Fonte: Portal Catarina: Biblioteca Digital da Literatura Catarinense

LITERATURA BRASILEIRA

Textos literários em meio eletrônico

Obra completa, de Delminda Silveira


Edição de base:

Obra Completa. Org. de Lauro Junkes. Florianópolis: Academia Catarinense de Letras, 2009.

ÍNDICE

Lizes e martírios

Folhas soltas

Cancioneiro

Passos dolorosos

Indeléveis

Poemas dispersos

Prosa dispersa

O Escolar

Primeira parte

Segunda parte

Páginas patrióticas

Manuscritos autógrafos

Caderno de poesias

Caderno de poesias avulsas

Amor e rosas de Santa Terezinha do Menino Jesus - 1929

Diário pessoal

 

FOLHAS SOLTAS

ÍNDICE

Fantasias. A Alma do Poeta

No Berço

O Lírio Branco

As Rosas

Os Teus Olhos

A Violeta

Carmen 

Julita

Idílios

A Minha Estrela

Primavera

Devaneio

A Flor do Poeta

A Flor da Paixão

Os Brincos

A Volta do Sol

O Meu Desejo

Os Três Arcanjos

A Volta

Meiga Criança

As Sempre-Vivas

CONTOS DE UM INSTANTE

Edelweiss

Na Selva

MARABÁ

Agar

CAPRICHOSA

A Estrela da Bonança

As Rosas da Caridade

Uma recordação

O Desvalido

Decapitada!

Pensée

Rosas de Amor

Sonho

Bem-Me-Queres

A Sina

O Destino

Almas Gêmeas

Pérolas e Lágrimas

Fantasia - Pobre Coração!

Fantasia - Mística

A Folha

O Proscrito

 

FANTASIAS - A Alma do Poeta

A pétala de rosa redemoinhava nos ares, levada pela violência do Norte, e, ora rolando pelas escabrosidades do caminho, ora rodopiando nos plainos, ou elevando-se, açoitada pelas nuvens de poeira, lá se foi em direção ao Oceano, que bramia enfurecido, na alvacenta praia, cair magoada junto a uma conchinha cor de nácar que a onda depositara na areia. A vaga rebentava agora no fraguedo, espalhando-se em chuveiro prateado, com arremesso de valente cachoeira. Na fina areia umedecida, a pétala de rosa se quedou - "Graça da flor da terra, disse meigamente a conchinha nacarada, o que guardaste tu de precioso na tua breve existência?" — A lágrima do Céu, respondeu-lhe a pétala rosada. — "E tu, irmã, possuíste acaso na região das águas algum mimo tão valioso?" — "Eu, tornou a conchinha, conservei em meu seio a pérola mimosa, que é a lágrima cristalizada do Oceano". Nesse momento, por bem perto passou gemendo o alcíone dos mares, e de sua asa cor de rosa desprendeu-se uma pena sob a qual tremulava uma gota d'água puríssima. A pena foi pousar entre a pétala da rosa e a conchinha vermelha.

Uma voz suave murmurou então "mais pura que a gota do orvalho, mais preciosa que a pérola do Oceano, é a lágrima do saudoso amor. E a pena elevou-se e se perdeu nos ares, no regaço da nuvem mimosa que purpureava a manhã.

Deus acolheu no Céu a lágrima do amor saudoso e dela formou — a Alma do Poeta.

 

NO BERÇO

A brisa da manhã movia o galho coberto de flores; no macio ninho feito de penas e plumagem, repousa o beija-flor cor de esmeralda.

Às suaves ondulações do ramo brando, desprendem-se, com o aroma dulcíssimo, mil pétalas rosadas.

Tremulam as pequeninas asas auriverdes da avezinha gentil e os tenros amores pipilam docemente.

O sol rasgou o véu de branca nuvem que se desdobrava no Azul; caíram do Céu três mimosas gotas de sereno, que se quedaram pendentes, oscilantes, sobre a maciez do berço feito de painas e plumagem, refletindo cambiantes, as cores auriverdes daquelas trêmulas avezinhas e o delicado carmim das flores que se inclinavam vergadas pela brisa.

* * *

O raio do sol, passando por entre flores e verduras, se foi suavemente bater no gracioso bercinho; a avezita mimosa levantou as doiradas asas, e, ligeira como a folha verde que o vento desprendeu, voou... voou até o prado a saudar os lírios que desabrochavam. Lá, no macio ninho feito de painas e plumagem, os tenros amores tremerem de frio...

Mas a Providência, que vela pela criatura, que deu à criança o doce leite nos seios maternos como à ave o delicioso mel na taça das magnólias, cobriu com o seu manto de luz o delicado bercinho do beija-flor ausente, ensinando aos tenros passarinhos que — ali — no seio daquelas rosadas flores perfumadas achariam o necessário sustento à sua melindrosa existência.

 

O LÍRIO BRANCO

Nascido das lágrimas d' aurora e dos beijos do dia, ele se abre, nos relvados floridos do prado, d'entre as verdes fitas de sua planta viçosa, alvo como a espuma dos mares, como o flóculo de nuvem virgem das carícias do sol, como o amículo da castidade.

Graça dos vales, ele é o turíbulo de perfumes balançado no templo da Natureza, à hora santa d'Ave-Maria.

As borboletas amam a doçura do seu níveo seio, as abelhas delicadas procuram o mel de seus preciosos nectários.

Mimo gracioso banhado da suavidade melancólica do luar, cai dos regaços da Primavera aos palores da madrugada.

Ele excede às demais flores do prado, pois reúne — beleza, graça, doçura e pureza.

Deus vestiu d'inocência as suas formas graciosas; guardou no seu casto seio uma pérola de fragrância e uma gota de mel, e deu-lhe a singeleza das virgens do Paraíso.

Símbolo de virgindade, ele adorna o altar ante o qual se vai prostrar a noiva da terra e entretece a coroa deposta sobre o leito azul em que repousa a noiva do Céu.

No campo, é graça da Primavera; no altar, o emblema da castidade, e sobre o túmulo, a imagem cândida e formosa da alma puríssima que se evolou ao Empíreo!

 

AS ROSAS

O sol estivo descambava; já a frescura do crepúsculo vespertino caía do Céu em gotas de orvalho aspergidas pela brisa mansinha.

Mas as rosas haviam murchado e o orvalho não lhes reanimava nem o colorido das pétalas, nem a fragrância do seio. Os beija-flores passavam rápidos pelas rosas tristes, e lá se iam, beijando os bogaris cheirosos que desabrochavam.

Em gracioso bando as borboletas mimosas, indiferentes, de asas abertas, descansavam pela grama verde, onde o rezedá estendia as pequenas palmas douradas.

Mas as rosas tinham murchado... as lindas rosas de um dia que na manhã da véspera eram ainda em botão!...

Lélia, cismadora, se quedava, imersa em doloroso meditar, e na mente compungida se lhe avivava todo um passado feliz...

E Lélia, triste, comparava às rosas esmorecidas as suas meigas ilusões cruelmente desfeitas, e que as lágrimas da saudade jamais poderão revivescer.

Seu coração não era agora mais do que o cálix de uma flor desfolhada; nem as esperanças risonhas como auriverdes beija-flores, o vinham oscular, nem as ilusões puríssirnas, como alvas borboletas mimosas, o acariciavam já!

E as lágrimas da saudade caíam-lhe dos olhos qual orvalho do Céu; porém as suas ilusões, para sempre esmorecidas, deixavam-lhe o coração cingido d'espinhos só, como o cálix de uma rosa desfolhada para sempre!

 

OS TEUS OLHOS

Lembras-te quando me fizeste a confissão do teu amor?...

Sabes?... a vez primeira...

Jamais houve tão puro voto, prece tão santa, tão sincera afirmativa.

Eu li-o, — o sentimento doce e puro — no livro da tua alma, — os teus olhos!

Assim como o claríssimo cristal de um lago retrata o céu com todo o seu brilhantismo, seus matizes, seu sol, suas estrelas, seu luar, — assim os teus olhos refletiam tudo o que esplendia no íntimo de tu'alma!

E estes olhos de cor celeste eram tão meigos, às vezes, como os de uma criança.

Mas quantas vezes os vi fascinadores, irresistíveis!

Sim; eram meigos se a tu'alma piedosa se compadecia dos meus males...

Eram fascinadores, irresistíveis, se na linguagem muda do olhar exprimiam todo o teu grande amor!

Sabes por que amo tanto os miosótis do jardim?

— É porque me recordam os teus olhos azuis.

Porque prefiro um anel com turquesa a outro com rubi, esmeralda ou outra qualquer pedra preciosa?

— É somente porque a turquesa tem a cor azul dos teus olhos!

O Céu — o próprio Céu, por que minh'alma o deseja tanto, por que me extasio a olhá-lo tarde, quando o coração mais sente a mágoa das saudades?

É, tão somente — porque o Céu tem o belo azul dos teus olhos!

 

A VIOLETA

Chuvas torrenciais haviam desfolhado todas as flores do jardim, e mais sofreram aquelas que, vaidosas, se levantavam de suas hastes delicadas. O ciclone rasgara as pétalas aos lírios e o chão se alastrava das magoadas rosas.

Que flor poderia ter resistido aos açoites da chuva impelida pela ventania?

Até a folhagem verde desprendida dos galhos robustos revoava nos ares como borboletas em bando.

Mas, quando o íris multicor se arqueou no céu, abonançando o tempo, um perfume suavíssimo se levantou na brisa que passava entre as folhinhas umedecidas da relva.

E a violeta, cândido símbolo da modéstia, lá se escondia, docemente pendida sob a folhagem rorejada de perlas, pois só a ela não ousou danificar a violência da tempestade!

 

CARMEN

(A uma amiga)

Por que te entristeces, Carmen?

Levanta a fronte puríssima onde brincam os anéis dessa cabeleira d'ouro que à noite desatas como um véu de Princesa; não vês, não sentes que os teus cabelos compassivos e vão enxugar os olhos magoados pelas lágrimas da dor?...

Vê, Carmen adorável, vê como a hora melancólica da saudade envolve o Céu e a terra em dulcíssima luz, misteriosa...

Não sentes agora agitado palpitar o teu coração amante?

Não vês no infinito do teu sonho lindo, nesse ideal carinhoso, lá ao longe, muito longe, no azul da distância, brilhar uma estrela vaidosa?...

Por que te fugiu a meiga esperança como alva pomba carinhosa que uma lufada de tempestade afastou do abrigo?

E a tu'alma — rola solitária — geme, geme sem mais ouvir o terno eco dos teus suspiros de amor!...

Tu choras à noite, mimosa virgem loura como a flor do cactos que só ao luar confia o seu segredo, só às estrelas patenteia suas lágrimas, e no silêncio da desora abres a Deus o teu coração em que se oculta doce mistério de amor e a Ele só confias tuas mágoas...

E a brisa que passa algente, roubando o perfume às flores, colhe o teu segredo, o ideal dos teus sonhos, beijando-te os lábios, ao ver-te adormecida, já cansada do muito chorar.

E choras, Carmen, quando a mocidade é a esperança em flor?

Não vês que na Primavera também, às vezes, se desfolha o tufo de boninas mimosas quando o vento despiedado por elas passa?...

Mas não vês que a bonança volve e torna a desabrochar novas flores tão lindas?...

Carmen, a mocidade é a primavera da vida. Chora as tuas ilusões perdida, — brancas rosas que o vendaval desfolhou deixando-te espinhos só, — mas, crê e espera!

Na réstia de sol desce a vida à plantazinha que enlanguesce à mingua de calor; brota o renovo verde e dele brota a flor que se expande em aromas...

— É a esperança, é o amor!

Carmen, o coração da mulher é como a planta que definha sem o calor de um terno afeto, de um doce carinho...

Mas si um dia desce a ele a luz do Céu, — o olhar de Deus —, brota o renovo, — é o amor; expande-se o perfume...

É a felicidade!

Carmen: — Crê e espera!

 

JULIETA

(À memória de uma amiga)

Julieta! — a meiga brisa me segreda o teu nome...

Julieta! — as ondas mansas me suspiram o teu nome querido...

Julieta! — a rola magoada me soluça o teu nome adorado!

Vejo-o escrito no Céu com estrelas, na terra, com flores e todas as vozes da natureza m o repetem saudosas!

Meu pensamento voa a buscar-te pela terra, porém nela só encontro o teu nome querido!

Minh'alma voa... porém, voa e penetra o Céu... é aí que encontro entre os anjos a tu'alma adorada!

Alva pomba de pureza, entre açucenas e lírios, a tu'alma arrulha uma prece de amor...

Vejo-te, branca visão, genuflexa no supedâneo de um trono d'ouro...

É o Sólio de Maria.

A Virgem te sorri... do seu maternal coração lhe rompem o seio sacratíssimas réstias de viva luz que te envolvem...

São as graças que Ela te concede, ó alma bendita!

Mas o que lhe pedias tu na tua doce prece, ó bem amada?

Era a felicidade, a paz, a bênção, a misericórdia divina para os teus que te choram!

Ah! quiseste de mais perto implorar de Jesus o bem aos que tanto te amam e por isso, para o Céu te partiste tão cedo!

Mas... sem ti — como poderá no teu lar carinhoso abrir ainda a flor dos sorrisos?

— Sem ti, como poderão viçar as alegrias dulcíssimas?

— Sem ti, — querida, não desabrocham saudades que não sejam rorejadas das lágrimas de acerba dor!

Aqueles que muito te amam, — sem ti — sem tua presença, sem tua doce consolação, não mais poderão ter alegria completa.

Ah! tuas doces recordações, para nós, serão flores desabrochadas entre espinhos, orvalhadas de amargo pranto!

......................................................................

Julieta! Julieta! no céu recebe as lágrimas da minha saudade! — Que elas te digam quanta mágoa ocupa no meu coração o vácuo impreenchível deixado pela tua doce amizade!

 

IDÍLIOS

O canto do sabiá anuncia a volta da Primavera; a brisa espalha o perfume das laranjeiras em flor.

Os passarinhos suspendem ninhos dos ramos floridos, e a viração suave embala o ninho tépido onde pipilam avezinhas implumes.

E os passarinhos se amam e amam-se as flores também.

Na Primavera, o amor é doce como o mel dos lírios; no Estio, ardente como o sol do meio-dia que cresta as flores mimosas.

No Outono — amor é saboroso como a doçura dos frutos maduros, mas no Inverno, se ora é gelado como o granizo, tem, por vezes, os ímpetos do vulcão adormecido sob a cinza fria...

Porém, — amor é sempre amor!

* * *

Como são formosas as tardes de Maio no Céu azul da minha Terra!

Eu parei à sombra das grandes árvores da mata, ao descambar dia. Na solidão amável, as pombas gemiam de saudades, e a 'alma suspirou com elas!

As florinhas douradas do coqueiro caíam ao passar da brisa, o coqueiro se levantava, esbelto, de uma alcatifa d'ouro; lembrei-me minhas ilusões que assim morreram um dia...

Mas o Outono veio e o cacho despido das flores se encheu de

frutos dourados...

Não assim a minha existência, que despida de ilusões ficou para sempre, para sempre!

Nunca tocaste a palma mimosa da sensitiva gentil que se retrai ao contato da mão?

Pois assim foi o meu coração ferido pelo amor!

* * *

No galho verde da roseira, coberto de perolazinhas rubras, o gaturamo trina de manhã cedinho o seu canto de alegria.

O sabiá só pela tardinha suspira o seu poema de amor e saudades.

Porém eu amo muito mais o canto melancólico do sabiá!

O gaturamo canta um hino de venturas; o sabiá geme um poema de dor; porém eu amo muito mais essa melodia triste como os suspiros da minh'alma... esse lamento de um amor infeliz!

Ainda esta manhã a Estrela d'Alva chorava... chorava no regaço de uma nuvem cor de rosa; a nuvem, cheia rompeu-se, e muitas, muitas lágrimas caíram sobre o gramado.

As rosas de cheiro ficaram semeadas de aljôfares de cristal; mas, apenas o sol radiou, — topázios, esmeraldas, rubis, penas e safiras brilharam pela verdura!

* * *

Ontem, à — Ave Maria, — Amor beijou a coroa nupcial na fronte da desposada. As flores virginais da laranjeira se desfolharam e lágrimas de meiga tristeza encheram os olhos da Virgem noiva, porém o doce sorriso da ventura enflorou os lábios da esposa, e a rosa dos lábios se abriu soltando o perfume do amor ditoso...

Ah! o beijo — o perfume do amor ditoso — tinha mais doçura que os frutos sazonados do Outono, e amor saciado, fugiu a magoar o coração de uma virgem infeliz...

* * *

Já quase ao anoitecer, ouvi gemer a rolinha da selva, e por ti, ó amado, a minh'alma gemeu de saudades.

O caçador feriu no coração a rolinha inocente e com ela morreu a saudade que a fazia suspirar.

Ah! quando a morte tiver ferido o meu coração, as saudades que nele por ti brotaram não morrerão ainda assim, porque, tendo as raízes na minh'alma, elas irão comigo ao Céu...

Quando a andorinha voltar ao teto do meu lar, eu lhe pedirei novas do meu bem amado.

Ele se partiu num dia lindo, de Céu azul e mar dourado.

Voava a leve barquinha, de cujas velas enfunadas pela brisa, a sombra nas ondas ia brincar, refletindo-se em zigue-zagues d'ouro como chamalotes sobre azul.

Mas ele se partiu para longe, e passam dia e dias, noites e noites e o meu sempre amado não mais voltou!...

Já duas vezes floriu a primavera, e nem a andorinha forasteira e nem a gaivota branca dos mares me trouxe novas do meu amado!

E a Primavera refloriu; as abelhas beberam o mel das novas flores; veio o Outono e as flores se tornaram frutos doces; os passarinhos sorveram a doçura dos frutos maduros. Depois veio o Inverno; o Céu chorou lágrimas que gelaram na verdura e tudo definhou na Natureza.

Morreu a relva dos prados, morreram as flores do vergéis; os passarinhos calaram-se entristecidos; até o amor como que arrefeceu de frio...

Não na minh'alma, não no meu coração onde o vulcão laborava...

Não no meu pensamento... mas nos meus sonhos queridos, nas minhas doces fantasias em que morreram as ilusões douradas, as esperanças risonhas de meu ideal querido!...

* * *

Ó andorinhas, que voltastes com a Primavera, por essas plagas longínquas, nunca vistes o meu bem amado?

Ó nuvens rosadas do alvorecer, ó sol ardente do meio-dia, ó estrela piedosa da tarde, ó luar sereníssimo que penetras nas solidões entristecidas, não vistes além o meu amor?...

Ondas, que vindes morrer suspirosas no remanso das praias solitárias, não vistes, pela solidão dos mares, algum batel erradio que m'o trouxesse saudoso?

E vós, alcíones da vastidão azul, não ouvistes perdidos nos ares os doces lamentos de alguma terna saudade?...

Rolas apaixonadas que gemeis na solidão das matas, dizei-mo vós, — não vistes, algures, o meu amado?...

Oh! dizei-mo... si está na terra, o meu pensamento voará para junto dele, si no Céu, voará minh'alma a reunir-se a ele para sempre... para sempre! — pois que, na terra, nunca mais encontrarei um coração que me desse amor igual ao seu amor!

 

A MINHA ESTRELA

"Eu não tenho na terra os meus amores,

alma afinada pelos sons da minha,

só existe nos Céus — é nívea estrela!"

JOÃO DE LEMOS

Era no silêncio da noite; eu a contemplava no firmamento azul, tão linda, tão formosa e resplandecente como deve sê-lo um jasmim do Paraíso beijado pelos esplendores da luz celestial.

Era no silêncio da noite... a brisa segredava às flores os mistérios do Infinito, que as flores devolviam em perfumes ao Céu constelado.

Brilhava o carreiro das "nebulosas" como faixa de branco véu ponteado a fios de prata; passavam tênues flóculos de nuvens brancas, e pérolas de orvalho deslizavam pela macieza das flores como lágrimas de noiva pelas suavíssimas rosas de venturoso pudor; e a relva melindrosa dos prados bebia naquele refrigério consolador o viço, a

seiva à delicada existência.

Entre miríades de estrelas, a minha estrela cintilava agora, mais límpida e formosa que ao cerrar da noite; as flores do cactos, já abertas, perfumavam o alento da brisa que repetia em segredo os mistérios do infinito, e, no silêncio da noite, a minh'alma chorava... chorava d'indefinível saudade!

Oh! dor inefável e misteriosa! "delicioso pungir" que o coração me magoavas, arrebatando-me o espírito cismador até junto dela... dela, que no firmamento azul me fascinava, trêmula e cintilante, como ansiosa por acolher minh'alma no doce aconchego de um amor infinito...

Acaso sonhava eu?...

Talvez! pois, qual se despertasse de um sono profundo, suspirando murmurei no silêncio da noite:

"Eu não tenho na terra os meus amores...

alma afinada pelos sons da minha

só existe no Céu — é nívea estrela!"

 

PRIMAVERA

Ó borboletas de asas iriadas, vinde, há já agora flores pela verdura dos campos.

Vinde, ó amantes passarinhos, vinde tecer os vossos ninhos macios.

À beira do rio, o verde caniçal enfeita-se de penachos brancos que a brisa para vós despluma.

Há tantos flóculos de seda enredados pelas sarças dos caminhos...

O musgo seco e resistente de que revestia os vossos bercinhos mimosos, ó beija-flores, alastra-se em grandes tapetes cinzentos, ponteados d'ouro, por sobre gigantescas penhas de onde se debruçam as orquídeas gentis.

Vinde, oh! passarinhos amantes, vinde tecer vossos mimosos bercinhos!

Um bando de andorinhas, vindo de longe, muito longe, ontem pela tardinha chegou fatigada ao teto da herdade...

Como vinham saudosas as forasteiras!

Mas encontraram ali o jasmineiro coberto de flores como um grande manto verde estrelado de prata, todo, todo estendido pelo telhado da casa de campo, e, no meio das flores, elas levantavam as asas umedecidas na viagem pelo orvalho da manhã, ao sol da Pátria que jorrava a pródiga luz, de um Céu todo azul.

* * *

Setembro já vás em meio; pela manhã cedinho, pouco antes de vir o sol, rasgou-se no Céu finíssima nuvem de róseo-ouro e mimoso Gênio baixou à terra.

Alva criança loura e rosada, em cada ombro nu tremulava-lhe pequenina asa em forma de pétala de rosa, alva, diáfana, de prateado brilho.

Inteiramente nua; mas lhe pendia da cinta, atado em faixa, flutuante véu azul celeste, de cujo arregaço a mãozinha infantil retirava feixes de variegadas flores que esparzia pelos prados e jardins.

Os passarinhos a saudavam com doces trilos de alegria e a fadazinha mimosa abrindo cápsulas de paina macia, soprava-lhes as sedosas felpas que lá se iam enredando pelos roseirais floridos.

O pessegueiro verde revestiu-se todo do carmim das rosas; quando por ele passa a brisa, milhares de leves conchinhas rosadas se dispersam nos ares caindo sobre os relvados do campo.

No jardim, os ramos da acácia vergam com seus corimbos d' ouro.

Junto à ermida do campo, o branco nicho da Virgem Senhora da Conceição, até agora todo coberto de verde, está lindo... sob o docel de rosinhas vermelhas como a boca inocente das criancinhas louras!

À tarde, ao entrar do sol, perto da fonte, a jovem campeira aspirava com delícia o perfume iriado do laranjal em flor.

A moça noiva pousou o cântaro à beira da fonte e ficou-se a cismar na próxima bênção do seu ditoso amor...

À noite, na pobre choupana, docemente, o raio de luar vai beijá-la no leito de virgem, levando-lhe no perfume das virginais flores o doce sonho de um noivado feliz...

Ao amanhecer a virgem noiva colhe as primeiras rosas brancas do campo e vai depô-las sobre o altar da Virgem Senhora da Conceição...

Ah! das flores da Primavera, umas transformam-se em doces frutos, outras, caem murchas e desfolhadas!

Assim são as ilusões da mocidade!...

Ai! triste do Outono que não tem a doçura dos frutos maduros; triste do Inverno a cujas ruínas se não prende o festão de verde hera mimosa!...

 

DEVANEIO

Leva-me, ó Fantasia, — aurífica barquinha das minhas ilusões, — corrente serena destes cismares, águas cristalinas em que se retrata um céu azul entre alcatifas verdes bordadas de açucenas — ao retiro de verdores floridos aonde ao anoitecer as pombas gemem de amor e saudades.

