, tantos,

que dulcificam os negros dissabores

do copioso orvalho dos meus prantos!

Porém qu'importam mágoas e delírio,

se a saudade nos é tão grata à alma?...

se em cada — ai — evola-se um martírio,

e em cada lembrança — a dor se acalma!

Vem! vem comigo olhar o azul formoso,

agora que a tristeza é doce e meiga;

vem escutar do sabiá saudoso

o terno canto no rosal da veiga!

 

O teu olhar

Je serai, si tu veux, ton esclave fidèle,

pourvu que ton régard brille a mes yeux ravies...

(V. H.)

Oh, bálsamo de amor, clarão sereno

de mística ternura

derrama-te em minh'alma, — sol ameno

que envolve a rosa pura!

Vaza-me todo o amor de que é repleto

um coração ardente;

Oh! traduz-me esse idílio por completo,

— linguagem que não mente!

Doce e plácido olhar — luz de bonança

tão cheio de fulgor,

não me dás em teu raio uma esperança,

mas és meu sol de amor!

Vem, no meu coração — flor do martírio —

que se abre rubra e pura,

Vem cair como orvalho sobre um lírio,

— eflúvio de ternura!

Oh! Por ti que viver e morrer quero

— doce e plácido olhar; —

de ti, somente a dor, a morte espero,

mas amo este penar!

Doce e plácido olhar, minh'alma beija,

Como o sol beija a flor;

eu sou o lírio que o teu raio almeja,

tu és meu sol de amor!

 

Bálsamo de amor

Tu, só tu, puro amor...

Tu, doce amor, só tu, nos dás a vida;

nossas mágoas cruéis, só tu minoras;

tu dás à face as rosas das auroras,

tu acendes no olhar a luz perdida!

Quando o tormento mais cruel trucida

a um pobre coração nas negras horas,

e quando, oh! alma, desolada choras,

as longas noites a velar, sentida,

— Coração, alma, vida de penas,

vós o sabeis: — quanto consolo, quanto,

traz o remédio que este mal serena! —

Um carinho... um desvelo... um beijo é tanto,

que, se ao martírio a sorte me condena,

— quero a dor como bálsamo tão santo!

 

Estrela, flor, amor

— Fé — brilhante fanal de graça e encantos,

como a Estrela formosa de Belém,

tu — à mansão de Deus guias também

o viajeiro deste val' de prantos.

— Esperança — alma flor de aromas santos,

favo que d'alegria o mel contém;

aura celeste que do Céu nos vem

trazer dos anjos sonorosos cantos.

Caridade... — que és? — Lágrima e riso —

és doçura, perfume, luz e calma,

és o consolo a toda a mágoa e dor!

Filha dos Céus, — tu vens do Paraíso,

mudar em gozos os tormentos d'alma...

oh! tu és coração — tu és — Amor!

 

Órfã

Oh! flor da soledade! Oh! Violeta

singela e triste do sombrio val!

A nuvem de medonho temporal

que pelo céu passou, deixou-te inquieta...

Tremes ao sopro do favônio brando,

pendes a meiga fronte gotejante

se no Oriente assoma o sol brilhante,

se o beija-flor as rosas vai beijando.

Melancólica flor! Risonha, outrora,

no casto fruir de juvenis folganças, —

que é do teu ideal? das esperanças

que o teu viver não mais te of'rece agora?...

Vais pela vida como tenra folha

que o tufão desprendeu do tronco forte,

qual pelo Oceano, sem fanal, sem norte,

pobre batel sem porto que o recolha!

Oh, flor da Soledade! oh,! flor mimosa!

Meiga saudade sombra do cipreste;

quem te dará à alma dolorosa

o tesouro d'afetos que perdeste?! —

 

A tempestade

Tarde d'estio; mais de meio agora,

pela azul vastidão o sol caminha,

rebrilhando mar em frisas d'ouro.

O vento estivo vai de manso e manso

afrouxando, e se extingue lentamente,

como o arfar de um peito moribundo.

A calma cresce, e vai-se, pouco a pouco,

como que adormecendo a Natureza.

Silêncio faz-se, alfim; não treme a relva,

nem já pipilam meigas avezinhas:

O homem mesmo, grave e pensativo,

como que se recolhe aos seios d'alma...

— Súbito estruge no Infinito opresso,

rola o trovão, a reboar nos vales,

outra vez o relâmpago fugace

risca tortuoso o espaço escurecido.