Voga pela imensidade deste azul transparente sobre o qual as garças brincam entre as florinhas silvestes desprendidas dos ramos que sombreiam a margem.

Ali — no galho do jasmineiro bravo o guará cor de nácar pousando de leve entre tufos de flores, acorda a colhereira que assustada voa do ninho, quando sobre a asa cor de rosa lhe caem as flores de neve.

A garça faceira chega à margem sacudindo as penas impermeáveis de onde rolam pérolas cintilantes que se vão quebrar no macio veludo das verdes alcatifas de musgo.

Deixa agora que a minh'alma voe... voe, e se interne, solitária pelas florestas virgens aonde o canto do sabiá se espalha em harmonias carinhosas...

— Rudes mas confortáveis abrigos de grutas seculares cobertas pela orquídea florida que mimosa estende seus cachos de florinhas d'ouro tremulantes à viração suave, vós guardareis no âmago de vossos antros sombrios o segredo de minh'alma alanceada... vós repetireis os ecos de meu coração dorido!

Ribeiros serpeantes por vales tapizados de violetas, levai nas vossas águas puríssimas as lágrimas da minha dor, e tu, ó brisa sonorosa da Soledade, envolve no teu doce rumorejo as vozes da minha ternura.

Flores castíssimas da mata virgem, misturai aos vossos aromas o alento da minha triste vida, quando a rola apaixonada repetir na ternura dos seus gemidos os magoados suspiros da minha terna saudade.

Doces primaveras, puras e singelas, coroavam, a minha fronte de Virgem, quando amor feriu o meu coração. Feriu-o, e este pobre coração se abriu como o botão de rosa vermelha que desabrocha ao primeiro raio do sol.

E aquele sol tão belo e ardente ia seguindo pelo céu azul da minha existência...

Nuvens rosadas, nuvens de ouro, — eram as ilusões que passavam pela serenidade do meu céu...

O calor do sol aquecia o meu coração e o perfume do meu amor se evolava gratíssimo d'alma como a fragrância de um lírio branco aberto entre as verdes palmas; esperanças... esperanças mimosas como borboletas verde-mar, esvoaçavam pela imensidade dos meus sonhos lindos...

Flores pela terra, um íris no Céu e, entre o Céu e a terra, a minh'alma que sonhava, embalada pelo amor!

E o meu amor sorria...

Lembro-me, não era o sol no zênite, e muito tempo, muito tempo eu não sonhei!...

Mas... lembro-me, não era o sol no zênite e as nuvens d'ouro e rosa confundiam-se, ampliando-se como um véu cinéreo pelo azul entristecido!

Aquele véu de sombra vedou o sol da minha existência e, após rasgou-se derramando pérolas que desfolhavam as flores da terra...

E o sol nunca mais brilhou; eu nunca mais sorri; e as flores não reviveram mais!...

Oh! Fantasia — aurífica barquinha das minhas ilusões, — deixa-me neste Retiro de verdores floridos donde ao anoitecer as pombas gemem de amor e saudades; deixa-me sonhar entre o perfume das pétalas desfolhadas às rosas gentis das minhas doces ilusões!...

 

A FLOR DO POETA

Reinava a primavera; a natureza sorria coroada de flores.

O orvalho da manhã rorejava a campina e cada uma de suas gotas trazia do Céu uma flor desabrochada.

Esplêndida, formosa descerrava a purpurina rosa do vergel e a mimosa violeta perfumava os recessos da solidão.

O sol assomou; o seu primeiro beijo foi, num raio tépido e suave embeber-se na opulenta corola da soberana das flores; a violeta mimosa inclinou a meiga fronte e uma gota delicada como um aljôfar, caiu-lhe do perfumado seio.

A brisa que então passava ouviu-a murmurar: ai! quem o pudesse merecer!...

Mas o sol adiantava-se, e nunca seu doce raio chegou até onde se ocultava a delicada florinha!

Os ramos de viçoso pessegueiro meneavam, e dentre suas rosadas flores fugiu gracioso colibri a librar-se no espaço.

O seu primeiro afago foi para a donairosa princesa dos jardins.

Do seio perfumado da violeta gentil expandiu-se mais doce aroma e a brisa que perpassava ouviu-a outra vez murmurar: " — ai! quem o pudesse merecer!..."

Porém o beija-flor inconstante voou e nem sequer viu a

pobrezinha que morria balda de luz e de afeto!...

* * *

O sol aquecia a grama florescida; mil borboletas se levantaram, volteando nos ares como pétalas de uma rosa desfolhada pelo tufão. O canto dos passarinhos, envolto nos perfumes das flores, subia grato aos Céus como os hinos de um templo nas espirais d'incenso.

Súbito uma voz melodiosa se elevou...

As aves suspenderam seus doces gorjeios.

Alguém se aproximava...

Era o Trovador que, sobraçando a terna lira dos seus sonhos, cantava, cantava assim:

"Todas as flores são belas,

todas têm viço e frescor;

mas eu não sei a qual delas,

a qual?... darei meu amor!"

E o seu olhar distraído foi pousar na face da peregrina rosa do vergel...

A violeta mimosa estremeceu e descorou.

O Trovador estendeu a mão para colher a bela rosa, porém, mal a tocara, eis que a linda flor se desfolha deixando-lhe apenas o cálix espinhoso e seu perfume.

O Trovador suspirou:

— "Ah! toda a flor é formosa,

mas nem todas têm dulçor,

não me ama a bela rosa...

a qual darei meu amor?!

Voltava a brisa impregnada do suave perfume da violeta e o Poeta ouviu distintamente murmurar: "ai! quem o pudesse merecer!"

* * *

O sol ocultava-se, as aves adormeceram; o vento da noite varrera do vergel as pétalas da opulenta rosa; e a violeta, a meiga — flor do Poeta, — fora reviver no livro de sú alma, marcando-lhe uma página de amor.

 

A FLOR DA PAIXÃO

(Página da Infância)

Eu teria 7 anos. De manhã cedinho, antes do nascer do sol, em todos os dias lindos, ia de passeio ao campo com minha boa ama.

Estávamos na primavera; o campo muito verde, se revestia todo de rosinhas brancas silvestres; eu corria pelos carreiros da mata, com meu aventalzinho em regaço cheio de rosas e algumas borboletas que prendera em caminho.

Diante de uma flor, esperava ansiosa a borboleta que voltejava. Como me batia coração d'esperança e receio, quando a mimosa falena, pousada na flor, ficava-me ao alcance da mão que lhe tolhia a liberdade! Um gritozinho de alegria me escapava do peito cada vez que conseguia prender a inocente alada; depois como para indenizá-la do mal que lhe causara privando-a da liberdade, guardava-a entre as rosas do me regaço, acreditando bem que a pobrezinha magoada recobraria alento com o perfume e frescura das minhas lindas flores.

Por uma daquelas manhãs serenas, entretinha-me eu no meu passatempo favorito. Minha boa ama descansava à sombra de um jambeiro em flor.

Chamava-me a atenção para um recanto de verdores, o zumbir de muitas abelhas entre latadas floridas de Ora pro nobis.

Eu desejei possuir um ramo daquelas cheirosas flores para as minhas borboletas, e, colhendo minha sainha curta entrei afoita pelos silvados espinhosos.

De repente quedei-me suspensa a olhar admirada um festão muito verde que se estendia por sobre uma pedra toda coberta do musgos...

É que avistara, em meio da formosa folhagem muito recortada, uma grande flor, uma flor belíssima e para mim completamente

desconhecida!

As pétalas como alvas conchas, formosas, eram, umas, de vivo nácar pelo interior e, exteriormente, tinham a pálida brancura das magnólias; outras, ao contrário, brancas interiormente, eram, por fora, de um lindo verde-gaio.

No centro, muitos filamentos simetricamente pintados de branco e violeta, rodeavam três pequenos estames, em forma de cravo, de um verde mui desmaiado.

Fiquei encantada pela flor que pressurosa colhi, levando àminha boa ama afim de que me dissesse o nome de tão linda maravilha.

À sombra do jambeiro em flor, explicou-me a boa mulher seraquela beleza silvestre a flor do maracujá-açu, muito abundante em nossas matas, e tão nocivo quanto salutar, pois embebeda, e, também cura, dizem, as úlceras cancerosas.

"Esta flor tão linda", prosseguiu ela, chama-se vulgarmente — flor da Paixão—, pois contém todos os emblemas do martírio de Nosso Senhor.

As cinco pétalas vermelhas representam as cinco chagas; as brancas, dizem, os dedos; os fios mesclados de roxo e branco mostram as cordas do azorrague com que açoitaram o bom Jesus.

No centro os três cravos com que o pregaram na Cruz; a coroa de espinhos, a esponja, a lança, enfim, todos os instrumentos do seu cruel martírio acham-se fielmente representados nesta preciosa flor que, por isso, se nomeia — "Flor da Paixão."

Eu, escutando-a com religiosa atenção, ajoelhara na relva tenra do prado, soltando descuidosa o meu regaço de rosas e borboletas.

As rosas caíram em mimosa alcatifa diante de mim, e as borboletas magoadas voaram a beber nos ares e nas flores novo alento com a liberdade.

 

OS BRINCOS

Tão pequenina, tão inocente e já a vaidade humana a pungiu com o seu estilete maldito!

A polpa — macia e tenra como pétala de rosa — daquelas orelhinhas delicadas, foi barbaramente traspassada de uma grossa agulha de coser e, no mimoso par das carminadas conchinhas penduraram-se duas arrecadas d'ouro!

Ai! pobre criancinha!...

Sofres a primeira tortura pela humana vaidade porque hás de, um dia, ser — mulher!...

Ai! pobre, infeliz criatura!...

Algum dia os brilhantes aí fulgirão, iriados pelas luzes do sarau, como gotas de orvalho em pétalas de rosa beijadas pelo Sol.

A pérola se ostentara em cada uma destas conchinhas rosadas, imitando aquelas que se formam nas lindas conchas do mar.

Mas, essas pérolas, esses brilhantes hão de ser a triste recordação das tuas lágrimas de agora, pobre criancinha!...

Sabe, porém, ó vítima tenra e melindrosa, que as gotas do teu sangue inocente correram chamando — vingança — à bárbara vaidade humana, e estas perolazinhas vermelhas caindo sobre as mãos de Deus, transformaram-se no Céu em as rubras florinhas do martírio que se foram juntar àquelas que floriram a coroa espinhosa de Jesus.

 

A VOLTA DO SOL

Depois da tempestade

Que magnífico espetáculo nos oferece a Natureza, quando, depois de alguns dias de tempestade, o Sol, radiante e majestoso, aponta entre os arrebóis de sereníssima manhã!

Levantamos os olhos ao celeste espaço, e nossa vista se perde nesse infinito de onde a luz suave e pura se derramada pelo Universo, como o olhar de Deus na Criação.

Noss'alma arrebatada por um religioso embevecimento eleva-se, eleva-se muito além dessa amplitude que a vista mesquinha alcança, e, contemplativa, vai prostrar-se ante o santuário da Divindade, cujos mistérios sacrossantos um véu celestial de impenetrável púrpura brilhante esconde todavia ao espírito profano.

Do Céu baixando à terra o olhar, a alma embevecida passa a contemplar nos encantos da natureza as maravilhas que pródigo sobre ela derrama o Supremo Criador, admirando em suas galas opulentas, suavíssimos debuxos do Paraíso.

Aqui, vicejam esplêndidos arbustos cor de esmeralda, cujas florinhas são pérolas que se desfiam aos beijos de viração; lá, pendentes dos tabuleiros do jardim, inclinam-se mimosas fúcsias ostentando em seus delicados estames aljôfares cintilantes, e em cada pétala da rosa que desabrocha ridente, um lágrima trêmula... lágrima delicada e pura, lágrima do amor que desperta aos beijos da luz, aos hinos festivos das avezinhas amantes.

Os cetinosos lírios, brancos como as vestes da inocência, saúdam o dia, abrindo-se ondas de fragrância e as violetas roxas, ocultas, tristes e modestas como orfãzinhas desamparadas, na suavidade do seu delicado perfume, falam de amor infinito jamais compreendido, jamais compensado...

À fragrância suavíssima das flores dos jardins se vem misturar o agreste perfume da selva.

Ali, douradas abelhas zumbem enredadas nas cheirosas flores do jambeiro antigo; volitam iriadas borboletas em torno às madressilvas do vergel, e o beija-flor irrequieto procura entre os espinhos do rosal a esmorecida rainha dos seus inocentes amores.

Porfiam em estrídulos cantos as cigarras saudando a volta do ardente Sol, e os mimosos passarinhos com seus doces gorjeios celebram a magnificência do Criador, estendendo as úmidas asinhas ao benéfico calor que as aviventa.

Entretanto, como num campo de batalha em que ainda se veem preciosos despojos entre os vestígios da luta, ali, desfalecidas flores cobrem o solo umedecido ainda pelas últimas lágrimas da tormenta, e lá, pelas altas cumiadas das montanhas, alvejam vaporosas gases como si a procela ao retirar-se precipitada houvesse por ali deixado os úmidos fragmentos do seu tempestuoso véu.

No mar, grupos de navios de variegada pintura, semelhando pitoresco bando de desconhecidas aves aquáticas, abrem suas brancas velas encharcadas ao penetrante sopro da viração marinha. Prateados peixinhos saltam fora do seu leito azul ondeante a saudarem o Rei da Criação. E Terra e Mares, combinados por inefável harmonia, levantam um cântico de admiração e amor ao Altíssimo, enquanto que o sol radiante e majestoso avança em sua esplêndida carreira, envolve o Universo na criadora luz de um novo dia!

 

O MEU DESEJO

Une petite maison blanche avec des contre-vents verts...

J. J. ROUSSEAU

Imagina — uma casinha branca entre arvoredos...

THOMÁZ RIBEIRO

Num vale pouco extenso, cercado de virente roseiral aonde todo o ano abrissem rosas, à sombra de arvoredo na Primavera florescido e no Outono de frutos carregado, — uma casinha branca com postigos verdes...

Em graciosos festões, a trepadeira cachos de roxas flores por cima das janelas pendurando.

Mimoso harém de lindos beija-flores, ao lado, um jardinzinho aonde a aurora derramasse perlas e a noite acendesse pirilampos.

Ao fundo, uma horta viçosa de verduras, onde crescesse a pimenteira verde com gotazinhas de sangue rubro e ardente salpicada. Virentes tomateiros o fruto nacarino oferecendo; estimados legumes bem viçosos a vista recreando com o variado matiz. Além, lindas palmeiras, cinamomos em flor, velhos jambeiros de onde se ouvisse o sussurrar de abelhas embebidas nas flores.

À sombra, dentre pedras cobertas d' alto musgo verde e macio, um jato d'água fresca, bem pura e cristalina, entre matas de lírios e açucenas, no seio de uma fonte a cair docemente murmurosa...

Ali, ao amanhecer, a doce vida em mil perfumes gratos aspirada; descuidoso passar de instantes ledos como no encanto de algum sonho puro...

Quando no Céu aurora despertasse, do seu berço de nuvens arrojando vermelhas rosas pelo azul espaço, e pálida e mimosa, depois, do sol no manto d'ouro s'escondesse; ao decorrer do dia, à noite, — sempre — a imperturbável calma, a doce quietação de um lar ditoso.

Na saleta singela e asseada, umas cadeiras; e uma branca mesa de pinho cetinoso, — livros, papel e lápis: pincéis, telas e tintas variadas, e uma jarra com flores.

Pela janela aberta, a perspectiva do mar sereno e azul, além do campo; um Céu formoso de gigantescas serras recortado, e, lá, do mar no extremo, branca vela a perder-se no Infinito...

Dentro, e bem perto, alguém que me entendesse; — alma daquela solidão querida, vida daquela vida incomparável que comigo gozasse paz serena de grato retiro...

A tarde, quando à hora da saudade acordasse o sentir da rola meiga, e revoando as borboletas fossem lá no vergel beber o mel das flores, em práticas amenas, o doce recordar d'eras passadas, não trouxesse o pungir d'agras saudades, mas em sonhos de amor nos embalasse.

E, si o plácido lar dos meus amores zelosa alfim a morte descobrisse um dia entre os rosais em flor, — que o mesmo sono intérmino os olhos nos cerrasse e no mesmo sonhar embevecidas nossas almas nest'hora ao Céu voassem a despertar no Empíreo!

 

OS TRÊS ARCANJOS

A pobre alma se debatia nas dúvidas de um ceticismo cruel.

O anjo de Deus baixou dos Céus e apresentou-se mortal desventurado.

— Quem és tu, pergunta-lhe o infeliz, tu que trazes sobre a fronte serena uma estrela radiosa cujos esplendores alumiam esse extenso caminho coberto das silvas espinhosas do martírio, esse caminho escabroso da existência ao fim do qual se ergue o Calvário em cujo cimo resplandece, sempre formosa, a Cruz de Cristo?

Como são majestosas as tuas vestes de púrpura e ouro!

O diadema que te cinge a fronte é um halo de luz em que tremula a estrela-guia do viajor.

O teu semblante grave e meigo, o teu olhar firme, sereno e divino; a melodia da tua voz tem os suaves recordes dos cânticos celestes; tua destra formosa segura o cálix d'ouro que nos ofereces repleto do mel extraído às flores do Paraíso: quem és, tu, pois?

— Eu sou a fé — respondeu o Arcanjo bendito.E a pobre alma, que se debatia nas lutas de um ceticismo cruel, ergueu-se fortalecida por aquele conforto divino. O Arcanjo radioso volveu tranquilo aos Céus.

* * *

Nos transes aflitivos da vida, o mortal chorava desamparado como o náufrago em meio da imensidade do oceano; o Anjo de Deus descendo do Céu e qual branca ave dos mares que paira sobre as vagas embravecidas, a formosa visão se apresentou ao mortal desamparado.

— Quem és tu, lhe pergunta o triste, tu, cuja túnica roçagante é mais alva do que a espuma do mar, mais brilhante que essas faixas de pequeninas estrelas estendidas pelos azul firmamento?

O teu festivo manto tem a louçania dos prados na Primavera; orna-te a bela fronte uma grinalda de mirtos sempre verdes; com as flores do teu regaço juncas a estrada da nossa existência...

— Quem és tu, pois?...

— Eu sou a Esperança — respondeu-lhe jubiloso o Arcanjo bendito; — eu te prometo o Céu!

E a pobre alma abatida, reanimou-se, e o triste coração pulsou com vida ao influxo daquele conforto divino.

A visão bem-aventurada alou-se... alou-se, e se foi sumir nos páramos do Infinito!

* * *

A pobre órfã chorava...

As criancinhas eram sem o carinho materno, sem o doce alimento à delicada existência.

O ancião gemia enfermo; o pobre não tinha mais um leito, um abrigo, um pão!

O Anjo mais formoso do Senhor voou à triste morada aonde o mísero gemia... ampliou o seu manto azul extenso como o Céu, e as criancinhas que tiritavam nele se abrigaram; o seu regaço derramou pão e ouro; os seus lábios derramaram o bálsamo bendito do seu piedoso coração. De seus olhos formosos e meigos caíram lágrimas de terna piedade.

As criancinhas fartas adormeceram junto ao seu puro seio; a donzela orfanada ali achou amparo seguro; o velho enfermo já tinha abrigo, conforto e pão.

— Mas, quem és tu? Tu que assim nos consolas? Tu que trocas a celestial morada pelas agruras da terra, tu que dás as pérolas das tuas lágrimas ao desventurado, o bálsamo do teu coração às chagas das almas magoadas?...

O Arcanjo divinal, sorrindo satisfeito, respondeu:

— Eu sou a Caridade!

E lá se foi pelo mundo, em busca de infelizes, guiado pelos gemidos da Dor.

 

A VOLTA

À minha amiga Aurora

O meu jardinzinho está todo reflorescido! Há, bem no centro um tapete de verdura tenra e fresca que, sobretudo, me encanta! Todo formado de miúdas folhas em forma de lança, semeado de flores tão pequeninas, tão mimosas e de um azul tão delicado e celeste como o íris que circunda as pupilas dos olhos das criancinhas loiras!

Sabes, Aurora, que florinhas são essas?

São miosótis, as minhas muito queridas flores!

Para que te hei de falar das cravinas roxas, das violetas tristes e das saudades que já vejo desfolharem-se?...

No centro do meu jardim há essa alcatifa mimosa...

Mas, quem a foi estender ali?

A Primavera, que voltou com a Aurora risonha...

A Primavera trouxe flores; a Aurora esparziu-as no meu jardim! Os miosótis abriram naquela alcatifa de relva mimosa e verde como o manto da Esperança!

O meu coração se alegrou, porque os miosótis abriram lindos como o íris que circunda as pupilas dos olhos azuis de uma criancinha loira!

* * *

A Primavera voltou!

Como estão contentes as andorinhas vindas do exílio!...

Elas chegaram no tempo das flores; procuraram logo o beiral amigo, que não haviam esquecido em plagas estranhas. De novo a brandura do quente ninho sob o Céu que as viu nascer; eis porque pipilam assim de contentes!

Há tão lindas flores pelos vergéis, tão doces frutos nos pomares, tão cristalinas águas em mananciais de frescura, e, por cima de tudo isto, há o Céu azul da terra natal, que se arqueia como o dossel cetinoso de um berço de Princesa!

* * *

Não ouviste, lá pela "solidão melancólica das águas", o roçar de suas asas leves, o suspirar da onda a quebrar-se, o lamento da viração a perder-se na imensidade azul destes dois Infinitos — o Céu e o Mar?...

Eram as vozes da minha saudade que lá se ia morrer junto a ti!

E não viste um como sendal amplíssimo a desdobrar-se verde, em ondas, pela vastidão daquelas águas? — Era o véu da minha esperança que se estendia pelo caminho que me havia trazer-te!

Eu olhava as águas que se estendiam ondeantes, num chamalote verde-mar, e o meu coração batia célere...

As gaivotas brancas que vinham de além, roçando de leve as ondas, talvez lhes confiassem um doce segredo que o meu coração guardava...

Mas as ondas quebravam-se suspirando esse doce mistério que a viração recolhia e voava a guardar no seio das flores...

Antes do sol raiar, a frescura do alvorecer veio abrir as flores e o segredo terno evolou-se suavíssimo!

Porém a minh'alma percebeu quando a visão passava, que os miosótis diziam baixinho: não te esqueças de mim, e as auroras azuis se fechavam murchando!

— Os ciumentos azuis! — tinham zelos daquela Aurora que chegava mais risonha e gentil que essa alva mimosa que lhes sorria do Céu!

* * *

A Primavera voltou e com ela as flores, os cantos, as alegrias; tu que és uma Aurora de primavera linda, sê bem vinda, pois que assim me vens trazer a consolação nos teus sorrisos carinhosos!

 

MEIGA CRIANÇA

Lalá

Lalá — a criança meiga, loira, linda e rosada como uma aurora de primavera, retratava no olhar suavíssimo uma alma de querubim: — era o encanto do Poeta.

Ele era triste... o seu coração era como um jardim sem flores.

Ele não tinha amor... não tinha ventura.

Nunca mulher alguma compreendera a su'alma; não amava... nunca havia amado!...

Lalá — seu amorzinho —, vinha à sombra das palmeiras do jardim, sentar-se ao lado dele, e falava-lhe e beijava-o, a boca sorridente como botão de rosa a desabrochar, os olhos inocentes, brilhantes de alegria, como estrelas de sereno céu, — "me queres muito?" — perguntava, e a graça infantil, a casta doçura daquela meiga voz, enchia de vida o coração do Poeta como o clarão do alvorecer o triste recinto de um jardim sem flores, porque... ele não tinha amor e Lalá era uma criança.

Um dia levaram para longe a terna amiguinha; o Poeta ficou só e mais triste... ai! porque lhe levaram o seu amorzinho... a sua consolação!

Ele ia à tarde sentar-se à sombra das palmeiras, no jardim solitário, e chorava...

Uma tarde, as lágrimas do Poeta, — lágrimas aquelas tão puras como o orvalho do Céu — fecundaram a terra e um arbustozinho brotou que dia a dia se tornava mais viçoso, cobrindo-se, por fim, de botõezinhos levemente rosados, e, numa noite estrelada em que o sereno mais puro caía sobre a verdura, entre um semeado de pérolas, abriram

muitas flores alvas e perfumosas...

Eram — saudades brancas — puras saudades de Lalá!...

 

AS SEMPRE-VIVAS

As "Sempre-vivas" sempre me avivam ternas recordações do meu primeiro amor, porque...

Um dia, o meu primeiro amor morreu. Chorando, reuni todas as ternas provas que dele me restavam, e, reduzindo-as a cinzas, encerrei-as em pequenina urna de coral em forma de um coração.

À tardinha, hora em que as saudades abrem em suspiros de amor, fui-me pelo campo em busca de flores com que entretecesse uma coroazinha mimosa.

Lá, ao longe, divisei um prado muito verde, todo florido de estrelas d'ouro; eram sempre-vivas viçosas; eu colhi um grande feixe delas.

No meio do gramado havia um "Cinamomo" inteiramente coberto de florinhas violáceas; sentei-me à sombra dessa árvore, e tirei do seio a urnazinha de coral do feitio de coração... e cavei a terra para ali sepultar as lembranças queridas do meu primeiro amor. Mas... tive pena de deixar no seio da terra tão fria, tão negra, tão dura,

a tumbazinha mimosa das minhas mais doces ilusões!...

E, foi sobre uma alcatifa macia, feita das "Sempre-vivas" douradas que depositei a urnazinha de coral do feitio de um coração... Muito tempo passou-se depois. Num dia de primavera, à tardinha, — hora em que as saudades abrem em suspiros de amor -,

de passeio pelo campo, avistei o "Cinamomo" que lá estava reflorido de suas florinhas violáceas. Quedei-me à sombra dele.

Havia em derredor do tronco, estendido sobre o relvado, um mimoso tapete daquelas florinhas, e, do meio dessa delicada alcatifa, erguia-se uma pequena planta mui viçosa, toda florida de estrelas d'ouro!

Eram — "Sempre-vivas" mimosas!

Eis porque as "Sempre-vivas" me avivam sempre ternas recordações do meu primeiro amor!

 

CONTOS DE UM INSTANTE

 

EDELWEISS (Flor dos Alpes)

I

— O que farias tu para me provares o teu grande afeto? — pergunta a loura Margarida a seu enamorado Alberto!

— Oh! Si assim te apraz, responde-lhe afoito o mancebo, subirei ao mais elevado dos Alpes, e, com risco de minha própria vida arrancarei a flor que nasce em suas geleiras para a depositar no teu seio como troféu do meu incomparável amor!

— Pois bem; a bela torna, vai, traz-me o Edelweiss; eu te esperarei no vale.

* * *

Ei-lo a escalar a imensa cordilheira, suspensa por sobre o abismo que o fascina. Lá viceja a linda flor; um instante mais, e colhê-la-á. Estende a destra, firmando-se sobre a esquerda que segura fortemente uma planta da montanha; agora sim: tocou-a, prendeu-a... mas, no movimento que faz quebrando-a ao hastil, perde a segurança e despenha-se na voragem profunda!

........................................................................

Um grito de dor atroz reboou no vale; uma mulher parou a beira do precipício, sua vista mediu-lhe a profundeza e a vertigem derrubou-a!

Só a Morte — ciumenta e cruel! — guardou no frio seio o precioso e fatal — Edelwesis!

 

NA SELVA

II

Na selva — à sombra da murta em flor, eles viviam felizes de amor e de inocência.

Eram noivos... ali se encontraram uns dias, ali se adoraram mutuamente.

Ela — morena linda — de olhos vivos, redondos, escuros, mimosa percorria os vales, pisando, tão de leve que nem as melindrosas violetas magoavam.

Ele, moreno também terno e amoroso, beijava-a à sombra da murta em flor, murmurando idílios de ternura...

Eram noivos, essas juritis que ali viviam de inocência e amor.

Chegara, entretanto, a Primavera; era o tempo de se proverem de musgo, paina e palhinhas macias para a confecção do bercinho de novos amores...

E eles lá se iam pela mata que florescia, nas manhãs risonhas ou nas tardes serenas juntinhos, arrolhando carícias, em busca do necessário para o mimoso ninho que no verde capinzal escondiam.

E lá se iam eles, descuidados, por uma manhã risonha, caminho da floresta.

O companheiro afastou-se um momento em procura do sazonado fruto para a doce refeição; a meiga graciosa ficou-se à beira do regato apanhando um grão maduro que o vento espalhara do arrozal.

Lá no meio da floresta a figueira brava vergava carregada do miúdo fruto roxo e doce, os passarinhos trinavam, satisfeitos com a saborosa abundância.

Ai! Pobre juriti que deixaste, por um momento, a meiga companheira à margem do regato afastado...

Por ventura não te era mais doce o suco do fruto silvestre o amor da tua muita amada?

Ali — entre as silvas, um tronco verde pareceu mover-se... Suspende assustado o passo a inocente avezinha...

E, do tronco que se movera, um galho, — um braço — ajeitou despeitado a arma fatal que devia destruir todo um sonho de amor e felicidade!..

O caçador oculto no silvedo fez partir o chumbo mortífero... e a verde relva dobrou rorejada do sangue inocente!...

Ai! Pobre juriti que ficaste, por um momento, à beira do regato afastado...

Embalde os teus gemidos de amor apiedaram depois a mata nas horas melancólicas da saudade, que a solidão da floresta não mais repercutiu, de um coração amante, os ecos de infinita ternura!...

Ai! Que a brisa primaveril embalando o berço dos beija-flores, suspenso do galho florido da roseira nunca mais, nem uma vez, ouviu arrulhos de ternura, nas moitas do capinzal, pois que os novos amores malograram-se no seio de onde a Morte arrebatara o amor que lhes dera vida.

 

MARABÁ (Mestiça)

III

(CONTO BRASILEIRO)

Ela não tinha a face da cor do jambo maduro, nem seus olhos eram escuros como as amoras da selva, e nem seu cabelo negro e corredio como o das outras virgens do sertão.

— Branca e loura — era a flor do cactos, a formosa rainha da noite, que tem a face de neve e a coma de pálido ouro. Seus olhos azuis quais mimosas "graciolas" do prado eram brilhantes de vida como as estrelas de uma noite escura.

Não era mais alvo o jasmim da mata do que a sua branca tez, nem a flor do "Pequiá" mais vermelha que sua boca mimosa, e nem o cacho do coqueiro mais dourado que sua opulenta cabeleira.

Mas a virgem "Marabá" não tinha sorriso...

Era a branca flor da "urumbeba" que desabrocha entre espinhos!

Si, gentil como a graça da ribeira, ela ia banhar-se à corrente, apenas a grande estrela aparecia no Céu, a formosa princesa das águas, a linda "napê-jaçanã" que abre nas ilhas verdejantes do "igapê" do rio, invejava-lhe a brancura dos seios, e, quando o sol nascente feria com suas setas de ouro as sossegadas águas, a flor rodeava de amargura e zelos, que no cristalino espelho sempre se via menos bela do que a virgem da floresta.

Um dia a "Marabá" voltou pensativa...

Ela vira a grande "Igara" do guerreiro do mar.

E o guerreiro branco era formoso e sorria; e o guerreiro da tribo desprezava-a porque era — "Marabá!"

Ele tinha o rosto levemente tostado pela brisa dos mares; seus cabelos, suavemente ondeados, tinham a cor mais escura que a do fruto do castanheiro, porém não eram negros e ásperos como os das filhas do sertão.

Os olhos, da cor dos cabelos, brilhavam como o fulgor da glória e enlanguesciam com o quebranto do amor.

E o guerreiro branco sorria fitando-a...

Mas a virgem selvagem fugiu como a gazela gentil.

No outro dia, à beira do rio, a "Marabá" cantou o triste e meigocanto da mestiça; era um queixume terno e melodioso como o gemer da juriti sem companheiro.

Ela suspirava assim:

"Sou branca e linda como a açucena,

sou como ela, pura e gentil;

tenho os cabelos em cachos d'ouro,

tenho nos olhos a cor do anil.

Sou bela e triste e sou chorosa

qual entre espinhos a flor que abriu;

meus olhos garços só sentem lágrimas

como o rocio que a flor cobriu.

Não tem meus lábios doce sorriso,

não tem meu peito fogo de amor;

mas, ah! bem sinto, no seio virgem,

d'estranho anelo — prazer e dor!"

O guerreiro do mar ouviu o canto da virgem infeliz...

Uma tarde a "Igara" chegou pertinho; o guerreiro branco sorria; já tantas vezes sorria assim...

Ele colheu a "napê-jaçanã" que se levanta das águas, beijou-a, apertou-a ao peito; depois, atirou-a à virgem formosa, e o guerreiro falou: — "Vem!"

O som do "boré" estrugiu na mata; os filhos da selva iam chegar.

Assustada, a virgem selvagem lançou-se as águas serenas do rio...

Um momento após — a desventurada — sobre o valente coração do guerreiro branco, já sorria feliz!

E a grande "igara" partiu, mais veloz do que a "uira" do guerreiro "tupi".

 

AGAR

IV

Sobre o pálido azul do Oriente desdobrava a aurora o seu manto de púrpura e ouro; brilhante véu de luz escondera as estrelas do firmamento.

Além, além — pela solidão do deserto, caminhava Agar, — a escrava — sem lar, sem amor.

Dormia-lhe Ismael nos braços e de seus ombros delicados pendia- lhe uma cabaça com água e um alforje com pão.

Seus olhos tristes dirigiam-se ao Céu resplandecente, enquanto dos lábios vermelhos como a silvestre flor que vem de desabrochar, voam-lhe suavíssimas preces envoltas nos suspiros da Natureza.

"Oh! Deus! — exclama, não pereça Ismael, meu filho caro, por meu seio, de cansado, negar-lhe o doce alimento. Antes que o sol desapareça nesta soledade, dá que meus olhos avistem os verdores de um Oásis em que possam repousar meus fatigados membros, e onde minha boca sequiosa encontre o veio de alguma cristalina fonte".

E ela estendia a vista pela imensidade cujas areias brilhavam aos raios do sol ardente, como poeira de diamantes.

Ismael acorda.

"Mãe, água!" debilmente balbucia com voz suave e meiga como o balido da ovelha terna.

Agar olha derredor...

Só o areal, que fulgia como uma poeira de diamantes!

Deixando o filhinho sobre o chão abrasador, ela afastou-se febril, em lágrimas, murmurando:

"Ao menos não o verei morrer!"

"Agar, Agar!" — uma voz suavíssima, do alto, disse.

E um anjo formoso, em alvíssima nuvem brilhante tocava-lhe o ombro, como se a despertasse.

Agar fitava-o, pasma.

— Toma água dessa fonte, bebe, e dá de beber a teu filho. Deus é convosco; caminha; Ismael será o chefe de uma poderosa nação.

E a visão desapareceu.

Como um espelho de cristal, uma fonte d'água puríssima e fresca se estendia, ali, no areal do deserto inclemente.

Agar tomou seu filho, e, naquela maravilhosa fonte, com ele, desalterou o peito enfebrecido.

Ismael veio a ser o pai de um grande povo.

 

CAPRICHOSA!

V

— Quero que o mar te leve numa onda azul de rosas — dizia ela, abrindo o regaço azul cheio daquelas rosas de amor; voltarás amanhã ao alvorecer, e a brisa do mar trar-me-á o teu batel por sobre estas flores ainda frescas.

— Mas... não vês, llza, no horizonte, aquele negror que se estende como um véu de crepe? E a bandeira da tempestade que se arvora no campo sidéreo... é o vulcão que ameaça revoltar os mares... e deixas-me partir, sozinho, pela noite que vem?!...

— Tu, Aldino, pescador de corais, tremes? Tu, nadador sem rival receias?... Não! Se a tempestade bramir, olha o farol daquele promontório; singra depressa para ali. Antes que o sol venha amanhã dourar aqueles outeiros verdes, tu adornarás meus cabelos negros com o ramo de corais prometido como presente de noivado... Um beijo,

um abraço, e... adeus!

Lá no marulho da onda mansa envolveu-se o sussurro de um beijo, e no suave anelito da viração marinha perdeu-se o arquejo de um suspiro de amor.

E a onda de rosas levou o pequeno batel de Aldino.

* * *

Alta noite, Ilza gemia sob a pressão de um pesadelo horrível...

Era como se rijos braços a cerrassem mais e mais...

"Aldino! Aldino! — murmurou, aflita, num suspiro longo que a despertou".

Ergue-se, entreabre o postigo; espreita o mar...

O céu negro e pesado; a lua rompe a custo espessa nuvem sombria e para logo se envolve pálida naquele véu de luto, como jovem recém-viúva surpreendida desmuda a face linda...

De repente, o tufão violento espalhou-se nos ares; o mar em vagas alterosas sacode brava a espuma alvíssima sobre os fraguedos da costa. Salsos respingos trazidos pelas refregas vêm borrifar as faces de llza, que se debruçava na escuridão, e aquelas gotas salinas que lhe caem no seio têm o sabor das lágrimas de uma dor crudelíssima...

.......................................................................................

Quando o alvor da manhã aclarava o Céu, na praia, pendida sobre a orla espumante do mar, llza desvairada estende os braços à onda que gemia, coberta de rosas, apresentando-lhes o corpo inanimado do seu desditoso Aldino!

 

A ESTRELA DA BONANÇA

VI

O mar estava negro, e negro estava o Céu.

Temerosas vagas erguiam-se à altura dos rochedos, onde se despedaçavam com pavoroso fragor, espumantes de ameaçadora fúria.

Impelidos pelo tufão, corriam no espaço escuros nimbos semelhando enormes abutres pairando por sobre abismos insondáveis.

A natureza toda parecia envolta no lutuoso véu da morte.

Deus! entre horrores do Céu e do Oceano, um navio rodopiava à mercê da tormenta!

No tombadilho, a equipagem silenciosa agrupava-se presa de terror, que o piloto, desanimado, já não mandava a manobra, perdido o rumo, a bússola desarranjada.

Era a hora d'Ave Maria; — em meio do horror da tempestade, o capitão descobre a fronte morena, prostra-se de joelhos e convida a orar.

Toda a tripulação descobre-se e ajoelha sobre o tombadilho.

"Virgem Senhora da Bonança, Estrela radiosa do Céu e do Mar, pelas sete dores que te pungiram o materno coração quando peregrinavas na terra; pela Cruz bendita de teu Filho Santo, estende por sobre este Céu de horrores o teu manto azul e mostra-nos no horizonte a formosa estrela da tarde — imagem tua.

Estampa no firmamento da noite o Sete estrelo, — símbolo das tuas dores indizíveis, e o cruzeiro brilhante, formoso emblema da salvação. Nós, pecadores agradecidos, levaremos ao sopé do teu altar augusto as rotas velas da nossa desventurada barca homenagem de fé e gratidão ao teu piedoso amor..."

O trovão reboou no espaço...

O raio fendeu a negrura do Céu.

Romperam-se os nimbos e a chuva caiu torrencial.

Lá, no longínquo horizonte, rasgou-se a cobertura da tempestade, descobrindo uma nesga de azul puríssimo, e a formosa estrela da tarde lentamente surgiu por entre os véus despedaçados da procela...

Era que a Virgem da Bonança estendia o seu manto azul constelado, em que resplandecia o Sete-estrelo e o cruzeiro formoso!

E o mar, pouco a pouco sossegado, retratava humilde a radiosa estrela bendita.

Depois, quando a manhã serena já dourava as ondas mansinhas, na praia, os marinheiros enastravam de flores as rotas velas da embarcação, conduzindo-as, após, reverentes, entre cânticos de louvores, ao sopé do altar em que a formosa imagem da Virgem Senhora da Bonança parecia acolher com sorriso de maternal amor o preito singelo de tanta fé e gratidão.

 

AS ROSAS DA CARIDADE

VII

É bem conhecida a lenda do milagre das rosas de Santa Izabel, mas tão linda, tão comovedora é, que não posso furtar-me ao desejo de intercalar entre os meus singelos — "Contos de um instante", a interessante narrativa desse episódio em que num momento, a Providência Divina transformou em perfumadas rosas os socorros

piedosos da caridade bendita.

Izabel, a formosa e compassiva rainha da Hungria, era o anjo consolador dos pobres vassalos desde os arredores do seu Castelo a muitas léguas distante.

Um belo dia, caminhava a piedosa soberana, acompanhada unicamente de sua fiel donzela, por um dos mais escuros carreiros do campo, levando no regaço do manto, pão, ovos e outros comestíveis mais, destinados aos seus pobres, quando, em uma volta do caminho, encontra-se face a face com o severo esposo que voltava da caça pelos

montes.

Surpreendido este de vê-la assim curvada caminhando, como se a custo levasse pesada carga, estende a mão ao regaço que ela atemorizada conchegava ao seio, dizendo: — "que levais aí, Senhora?"

— "São rosas..." responde-lhe timidamente a Santa.

— "Vejamos essas rosas" — tornou ele, com irônico sorriso, pois que era passada a estação das flores e nem pelos campos, nem nos seus magníficos jardins se via desabrochar rosa alguma, — e desprendendo com violência o regaço que a caridosa mão colhia, só de rosas brancas e purpurinas viu cobrir-se o solo sobre o qual Izabel caiu de joelhos no meio da mais primorosa alcatifa!

Atônito, quis então o desumano Senhor reanimar a Esposa com suas carícias, porém deteve-se deslumbrado pela aparição da imagem luminosa de um crucifixo que, pairando por sobre a cabeça de Izabel, a envolvia no suavíssimo clarão de uma Bênção divina...

O arrependimento, o remorso pungiram o coração antes insensível, do soberbo Landgrave que, prostrando-se com recolhimento verdadeiro, levantou uma daquelas maravilhosas flores, guardando-a por memória do glorioso sucesso com que Deus quisera rasgar-lhe a venda que aos olhos da alma ocultava as misérias humanas, bem como os inefáveis encantos da Caridade divina. Agora, humilde, pedia à Esposa que continuasse sua piedosa jornada, sem o menor receio, e de volta ao castelo, meditava no poder do Amor de Deus.

Por eterna memória deste milagre da Caridade, ao lado de um antigo carvalho cuja sombra tivera lugar tão providencial encontro, ele mandou levantar uma suntuosa coluna encimada por uma formosa Cruz — grata lembrança daquela que resplandecente mais que a coroa da realeza, viria fulgir sobre a imaculada fronte da bem-aventurada lzabel.

 

UMA RECORDAÇÃO

VIII

O pequenito Leôncio morrera.

Dois anos apenas!...

Passados oito dias foram visitar a desventurada mãe.

Carmen vestia a cor das violetas, e, como a flor mimosa, pendida à pálida fronte, chorava.

Palavras de consolação, de conforto, nada! Todo o remédio aplicado àquela ferida recente mais lhe avivava a grande dor, mais e mais fazia sangrar o materno coração.

Levantei-me, e, passeando pela sala, procurava uma ideia qualquer que a distraísse.

Sobre uma das consolas de mármore havia uma grande quantidade de quinquilharias galantes; entre elas sobressaía um pequeno coração de veludo escarlate, artisticamente bordado a seda com uma coroazinha de amores e violetas, cercando em mimoso relevo de ouro a doce palavra — Amor.

Tomei o delicado trabalho e chegando-me a triste amiga, disse:

— "Que gracioso coração! Será a cópia do teu, tão formoso e sempre cheio de amor, Carmen?

E foste tu que lhe bordaste essa doce palavra?..."

Carmen levantou para mim o terno olhar magoado e, uma explosão de lágrimas e soluços mais forte do que antes rebentou-lhe da alma angustiada.

Atônita, buscando acalmá-la, depus-lhe no regaço o mimoso coração de veludo escarlate que ela, num arrebatamento inexplicável, tomou, cobrindo-o de fervorosos beijos.

—  "Sabes, me disse afim, por entre soluços e lágrimas, sabes com que de ouro bordei essa doce palavra que me enche o coração?...

"Ele tinha os cabelos lindos... macios... longos... louros, muito louros caindo em graciosos anéis de ouro; um só anel, um só! daquele ouro precioso bastou-me para formar a doce palavra — Amor!"

Os fios dourados daqueles cabelos louros eram o esplendor do meu querido, e os lindos raios daquele esplendor formoso vestiam de carícias o pobre coração gelado pelo frio de uma eterna viuvez; então, as saudades podiam aqui abrir mais formosas, mais vividas como nos dias do passado feliz! Porém agora...

E chorava, chorava pendida a pálida fronte, qual violeta mimosa a derramar na terra orvalhos que lhe vem do Céu!

 

O DESVALIDO

IX

BEM AVENTURADOS OS MISERICORDIOSOS

Eu estava triste...

Tentara escrever, mas parecia-me haver esgotado os assuntos todos.

Não tinha inspiração; pensava mesmo não mais poder encontrar no Céu, no mar ou sobre a terra, coisa alguma que me comovesse, me interessasse e prendesse meu espírito tomado de displicência.

Eis que o vi vindo pela estrada...

— O desvalido — era um espectro vivo!

Magro, cadavérico, parecia que naquele mísero corpo nem mais um fio de sangue circulava já, tal era a espantosa cor de cera que, como um véu de morte, lhe cobria o rosto e as mãos descarnadas!

Arrimado a um bordão, caminhava lento, de instante a instante parando, vencido pela fraqueza que o fazia acocorar-se no chão abrasado pelo sol.

E o mísero chamava os transeuntes estendendo-lhes as esqueléticas mãos, falando com voz surda e entrecortada...

Um homem passava; o desventurado acenou-lhe.

O caridoso transeunte chegou-se a ele, e, complacente, escutou-lhe a cansada narrativa de amargurados revezes.

O infeliz pedia um meio de condução, sem o que, desfalecido, sucumbiria, em meio ao caminho.

O coração bem formado daquele que a Providência escolhera para a prática de uma obra de misericórdia, comoveu-se, e, esquecendo por um momento seus negócios, com outros companheiros, guiados pela virtude celeste, foram em demanda do necessário em circunstâncias tais.

Os curiosos rodeavam já então o desvalido a quem o Anjo dos infelizes não abandonava, pois o óbulo da caridade ia generosamente caindo das mãos do povo na desfalecida mão, que, entretanto, não se estendera a pedir...

É que a alma do povo cristão é generosa e compassiva!

* * *

Uma canoa tripulada por dois homens benfazejos vinha receber o infeliz. O primeiro benfeitor, auxiliado por outro de coração compadecido, ajudou o enfermo a levantar-se, conduzindo-o até a embarcação onde o acomodaram.

E a canoa vogou, abrindo, como um grande leque, a esteira na águas serenas da formosa baia que retratava o Céu azul da minha terra como num enorme espelho de cristal emoldurado de esmeraldas.

O desvalido ia, o quanto possível, consolado, pois levava no alquebrado peito a fé e a esperança — companheiras inseparáveis da caridade, cujo perfume celestial, ficando na alma do benfeitor, inundava-a da mais pura, nobre e santa satisfação: — a de haver praticado o bem...

* * *

Oh! Pareceu-me ver, naquele momento, o Céu abrir-se e Deus abençoando uma vez as almas benfazejas, enquanto os anjos alegres registravam no livro de ouro das — Boas Obras — o nome daqueles que vinham de exercer a doce e sublime Caridade!

Ante aquela grandiosa cena de dor e comiseração, a minha alma comoveu-se, e, entre duas lágrimas eu murmurei:

— Bem aventurados os misericordiosos!

 

DECAPITADA!

X

Era linda aquela borboleta azul com suas grandes asas cetinosas, iriadas como conchas de madrepérola!

A trombazinha graciosamente enroscada como um estame de flor, os olhos salientes, amarelos, diáfanos como contas de cristal raiado de ouro.

Pousada sobre o verde, levemente agitando as asas brilhantes, semelhava uma rara flor azul a desabrochar!

Oh! quanta era linda aquela flor do espaço a repousar na terra!

Por uma tarde estiva, eu a vi a debater-se de encontro aos vidros da minha janela que dá para o jardim. Por cima, a trepadeira em flores estendida pelo telhado, debruçava-se em vergônteas floridas. Sem dúvida a borboleta viera ali atraída pelo aroma das flores. Tentei prendê-la para que não estragasse o maravilhoso tecido daquelas asas ideais, porém, tão desastradamente o fiz, que se desarmando a vidraça, quase decepou a graciosa cabecinha a falena gentil!

Ai! dor!... a pobrezinha caiu moribunda a meus pés!...