E rebrama o trovão... após instantes

cai em torrentes fluvial tormenta.

Na imensidão do mar encapelado

oscila a nau, e pelo espaço plúmbeo,

veloz alcíone os ares atravessa.

E ruge o austro as vagas estendendo

em alvíssimos velos encrespados

que sobem pelas altas penedias

lambendo as fragas com leonino afago.

Na solidão das matas ensombradas

vergam a fronde as árvores robustas

e desprende-se o fruto e as flores caem.

Sacodem aves a plumagem branda,

e os passarinhos procurando abrigo

na espessura dos ramos se aconchegam.

Já pouco a pouco amaina a ventania...

rareia alfim a fluvial tormenta,

e, manso, manso, serenando o aspecto,

despe o Infinito o acinzentado magento,

e vai mostrando o azul que a noite veste.

Aclara-se o Oriente, a lua cheia

vem surgindo gentil de sobre o monte;

brilha da selva a mádida folhagem,

banhada do luar sereno e puro.

No quedo mar s'espelha o firmamento,

voga o batel, o marinheiro canta,

que à flor das meigas ondas, bonançosa,

brilhante faixa d'ouro a lua estende!

 

 

À Ester

Em memória de sua filhinha Dinorá

Lanças o olhar repleto de ternura

ao jardim do teu lar — horto de amores,

e no grupo das tuas lindas flores

uma flor teu olhar em vão procura.

Então desce-te o orvalho d'amargura

pelas rosas das faces já sem cores,

e uma saudade cheia de amargores,

punge-te a alma carinhosa e pura.

Chora o teu coração, — mãe extremosa,

porque o da meiga filha, graciosa,

junto dele não mais palpitará.

Porém... lembra-te, Ester, que lá do Céu,

da Mater Dolorosa sob o véu,

um anjo te sorri: — é Dinorá!

 

O meu lar

Rico de afetos, cheio de doçura,

foste, ó meu lar — jardim de meigas flores;

minha mãe era o anjo dos amores,

e minha irmã a flor mais bela e pura.

Tanta paz, tanto amor, tanta ternura

os meus dias tornavam sedutores;

e que esperanças, meu Deus! e que esplendores

no meu porvir mostrava-me a ventura!...

Mas, foi tudo ilusão! tudo deixou-me!

e todos que amei despareceram,

só a lembrança vívida ficou-me !...

E eu, entre as saudades que nasceram,

choro na solidão que atroz restou-me,

O meu lar — os meus sonhos que morreram!...

 

Em Belém

Vai o zagal, e as mansas ovelhinhas

vão pelos verdes prados saltitando;

pelos rosais do campo vão ceifando

as brancas rosas, jovens pastorinhas.

O roxo fruto das viçosas vinhas,

o doce mel dos favos delicados,

o leite puro, os pomos sazonados,

leva o pastor em odres e cestinhas.

Chegam ao presépio: sobre o louro feno

odorífero e brando, o louro infante

dorme da inocência o sono ameno.

E a noite em meio vai; porém, brilhante,

como se o sol resplandecesse pleno,

circunda o val um brilho deslumbrante!

Adoração

Essa formosa estrela, peregrina,

mais bela do que a Vênus d'alvorada,

pairando sobre a gruta abençoada,

o humilde berço de Jesus ensina.

Seguindo o rastro de sua luz divina

os magos vão à rústica morada,

onde os anjos a fronte imaculada

curvam, perante o Sol que os ilumina.

E os grandes da terra entre pastores

ouro e perfumes vão juntar às flores,

prostrados em profunda adoração.

Glória in excelsis Deo! os anjos cantam

e do Universo os ecos se levantam,

num hino de suprema aclamação!

 

Fiat!

A Virgem orava; n'alma que palpita,

uma ideia dos Céus terna vagueia;

Súbito, a estância doce luz clareia

como o luar d'abóbada infinita.

Celestial visão que agora fita

Em nuvem d'ouro que brilhante ondeia,

— "Ave! lhe diz, ó tu de graça cheia,

entre as mulheres, oh! mulher bendita!"

E quando o mensageiro lhe anuncia

que, — dela ao mundo, um Salvador viria,

tremeu... turbou-se em virginal rubor;

mas ouvindo — de Deus ser a Verdade,

ser seu Filho humanada a Divindade —,

— Faça-se, — disse, o Verbo do Senhor!