Segurei-a... e senti ainda palpitantes aquelas brandas asas tão lindas, — multicores como as conchas de madrepérola; mas a cabecinha aonde brilhavam os diáfanos olhos de cristal raiado d'ouro, prendia, apenas presa por um delgado fio que a brisa para logo quebrou!

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Desci ao jardim: ali, sob um arbusto coberto de flores, depositei, em um pequenino jazido, a desventurada borboleta azul, e no plácido recinto, desfolhei rosas e saudades, cercando-o de "boas noites", expressivo emblema do meu pesaroso adeus.

O último raio do sol poente foi beijar o tumulozinho da pobre "decapitada", e a brisa que dali vinha trazia-me, depois, como um farfalhar suave de finas asas que se debatessem...

Porém o meu coração doído suspirou: — nunca mais!...

 

PENSÉE

XI

Nunca, se me souberes amar, Henrique, nunca eu te hei de esquecer.

— Assim o creio, Heloísa, e assim também o sente meu coração. Assim o tenho gravado na mente; sempre em ti pensarei; sempre merecerei o teu afeto, pois sempre hei de te adorar, ainda que nos separe o destino cruel, — sou teu.

Beijos, abraços e lágrimas selaram o juramento da despedida. Henrique partiu.

Que ternas letras ao princípio! Quantas flores da alma ai trescalavam o divinal aroma...

Saudades, sempre-vivas, não me deixes, miosótis, amores, cravos, perpétuas e martírios... que precioso ramalhete das flores do coração!... Seis meses se passaram; as cartas dele já não traziam tantos perfumes: que flor aí faltaria?...

Que raras saudades!... e as outras flores, murchariam no jardim de Henrique?

Ela tentara revivê-las, regando-as com lágrimas; porém o jardim de Henrique se tornará improdutivo!

Naquele — horto de amores —, outrora tão fértil e onde tão delicadas flores brotaram, só duros espinhos medravam agora.

Esquecia-se... Henrique esquecia-se de cultivar as meigas flores do coração e as deixava fanarem-se... morrer...

Heloísa entristeceu e chorou como a violeta que roreja de lágrimas a terra, e gemeu como a rola abandonada na solidão. Em torno dela a luz escureceu e se fez noite...

Depois, um dia raiou, e no coração em que o sopro cruel do desengano desfolhara as meigas flores das ilusões, doce raio de sol penetrou que fez desabrochar mimosa flor iriada: aquela a que os franceses chamam — Pensée...

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Ah! a ingratidão é o sopro devastador que arrebata os mais puros sentimentos da alma; — a gratidão é o doce raio de sol que, aquecendo o coração, faz nele brotar o mais temo e sincero afeto.

 

ROSAS DE AMOR

XII

Rodeando a casinha branca de portas verde-gaio, coberta de telhas morenas, novinhas, as "rosas de amor" floriam todo o ano o verde rosal estendido pelo ripado da tosca cerca.

Rosas de amor, lindas rosas vermelhas e perfumosas que atraiam as borboletas em bando; rosas de amor gentis, sobre as quais a madrugada derrama pérolas do Céu, sempre, sempre viçosas, cobrindo o cercado da casinha branca.

Mas, quem habitava aquele ninho encantador no meio de rosas?...

Duas pombinhas mansas, alvas como lírios brancos, vinham todas as tardes, ao toque d'Ave Maria, a descansar um instante naquele rosal florido; depois, voavam juntinhas e lá se iam pousar entre os braços de uma cruz alva, que além se erguia, no campo, sobre um montículo relvado de violetas, e ali dormiam ao brilho das estrelas ou ao palor da lua, até á madrugada, e quando os primeiros albores bruxuleavam no Céu, ei-las que voavam alto, muito alto, até perderam-se entre os palores do alvorecer.

Eram as almas d'eles, diziam pela aldeia.

E as mulheres do campo, e as crianças timoratas não iam mais à tardinha proverem-se da água no cristalino veio que corria por entre moitas de lírios e açucenas, porque tinham receio de passar pela cruz branca que se erguia no montículo verde coberto de rosas violetas.

Mas, quem eram eles cujas almas tão castas, tão docemente irmãs vinham do Céu sob aquela aparência de meiguice e ternura, ali, beijarem-se entre as rosas de amor?...

"Eram primos, eram noivos; um casal que se adorava, — contara, um dia certa velha camponesa daqueles arredores".

Eles habitavam a casinha branca, esposada de oito dias apenas.

Uma tarde brincavam colhendo rosas... rosas de amor — púrpuras e cheirosas que cobriam o cercado tosco, quando, invejoso áspide que lhes espreitava a veutura, imprimiu, na mãozinha, delicada, um traiçoeiro beijo... de morte!

Ai! que não foram os espinhos das rosas de amor que lhe arrancaram do coração amante aquele ai tão magoado!

E na mão pequenina pálida como uma pétala de magnólia, uma gotazinha vermelha se levanta...

E a jovem noiva desmaiou, tombando entre as rosas que se lhe entornaram do regaço...

Depois, no delírio de febre, pedia ao seu amado que a seguisse ao Paraíso.

Ele assim prometeu a alma adorada.

Dias após ela partiu para o Céu.

Ele prometera: e, um dia, à hora d'Ave-Maria, finou-se de saudades junto ao rosal sempre florido das rosas de amor!

E suas almas — alvas pombas meigas, tão irmãs, vêm sempre, à hora da saudade, arrulhar ternuras no antigo ninho do seu casto amor.

E trementes, medrosas se aconchegam entre os braços protetores da cruz; depois, voltam ao Céu, porque só entre as flores do Paraíso, depois que a pobre Eva tornou para sempre infeliz, nunca mais rastejou a serpente maldita, invejosa sempre das venturas da mulher!

 

SONHO

XIII

— "Não vês o floco de branca nuvem a deslizar pelo Oriente, como se doura aos raios do sol que nasce?

—  Tal é a tua existência: — nuvem mimosa e alva que passa imaculada, até que uma luz bendita a doure com seus raios puros, para, depois, desfeita em pérolas, cair, — orvalho consolador —, sobre as florzinhas da terra. Vai; o dia desponta no Levante. Deixa que a aragem matinal faça deslizar o teu pequeno batel por entre as ilhas de nenúfares em flor; além, ele abicará; eu ai conduzirei o teu desposado."

Assim, no sonho de Ivanina — a gentil pescadora, — falara um anjo de nívea roupagem e grandes asas prateadas.

Ivanina acorda sobressaltada. Antes de adormecer, ela fizera ao seu anjo uma doce prece, eis que vem de sondar o doce mistério que a perturba.

Do lado do Oriente adelgaçavam-se as brumas da manhã, descobrindo verdes montes coroados de palmeiras que semelham lindos cromos estampados em azul. Por entre margens cobertas de trepadeira florida, o lago se estendia sereno e prateado. Vestida à maruja, Ivanina — a gentil pescadora —, chega, desprende a barquinha, ligeira salta dentro, e, reclinando-se, deixa que a plácida corrente a conduza por entre as ilhotas de nenúfares em flor.

Ao suave deslizar do batel, volta-lhe o sono, e com ele o sonho encantador.

Agora, porém, o anjo de brancas asas prateadas e longa e nívea roupagem, coroa-lhe a fronte com as flores virginais da laranjeira, e, tomando-a pela mão, a conduz a um altar florido...

O batel abica à margem; Ivanina desperta assustada, cobrindo-se de vivo rubor à presença do mancebo gentil que, sorrindo, estende-lhe a destra.

Era aquele que devia levá-la ao altar, para com a luz de um abençoado amor dourar-lhe a existência imaculada, como o sol ao nascer doura o floco de mimosa nuvenzinha branca que se desliza pelo Oriente."

 

BEM-ME-QUERES

XIV

Sentados à sombra de frondosos salgueiros, à beira do rio, bordado de verdes moitas em flor, Jano e Clarinda descansavam enquanto pelo outeiro verde suas cabras pascem.

— "Aposto, diz Clarinda, — a Cabrerinha gentil, que a mulher sabe amar, enquanto que o homem, só sabe fingir!"

— "Então, crês tu que o meu amor seja fingimento? — pergunta-lhe, sentido, Jano, o pastor.

— Oh! não... não! acode vivamente Clarinda; só penso que o meu excede em muito o teu, disto, o contrário, só o acreditaria se de Deus o pudesse saber."

Jano levantou-se dizendo: — "Pois bem; de Deus o saberás."

O verde prado cobria-se de dourados mal-me-queres, como de estrelas o céu das noites sem luar. O pastor colheu um feixe deles, e, espalhando-os no regaço de sua amada, disse: - escolhe um; eu tomarei outro e vejamos o que Deus diz.

Clarinda tirou um viçoso exclamando: "Oh! este tem o viço e beleza do meu afeto: quero-o!" Jano tomou outro dizendo: "Prefiro este cujo centro tem uma auréola verde; é a coroa da minha esperança!"

A Cabreirinha arrancou a primeira pétala à mimosa flor, murmurando: "mal-me-queres"; Jano repetiu imitando-a: "mal-me-queres"...

E as duas petalazinhas de ouro foram lançadas à corrente.

Clarinda arrancou segunda pétala: "bem-me-queres", disse; o pastor secundou-a: "bem-me-queres"; de novo as pétalas mimosas foram lançadas à corrente.

Assim prosseguiram, e o rio já carregava em suas mansas águas cristalinas mil petalazinhas de ouro; poucas já se prendiam agora ao cálice da flor.

Jano e Clarinda fecharam os olhos e prosseguiram à ventura.

Quando ambos tinham pronunciado "bem-me-queres", e receosos, tatearam, procurando outra pétala, eis que suavíssimo canto se derramou no espaço... Abrem ao mesmo tempo os olhos; nas mãos só lhes restava o cálix da graciosa flor!

E o sabiá, no galho florido da laranjeira, saudava aqueles ditosos amores que Deus, dos Céus, patrocinava!

 

A SINA

XV

Apeando-se do seu negro corcel andaluz, ajaezado de brunida prata, o jovem fidalgo parou à porta da velha feiticeira, e, estendendo-lhe a mão aberta, disse: "lede a minha sina!"

A cigana tomou-lhe a destra e nela cravando olhos escrutadores, murmurou: "amor... riqueza... glórias, tudo, tudo tereis, se fordes amado pela dama que vos tem preso o coração."

— E, como o sabereis? interrogou o cavaleiro.

— A mais nobre donzela, tornou a cigana, mais alta, mais opulenta, talvez, do que vós, porém, a vossa gentil presença, vossa excelência e bravura bem vos tornam merecedor de tão valioso prêmio.

— Porém... sou amado? volveu impaciente o mancebo.

— Oh! Sim... creio poder afirmá-lo, respondeu a velha.

— Ah!... com certeza? não mentis?

— Cavalheiro! duvidais? Eu poderei, talvez, provar-vo-lo.

— Como?... dizei-mo breve! exclamou o apaixonado mancebo, jogando ao avental da cigana uma luzida moeda de ouro.

A feiticeira fez gesto grotesco, como agradecendo, e alongando o olhar até o horizonte disse: "foge o dia; a sombra da noite já envolve a terra. Apressai-vos, cavaleiro! — a nobre senhora está solitária, pensativa... quiçá pense em vós! Tomai o caminho do Castelo, penetrai no parque e segui até o terraço; aí, a encontrareis e dela própria ouvireis se sois amado."

— Como! o que me aconselhas, jamais o farei; sabeis? Sou cavalheiro, sou nobre, e um nobre cavalheiro nunca praticará essa vilania!

— "Mas si representásseis a velha feiticeira, tornou a cigana, bem o poderíeis fazer".

Sobresteve o fidalgo; seu rosto exprimiu repugnância; mas, após instantes, disse: — explicai-vos.

— "Tomai este manto meu, esta usada túnica, disfarçai-vos e ide ler à nobre senhora a buena dicha. Mas, guardai bem vosso incógnito, do contrário, expor-vos-eis a tudo perder. Ide; aqui vos esperarei; vosso ginete será bem guardado. E assim falando, a velha cigana apresentava ao jovem cavalheiro suas esquisitas vestes".

Obediente, desprende o fidalgo a luzida espada, desata os brunidos acicates, e, envolvendo-se nas sombrias vestes cabalísticas, tomou o bordão e dirigiu-se ao Castelo.

Solitária, pensativa, reclinada languidamente sobre macias almofadas de luxuoso divã franjado de ouro, a nobre donzela tinha a vista perdida no extremo do Céu, lá onde o sol descendo vagaroso por entre largas faixas de ouro e verde esmaecido, purpurava com seus últimos raios as nuvenzinhas mimosas dispersas pelo horizonte.

O vulto alquebrado da feiticeira assomou... aproximou-se e quedou imóvel.

Já o sol se ocultava resplandecente.

A mimosa castelã suspirou doce segredo que lhe fugiu dos lábios e se foi suavemente esconder no casto seio de uma magnólia linda que ela ternamente beijou.

Já o sol desaparecera lentamente.

Ia a retirar-se... susta-lhe o passo voz estranha e trêmula que assim murmura:

"Pensativa estáveis; sentis alguma dúvida sobre o vosso futuro, bela senhora? Eu vô-lo esclarecerei."

Sobressaltou-se a donzela ao ver a esquisita figura; porém, serenando, perguntou: "o que me quereis dizer?"

— A vossa sina! respondeu a pretensa feiticeira.

A fidalga estendeu a branca mão que a feiticeira tomou estremecendo, e, examinando-a atentamente disse: "É nobre aquele que amais e por quem sois amada..."

— Amada! — repetiu com eco dulcíssimo a castelã formosa.

— Oh! muito amada, sim! tornou com veemência a feiticeira.

O cavalheiro que tanto vos ama por sua nobreza e valentia, bem merece o vosso afeto, mas...

— Mas?! — Dizei! exclamou a donzela...

— Nem por sua linhagem, riem por seus haveres vos pode igualar, continuou a velha.

— Isto o que importa? volve a fidalga, si o meu belo cavalheiro é nobre e valente como dizeis? Continuai.

— Amai-o muito?... perguntou baixinha a feiticeira.

— Se o amo?... Oh! Se o amo!... disse apaixonadamente a jovem, e acrescentou como para si: demais, bem sei que o nobre marquês Roland de Croix-dorée pode muito dignamente vir a ser o nobre esposo da filha dos Condes de Verdmont! Eu o amo, meus pais o apreciam... porém, disse, olhando inquieta a velha feiticeira, vossa mão se torna ardente e fria!... Ele não me ama?

— Senhora! interrompeu precipitadamente a feiticeira; leio nos traços de vossa mão: d'aqui a alguns dias, cumprir-se-á o vosso destino: sereis a esposa daquele que amais e que muito, muito vos ama!

— Tomai! disse a jovem castelã, oferecendo-lhe algumas moedas de ouro; mas a fingida feiticeira partira veloz e correndo saiu do parque, parou à porta da cigana, despiu-se dos misteriosos andrajos, cingiu a dourada espada, prendeu os brunidos acicates e, cavalgando o impaciente andaluz, partiu à rédea solta, sem mesmo olhar a velha cigana que, com seu gesto grotesco murmurou: — quanto é feliz!...

Oito dias depois, no solar, celebravam-se as pomposas núpcias do nobre e valente marquês Roland de Croix-dorée, com a formosa Branca, herdeira dos nobilíssimos condes de Verdmont.

 

O DESTINO

XVI

— Eles se amavam muito!...

Eram felizes, mas... de uma felicidade ideal!

Suas almas gozavam as delícias de um afeto imenso, mas o mel da taça em que bebiam a ventura, tinha, por vezes, a acrimônia do fel.

Sem ele, ela vivia como a flor sem o sol; ele sentia, longe dela, o gelo da indiferença arrefecer-lhe o coração; mas, — escravo do dever —, arrastava, além, naquela atmosfera glacial, uma existência penosa e amargurada, como o infeliz a quem privaram da liberdade. E, no entanto, eles se amavam muito!...

Mas quem os separava?

— O Destino! —

Separava-os o destino; ele partiu. Sua alma de poeta era sensível e meiga; inspirava o amor. Trovador apaixonado, cantou na terna lira de suas ilusões, o canto da despedida.

O seu canto era assim:

"Adeus, ó meiga virgem! não despertes,

ao som da minha voz;

deixa que passem nos teus sonhos lindos

as notas do meu canto...

Adeus! por longes terras vou correr,

— na pátria — foragido!

Sem um beijo de amor deixas que parta

teu pobre cavalheiro!...

Nas ondas meu batel embalançando

em ti eu cismarei,

quando o luar tremer sobre a ardentia

dos mares — na solidão!

Nos ermos, nas campinas, vagueando,

sem ter uma esperança,

à noite pousarei em alguma choça

bem longe do meu lar!

Na branca madrugada, entanto, a rota

irei seguindo, além,

por mares ou nos pobres povoados

sem nunca ter prazer.

E quando este destino me quebrar

as forças que me restam,

não quero que teus olhos se entristeçam

no dia em que eu morrer!

Amor que em teus sorrisos tu me deste

comigo eu levarei;

amor que por ti sinto não desprezes

tu que juraste — amar!

Tu amas... sim; tu amas! virgem meiga,

adeus... não te despertes;

eu parto... que em teus sonhos o meu canto

murmure um triste — adeus! — "

E ele partiu.

Almas irmãs, ela tinha a sensibilidade e a ternura do poeta; inspirada de amor e de saudades, a virgem solitária, errante pela encosta do mar que o levara, alta noite, ao luar, cantava assim:

— A voz do trovador quebrou meu sonho:

— "adeus! — adeus, dizia:"

e o canto era tão meigo, tão tristonho,

tão cheio de harmonia...

A que longínquas terras, peregrinas

Vai-te, célere assim?...

— na pátria foragido... oh! que destino!...

e te partes sem mim!...

Meu pobre cavalheiro! não esqueças

meu terno e doce amor,

nas terras, na choupana em que adormeças,

— cansado viajor.

Nas águas bonançosas, sem receio,

soltando a barca leve,

irás pensando em mim... penso que anseio

por tua volta breve!

À noite, sobre as ondas tremulosas,

douradas pela lua;

irei ouvir dos mares as saudosas

canções dessa alma tua.

Se um dia tão cruel destino, entretanto,

teu corpo languescer;

— eu quero, dos teus olhos no quebranto,

a morte, alfim, sorver!

E amor que no teu peito me gravaste

contigo levarás;

e amor que na minha alma tu deixaste

no Céu o encontrarás.

Adeus, ó cavalheiro! — o sonho lindo,

desfez-se triste, assim!

— Tu partes... o teu fado vais seguindo...

Ai! tu partes sem mim!

 

ALMAS GÊMEAS

XVII

— Acaso desconheces, ó muito adorada Aida, o profundo abismo que de ti me separa?

Dos teus prisioneiros, há já dez anos, sei, porventura, se ainda vive minha esposa?

Eu, bem jovem, desposei-a, julgava amá-la.. .ah! bem depressa conheci quanto nossas almas eram dissemelhantes! Eu não sentia mais o prazer a seu lado, e todo o amor que sonhara dar-lhe, aquele afeto imenso de esposo amante, no meu coração, se transformava em paternal carinho. Amei meus filhos com extremo; mas... eram do Céu: o Céu reclamou-os. Eu padeci longos, cruéis, martírios; a esposa não saberia, não poderia consolar-me. A pátria necessitou-me; amo a terra que me viu nascer; era cavalheiro; parti. Roto e desbaratado o exército cristão, fiquei prisioneiro dos teus irmãos do Oriente; sabes tu, ó muito minha amada, o quanto hei padecido?

Julgaram-me, por fim, inofensivo, tiraram-me os ferros, abriram-me as portas da horrível masmorra, e deram-me por mensagem a cidade do Profeta.

Era ao cair da tarde; este formoso céu da Palestina cobria-se de um rico manto purpurado, com frisos d'ouro, como a suntuosa veste de opulenta soberana. As rosas abriam frescas e vermelhas, quais as do pudor nas faces da desposada. Junto à fonte, sob a ramagem desfiada do salgueiro, eu te vi, — estrela brilhante do formoso céu de

Alá, pálida rosa dos jardins do Oriente; eu te vi, e te adorei!

Os negros olhos de Aida brilharam; os seios tremeram-lhe como brancos lírios beijados pela aragem; semicerraram-se-lhe as pálpebras como as pétalas da maravilha aos primeiros raios de sol, e duas lágrimas deles se desprenderam quais gêmeas gotas d'orvalho do seio de graciosa flor.

— "Admar... Admar, meu amado! — com voz dulçorosa a virgem muçulmana suspira, — quando o sol, como sultão que vai dormir, inclina a fronte ardente coroada de raios sobre suntuoso coxim de carmesim e ouro, a Natureza, sua favorita, dá-lhe em meigos cantos toda a ternura de sua alma, em doces perfumes, todo o amor de seu coração".

Que importa à violeta que à tarde abriu, tenha o sol aquecido as rosas da manhã?... A violeta ama o sol da tarde que vem docemente haurir-lhe o aroma do seio, e no delicioso perfume da melindrosa flor, o sol encontra mais doçura e vida do que nos encantos da peregrina rosa. O amor é livre como a avezinha do espaço; se apartasse do companheiro a avezinha mimosa, se a embaraçasse de chegar até ele, do galho florido do arvoredo, em meigos cantos de amor, a triste envia-lhe toda a ternura de seu inocente coração; o amante afastado lhe responde acorde, e, assim, o afeto doce e terno vence a dificuldade a mais cruel.

O coração da mulher é a flor que entorna suavíssimo perfume si o raio do sol do amor lhe penetra o seio... sua alma é a livre avezinha: — ama, ama sempre, embora não goze a felicidade do seu amor; e assim foi que eu te amei... assim te amo e te amarei sempre!...

Quando a tarde esmorecia, e os campos eram mais verdes, e as rosas mais vermelhas abriam como caçoulas de nácar a derramar essências, eu cismava junto à fonte dos salgueiros, ouvindo o murmúrio suave das águas, o doce rumorejar da viração.

Contemplava os lírios que floresciam em derredor, e os lírios

brancos eram dois em uma mesma haste; os passarinhos não brincavam sós, nem as borboletas que voltejavam aos pares, como pétalas de flores levadas pela brisa.

Meigos pombinhos se acariciavam em um recanto da verdura; no galho mimoso de virente arbusto, sob um tufo de flores balançava-se um ninho aonde os pequeninos implumes se aconchegavam pipilando alegremente ao doce calor das asitas levantadas da avezinha mãe. Em toda a Natureza, pois, eu via uma afinidade de ternura e de amor; não havia, portanto, existência alguma semelhante à minha... nenhum ser era triste, — só —, sem os carinhos de mãe, sem as ternuras de amante; todos, enfim, gozavam a felicidade dos seus afetos; somente eu era solitária e triste como uma pobre deserdada!...

No meu coração levantou-se então um desejo... oh! — que era belo como deve sê-lo o sonhador da liberdade! — terno e meigo como o arrulhar da pombinha enamorada; mas forte, mas grande como a impetuosa corrente que tudo arrasta, como o oceano que se espraia arrojando do seio as maravilhas do abismo! — era o desejo de amar... de ser amada!...

E eu sentia o peito entumecido de muito amor!

Teus passos quebraram o meu encantamento; eras tu a imagem evocada na minha fantasia; foste a realidade do meu ideal e eu te amei... oh! Te amei, e te amo muito...

Seus braços se enlaçaram, seus lábios se uniram, e o brando seio de Aida, no transporte, apertou-se ao valente peito do cavalheiro, como o festão da erva mimosa ao tronco do robusto carvalho que lhe dá vida.

Ah! quanto mais profundo e insuperável não era o amor que unia suas almas do que o invencível abismo que os separava!...

 

PÉROLAS E LÁGRIMAS

XVIII

Enquanto risonha a Castelã feliz, ante o seu magnífico espelho de cristal emoldurado em relevo d'ouro, prendia ao colo formoso um belíssimo colar de finas pérolas, na pobre choupana vizinha, pelas faces descoloridas da triste órfã aldeã, desfiava-se silenciosamente o colar de pérolas não menos precioso que lhe cingia o coração.

Estas eram lágrimas amargas; aquelas, joias raras faustuosas; e no palácio esplendoroso era tudo — risos, flores e festa, enquanto que na casinha humilde, — lágrimas e suspiros só!

Mas por que sorria a fidalga?

Por que chorava a aldeã?

É que — lá —, o amor cantava, — aqui o amor gemia.

Dois corações pendiam da balança das fadas: um, pleno de felicidade, outro, repleto de amarguras; e neste, sobrepujava o amor; era maior o padecer que naquele a felicidade, e gozo e ternura.

O jovem caçador vestido de verde, prendera o coração da singela aldeã; o gracioso fidalgo trajando veludo e ouro, merecera a preferência da orgulhosa fidalga; e, quando a pobre órfã reconheceu, sob a opulência do fidalgp, o seu lindo caçador, o coração gemer-lhe no peito, ferido de uma dor mais cruel do que a produzida pela afiada

seta com que ele na floresta prostrava sem vida a juriti carinhosa.

* * *

O nobre par acabava de receber-se na capela do antigo solar.

— Pérolas e lágrimas...

— Pérolas a ornarem a fronte, o alvo colo, os lindos braços da castelã feliz; lágrimas a deslizarem-se silenciosas pelas descoloridas faces, pelo casto e pálido seio por entre as brancas mãos trêmulas e frias da aldeã desditosa.

..................................................................................

A tarde chegara. As crianças da aldeia, por toda a parte buscavam flores; não havia mais. Rosas brancas, brancos lírios, cravos, magnólias, açucenas e jasmins, tudo ornava o grande Palácio da nobre Senhora; no campo só restavam algumas rosinhas silvestres, açucenas do vale, e as flores da laranjeira eram as flores da Virgem; levaram-nas. Coroa para a fronte, palma para as mãos, ramo para o seio.., eis tudo.

E a noiva do Céu, era ainda assim, mais bela e ditosa do que a noiva da terra!

 

FANTASIA

XIX

POBRE CORAÇÃO

Ele tinha os olhos garços; o olhar desses olhos falava... Ora meigo, de indizível e sedutora ternura, ora lampejante, imperioso, irresistível no seu brilho dominador.

Pálido como poeta, o seu coração seria o de um poeta também?... não possuiria ele uma alma terna e sensível?...

Os cabelos lindos de um acastanhado leve, ondeavam graciosamente; o porte elegante e distinto... era um mancebo encantador!...

Fraca e pálida como a flor abandonada, ele encontrou-a; definhada qual a folha mimosa no arrefecer do Outono.

Ele examinou-a... Seus olhos belos, meigos e compassivos se quedaram fitos nos olhos escuros dela; o que leria ele ali?...

Depois, sua formosa cabeça inclinou-se sobre o brando seio da doente; auscultava-a... escutava-lhe o coração; — o que ouvia ele?...

Um suspiro débil, penso que fugia, — avezinha errante em busca do abrigo onde repousar; — e a formosa cabeça comprimiu terna, suavemente o seio que ficava por sobre o coração.

Ai! pobre coração! — o que sentiste?...

Que sensação indefinível! que inexplicável anseio te fez assim tanto palpitar?

Foi bem a terna saudade, a doce recordação, talvez, de um passado desfeito o que sentiste?

Ai! Pobre coração!...

A palma mimosa da sensitiva se retrai ao contato de mão; — coração, coração! — porque te confrangeste assim? Oh! — folha mimosa! — por que te retraíste?...

A avezinha livre do deserto, por vezes tem sede; — aí se avistar a cristalina veia, quem a condenará porque vai sôfrega beber?

Se a gota de orvalho que o Céu mandou, tremulando fica na pétala desprendida da magnólia branca, quem há de criminar a borboleta que pela tarde estiva e vai sorver?

A cândida a tem doçura no seio; foi Deus que lha depositou ali; — que mal há pois que o beija-flor sequioso procure o doce mel naquele seio perfumado?

E se da luz criadora do sol benefício, acaso a violeta que na sombra pende, sentir o almo calor e amoroso o acolheu no seio em que ele docemente penetrou, se deve, porventura, censurar a misérrima que, de frio, se finava no isolamento?

E Deus criminaria a inocente imbele para resistir e mui sensível para ser ingrata?!

O orvalho do Céu caía gota a gota, em cada manhã, sobre a planta que desfalecia; o sol aqueceu-a, cuidou-a o floricultor, e cada dia ela sentia o extremo desvelo com que a trataria. Oh! revivessem, abrindo-se em flores bem mimosas!...

Que culpa têm as flores que se abrem agradecidas?

A flor encerra o gérmen, o perfume, a doçura; o coração encerra a voda, o amor, a ternura; a flor desabotoa, entornando aroma se o sol a aqueceu; o coração é como a flor: expande-se derramando a ternura se amor feriu...

Que culpa tem a flor? Que culpa tem o coração?...

Ai! pobre flor abandonada!

Ai! pobre coração!

 

FANTASIA

XX

MÍSTICA

A flor, pálida e triste, esmorecida na solidão gelada; o sol passou; e o seu calor deliu o gelo.

Do dia em meio o sol ardente passava na — solidão, — a flor, o raio seu beijou; a flor corou, tremeu..,

Lá no Infinito, nuvens escuras, nuvens de tormenta, entanto perpassavam; talvez o vendaval, talvez o raio...

Mas o sol vira a flor pálida e triste; o branco seio gotejava lágrimas; o sol secou-as; a flor corou, sorriu...

E o branco seio derramou perfumes, e a solidão se revestiu de encantos, e no perfume e na doçura grata, sonhava o sol, sonhava...

Mas, lá no Infinito se agrupavam nuvens... era talvez o raio, talvez o vendaval!

A nuvem o sol cobriu e tudo escureceu; uma lágrima d'ouro foi cair da flor no branco seio, lágrima que a luz do sol tornava ardente...

E a flor guardou no seio a gota incandescente e tão mimosa, — alma de luz, que, envolta em seu perfume, ficou no seio dela.

De novo — a solidão, o gelo, e a flor mais desmaiada e triste; ai!        quando volveria o sol que a alma lhe deixou no seio...

Quem sabe!... se ficou luz de esperança, foi uma estrela — pálida e chorosa — errante pelo Céu!

............................................................................

Viajor, viajor da vida, tu foste o sol; a flor que viste em teu caminho de urzes, guardou o teu amor, e o Céu guardou-lhe a esperança.

Segue teu rumo viajor da vida, mas ergue a fronte e o olhar: —não vês, lá no Infinito, uma estrela brilhando?... é a Esperança!

 

A FOLHA

(DE ARNAULT — Tradução)

De tua haste desprendida,

Pobre folha emurchecida,

Onde vás? — O que sei eu!

O roble que me sustinha

O temporal abateu.

Desde então, (que sina a minha!)

Ora o Zéfiro, ora o Norte

Impele-me débil, mesquinha,

Da mata ao campo, sozinha,

Do monte ao vale: — triste sorte!

No tufão que remoinha,

Sem temer e docilmente,

Eu vou aonde tudo vai,

— Da rosa a pétala que cai,

— Do louro a folha virente!

 

O PROSCRITO

Era forçoso partir.

Era um decreto dos fados: talvez um decreto de Deus!

Mais poderosa que o amor de um povo, mais do que o raio que de improviso cai sobre a eminência de um templo sagrado derrubando-a, força irresistível o impelia.

E o velho obedeceu; partiu.

Lá fora, em pleno oceano, a fronte pendida, a barba alvíssima e crespa como a espuma dos mares a beijar-lhe o peito em que gemia o coração que levava um nome escrito entre saudades, o velho chorava.

Entretanto ele sentia inocência na alma cheia de amargores, e no peito o coração repleto de amor; — o coração que levava gravado um nome...

O doce nome da Pátria!

E, lá, na vastidão intérmina do oceano, entre o Infinito azul e o Infinito glauco, o proscrito fez vibrar as cordas à harpa gemedora de su'alma de poeta; e as aves carinhosas que atravessavam o espaço, levavam os acordes daquele "adeus" magoado, e a viração marinha suspirando nas enxárcias, repercutia, daquela dor, os gemidos a se perderem pela soledade ilimitada dos mares.

Descera a noite estendendo desde a altura o negro véu recamado d'estrelas que se ampliava sobre as ondas em renda de alvas espumas com semeados de ardentia luminosa.

Enquanto a viração marinha ciciava endechas de saudade pelas enxárcias da nau balançada em ondulações de luz, o proscrito adormecera e sonhava.

Era uma visão formosíssima!

— Um índio belo, colossal, vestido de brilhante enduape trazendo sobre a cabeça o vistoso canitar dos reis da selva que lhe deixava a descoberto a fronte morena, altiva, cingidos os musculosos braços e os tornozelos com ornatos de áurea plumagem, adornado o colo hercúleo de um colar de alvo marfim, entremeado de pedras brilhantes, sobraçando possante arco, e tendo na destra uma flecha de cuja extremidade pontiaguda pendia, traspassado, um coração sangrento, — joelho em terra, o índio ideal apresentava ao velho sonhador aquele emblema de afetos gotejando sangue, e tristemente murmurava: — Pátria! Pátria!

E o proscrito acordava suspirando, em lágrimas, um nome... O doce nome da terra amada!

Mas, quem era esse coração majestoso, terno como David — O rei poeta, e tão venerável como em profeta hebreu?

Era um monarca destronado.

Era um soberano a quem o seu povo, outrora, chamara — pai!

....................................................................

Um dia, o Céu de formosa terra longínqua, Céu de azul puríssimo, em que à noite brilhava esplendorosa cruz formada d'estrelas cintilantes, — escurecera.

Um sopro gelado, vindo de além-mar, vestira de luto os ares e as águas...

Vergara o jequitibá robusto na floresta virgem e o sol empalidecera na turbada. O mar rebentava lastimoso regando as praias de suas lágrimas salinas.

As andorinhas que voltavam não chilreavam de contentes, antes, parecia gemerem ao chegar aos tetos da terra pátria.

E o vento espalhava no espaço uma melodia triste...

Eram nênias de magoada saudade...

Eram lamentos de um coração dorido...

Era o extremo — "Adeus" — do proscrito que adormecera-para sempre — na terra do exílio!

 

POEMAS DISPERSOS

(Transcritos de Jornais e Revistas)

TEUS QUINZE ANOS

À Maria das Dores Prates[1]

Teus formosos quinze anos

São quinze rosas mui belas

Tão puras e tão singelas

Como a tu'alma inocente:

As alvas da primavera

Oh! mãe, não têm mais doçuras

Do que as auroras mais puras

Desta quadra florescente!

Na tu'idade formosa

Como são belos os sonhos!

Como os dias são risonhos

E o mundo é cheio d'encantos!...

Sem ter a mente lembrança

De uma só crença perdida,

Quão bela desliza a vida

por entre risos e cantos!

A flor serena das águas

qu'em doce manhã de Abril

A meiga aragem sutil

Bafeja sem perturbar,

Não tem mais brando sossego

Do que o teu cândido seio

Que nunca o mais leve anseio

De manso fez palpitar!

Qual na linda primavera

Mais belas desatam as flores

E d'aurora os esplendores

Mais vivos brilham nos céus,

Assim na tu'alma pura

Brilha com mais pura essência

A branca flor da inocência

Tão grata aos olhos de Deus!

Conserva pois entre as rosas

Dos teus ledos quinze anos

A flor que os puros arcanos

Desvenda nos sonhos teus;

E lembra que da inocência

A branca flor perfumada

Do mundo é sempre estimada,

Sempre é querida dos céus!

Desterro, 4 de outubro de 1883.

Sul-Americano 17/11/1903

 

HINO

Oferecido aos alunos do Liceu de Artes e Ofícios

Hoje vimos contentes, singelos,

Nossa festa risonha gozar;

E com doce prazer celebrar

Os triunfos mais nobres, mais belos!

Como é grato, nas lutas briosas,

Os labores do estudo vencer!

E no fim de cad'ano tecer

Linda c'roa de flores mimosas!

Ah! se o céu que o trabalho abençoa

Nossas lidas de bênção cobrir,

Há de, ó pátria, o teu nome fulgir

Entre os louros d'altiva coroa!

Como a luz que de Deus recebemos

Quando o sol mais brilhante irradia,

O fanal da ciência nos guia:

— Nossa pátria querida ilustremos!

Regeneração, 08/12/1883

 

CANÇÃO O ESTUDO

Oferecido às alunas do Liceu de Artes e Ofícios

Gratos hinos

Jubilosos,

Fervorosos

Entoemos:

Que do estudo

Nos labores,

Lindas flores

Já colhemos.

Os espinhos

Destas rosas

Preciosas

Não ofendem!

Tais doçuras

Contêm elas,

São tão belas

Que nos prendem!

Eis! Avante,

Companheiras!

Prazenteiras

Trabalhemos!

Que dos louros

Mais virentes,

Nossas frontes

Cingiremos!

Como o sol

O estudo brilha

Sobre a trilha

Da existência;

Traz o sol

Mil rosas puras,

— Traz venturas

A ciência.

Eia! avante

Companheiras!

Prazenteiras

À lição

Que o estudo

— Luz divina —

Ilumina

O coração!

Nossos mestres

Generosos

Tão bondosos

Sempre amemos;

São-nos guias

À ventura:

Que ternura

Lhes devemos!

Ao ilustre

Diretor,

Com fervor

Gratas sejamos;

Pois qu'um pai

Bom, extremoso,

Cuidadoso,

Nele achamos.

Eia! avante

Companheiras!

Prazenteiras

À lição!

Que o estudo

Luz divina —

Ilumina

O coração!

Despertador, dezembro de 1883

 

PÔR-DO-SOL

Ia o sol majestoso declinando

Entre os raios de tíbios esplendores

co'os mimosos realces de mil cores

Do lindo poente as nuvens matizando.

Aqui, — de róseas gazas desdobrando

Brilhantes véus em mádidos vapores;

Além, graciosos flocos multicores

Pelo horizonte, tarde desenhando.

E o plácido mar que nem frisava

Leve bafejo d'aura vespertina,

Fiel o belo quadro representava.

Tão formoso na tela cristalina

Qual sobre o puro azul delineava

Do Criador a sábia mão divina!

1885

Crepúsculo, 20/07/1889

MOTE

Num rosal de brancas rosas

que grato aroma espalhavam,

duas pombinhas mimosas

mutuamente se beijavam

Sentada à sombra ondulante

de duas tílias formosas

tinha Dida a vista errante

num rosal de brancas rosas.

A seus pés, meigas, queixosas

brandas águas suspiravam:

e das brisas que passavam

os doces eflúvios puros,

nos seus cabelos escuros

que grato aroma espalhavam.

Súbito, as ramas viçosas

do rosal se desuniram...

e dentre as flores surgiram

duas pombinhas mimosas;

inocentes graciosas,

seus amores arrulhavam,

sem saber quanto magoavam

da virge'o peito saudoso

quando em afago amoroso

mutuamente se beijavam!

Palavra (Desterro) 17/03/1889

 

CASAL

Era uma casinha bela,

porta verde e muros brancos,

alvas cassas na janela,

franca entrada aos ares francos.

Nos ledos virentes campos

de florinhas semeados,

brilham à noite os pirilampos,

de dia o orvalho iriado.

Nédias, contentes crianças,

rósea tez, cabelos d'ouro,

nos olhos — céus d'esperança,

na boca — aberto tesouro;

brincam colhendo nos prados

florinhas rubras e azuis,

e de buquês engraçadas

enchem cestinhos tafuis.

Foge o sol reverberando

das águas na branda tela;

à flor do lago brilhando

s'estampa a casinha bela.

Mas a flor dura um dia; o sol desmaia,

Geme a rola, suspira a brisa pura,

E morre a onda quando chega à praia.

— Assim passa-se a quadra da ventura!

E d'avezinha que o voar ensaia

Rasga-se o peito contra a rocha dura!...

Crepúsculo, 17/09/1888

 

SANTA CATARINA

É – Santa Catarina – a ilha graciosa

Minha terra gentil, meu berço d’esmeraldas,

Das flores que no Sul ostentam-se elevadas

Qual lago de cristal, a baía formosa

Retrata o leve azul das lindas madrugadas,

As noites de luar d’encantos repassados,

Nas horas da saudade, a tarde carinhosa.

Verde flor da Esperança, oh Santa Catarina

És, do brasílio erário, a pérola mais fina

A refulgir no mar qual astro n’amplidão!

Tu, – Soberana Mãe, – no coração ardente

De cada filho tens um sólio resplendente

De ternura, de Amor, e de veneração!

E enquanto à porta da herdade

Atenta a esposa saudosa,

No vale a rola mimosa

Suspira – amor e saudade.

Crepúsculo, 13/08/1888

 

RECORDAÇÃO

Oh! Souvenires! Printemps! Aurores!

V. HUGO

Primavera da vida venturosa,

Quinze anos! Meu sonho de criança!

Mimoso sonho de fugace esp’rança,

Botão singelo de Virgínia rosa!

Inda vejo-te imagem vaporosa;

Ainda te conservo na lembrança!

Eras a meiga pomba da bonança,

Eras a aurora de manhã formosa!

Mas a flor dura um dia; o sol desmaia,

Geme a rola, suspira a brisa pura,

E morre a onda quando chega à praia.

– Assim passa-se a quadra da ventura!

E d’avezinha que o voar ensaia

Rasga-se o peito contra a rocha dura!...

Crepúsculo, 17/09/1888

 

JOAQUIM G. DE O. PAIVA

A pátria lacrimosa, inconsolável,

Do ilustre filho a perda irreparável

Pranteia, imersa em dor.

E de louros virentes entrelaça

A triste c'roa que o sepulcro enlaça

Do Poeta-Orador

Delminda Silveira

Gazeta do Sul, 25/10/1891

 

GONÇALVES DIAS

Ó mar! — ingrato mar que espedaçaste

Do teu cantor a fronte engrinaldada

co'as rosas de celestes harmonias —

Ah! Ruge em vão! Qu'em vão quebraste

Do meigo vate a lira sublimada!...

Pois não morre a memória venerada

Do canto imortal — Gonçalves Dias!

Gazeta do Sul, 18/07/1891

 

ELEGIA

Suspirem as meigas liras da tristeza

magoadas endechas de amargura,

gema saudosa a voz da Natureza;

O mar soluce nênias de tristura

que a flor das águas lutuoso agita

o sopro funeral da desventura!

Ai! chora, chora a França! Mãe aflita

que o filho amado mísera pranteia

nos transportes cruéis que a dor excita!

Funérea c'roa um túmulo rodeia,

e dentre roxos lírios, majestoso,

d'Hugo o nome excelso ali campeia!...

Tomba no ocaso o astro radioso

cercado de brilhantes esplendores,

e o mundo s'entristece pesaroso...

E chora a natureza de amargores

o gênio que dos gentios inspirado

cantava em doce lira os seus louvores!

Ai! chore, chore a França o sublimado,

ínclito herói, da pátria ingente glória!

e chore inteiro o mundo consternado...

E as novas gerações na voz da História

aprendam o nome excelso, imperecível,

daquele que no templo da memória

cinge da glória a c'roa imarcescível

Gazeta do Sul, 22/07/1891

 

SÉRIE DE GLOSAS E MOTES NA SEÇÃO PARNASO DO JORNAL SUL-AMERICANO, DE FLORIANÓPOLIS SOB O PSEUDÔNIMO

Brasília Silva

 

MOTE: Como é triste o céu nublado

E sem flores um jardim.

GLOSA:

Ó meu Fado, ó cruel Fado

que me tornaste o viver

em tão triste anoitecer,

como é triste o céu nublado!

Sonho de amor, sonho lindo,

que assim te vás esvaindo

qual nuvem d'oiro... ai de mim!

Só me resta o mundo frio,

como um deserto sombrio,

e sem flores um jardim.

Sul-Americano 20/ 05/ 1900

 

MOTE: Quem da música não gosta

Também não gosta de Deus.

GLOSA:

D'alto monte pela encosta

quando a arde linda expira

se terna flauta suspira

quem da música não gosta!

E quem não sente a saudade

De um amor, de uma amizade

Prender-nos ao laços seus?...

Ah! - quem não ama a poesia

de uma linda "Ave-Maria"

também não gosta de Deus.

Sul-Americano 27/05/1900

 

MOTE: A desvalida orfandade

Quer amparo e proteção.

GLOSA:

Vem, formosa Caridade,

vem no teu divino manto

acolher co'amor mais santo

a desvalida orfandade.

Vem à riste humanidade

trazer a consolação;

vem, que o pobre não tem pão

e morre à beira da estrada,

e a criancinha orfanada

quer amparo e proteção.

Sul-Americano 03/06/1900

 

MOTE: Boa romaria faz

Quem se fica em casa em paz.

GLOSA:

Hoje o povo da Cidade

a quem a festa tanto apraz

aos festejos, à Trindade

boa romaria faz.

Mas nem sempre essa festança

corre em mares de bonança,

nem a todos satisfaz;

e, portanto, não se aperta,

tendo alegria mais certa,

quem se fica em casa em paz.

Sul Americano 10/06/1900

 

MOTE: São alegres, divertidas

As noites de S. João.

GLOSA:

Canções d'amores ouvidas

ao som de boa viola

que o Sertanejo consola,

são alegres, divertidas,

quando ao redor da fogueira,

em fácil dança ligeira,

as raparigas lá 'stão

a festejar, ao relento

do orvalho puro e bento,

as noites de S. João.

Sul-Americano 21/06/1900

 

MOTE: No vasto império do meio

Cenas de horror se estão dando.

GLOSA:

Lá do inferno horrendo veio

Gênio cruel da desgraça

que fatalmente esvoaça

no vasto império do meio.

Meu Deus que quadro lutuoso

sob o teu céu tão formoso

me vai a mente esboçando!

Até parece que o vento

Murmura — neste momento

Cenas de horror se estão dando.

Sul-Americano 29/07/1900

 

MOTE: Um se bate com denodo,

Cruel cansa defendendo.

GLOSA:

Em meio do sangue todo

de mim bravos sucumbidos,

entre horrores de gemidos

Um se bate com denodo.

Mas cada gota de sangue

do peito que verga exangue

àquele que vai morrendo

é a lágrima dorida

de um herói que perde a vida,

Cruel cansa defendendo.

Sul-Americano 05/08/1900

 

MOTE: A morte do rei Humberto

Toda a Itália consternou.

GLOSA:

Dobrou o sino desperto

à voz que triste gemia...

era um povo que carpia

a morte do rei Humberto.

Que grande dor no concerto

das nações fraternizadas

nas homenagens prestadas

ao Rei que a Pátria adorou!

— aquele rei bom e forte

cuja atroz, horrível morte

toda a Itália consternou.

Sul-Americano 12/08/1900

 

MOTE: Os amigos se conhecem

Nos dias da desventura.

GLOSA:

Quando os ricos empobrecem,

quando os reis são destronados,

entre mil afeiçoados

os amigos se conhecem:

é só então que aparecem

os extremos da ternura

daquela amizade pura

que nos anima e consola,

como de Deus santa esmola,

nos dias da desventura.

Sul-Americano 19/08/1900

 

MOTE: Dewet não foi cercado

Nem tampouco se rendeu.

GLOSA:

Si alguém mal informado

falsa notícia espalhou,

outro veio que afirmou:

— Dewet não foi cercado.

Não! este herói sobranceiro

qu'inda há pouco o mundo inteiro

pasmara co'valor seu,

ver-se agora em tanto aperto...

não foi cercado, decerto,

nem tampouco se rendeu.

Sul-Americano 26/08/1900

 

MOTE: Infeliz de quem suspira

Por ganhar prêmios de amor.

GLOSA:

Nas cordas da meiga lira

de Tasso a alma gemia,

a brisa além repetia:

- Infeliz de quem suspira!

Ai! si do bardo delira,

do ímpio fado ao rigor,

a mente com tal ardor,

ansioso o coração

suporta dura aflição

por ganhar prêmios de amor!

Sul-Americano 02/09/1900

 

MOTE: Inda que o lume se apague

Na cinza fica o calor.

GLOSA:

Embora uma ausência esmague

a terna paixão d'Osvaldo,

fica no peito o rescaldo

inda que o lume se apague,

e si o vivo braseiro

de um ardente amor primeiro

o tempo extinguindo for,

ainda daquele encanto

afagado em meio pranto

na cinza fica o calor.

Sul-Americano 07/09/1900

 

MOTE: Tudo no mundo tem fim,

O que é demais aborrece.

GLOSA:

Acabam-se o bem, o mal,

a vida boa, a ruim,

seguindo a lei natural:

— tudo no mundo tem fim!