 

Imácula

Essa mulher formosa e tão singela,

tão casta como o lírio da campina,

que a inocência tem de uma menina,

e o pudor da mais cândida donzela,

essa Senhora majestosa e bela

que tem de mãe a auréola divina,

em cujo peito — Amor — com mão ferina

cravou-lhe a espada que sua Dor revela,

Essa Virgem cercada de mil flores,

essa Santa d'estrelas coroada,

essa Rainha em trono d'esplendores,

Quem é? tão linda e tão abençoada,

Quem é? — tão pura e digna de louvores...

— É Maria! É Maria! — a Imaculada!

 

Na primavera

Tempo das flores, tempo dos ninhos,

vestem os prados mais lindas cores,

vagam perfumes pelos caminhos,

— tempo das flores!

De madrugada, a campesina

lá vai cantando pela orvalhada

que enche de perlas toda a campina

— de madrugada.

Junto da fonte abrem-se rosas,

verdes palmeiras cobrem o monte,

as avezinhas cantam saudosas

— junto da fonte.

Murmúrios ternos d'águas correntes,

doces carícias, beijos maternos

das mansas rolas, meigas, gementes,

— murmúrios ternos...

Pausam nas flores loucas abelhas,

o mel buscando dentre verdores,

e as borboletas lindas, vermelhas

— pousam nas flores.

Amor brincando pelos silvados,

pelas campinas amor voando,

por entre os lírios desabrochados

— amor brincando...

Gratos aromas na selva esparzem

flores agrestes das verdes comas

e as mansas brisas da selva trazem

— gratos aromas.

Se passa a aragem pelos caminhos

beijando a verde flórea ramagem,

pétalas de flores enchem os ninhos

— se passa a aragem.

Por entre os ramos dos pessegueiros

fogem canários e gaturamos,

além cantando dos cajazeiros

— por entre os ramos.

À doce hora d'Ave-Maria

a camponesa à Virgem implora

na meiga prece que aos Céus envia

— à doce hora.

Terna saudade, — mágoa de amores,

o brando peito pungente invade

da meiga rola, — fonte de dores

— terna saudade!

Amor suspira pelos silvedos,

e amor soluça na doce lira,

e à grata sombra dos arvoredos

— amor suspira!

Tempo de amores! Oh! Primavera!

Tempo de ninhos, tempo das flores;

que não findasses, oh! quem me dera,

— tempo de amores!...

 

 

O naufrágio do "Sírio"

Virtude, afetos, inocência, esperanças, —

Oceano cruel, fera bravia,

na mortalha d'espumas, branca, fria,

envolves tudo, e no profundo lanças!

Ai!... não ouviste o pranto das crianças?

E das mães, e das mães, todo agonia

por essa vastidão, atra, sombria,

por esse abismo de feras lembranças!...

Deus! oh, meu Deus!... Àquelas pobres almas

que no horror do mar tão verdes palmas

colheram, dos martírios por troféu,

abri, Senhor da Eternidade o seio,

e d'eleitos espíritos no meio,

dai-lhes a paz, a doce paz do Céu!

 

À memória de D. José

Bispo-Conde de S. Paulo

(vítima do naufrágio do "Sírio")

Cheio d'afetos, em saudosa ânsia,

o coração amante lhe pulsava,

porque o "Sírio" a pátria demandava,

veloz vencendo amplíssima distância.

E via o berço de sua leda infância;

e já aos ternos Pais a mão beijava,

e os amigos sinceros abraçava,

do lar ditoso na querida estância.

Ah! sonho da saudade!... A morte, ousada,

do profundo surgindo, alevantou-se,

e se aproxima hórrida, gelada...

Mas do mar turba d'anjos elevou-se,

e do prelado a alma abençoada

na turba de anjos para os Céus alou-se!

 

Jesus

Jesus, — essa coroa de tormentos

que cinge a fronte tua, sacrossanta;

pela mágoa que teu olhar quebranta,

pelo ardor dos teus lábios tão sedentos;

pelos martírios cruciantes, lentos,

da cruz que a ingratidão vil te alevanta,

pelo amor de tua Mãe tão Santa,

do seu penar, pelos cruéis momentos;

tu que as virtudes todas abençoas

que tanta culpa esqueces e perdoas,

tu que tens um remédio a cada dor:

— no mar de fel em que me afogo aos tragos,

dá-me uma estrela como deste aos Magos...

no meu viver, ampara-me, Senhor! —

 

À memória de meu pai

I

Foi um tesouro que perdi contigo;

perdi o meu amparo neste mundo!

neste destino meu sempre iracundo

em que tu eras o meu santo abrigo!