Às vezes esta lembrança

é a única esperança

que um mal constante amortece,

quando o triste caipora

diz, cansado, a toda a hora:

"o que é demais aborrece!"

Sul-Americano 16/09/1900

 

MOTE: As lutas do jornalismo

São bastante gloriosas.

GLOSA:

Si o povo sofre os efeitos

de tirano despotismo,

vêm defender seus direitos

As lutas do jornalismo;

mas seja neste debate,

ou quando for combate,

d'instantes flores mimosas,

sempre as batalhas da Imprensa,

de uma utilidade imensa,

são bastante gloriosas.

Sul-Americano 23/09/1900

 

MOTE: Dizer que tudo tem fim

É não venerar a Deus.

GLOSA:

Contemplando a Natureza

nos encantos de um jardim,

quem poderá, com certeza,

dizer que tudo tem fim?

Quem sabe das próprias flores,

si os delicados odores

mão se vão guardar nos Céus?

Oh! pensar que o belo é — nada —

qual o pó cobre a estrada,

é não venerar a Deus!

Sul-Americano 01/10/1900

 

MOTE: No cálix da linda rosa

Brilha uma gota de orvalho!

GLOSA:

Meiga brisa carinhosa,

passando por entre flores,

depõe um beijo de amores

no cálix da linda rosa;

cora a flor, e envergonhada,

pende a face delicada,

a tremer no verde galho,

e do seio no rubor

— doce lágrima de amor, —

brilha uma gota d'orvalho!

Sul-Americano 07/10/1900

 

MOTE: Há dores que ferem tanto

Como a ponta de um punhal!

GLOSA:

Há, no amor, muito pranto,

muita amargura e tristeza,

l muitas mágoas e incertezas,

há dores que ferem tanto...

mas de todo esse tormento

o maior é o pensamento

das venturas de um rival,

que nos punge a cada instante,

tão dura, tão lacerante

como a ponta de um punhal!

Sul-Americano 14/10/1900

 

MOTE: Atrás de linda miragem

do berço vamos à tumba.

GLOSA:

Quantas vezes na ramagem

deste viver enganoso,

perdemos d'alma o repouso

atrás de linda miragem!

Queremos flores ceifar,

sem nunca nos importar

que a vespa entre flores zumba,

e pelos sonhos levados

por ilusões embalados

do berço vamos à tumba.

Sul-Americano 21/10/1900

 

MOTE: O primeiro aniversário

Foi de lutas gloriosas!

GLOSA:

Do mimoso hebdomadário

gentil Sul-Americano

correu brilhante e ufano

o primeiro aniversário.

Ele, neste tempo todo,

venceu com garbo e denodo

batalhas dificultosas;

sempre, n'arena, constante

sua existência brilhante

foi de lutas gloriosas!

Sul-Americano 01/11/1900

 

MOTE: Os conselhos da velhice

são filhos da experiência!

GLOSA:

Chamam alguns moços — tolice,

rabugem ou mau humor,

ou pretensões a mentor,

os conselhos da velhice;

porém si o jovem escutasse

e nunca assim desprezasse

do velho a advertência,

evitaria mil pesares,

pois do ancião os pensares

são filhos da experiência!

Sul-Americano 11/11/1900

MOTE: No cálix de flor mimosa

Vão pousar os passarinhos.

GLOSA:

Loira criança formosa,

persegue azul borboleta

'que pousa, alfim, inquieta,

no cálix de flor mimosa.

Já de manso, vacilante,

rósea mãozinha anelante

s'estende por sobre espinhos...

mas ah! - foge a perseguida,

que na ramagem florida

vão pousar os passarinhos!

Sul-Americano 18/11/1900

 

MOTE: São harmônicas, eternas

as leis da gravitação.

GLOSA:

Salve, salve, ó Providência

Nas tuas obras supernas!

A tua Força e Clemência

são harmônicas, eternas!

Tua mão deem os mares

e graças verte aos milhares

sobre toda a criação!

Tu dás aos mundos imensos

no Infinito suspensos,

as leis da gravitação.

Sul-Americano 25/11/1900

 

MOTE: A grandeza do universo

Nossa alma encanta e extasia.

GLOSA:

Tendo o espírito imerso

em contínuo meditar,

não canso de admirar

a grandeza do universo!

Ó Criação majestosa,

tão sublime e grandiosa,

tão repleta de poesia,

tu és o livro divino

de cujas letras e ensino

Nossa alma encanta e extasia!

Sul-Americano 02/12/1900

 

MOTE: O pensamento se eleva

Nas asas da inspiração.

GLOSA:

À hora d'Ave-Maria,

entre a luz da tarde e a treva

da noite que vem sombria,

o pensamento se eleva,

suave, puro e sereno

como o perfume que ameno

vai perder-se ri amplidão,

e em doce prece enlevado,

sobe aos céus arrebatado

nas asas da inspiração!

Sul-Americano 09/12/1900

 

MOTE: Entoam hinos ao sol

As lindas flores do prado.

GLOSA:

Quando aurora esparse ouro

e rosas pelo arrebol,

os passarinhos em coro

entoam hinos ao sol.

Pelas ramas verdejantes

os beija-flores amantes

buscam a flor do seu agrado;

e as borboletas pousando,

vão sobre a relva imitando

as lindas flores do prado!

Sul Americano 16/12/1900

1901

 

MOTE: Venturas, prosperidades

Traga o século nascente.

GLOSA:

Repleto de f'licidades

entre alegre o ano novo!

traga delícias ao povo,

venturas, prosperidades!

E que cem anos d'encantos,

de paz, d'esp'ranças e cantos

a humanidade descrente,

nesta aurora abençoada

pela cruz no mundo alçada,

traga o século nascente!

Sul Americano 01/01/1901

 

MOTE: Brilhante estrela conduz

Os três Magos a Belém.

GLOSA:

Dos raios da Eterna Luz,

a Fé cristã circundada

de Deus a Santa Morada

brilhante estrela conduz,

Tal ao berço de Jesus,

que em presépio oculta Deus

outrora levou também

essa estrela resplendente,

guiando desde o Oriente,

os três Magos a Belém.

Sul-Americano 06/01/1901

 

MOTE: Até nas flores se encontra

A diferença na sorte!

GLOSA:

Nas águas — s'esconde a lontra

na mata — o jaguar temido

quanto perigo escondido

até nas flores se encontra!

Se esta, no mel salutar

a vida nos pode dar,

aquela dá-nos a morte

no veneno que oferece

'te nelas se reconhece

a diferença na sorte!

Sul-Americano 13/01/1901

 

MOTE: As flores d'alma são belas

mesmo sem terem cultura.

GLOSA:

Como as brilhantes estrelas,

como as joias estimadas,

como as per'las delicadas,

as flores d'alma são belas.

São lírios imaculados,

quais os que abrem dos prados

na exuberante verdura;

São orquídeas formosas,

sempre lindas e mimosas

mesmo sem terem cultura!

Sul-Americano 20/01/1901

 

MOTE: A morte, por ser desgraça,

Não deixa de ter ventura.

GLOSA:

Umas vezes — despedaça

consolos que a vida tem,

mas outras os dá também

a morte, por ser desgraça.

Pensar que o mundo deixamos,

e nele todos que amamos

deve ser atroz tortura,

mas para a alma do Crente

aquele instante pungente

não deixa de ter ventura!

Sul-Americano 27/01/1901

 

MOTE: De Byron a pátria querida

está de luto coberta.

GLOSA:

De dor acerba ferida,

magoada, lacrimosa,

pranteia, geme saudosa

de Byron a pátria querida.

Ah! — sobre a Rainha amada,

Vitória — a Mãe adorada,

mal cerrou-se a campa aberta

e a grande Nação inglesa

imersa em funda tristeza

está de luto coberta.

Sul-Americano 03/02/1901

 

MOTE: Quem nasceu p'ra venturoso.

GLOSA:

Não sorve o fel amargoso

da taça que a vida of'rece

nem grandes males padece

quem nasceu venturoso.

Sempre da saúde e gozo,

da fortuna o bem-querer,

sem tormentos d'alma ter,

nem de Amor tratos tiranos,

inda que viva cem anos

é feliz até morrer.

Sul-Americano 10/ 02/ 1901

 

MOTE: Quem as mulheres maldiz...

GLOSA:

Recorda o Bardo infeliz

pelo Ciúme execrando,

do peito o fel derramando,

quem as mulheres maldiz.

Si é mulher... mui desgraçada

deve ser, desamparada

pela Virtude ou Razão;

mas si é homem — qu'este fogo

explique — o Amor — de outro modo,

é louco, ingrato e... vilão!

Sul-Americano 17/02/1901

 

MOTE: Nas asas da viração.

GLOSA:

Vagam suspiros de amores

pela serena amplidão,

voa o perfume das flores

nas asas da viração,

desmaia a tarde formosa,

geme a rola carinhosa

da mata na soledade;

toma o Bardo a meiga lira

e ao canto que suspira

longe vai terna saudade.

Sul-Americano 03/03/1901

 

MOTE: A dor que mais acabrunha.

GLOSA:

Tu foste, ó Céu, testemunha,

da minha angústia cruel!

Tu viste verter-se em fel

a dor que mais acabrunha!

Era a tarde bem formosa,

ó minha mãe carinhosa,

e mais terna tu sorriste;

depois... no lar sem amor,

eu senti que a maior dor

... é de mãe a perda triste!

Sul-Americano 10/03/1901

 

MOTE: Quem quiser viver tranquilo.

GLOSA:

Procura o Eremita asilo

no seio da Natureza;

assim busque tal rudeza

quem quiser viver tranquilo.

Ali — com Deus e a natura,

que vida serena e pura

no doce cismar profundo

que o espírito extasia!...

Oh! — quem amar a Poesia

— vá viver longe do mundo!

Sul-Americano 17/03/1901

 

MOTE: Duros tormentos sofreu.

GLOSA:

Ao Horto ameno desceu

o Mensageiro da dor,

e Jesus — Hóstia de Amor —

duros tormentos sofreu!

No Coração já sentia

o padecer d'agonia,

frouxa dos olhos a luz...

Mas a Divina Piedade

vence, dando à humanidade

O Santo Mártir da Cruz!

Sul-Americano 24/03/1901

 

MOTE: Entre hosanas e louvores.

GLOSA:

Viçosas palmas e flores

cobrem as ruas de Sião;

Cristo rompe a multidão

entre hosanas e louvores.

Mas em meio d' alegria

do povo que o recebia,

su'alma triste ficou...

e antevendo a inf'licidade

da malfadada Cidade

Jesus piedoso — chorou!

Sul-Americano 31/03/1901

 

MOTE: Ressuscitou, não está aqui!

GLOSA:

Guardas ferozes — tremei! fugi!

Vede! — O Sepulcro está vazio!

Jesus deposto no leito frio

Ressuscitou! não está aqui!

Não vedes anjos de brancas vestes

junto ao jazigo que não pudestes

guardar, em armas, noites e dias?...

Feras soldados! Prostrai-vos crentes!

Por terra as lanças finas, luzentes!

Assim cumpriram-se as profecias!

Sul-Americano 07/04/1901

 

MOTE: Nem só rosas têm fragrância.

GLOSA:

De Flora na grata estância

cantam alegres passarinhos

e pelos lindos caminhos

nem só rosas têm fragrância.

Quando nasceu aurora meiga,

de lírios recende a Veiga

e de rosas os jardins;

porém, nas noites formosas,

nem só lírios nem só rosas

que ais recendem — jasmins!

Sul-Americano 14/04/1901

 

MOTE: Este mundo é um teatro.

GLOSA:

Quer de um drama triste e atro

quer de um idílio ridente

o quadro nos apresente,

este mundo é um teatro.

Aqui vemos a amargura,

os sorrisos da ventura,

como fantasmagorias

em contínua mutação,

nesta infinda sucessão

de tristeza e alegrias.

Sul-Americano 21/04/1901

 

MOTE: Nos páramos do infinito.

GLOSA:

Levanto os olhos, medito,

à noite, quando o luar

estende o doce brilhar

nos páramos do infinito.

— Como é lindo o firmamento

com seu brilhante ornamento,

com seus mistérios profundos!

Que serena majestade!

E, entanto — na imensidade

Giram milhares de mundos!

Sul-Americano 29/04/1901

 

MOTE: Do Brasil a descoberta.

GLOSA:

De Cabral lúcida ideia

que o entusiasmo desperta,

deu-nos brilhante epopeia

— do Brasil a descoberta!

Si, por mares sem bonança,

conduzem-no a Fé, a Esp'rança

à terra dos sonhos seus,

certo, ó Musas do Parnaso,

não foi presente de acaso,

— foi recompensa de Deus!

Sul-Americano 05/05/1901

MOTE: A Pátria hinos entoa.

GLOSA:

Pela Natureza ressoa

suave, grata harmonia;

— e que cheia de alegria

a Pátria hinos entoa!

Mas por que tão jubilosa

a doce Pátria formosa

s'expande em cantos festivos?...

— é porque o Brasil inteiro

ergue hosanas prazenteiro

à redenção dos cativos.

Sul-Americano 15/05/1901

 

MOTE: Na natureza revive

Tudo o que vemos morrer.

GLOSA:

Embora Inverno nos prive

mais delicadas flores,

o a Estação dos amores

na Natureza revive.

Voltam os ledos passarinhos,

no bosque há verdura, há ninhos,

há cantos ao alvorecer,

e qual renasce a esperança,

revive com mor pujança

tudo o que vemos morrer.

Sul-Americano 20/ 05/ 1901

 

MOTE: É um monstro, não tem alma

A mãe que o filho abandona.

GLOSA:

Mulher que do amor materno

calca aos pés a santa palma

merece as penas do Inferno,

é um monstro, não tem alma.

Gemendo,o mar com bonança

trazia de uma criança,

o cadáver, d'água à tona...

Deus! — que mistério de horror...

como punirás, Senhor,

a mãe que o filho abandona?!

Sul-Americano 26/ 05/ 1901

MOTE: O santo materno amor.

GLOSA:

Deus à mulher deu a dor

e mil trabalhos, porém,

deu-lhe um consolo também

— o santo materno amor.

Ó doce orvalho bendito,

grato perfume infinito,

mel de celeste doçura;

flor que vens do Paraíso

o teu divino sorriso

é d'alma delícia pura.

Sul-Americano 02/06/1901

 

MOTE: Não se diga que é feliz

Quem se faz celibatário.

GLOSA:

Um dia Deus teve dó

vendo Adão triste, e assim disse:

"Não é bom que viva só",

Não se diga que é feliz.

E desde logo a alegria,

em amável companhia

deu ao pobre solitário;

assim, pois, cá neste mundo

vive num tédio profundo

quem se faz celibatário.

Sul-Americano 09/06/1901

MOTE: Não consiste a f’licidade.

GLOSA:

Serena e doce Amizade

— branco lírio de pureza —

tu bem sabes, na riqueza

não consiste a f’licidade.

Alma do Amor — junto a ti,

na vida tudo sorri

em ditosa, santa calma,

pois não s'encerra a ventura

da humana criatura

mais do que nos gozos d'alma.

Sul-Americano 16/06/1901 Tb. em Corymbo

 

MOTE: As grandes datas do meu povo

Não devem ser esquecidas.

GLOSA:

Com esplendor sempre novo

devem ser solenizadas

as vitórias alcançadas,

as grandes datas do meu povo.

Da Pátria as glórias formosas

são estrelas radiosas

jamais obscurecidas

e onde há Patriotismo

onde há Nobreza e Civismo

não devem ser esquecidas.

Sul-Americano 07/07/1901

 

MOTE: Quando os lábios emudecem

Melhor fala o coração.

GLOSA:

Quando as faces enrubescem

ao calor do peito ardente

que palpita docemente,

quando os lábios emudecem

e a alma aos olhos assoma,

oh quanta eloquência toma

a tema, muda expressão

desta linguagem adorável

em que, de amor inefável

melhor fala o coração!...

Sul-Americano 14/07/1901

 

MOTE: Seria o mundo um deserto.

GLOSA:

Tal qual fora o Paraíso,

rico e formoso, decerto,

mas sem ter d'Eva o sorriso,

seria o mundo um deserto!

"O homem que vive um dia

(pouca cousa restaria,

disse Hugo — o grão — Cantor

nas suas Odes mimosas,)

si Deus nos tirasse as rosas,

si Deus nos tirasse o amor!

Sul-Americano 21/07/1901

 

MOTE: O sol nasce para todos.

GLOSA:

Vejo-te sempre, Francina,

com esses tristonhos modos!

No entanto, ó triste bonina,

— sol nasce para todos

Deixa que o sol benfazejo,

e que da brisa o bafejo,

t'enxuguem o ródio da dor,

pois a brisa vem dos Céus,

e o sol — bênção de Deus —

a todos dá seu calor!

Sul-Americano 28/07/1901

 

MOTE: Não há riqueza no mundo.

GLOSA:

Ainda que o mar profundo

esconda pérolas finas,

e a terra auríferas minas,

não há riqueza no mundo!

Pois nada valem brilhantes,

essas gomas rutilantes,

que ante os olhos de Deus,

— reverbero lá dos Céus —

só a virtude é tesouro!

Sul-Americano 07/08/1901

 

MOTE: Quem nasceu pr'a o sofrimento.

GLOSA:

Não fica no isolamento

em seu incurável mal,

nem cisma em termo fatal,

quem nasceu pr'a o sofrimento,

si pensar que ainda existe

mais infeliz e mais triste

alguém neste val' de horror;

e assim, por aliviar-se,

e do seu mal consolar-se,

tenhas em mente a alheia dor".

Sul-Americano 11/08/1901

 

MOTE: Quantas vezes um suspiro

Traio que noss'alma sente!

GLOSA:

Quantas vezes no respiro

da brisa vem um lamento!

no rumorejo do vento

quantas vezes um suspiro!

Assim no peito em que existe

um coração meigo e triste,

um coração que não mente,

foge a voz d'acerba dor

no — ai — que, traindo amor

traio que noss'alma sente!

Sul-Americano 16/08/1901

 

MOTE: Amar e não ser amado.

GLOSA:

Ó coração desprezado,

não desperdices amor,

que é sofrer inútil dor

amar e não ser amado!

Ah! si fores compensado,

ama! — embora alanceado

dos espinhos da paixão;

mas ingrata indiferença

que o teu amor não compensa,

não suportes, coração!

Sul-Americano 25/08/1901

 

MOTE: Começa a sabedoria.

GLOSA:

Jesus Menino seguia

seus Pais a Jerusalém;

mas no Templo se detém:

começa a sabedoria!

Pasmos os sábios doutores,

da Ciência aos esplendores,

que brotam dos lábios seus,

proclama que tal saber

origem só pode ter

no Seio Imenso de Deus!

Sul-Americano 01/09/1901

 

MOTE: O suspiro é a linguagem.

GLOSA:

Do bosque sob a ramagem

soluça a rola de amor;

deste poema de dor

o suspiro é a linguagem.

Ah! como na sociedade

morre essa terna saudade

sem um eco de afeição,

vai-se no espaço perder

o dolorido gemer

do meu triste coração!

Sul-Americano 08/09/1901

 

MOTE: O trabalho nobilita.

GLOSA:

Amor sublime palpita

do Operário no peito

que lhe ensina este preceito:

O trabalho nobilita.

Ainda que viva pobre,

será sempre rico e nobre

o homem que se engrandece

na virtude que realça

pelo trabalho que exalça

quanto a preguiça envilece.

Sul-Americano 15/09/1901

 

MOTE: Consiste a felicidade

Em não ter inquietações.

GLOSA:

Interroguei a Verdade

que tudo conhece e vê,

quisesse dizer-me em que

consiste a felicidade.

Respondeu-me ela: — hei sondado

no mundo por Deus criado,

cérebros e corações;

si lá a ventura existe,

sabei que ela consiste

em não ter inquietações!

Sul-Americano 22/09/1901

MOTE: Quem o bem sempre pratica.

GLOSA:

Satisfeito e alegre fica,

vive ditoso, estimado,

é por todos venerado

quem o bem sempre pratica.

Quem o seu próprio inimigo

livra do mal, do perigo,

conforta-o nos prantos seus,

tem alma nobre e formosa

que lá na Mansão ditosa

terá o prêmio de Deus.

Sul-Americano 29/09/1901

 

MOTE: A data da Independência

deve ser cantada em versos!

GLOSA:

Do hino pátrio à cadência,

Saudemos, ó Brasileiros,

em mil acordes fagueiros

a data da Independência.

Leve a brisa pelos ares,

pelos montes, pelos mares,

os nossos cantos dispersos,

que esta data venturosa,

da Pátria a mais gloriosa

deve ser cantada em versos!

Sul Americano 07/07/1902

 

MOTE: Após demorada ausência

Volta o Sul-Americano.

GLOSA:

Co’a primavera mimosa

volta a grata florescência;

volta a andorinha saudosa

após demorada ausência.

E a Natureza sorrindo,

do tempo ingrato já findo

sucede o jugo tirano;

assim de flores coroado,

por nossas liras saudado,

volta o Sul-Americano.

Sul-Americano 14/07/1902

 

MOTE: Vamos de novo ao Parnaso

Lírios e rosas colher.

GLOSA:

Marcaram as Musas um prazo

de descanso às nossas liras;

já Apolo acende as piras:

vamos de novo ao Parnaso!

Lá aos jardins da Poesia

nos conduza a Fantasia,

e nos faça adormecer,

para em sonhos deleitosos

irmos a prados formosos

lírios e rosas colher!

Sul-Americano 20/07/1902

 

MOTE: Ao doce brado à porfia,

O monte todos subiram.

GLOSA:

Risonho desponta o dia

soou um hino de "alerta!"

da passarada desperta

ao doce brado à porfia,

meigas notas de harmonia

pelos ares s'esparziram,

e mil cantores fugiram

por entre as ramas voando,

e docemente cantando

o monte todos subiram.

Sul-Americano 27/07/1902

 

MOTE: No caminho do Parnaso

Encontram-se abrolhos mil.

GLOSA:

De um terno amor, triste acaso,

as meigas rolas gemiam,

por entre as rosas que abriam

no caminho do Parnaso.

Márcia infeliz, por acaso,

ali passava, gentil,

e fitando o céu d'anil,

diz com mágoa: "ai! dos amores,

sempre, na senda de flores

encontram-se abrolhos mil.

Sul-Americano 03/08/1902

 

MOTE: São belas como as rosas

as florinhas do sertão.

GLOSA:

Das criancinhas mimosas

as lindas faces louçãs

têm o frescor das manhãs,

são belas como as rosas,

os olhos da cor celeste

que o céu d'aurora reveste,

lembram no azul, na expressão,

os miosótis delicados

que vencem em beleza e agrados

as Horinhas do sertão.

Sul-Americano 15/08/1902

 

MOTE: Desfeitas as ilusões

Suspira o bardo saudoso.

GLOSA:

Amargo pranto, aflições,

eis o que resta na vida

à alma triste, dorida

desfeitas as ilusões,

Adeus, ó sonho fagueiro,

lindo porvir feiticeiro,

do meu cisma enganoso

na lira dos seus amores

pungindo de acerbas dores

suspira o bardo saudoso.

Sul-Americano 17/08/1902

 

MOTE: A Liberdade é a vida,

a morte, a Escravidão!

GLOSA:

Na mata verde e florida

o passarinho contente

diz no seu canto inocente:

a Liberdade é a vida!

Mas preso em linda gaiola,

escravo — nada o consola

nem ervas, frutas, bom grão;

e morre alfim de saudade:

pois a vida — é a Liberdade,

a morte, a Escravidão!

Sul-Americano 22/09/1902

 

MOTE: Nos quadros da Natureza

busca o vate inspiração!

GLOSA:

Que esplendor! Quanta beleza!

ah! que suave harmonia

quanto amor, quanta poesia

nos quadros da Natureza!

D'arroubo celeste presa

despe a alma a vil tristeza

nas mais gratas expansões,

ante esses almos encantos

nos quais, pr'a seus lindos cantos,

busca o vate inspiração".

Sul-Americano 02/10/1902

 

MOTE: O talento se eterniza

Deslumbrando as gerações.

GLOSA:

A virtude diviniza

a alma que tem por norte:

como ela, vencendo a morte,

o talento se eterniza.

Almo Sol esplendoroso

com seu brilho majestoso

ilumina as multidões

e por entre hinos e flores

Passa cheio d'esplendores

Deslumbrando as gerações.

Sul-Americano 15/10/1902

1903

 

MOTE: A natureza tranquila

desperta aos raios do sol!

GLOSA:

O sol de agosto cintila

no céu de azul resplendente;

não teme o inverno inclemente

a natureza tranquila.

As lindas flores cheirosas

estendem as pet'las mimosas

à doce luz do arrebol,

e o bosque em dúlcidos cantos

da Primavera nos encantos,

desperta aos raios do sol.

Sul-Americano 20/07/1903

 

MOTE: No grande livro da história

há belos ensinamentos!

GLOSA:

Há nomes cheios de glória

que quais astros radiosos

trilham altaneiro, formosos,

no grande livro da história.

O mundo, maravilhado,

como num céu, constelado

vê estes grandes portentos,

em cujos rastos brilhantes

qual nos astros radiantes

há belos ensinamentos!

Sul-Americano 16/08/1903

 

MOTE: A vida é sonho que passa

como a nuvem na amplidão.

GLOSA:

Como a ligeira fumaça

que além se perde nos ares,

cheia d'encanto os pesares,

a vida é sonho que passa!

Ora serena, doirada,

desaparece levada

pela doce viração;

ora, do vento batida,

vai-se, em lágrimas delida,

como a nuvem na amplidão.

Sul-Americano 20/08/1903

 

MOTE: A esperança só nos deixa

à beira da sepultura.

GLOSA:

Quando à fé abandonado,

de Deus noss'alma se queixa,

para os Céus triste voando

a esperança só nos deixa.

Porém, si Deus, por amar-nos,

e alma purificar-nos,

nos manda a dor, a amargura,

a Caridade não cansa:

— traz-nos a fé e a esperança

à beira da sepultura.

Sul-Americano 23/08/1903

 

MOTE: Negar ao povo instrução

importa dar força ao crime!

GLOSA:

Si ao faminto negar pão

é contra o mando de Deus,

tal deve ser contra os Céus

negar ao povo instrução!

A esmola a fome acalma

mas a instrução é da alma

o alimento sublime!

E negá-la ao povo rude,

— matar importa a virtude

importa dar força ao crime!

Sul-Americano 30/08/1903

 

MOTE: O brado da Independência

por todo o Brasil ecoa.

GLOSA:

Não mais suporta a existência

d'escravo o colosso ingente,

e d'alma solta, potente,

o brado da Independência!

E o patriótico grito,

— como no espaço infinito

a voz do trovão — reboa!

Fulguram raios de Glória...

e o hino da grã vitória

por todo o Brasil ecoa.

Sul-Americano 07/ 09/ 1903

 

MOTE: À doce feição da brisa

corre a gôndola faceira!

GLOSA:

Cai a flor no manso lago,

e suavemente desliza,

das águas ao brando afago,

à doce feição da brisa.

Assim no luar sereno,

aos sons d'alma canto ameno,

de terna lira fagueira,

na calma da Natureza

pelos canais de Veneza

corre a gôndola faceira!

Sul-Americano 16/09/1903

 

MOTE: As conquistas da ciência

o mundo têm dilatado!

GLOSA:

O fanal da inteligência

mil arcanos aclarando,

vai na História registrando

as conquistas da ciência.

No céu, na terra, nos mares,

maravilhas aos milhares

têm os sábios desvendado!

E da ciência vitórias,

nas grandes lutas de glória,

o mundo têm dilatado!

Sul-Americano 29/09/1903

 

MOTE: Num rosal de brancas rosas

que grato aroma espalhava,

duas pombinhas mimosas

mutuamente se beijavam.

GLOSA:

Sentada à sombra ondulante

de verdes ramas frondosas

tinha Dida a vista errante

num rosal de brancas rosas.

A seus pés, meigas, queixosas,

brandas águas suspiravam;

e das brisas que passavam

os doces eflúvios puros,

nos seus cabelos escuros,

que grato aroma espalhavam!...

Súbito, as ramas viçosas

do rosal se desuniram,

e dentre as flores surgiram

duas pombinhas mimosas!

inocentes, graciosas,

seus amores arrulhavam

sem saber quanto magoavam

da virgem o peito saudoso

quando no enlevo amoroso

mutuamente se beijavam.

Sul-Americano 19/10/1903

MOTE: Na natureza revive

Tudo o que vemos morrer.

GLOSA:

Embora o Inverno nos prive

das mais delicadas flores,

tudo a Estação dos amores

na Natureza revive.

Voltam os ledos passarinhos,

no bosque há verdura, há ninhos,

há cantos ao alvorecer,

e qual renasce a esperança,

revive com mor pujança

tudo o que vemos morrer.

 

MOTE: O mais precioso tesouro.

GLOSA:

Um cofre repleto d'ouro,

de riqueza incalculável,

não é o mais estimável,

o mais precioso tesouro.

As virtudes imortais

são as joias sem iguais

que à alma esplendores dão,

e o escrínio que as encerra,

— tesouro sem par na terra

é sempre um bom coração.

 

MOTE: No cálix da flor mimosa

Vão pousar os passarinhos.

GLOSA:

Adejando no vergel,

vai abelha pressurosa

libar saboroso mel

no cálix da flor mimosa:

e esta, espargindo aromas

que do cedro sobe à coma,

perfuma risonhos ninhos

onde nos dias calmosos,

saltitantes, amorosos

vão pousar os passarinhos.

 

MOTE: O primeiro aniversário

Foi de lutas gloriosas!

GLOSA:

Do meu peito um suspiro

está um — bravo — a florir,

nascido para aplaudir

o primeiro aniversário

deste dileto jornal,

que afrontou o vendaval

das lides mais perigosas,

e vem hoje, prazenteiro,

provar que o ano primeiro

foi de lutas gloriosas.

 

MOTE: Atrás de linda miragem.

GLOSA:

Quantas vezes na romagem

deste viver enganoso,

perdemos d'alma,

atrás de linda miragem!

Queremos flores ceifar,

sem nunca nos importar

que ....entre flores....

por ilusões....

de almejar neste dia

venturas, prosperidades

aos amigos em geral.

Aos colegas do Jornal

e a este sinceramente,

desejo que longa vida,

ditosa, leda, florida

traga o século nascente.

 

VERSÃO MANUSCRITA

Não se diga que é feliz.

Deus vendo Adão, teve dó

De vê-lo triste e assim diz:

"Não é bom que viva só"

Não se diga que é feliz.

E logo a mulher primeira

Surgiu, — Eva prazenteira

Das mãos de Deus Criador,

E no eterno Paraíso

Brotando d'Eva o sorriso,

Nasceu nos Céus o amor.

MISTÉRIOS

Meiga violeta, por que pendes triste

entre as mais flores do jardim virente?

Acaso o orvalho que sedenta hauriste

gelou-te o seio neste amar fervente?!

E o doce aroma que teu seio encerra

— alma mimosa d' inocente flor —

por que o derramas pela fria terra

qual meigo pranto d' inditoso amor?!

Ai! Ninguém sabe que mistério fundo

fez que teu coração nesta sombra densa!

— Talvez a mágoa de um sofrer profundo...

talvez um sonho de mentida crença!

Rola das selvas, a gemer sentida

quem magoou-te o coração tão puro?

Pobre avezinha! Tua voz dorida

triste perdeu-se num deserto escuro!

Aves canoras qu'esqueceis os cantos,

ledas boninas que perdeis a cor,

qual o segredo de pesares tantos?...

Qual o mistério de tão funda dor?...

Ai! Ninguém sabe por que pendem os lírios,

e por que as aves emudecem assim,

qu'estes segredos de fatais martírios

só Deus conhece, só nos Céus têm fim!...

Ai! ninguém sabe por que morrem flores,

e por que a rola na soidão suspira!

Ai! Ninguém sabe por que acerbam dores

rebentam cordas de mimosa lira!...

Brasília Silva

Sul-Americano 03/06/1900

 

FLORES

(em retribuição)

À estimável Semiramis, ilustre simpática Poetisa

Por muito grato dever

a vossa saudação,

venho hoje responder

vosso mimoso cartão.

Do novo ano ao raiar

meu nome não olvidastes,

e me viestes saudar

nas frases que m enviastes.

Senhora: — frases tão puras

foram quais flores risonhas

a derramarem doçuras

em minhas horas tristonhas!

Foram quais notas maviosas

de um canto na solidão:

foram perfumes de rosas

vertidos com profusão!

Oh! — foram acordes suaves

da mais leal simpatia

como o gorjeio das aves

ao raiar sereno dia!

Portanto, aceitai em flores

a minha retribuição:

não há mais gratos penhores

que os lírios do coração

Que vos dê o céu venturas

tantas quantas rosas há,

d'afetos santos — doçuras,

e as palmas que a Glória dá.

E que deste Sec'lo ao fim,

ainda vejais florido

como risonho jardim,

o vosso lar mui querido.

Brazília Silva

Sul-Americano 18/11/1900

À TARDE

À Semiramis

Vem, vem comigo olhar o céu formoso,

agora que a tristeza é doce e meiga.

Não ouves? — rumoreja carinhoso

mais brando o vento a perpassar na Veiga?...

Oh! como é lindo o azul da imensidade

através deste véu que se distende!

Caem lágrimas puras de saudade

de cada fria dobra que desprende!

Os bogaris de per'las rorejados

abrem cheirosas na gentil verdura;

e lá no mar — de flóculos nevados...

abre-se um lírio em cada onda pura!

Ai! também na minh'alma abrem-se flores...

— Saudades e suspiros — tantos, tantos,

que tomam em doce mel os amargores

do copioso orvalho de meus prantos!

Porém que importam mágoas e delírio

si a saudade nos é tão grata à alma?

si em cada ai evola-se um martírio

e em cada lembrança a dor se acalma?!

.......................................................

Vem, vem comigo olhar o céu formoso,

e agora que a tristeza é doce e meiga;

vem escutar, do sabiá saudoso

o terno canto no rosal da Veiga!

Brasília Silva

Sul-Americano 18/11/1900

 

SINGELA HOMENAGEM

Ao aniversário natalício do respeitável e

Ilustrado colega Sr. José Brasilício de Sousa

A brindar-vos — o Sol, do seu tesouro,

enviara os mais lindos raios d'ouro,

das altas regiões,

a que ri alfombra dos amenos prados,

das boninas, dos lírios perfumados,

abrissem os botões.

À noite, pela azul imensidade

as estrelas com doce claridade

sorririam no céu;

e a lua — virgem pálida, formosa,

a terra envolveria, carinhosa

na gaze do seu véu.

Também eu quis brindar-vos... e à Poesia,

pedi, — do seu diadema que fulgia,

aljôfares mimosos;

mas empenhadas tinha as joias belas,

— os jasmins perfumosos!

Sul-Americano 09/01/1901

 

SONETOS

A uma...

INOCÊNCIA

Rosa em botão no teu gentil bercinho,

feito de brandos vimes enastrados,

entre a gaze dos finos cortinados

dorme ao terno embalar do meu carinho.

Dorme, anjo meu, que no pomar vizinho

sob a copa dos ramos enlaçados,

entre flores e pomos sazonados,

também já dorme o tenro passarinho.

Olha, por vezes, no rosal das veigas,

dentro do ninho das pombinhas meigas,

descansa Amor, em plena florescência;

porém do berço teu na macieza,

só repousa em castíssima nudeza,

uma flor em botão — tua Inocência!

MIMOSA

Uns — Maria te chamam; outros — Mimosa.

És, com efeito, delicada e pura!

És branco lírio cheio de doçura,

és açucena cândida e formosa!

Mas de onde vieste, ó graciosa,

dúlcida flor de tanta formosura?

O teu nome, — de mística ternura,

é dos Céus uma ideia preciosa!

Quer — Mimosa — te chamem, quer — Maria —,

tu és celeste como a estrela linda

que ri Oriente assoma ao vir do dia!

Mas eu te chamarei — Divina — ainda,

pois que a tu'alma — essência da Poesia,

é da Luz Divinal Centelha infinda!

Sul-Americano 13/01/1901

 

UMA SAUDADE

À memória do inocente Oscar

A seus desventurados Pais!

Pendido o branco lírio tenro e lindo

ri aurora d'inocência, de doçura,

oh! que vida, que afetos, que ternura

imersos deixa num pesar infindo!

Que saudade cruel está pungindo

mataram o coração nesta amargura,

no-lo diga o gemer da rola pura

na soledade um terno amor carpindo!

Mas si a alma paterna em dor se agita

dentro do peito mais viril, mais forte,

só Deus o vê lá da Mansão bendita...

Lá onde o Arcanjo pálido da morte

num esplendor de luz santa, infinita

levou-lhe o anjo de ditosa sorte!

Sul-Americano 31/3/1901

 

SONETO

Verde mar da Esperança, em tuas ondas

leva o róseo batel dos meus amores,

quero que no teu seio as minhas dores

como um amigo piedoso escondas.

Ó céu! — docel azul que te arredondas

sobre este abismo cheio d'esplendores,

mostra-me o íris de risonhas cores

neste Infinito que constante...

Ah! — si eu pudesse, nestas águas puras,

perlas que a dor me dá ir desfiando

do meu colar d'infindas amarguras sondas.

Feliz iria só de amor cuidando,

por entre flores e gentis verduras

meu coração sereno navegando!

Sul-Americano 21/04/1901

 

CONSOLO

Alma de Poeta, ó alma apaixonada,

que dentro de um coração terno palpita

tu gemes qual rola magoada,

pungida de saudades infinitas,

abre esse asilo íntimo que habitas

— de puras afeições grata morada —

como o lírio que se abre à madrugada

a haurir do céu as lágrimas benditas!

Ceifa o Norte as boninas dulçorosas!

si desse Deus o mel a uma só flor,

que seria da abelha sequiosa!...

O que será de ti na tua dor,

alma de Poeta, ó alma carinhosa,

sem o dúlcido bálsamo do amor?!

Sul-Americano, 09/06/1901

 

CONFORTO

(À Semiramis)

Alma de Poeta, carinhosa e pia,

a dor que te feriu bem compreendo,

e à mágoa tua o meu tributo rendo

de respeito, de dó, de simpatia.

Porém não chores junto à campa fria,

desta saudade no pungir tremendo,

que talvez lá nos Céus fique sofrendo

de ver-te assim — a Flor que te sorria!

Olha-a na Paz Celeste em que a diviso;

não morreu! — foi no instante em que falou-te

— benigna transplantada ao Paraíso!

E ao lar tão saudoso que te ficou

das inocentes flores ao sorriso

conforto à Vida triste ela deixou-te.

Brazília Silva

Sul-Americano 07/07/1901

RECORDAÇÃO

A minhas queridas amigas Emília, Cecília e Lolita Schutel

Descansa! si no Céu há luz mais pura,

decerto gozarás essa ventura,

do justo a placidez!

(C. de Abreu)

Vamos: — da Cruz nos braços piedosos,

abertos sempre a toda desventura,

vamos depor — emblemas de ternura —

do nosso afeto os mimos carinhosos.

Roxas violetas, goivos lutuosos,

brancas saudades, verde murta escura,

vamos depor na fria sepultura

onde orvalhos do Céu caem saudosos!

Faz hoje um mês!... Um mês de luto e prantos!...

— Triste recordação angustiosa

que em soluços trocaste alegres cantos,

e em vozes de saudade dolorosa

nossas conversações, nossos encantos,

nas horas de uma vida descuidosa!

Sul-Americano 10/11/1901

 

INGRATA

À Francina

Francina, ouvi-te gemer,

e não posso um — ai — ouvir

sem na minh'alma sentir

a dor do alheio sofrer:

eis Francina, porque tanto

eu quis calar o teu pranto!

Eu quis a crença ensinar-te;

quis mostrar-te a bela Esp'rança;

ao mar que tenta afogar-te,

quis que voltasse a bonança;

quis acender em tu'alma

da Fé a luz doce e calma.

Tive de ti compaixão

porque te via sofrer;

ai! da tua ingratidão

me não lembrava, sequer!...

Quem és, ignoro, no entanto,

quis enxugar o teu pranto!...

Vejo-te ainda chorosa;

o teu pesar desconheço;

mas de te ver desditosa,

não sei que mágoa padeço...

e tu, Francina, és-me ingrata,

geada que as flores mata!

Matas a flor da Esperança

que é tão virente e tão bela!

revoltas a onda mansa

da Fé apagas a estrela

e na barquinha da vida,

lá vás, sem rumo, perdida!

Mas nas águas bonançosas

verdes, verdes como os campos

estrelados de pirilampos

e de florinhas mimosas,

vagaria o teu batel

se assim não foras — cruel...

Cruel... não; porém ingrata; —

e tão ingrata e tão fria

como a geada que mata

o lírio que lindo abria!

Como o espinho da rosa

que fere a mão carinhosa!

Que eu te esqueça — me ordenas,

porém com tal desalento,

mostrando tão cruas penas,

tão profundo sentimento,

que não te posso olvidar

neste terrível penar!

Portanto volto a ensinar-te

a ter Fé, a ter Esp'rança,

para que volva a bonança

ao mar que tenta afogar-te...

mas não me sejas — ingrata —

geada que as flores mata!...

Sul-Americano 11/08/1901

 

À ILUSTRE POETISA E ESTIMÁVEL COLEGA SEMÍRAMIS

Recebi teu cartãozinho,

como sempre delicado;

— gracioso passarinho

portador do teu agrado!

É grata flor que me envia

em cada ano que vem,

tua meiga simpatia

que tantas doçuras tem!

Um só pesar me entristece

quando mo vem entregar:

"ah! si eu conhecer pudesse

aquela que o quis mandar!..."

Mas um mistério te encobre

por quê? não posso saber!...

O denso véu que te envolve

Quem poderá suspender?...

Ninguém!!! respeito, portanto,

Ao segredo inviolável!

— não nos prive do seu canto

a Semíramis amável!

E que nestes versos meus,

aceite as flores mais puras,

e mil votos de venturas

que por ela envio aos Céus!

1° de janeiro de 1902

Sul-Americano 05/01/1902

 

MENTIRA

À Francina

É mentira, Tudo mentira

Mentiu-me a brisa que a medo

Falava dentre o arvoredo

À doce luz do luar:

Mentiu-me a onda que vinha

Trazer-me a rósea conchinha

Nascida no fundo do mar

Mentiu-me a rola mimosa

Na terna voz carinhosa

Cheia d’afagos de amor

Mentiu-me aroma das flores,

a lua nos seus palores

a estrela – nos seus  fulgores.

Mentiu-me da noite a Poesia

Naquela grata harmonia

Que a doce fé nos ensina;

Mentiu-me do sonho a ilusão,

Mentiu de amor a canção.

E tu mentiste, Francina!

Mas si também o meu canto

Dizendo que amor teu pranto

Enxugara – foi mentira;

perdoa, ó triste Francina

aquela canção mofina

à minha inditosa lira!

Sul-Americano 26/01/1902

A GOTA D’ORVALHO

Na pet’la da branca rosa

caíra a gota mimosa

do fresco orvalho d’aurora;

a nuvem que o derramou

já pelo Céu deslizou

além no ar s’evapora

A gota d’orvalho pura

do sol aos raios fulgura

na branca pet’la da flor;

por entre as rosas ligeira

passa a avezinha faceira

em busca do mel de amor

À rosa pálida e bela

disse:  — dá-me, ó flor singela,

a doçura do teu seio;

oh! dá-me o mel que resume

o amor, a vida que anseio!

Mas a branca rosa triste

volve assim: — o que me pediste,

ai! Não há no seio meu!

Aqui só tenho a amargura

e entre espinhos, esta pura

doce lágrima do Céu!

Pois dá-me a gota mimosa

que no teu seio amorosa

foi docemente pousar!

Sobre a minha doirada

Levá-la-ei perfumada

Ao seio imenso do mar!

Então a brisa fagueira

fez o galho da roseira

suavemente bulir,

e a pura gota mimosa

da branca pet’la da rosa

foi n’asa d’ouro cair.

Ligeira a linda avezinha

ao mar o voo encaminha

e sobre as ondas pairou;

as asas d'ouro rufiando,

no mar que gemia brando

a pura gota entornou.

Rara concha nacarina

como a per'la purpurina

de uma flor que o sol abrira,

à doce gota d'orvalho

deu no seu seio o agasalho

que em vão à rosa pedira.

Depois os dias passaram...

as águas do mar gelaram,

depois o sol as deliu.

Baixa a maré, volve a cheia,

e da praia sobre a areia,

que linda concha se viu.

Era rosada e mimosa

como uma pet'la de rosa,

como uns lábios de criança;

tinha no seio guardada

uma per'la delicada

— do Céu formosa lembrança!

………………...............

Ah, que bendito agasalho

não teve a gota d'orvalho

da linda concha no seio

que numa per'la preciosa

se transformou graciosa

das salsas águas no meio.

Só este pranto que verte

minh'alma não se converte

em lindas per'las, oh! não!

— que a minha lágrima pura

embalde, embalde procura

a concha de um coração!

Sul-Americano 02/03/1902

 

À

Em resposta ao teu triolé

Como a rolinha cansada

de gemer na solidão

já não manda à viração

suspiros da voz magoada,

assim a lira piedosa

— sócia no riso e no pranto —

imersa em fundo quebrando

já não solta a voa maviosa.

Qual no vergel, entre as flores,

Leda avezinha gorjeia

doce canção que recreia,

hino festivo d'amores,

somente as liras felizes

desprendem cantos amenos

como sonhares serenos,

como perfumes de luzes.

Não tem a "mente ditosa"

quem não medita venturas;

quem só vive d'amarguras

em realidade penosa,

e deste fado cruel

compartilhando, entristece

e pesarosa emudece

a lira — sócia fiel!

qu'importa ao mundo feliz

de um triste canto o lamento?

Suspiros... leva-os o vento,

e o mundo ao triste maldiz!

À lira da soledade

— sócia no riso e na dor —

deixai, deixai, por favor,

o repouso, a liberdade!

Sul-Americano 20/05/1902

 

A MÁRIO SAUDOSO

Quando s'estende o luar

pelos fraguedos da praia,

e as ondas gemem na raia

que borda de luar o mar,

também sinto uma saudade

que minh'alma tudo invade

de terna, meiga lembrança...

mas ah! — meu sonho querido

foi batel submergido

no verde mar da esperança!...

 

À SEMÍRAMIS

Tu que ri alva da vida sorrias,

Fada gentil do meu sonhar de amores,

tu que nos melancólicos palores

das minhas tardes inda refugias,

por que agora t'escondes sombria

gazas da noite, tristonhas cores?

por que teus radiosos esplendores

apagas quando mais brilhar podias?...

Ah! o crepúsc'lo envolve a tarde bela

— hora dos prantos, hora da saudade,

em que o céu chora sobre a flor singela.

Como o sol a morrer na Imensidade

morre o meu Estro: — vem, ó minha Estrela,

vem tu brilhar na minha soledade!

Sul-Americano 20/ 07/ 1902

 

ESCUTA

À Francina

"É tarde! é tarde!" — me volveste ainda,

— Francina ingrata qual geada fria —,

tporque o Céu de tua existência linda

velou-te a nuvem da tormenta, um dia!

Mas passa a nuvem da tormenta escura,

lágrimas muitas derramando, oh, sim!

E a estrela Vésper mais serena e pura

no Céu rebrilha desnudada alfim!

É tarde! é tarde!... mas a tarde é bela!...

Os lírios abrem do crepúsc'lo à luz,

e a alma ele na canção singela

mais doces preces ao sopé da Cruz!

E tu não sentes ao dorido peito

um doce alívio serenar tu'alma?

É o bendito, salutar efeito

do olhar de Deus que nossa dor acalma!

Morrer desejas!... sabes tu que sorte

espera a alma que sem fé viveu?...

Sonhaste acaso si ao depois da morte

terá a triste e doce paz do Céu?...

………………………

Luz imortal que vence horrenda treva!...

Si alguém no mundo do teu pranto zomba

eu, não, decerto! — que é sagrada a dor!

E o triste pranto que dos olhos tomba

batismo d'alma que conhece amor!

Daquele Mário que de ti graceja,

oh, sim! — de amor a confissão não queiras!

É borboleta jovial que adeja,

tem lindas asas, mas sutis, ligeiras...

Oh! nunca aceites o amor de Mário!

É falso! é ímpio a insultar-te a dor!