Pai extremoso, dedicado amigo,

teu caráter leal, nobre, profundo,

jamais perdera, nem por um segundo,

a nitidez do belo ouro antigo.

Ah! mais entristeceu-se a minha vida,

— sem ti — que, como o sol no ocaso, ainda,

neste val meus caminhos aclaravas!

Agora, vou sem rumo e sem guarida,

por esta senda de amargura infinda,

buscando em vão o bem que tu me davas!

II

Ai! viste a hera que do Cedro anoso

ao tronco protetor s'enlaça,

sem temer a lufada que ameaça

quebrar aos lírios o hastil mimoso?

Viste avezinha em plácido repouso

quer venha a noite, quer o dia nasça?

Viste a flor que do Céu só teve a graça,

no santo orvalho que a nutriu, piedoso?

Pois a minh'alma descuidosa ia,

assim, por um sonhar de luz e cantos,

sem perceber que o sol esmorecia...

O sol que desde sempre, há dias tantos,

era o seu norte, o seu bendito guia

por este vale de mágoas e de prantos!...

 

À memória de meu tio

Conselheiro João Silveira de Souza

Já para a chão seu corpo se acurvava

a começar a última jornada,

e nos sonhos só via a terra amada,

e — nela só — de dia meditava.

É que o lar querido inda assentava

sobre ela: e na plácida morada,

inda ele tinha uma alma devotada,

um coração — por ele — inda pulsava.

A cara irmã! — a meiga companheira

da sua infância; a sócia em suas dores

que ele não vê na hora derradeira...

Mas, abriu-se-lhe o Céu: e, entre fulgores,

a Fé, que o alentara a vida inteira,

mostra-lhe a paz, dos Céus nos esplendores!

 

Evocações

Sombras cariciosas e queridas,

nuvens de rosa em lágrimas desfeitas,

flores à flor de um lago retratadas,

ondas que suspirastes e morrestes,

onde estais? onde estais... oh! meu passado!...

Plácida primavera! — Oh, quantas flores

o meu jardim vestiam!... Rosas lindas

s'espinhos tinham, nunca me feriram!

Tão brancos eram os lírios e açucenas,

e tão vivos os cravos!... Mais viçosas,

roxas, langues e tristes, sempre, sempre,

— eram assim essas saudades meigas,

— as saudades —, amigas da minh'alma!

E passavam serenas primaveras:

e o meu jardim sempre florido e verde,

e as flores sempre, sempre assim viçosas!

Passavam nuvens que o favônio brando

da manhã impelia; elas passavam

pelo Céu, róseas trêmulas e lindas,

mas, passando, d'orvalhos rorejavam

o meu jardim, e pérolas cobriam

as saudades sem fim dos meus amores!

Minha vida era o lago sossegado

a retratar o Céu; meigas boninas

debruçadas das margens verdejantes,

ali — num fundo azul, estremeciam,

à doce viração do amanhecer.

Às vezes, — mar azul, calmo, mansinho, —

em merencórias ondas suspirosas,

embalava o batel dos meus afetos

qual berço de corais — meu coração!

Depois... oh nunca mais!...

Do meu jardim murcharam ledas flores,

e desbrocharam só roxas violetas,

e orvalhadas de pranto, mil saudades!

Fora tudo ilusão, prismas, miragens,

sonhos, enganos, juvenis quimeras

do meu ideal do meu ideal de poeta!...

….................................................................

Sombras cariciosas e queridas,

nuvens de rosa em lágrimas desfeitas,

flores à flor de um lago retratadas,

ondas que suspirastes e morrestes...

Oh! meu passado, oh! meu sonhar perdido!...

Ideal

A tarde estende no longínquo monte,

d'áureo e róseo tecido o véu mimoso,

como em fino relevo, precioso,

molduram flores cristalina fonte.

O sol transmonta, esplêndido horizonte

de verde-mar dourado; primoroso!

Rosas no Céu, e no matiz gracioso

do campo, abrindo um lírio branco, insonte.

No mar de leve azul ondas de ouro,

iriado, fantástico tesouro

das Fadas dos palácios de coral.

E, lá, na vastidão já se sumindo,

— um batel que me leva o sonho lindo

do meu amor... do meu amor ideal!