— Há no teu peito um coração sacrário —

talvez dos sonhos d'infeliz amor...

Por isso sofro de te ver chorosa,

e às vezes choro de pesar também...

Francina ingrata mais que agreste rosa

que só espinhos despiedados tem!

A ti — descrida — que te importa o pranto

qu'em per'las corre de minh'alma crente?...

Si o não aceitas — vê que é puro e santo

doce consolo que a minh'alma sente!

Ai! só desejas que eu te esqueça... ingrata!

Pois bem! — jamais perguntarei por ti,

senão à onda que o luar retrata,

senão à rola que gemendo ouvi! -

Sul-Americano 25/08/1902

 

SAUDAÇÕES

Ao Sul-Americano pelo seu reaparecimento

Volve o herói ao campo da peleja

depois que o tempo do repouso finda,

mais esforçado, mais pujante ainda

a colher nova palma que viceja.

Também o Sol que d'amplidão dardeja

setas de ouro com que a terra brinda,

mais brilhante derrama a luz infinda

depois que aurora o céu da noite dardeja.

Assim tu volves, — Campeão da Imprensa

mais vigoroso, mais ardente e ufano

a dissipar do tédio a nuvem densa!

Sê, pois, bem vindo, ó Sul-Americano!

Mundo de glórias, d'alegria imensa,

Sempre garboso, altivo e Soberano.

Sul-Americano 14/07/1903

O SOL

Surges n'Oriente, e o Céu s'esmalta d'ouro,

e convertem-se as lágrimas da noite

em preciosas pedras rutilantes;

e de perlas derrama-se um tesouro

da brisa matinal ao brando açoite

sobre o tapiz dos campos verdejantes.

Desabrocham os botões das lindas flores

aos almos beijos de tua luz criadora,

e a fragrância sutil do virgem seio

das boninas gentis de várias cores,

como grata homenagem encantadora

a ti s'evolam num constante anseio.

Desperta o bosque ao matutino encanto,

em ledos hinos, em murmúrios ternos;

em pipilar de amores inocentes;

e a tua luz num confortável manto

como em carinhos dúlcidos, maternos,

envolve os brandos ninhos docemente.

As flores abrem, os frutos madurecem,

e o pobre camponês para o trabalho

vai pelo campo, alegre, descuidado,

que os raios teus, ó sol, no berço aquecem

com salutar e tépido agasalho,

o filhinho que dorme desnudado.

Tu és da Providência a imagem bela;

de luz, de força e vida radiante,

nem o tempo te abate a majestade!

Se t'escurece a nuvem da procela,

te revelas no íris cambiante

como emblema de paz na imensidade!

Tomba na mata o cedro agigantado;

despenha o raio secular rochedo;

todo o poder ao nada se reduz;

Só tu campeias sobranceiro ousado!

Guardas da Criação o almo segredo...

Ó Sol, jamais se apaga a tua luz.

A Fé 24/08/1903

O ANJO DA GUARDA

Noite d'inverno, límpida formosa,

lá fora, o frio, o orvalho regelado,

noturno vento a suspirar magoado,

na solidão, endeixa dolorosa.

Do pobre, na mansarda silenciosa,

dorme no berço o filho desnudado,

e o luar pelas fendas do telhado

beija-lhe a face pálida, mimosa.

Cai o gélido sopro da desoras,

e o pobrezinho nestas mortas horas,

geme aos açoites d'hibernal rigor...

Mas o beijo que as lágrimas sorveu

nos seus lábios gelados, quem lho deu?...

— O Anjo da Guarda — O maternal Amor.

A Fé 19/10/1903

MATER DOLOROSA

Por sob o véu d'imácula brancura

vestes a cor modesta da violeta;

mais penetrante do que aguda seta

punge-te o seio a espada d'amargura.

Oh, Virgem dentre as virgens a mais pura!

Oh, Ideal Sublime do poeta!

Mística Rosa — Rosa predileta,

Oh, Mãe de mais afeto, mais ternura!...

Bendita sejas nos teus agros prantos!

Nos teus sorrisos, nos teus gozos santos,

no teu Amor — Essência dos amores,

Celestial Perfume de pureza,

Mel que suaviza a acérrima aspereza

do nosso padecer, das nossas dores!...

Outubro 1903

O PRANTO DA VIRGEM

A perla brilhante

que a concha formosa

dos mares, vaidosa,

no seio ocultou,

não tem os encantos

da lágrima pura

que a doce ternura

de virgem formou.

A límpida gota

que a noite sentida

lá deixou escondida

no seio da flor,

não tem a poesia

da lágrima bela

que verte a donzela

no sonho de amor.

Aljôfar mimoso

de brilho sem par

no rico colar

da noiva risonha

não tem a beleza

da perla que oscila

na triste pupila

da órfã tristonha.

O pranto da virgem

é puro, é sagrado

qual hino entoado

bem perto de Deus.

É grato perfume

de meiga violeta

que a brisa faceta

derrama nos Céus!

Sul-Americano 01/12/1903

 

NO ÁLBUM DE UMA MENINA

(Ao despedir-se)

Miosótis

Entre os mimos gentis da natureza,

florinha graciosa Deus criara;

do azul do céu na mística pureza

as pet'las delicadas lhe banhara.

Depois, no firmamento, a esteira acesa

das nebulosas o Criador fitara,

e de uma estrela a forma e a beleza

imprime à flor gentil que abençoara.

Quando a lançou, porém, na terra dura,

vendo tão inocente e melindrosa,

— "não te esqueças de mim!" — disse d'Altura.

E assim, tão pequenina, tão mimosa,

ela tornou-se — emblema de ternura —

de puro — adeus — recordação saudosa!

Sul-Americano 16/12/1903

 

SALVE! — 1904

Alta noite despertam sons festivos

o povo que dormia descuidado:

do ano velho o adeus triste e magoado

morre por entre os "salve!" redivivos!

Assoma a aurora: ó peitos expansivos,

qu'inda albergais venturas do passado,

saudai o novo ano festejado

com brindes de alegria, ardentes, vivos!

Eu também te saúdo, ano d'esperanças...

embora destes risos, destas danças,

destas festas minh'alma longe esteja...

Porém meu coração aos Céus implora

a ventura, e a paz consoladora

que a todos com fervor sincero almeja!

1° de Janeiro de 1904

A Fé 01/01/1904

 

AO ANO NOVO 1904

Sejas bem-vindo

O Ano Novo!...

Ledo, sorrindo,

traga-te o povo

dos seus jardins

para saudar-te,

rosas, jasmins,

não mimos d'arte!

Pet'las de flores

cubram o chão;

(não multicores

"confetes", não!)

Nem serpentinas,

nem bandeirolas,

mas as boninas

d'alvas corolas.

Que à doce brisa

d'aurora tua,

que às águas frias,

vogue a falúa.

Tanto nos mares

como na terra

não haja azares,

não haja guerra!

Esp'ranças, rezas,

gozos, ventura,

cobres precisos,

saúde pura,

ó Ano Novo,

nesta alegria,

tragas ao povo

qual por magia!

Eu te saúdo,

oh! Novo Ano!

Sê belo em tudo,

sê forte e humano!

Traz-nos a esp'rança,

traz-nos a paz,

traz-nos a bonança,

progresso traz!

 

O APÓSTOLO DA CARIDADE — IRMÃO JOAQUIM [2]

Caridade divina! — tu que és

ao Céu — Virtude que o Céu todo encanta,

na terra um anjo que da Cruz aos pés

recebeu de Jesus a bênção santa;

tu que sob o teu manto azul celeste

as pobres criancinhas desditosas,

com afeto de mãe sempre acolheste

da dor secando as lágrimas copiosas;

Oh! Caridade! — à minha pobre lira

vem ensinar o teu divino encanto!

Que o teu bafejo cândido a desfira

em melodias de celeste — canto!

Cantar eu quero o teu amor bendito;

o Amor de Jesus, — sublime, ardente;

esse que pelos Céus um dia escrito

foi, de um santo varão, n'alma fervente!

I

Noite de prantos! Noite dolorosa

que enluta a terra e o Céu!

Sexta-feira Maior... noite grandiosa

em que Jesus morreu!

Celebrava essa data imersa em pena

a Igreja contristada;

pálida a imagem de Jesus, serena

jazia ali prostrada.

Na soledade triste do Calvário

chorosa por Jesus,

da Mãe Divina o vulto solitário

se vê ao pé da Cruz.

………………………………………………………………………………………

Então num lar dos Céus abençoado,

um infante nascia;

no coração de ser predestinado

um símbolo trazia.

Era o símb'lo da Fé! — Era uma chama

daquele Coração

que d'espinhos cingido mais s'inflama

de amor, de compaixão!

E o Apóstolo da excelsa Caridade,

— O Irmão Joaquim —,

nesta noite de Santa majestade

nasceu, eleito assim!

II

Crescia o cândido infante,

como cresce o lírio puro;

porém pelo seu futuro

receio havia constante.

A sete anos fazer

o menino era chegado,

sem nunca haver pronunciado

uma palavra sequer!

Mas o Céu lhe outorga um dia

da fala o dom precioso;

eis que, em breve, venturoso

ganha o que perdido havia!

Agora com novo alento

ei-lo ao estudo votado;

mas sempre ao Céu adorado

fugia o seu pensamento!

As horas que lhe restavam

dos labores da lição,

na mais santa ocupação,

todas, todas se passavam.

Cheio de pura alegria,

levantava altares santos,

entoando doces cantos

à Santa Virgem Maria.

E naquele santo culto,

se destacava entre flores,

como um anjo entre esplendores

o seu angélico vulto.

E a Virgem meiga sorria

com sorrir que a alma afaga,

que ao novo Luiz Gonzaga

por prêmio o Céu prometia!

Só doze anos contava

o piedoso menino,

e já seu pai um destino

profissional lhe dava.

Como seu auxiliar

no negócio que geria,

o jovem filho queria,

queria-o cedo empregar.

Ah! como triste lhe fora

aquela entrada no mundo!

Como do peito ao fundo

Su'alma sentida chora!

Pensava que desde então

de tudo o que mais queria

impiedoso o afastaria

aquele duro balcão!

Porém su'alma constante

no constante pensamento,

a Virgem do Livramento

procurava confiante.

E a meiga Caridade

que nele um apóstolo tinha

— anjo de amor — sempre vinha

guiá-lo à doce piedade!

Era dela tão zeloso

tão fiel discípulo seu,

que só neste fogo ardeu

o seu coração piedoso.

Coração que a santa chama

tão docemente abrasava

quando ao mendigo entregava

a roupa, o pão té a cama!

Se a voz do sino, no entanto,

ouvia o povo chamar

convidando-o a acompanhar

o Sacramento mais santo,

no grande amor que votava

àquele Deus tão clemente,

tudo esquecia e contente

pressuroso o acompanhava.

Nem sol, nem chuva, nem frio,

nem dores de enfermidade,

nem noites de tempestades,

nem o inverno, nem o estio,

na doce prática pura

do terço à Virgem Maria,

embaraçar algum dia

puderam sua ternura!

Seu pai convencido atina

que do filho o ideal

era de Deus Imortal

propagar a sã doutrina;

e dá-lhe, alfim, liberdade

de seguir a vocação

que o seu pio coração

amava com tal lealdade.

Que pura e santa alegria

sentia o jovem piedoso,

neste dia venturoso,

neste belo e grato dia!

Seu primeiro pensamento

foi erigir, no seu lar,

em Oratório — um altar

à Virgem do Livramento!

Da família o honrado nome

pelo cognome santo

troca, a mostrar quanto, quanto

da Virgem ama o renome;

e — Livramento —, de então,

foi o apelido glorioso

que tomou, — fiel esposo

de sua bela devoção!

III

Apenas d'ouro e rosas

as brancas nuvens mimosas

do Céu aurora tingia,

já no Templo do Senhor,

cheio de santo fervor

o pio jovem se via;

e de quantas flores puras

cheias de aroma e frescura,

ele os altares enchia!...

E já o ofício divino

com gravidade, com tino

corretamente ajudava;

depois, ao lar não voltando,

nem alimentos tomando,

pois que aos pobres visitava,

lhes levando a doce esmola

que a todo o infeliz consola,

a todo o enfermo tratava.

Se alguém no leito de morte

esperava o duro corte

no transe atroz d'agonia,

lá indo o pastor das almas,

o Crucifixo, as palmas,

as bentas velas já via,

que o filho da Caridade,

primeiro, aceso com piedade,

ao moribundo acudia.

E nesse exercício santo,

oh! quantas vezes, no entanto,

o dia inteiro passava,

sem que de si se lembrasse,

sem que alimento tomasse,

que o Céu somente o ocupava!

De um — irmão — a alma aflita

queria vê-la contrita

subir à Paz que aspirava!

Um dia o Varão virtuoso,

Concebeu plano grandioso,

Digno de sú alma nobre:

— edificar um asilo

onde houvesse tudo aquilo

que o conforto traz ao pobre,

onde o infeliz, onde o enfermo

encontrasse o alívio, o termo

à dor que a miséria cobre.

Mas onde esmolas pedir?

como a soma adquirir

para essa edificação?...

A sua terra natal

era bela sem igual,

porém pobre, que mais, não!

Mas o alenta a Fé bendita,

A Caridade infinita

A Esperança, a Oração...

IV

Veste o saial de lã grosseira, estreito,

cinge aos rins um cordel, e sobre o peito

do hábito estampado,

traz o cálix doirado, a hóstia pura,

em memória da sua grã ternura

ao Sacramento amado.

Toma o bordão de peregrino e segue...

(para que ao infeliz um dia legue

um patrimônio Santo,

é preciso seguir...) longe dos lares

ele irá sem ter mágoas, sem pesares,

por enxugar o pranto!

Longos meses levou o peregrino

seguindo pelo sul o seu destino,

longes terras trilhando;

pedindo esmolas, dando a uns — conforto,

alimentos a este, ao enfermo, ao morto

piedoso velando.

Assim extensas terras percorrendo,

como Jesus, opróbrios mil sofrendo

humilde, paciente,

retribuía com suas bênçãos santas

pedindo ao Céu perdão e graças tantas

para o povo inclemente!

E o Céu ouviu seus rogos de piedade...

apesar da penosa enfermidade

que a jornada lhe dera,

antes de um ano regressou contente

à sua terra natal co'a suficiente

quantidade que colhera.

E do Menino-Deus junto à Capela

que sobre verde outeiro alva e singela

já lá se via enfim,

os alicerces d'edifício novo

robustos se levantam, enquanto o povo

bendiz — o Irmão Joaquim!

V

Do novo hospital formoso,

era ele próprio o enfermeiro;

tão santo, tão caridoso,

tão afável e prazenteiro,

que o pobre enfermo sorria

sentindo a doce alegria

daquela consolação;

e ri alma grata abençoava

aquele que admirava

com funda veneração.

E o santo pai da pobreza

a todos consolo dando,

nem um enfermo despreza

a todos, todos tratando.

Moléstias contagiosas,

úlceras feias, asquerosas,

cura, de Deus pelo amor;

e a noite em vigília passa

se vê que a morte esvoaça

em torno aos leitos de dor!

O terço à Virgem bendita

que à noite vinha rezar,

de enfermos turba contrita

ia-o logo acompanhar;

pois que todos à Senhora

que o fraco enfermo vigora

deviam alívios seus;

e como grata homenagem

do altar da Santa Imagem,

a prece subia a Deus!

Depois de finda a oração,

todos, silêncio faziam;

e do grave capelão

belas palavras ouviam.

Eram discursos formosos,

breves, porém carinhosos,

mui tocantes e eloquentes,

em que à fé exortava,

e a paciência ensinava

aos infelizes doentes.

Naquelas almas doridas

incutia a doce esp'rança;

por prêmio às dores sentidas

dos Céus promete a bonança,

e o pobre consolado,

do seu aspérrimo fado

abraça a pesada cruz,

ao fulgor da santa crença,

antevendo a recompensa

dos eleitos de Jesus!

A necessidade via

meditando em seu labor,

que de um patrimônio havia

aquele asilo da dor.

Presto partiu a Lisboa,

e à rainha pia e boa

confia o seu ideal;

deu-lhe a soberana então

uma anual prestação

em favor do Hospital.

Depois, sem mais explicar,

dos Passos à Irmandade,

foi a gerência entregar

do Hospital de Caridade.

Jamais se soube o motivo

que o fez parecer esquivo

a esse encargo piedoso;

porém, se creu, com razão:

— fora a santa vocação

do seu gênio caridoso.

Tanto que indo à Bahia

recomeça a faina santa,

e lá, com esmolas, um dia

um Seminário levanta,

onde a infância desvalida

fosse amparada, instruída,

achasse conforto, alfim;

e o Seminário acabado

tomou o abençoado

nome de São Joaquim.

De novo a Lisboa segue,

um outro favor rendoso,

talvez, a ver se consegue

ao seu colégio piedoso.

Ainda bem acolhido

foi desta vez seu pedido,

e à Bahia tornou,

de virtudes, exemplar,

como um pai sabendo amar

os cem órfãos que educou.

Foi na prática piedosa

destas virtudes dos Céus,

que uma carta lutuosa

ele um dia recebeu.

Continha a notícia triste

que seu pai já não existe...

chamava-o ao triste lar,

sua legítima, agora,

a receber sem demora

no que iam partilhar.

Mas tão desinteressado

tão amante da pobreza,

ele recusa o legado

com espontânea franqueza.

De suas irmãs a que era

mais desprovida, cedera

o que lhe pertence; então,

satisfeito assim ficando

vai em paz continuando

a sua santa missão.

VI

O Seminário seu vendo que estava

tão bem montado,

um dia a um reitor em quem confiava

o entrega sem cuidado.

Ao Rio de Janeiro segue então,

e lá, sempre modesto,

merece a boa estima e proteção

do nobre D. João sexto.

Este monarca que tão bem sabia

os dotes seus prezar,

alguns meninos órfãos lhe confia,

que os quer bem educar.

E jamais a tão belos protetores,

o Irmão Joaquim,

pedira esmola alguma, alguns favores,

sem ter piedoso fim!

Ele nada possuía, nem deseja

cousa alguma, também;

para si o prazer somente almeja

de — a todos fazer bem!

Daí, partiu para S.Paulo, um dia,

bastante enfermo, entanto;

mas das virtudes nunca ele esquecia

o misterioso santo.

E esmolas por todo aquele Estado

longo tempo colhendo,

dois colégios fundou, abençoado

sempre dos pobres sendo.

Foi assim que entretido a desenhar

as paisagens que via,

foi preso: pois puderam acreditar

ser estrangeiro espia!

Mil insultos sofrendo, paciente,

foi ao Rio levado;

Mas D. João liberta-o IN-CONTINENTI,

por tal fato magoado.

A Jacuacanga então se destinara

a obra a ultimar

do Seminário que lá começara,

um dia, a levantar.

Após, voltando ao Rio, lhe chegou

a notícia cruel

que de sua terra o asilo que fundou

converteram em quartel!

Ah!... dos seus sacrifícios, do seu zelo,

do seu bendito amor,

como puderam o furto santo e belo

assim tratar?... Senhor!...

À casa do marquês do Lavradio,

presto segue, confiante;

este recebe o santo homem pio,

com modo cativante.

Clama o santo varão, justiça clama,

contra a ímpia medida,

e do seu zelo ardendo em pura chama

chora-lhe a alma dorida.

Desalojado fosse, — ele pedia,

o seu caro Hospital

que para os pobres erigira um dia

em sua terra natal!

Que os infelizes, por obediência

dar ao Governador,

dispersos iam, entregues à inclemência

da miséria, da dor!

Tais palavras bastaram, o bom marquês,

já no seguinte dia,

o tão justo pedido satisfez

no ofício que expedia.

E o Governo de Santa Catarina

restituiu alfim,

aos míseros a dádiva divina

do — Irmão Joaquim!

VII

De Jacuacanga entanto,

Florescia o Seminário;

Era ali o santuário

De tudo que é belo e santo.

Educação exemplar

os jovens lá recebiam

e co'a ciência bebiam

as virtudes da moral.

Do Irmão Joaquim ao rogo

D. Pedro o Imperador,

nomeou um bom reitor

ao seu Seminário logo.

Era este ilustre prelado

o Bispo de Mariana,

que nessa piedosa faina

foi benquisto e respeitado.

Ele era o pai extremoso

da mocidade cristã:

mestre na doutrina sã

do Nazareno piedoso.

Os jovens que se educaram

sob sua direção,

com a mais bela ilustração

a Pátria depois honraram.

O Irmão Joaquim, com quanto,

do Brasil em pontos vários

muitos outros Seminários

fundado houvesse, não tanto

como a este, os visitava,

e enquanto permanecia

aí, nalguma obra pia

todo o seu tempo empregava.

Pouco na mesa, no Templo

muito velava em oração:

a qualquer como a irmão

amando, com santo exemplo.

Co'a mais santa caridade

os meninos ensinava,

que junto a si empregava

nestas casas de piedade.

Ele nunca murmurava,

em todos supondo o bem,

que a su'alma do Céu tem

as virtudes que a adornavam.

Se naquelas vizinhanças

festa rude se fazia

para logo ali corria

trocando em rezas as danças.

Armava altares ornados

das lindas flores que achava;

imagens que ali levava

erguia em tronos doirados.

E o povo que então convida

ao terço rezar, reverente,

por estas rezas, contente,

dos folguedos troca a lida!

No fim, ao povo falando

com fervor d'alma piedosa,

a uma vida virtuosa,

ia a todos exortando.

E o seu discurso fervente,

Porém simples e singelo,

Produzia o efeito belo

Do sermão mais eloquente!

Às vezes, por sobre o mar,

em pequena embarcação,

lá ia o santo varão

pela costeira esmolar,

com seu fiel companheiro,

do remo à bulha entoando

canto que a brisa levando,

ais céus subia fagueiro.

Se mor pobreza encontrava

pelos lugares que via,

com os pobres repartia

o que consigo levava.

Tratava o pobre doente

o moribundo assistia,

e, nos transes d'agonia,

levava o padre assistente.

As tempestades afronta,

(que elas nunca o embaraçavam

nem das vagas que elevava

seu coração se amedronta),

em canoa pequenina

o lugar mais perigoso

ele passa, ao Deus bondoso

entregue, e à Virgem Divina.

E o povo à praia afluía

para ouvir seus cantos lindos,

os seus louvores infindos

à doce Virgem Maria.

E do que o povo lhe dava,

ele, de volta, ao reitor

naquele santo fervor,

mui satisfeito entregava.

Do seu viver abençoado,

Um documento, p'ra glória,

Deixa, por grata memória,

De Mariana o Bispo honrado,

Que admirando a beleza

Daquela alma tão nobre

Pequeno se acha, o pobre,

Ante tão santa grandeza!

Entanto o varão piedoso

sente aumentar-se o seu mal,

e prevê um fim fatal

ao seu viver laborioso.

Aos padres quer entregar

o seu seminário, e fez

projeto de inda uma vez

para Lisboa embarcar.

Porém o projeto muda;

a Roma então se dirige;

mas a moléstia o aflige,

a vontade não lhe ajuda.

De voltar à pátria teve,

P'ra morrer junto aos que ama;

porém Deus a si o chama

à Pátria dos Céus, mais breve.

Em Marselha se finou

alfim o homem piedoso

que um tesouro precioso

de virtudes nos legou.

A terra que o viu nascer

recordando o nome seu,

roga ao justo que, do Céu,

não deixe de o proteger!

VIII

Honremos, pois, do pio Irmão Joaquim,

a bendita memória,

que a palma das virtudes teve, alfim,

de Deus na eterna Glória!

Celebre o canto meu pobre, singelo

suas virtudes santas;

bendiga o nome seu tão grato e belo,

cheio de graças tantas!

De perlas e jasmins em lindas c'roas,

— as lágrimas da dor, —

transforme o exemplo de suas obras boas,

o seu bendito amor!

Terra feliz de Santa Catarina,

linda terra, formosa,

aos filhos teus vindouros pia ensina

sua história piedosa!

Honra o nome imortal do Irmão Joaquim,

honra a santa memória

daquele que nos Céus já teve alfim,

sua palma de Glória!

Capital de Santa Catarina, 20 de Janeiro de 1904

A Fé 12/02 - 19/02 - 26/02 – 04/03/1904

NA SOLEDADE

Oh! Virgem! Triste Mãe — da Dor incomparável

que n'alma te vazou o fel das amarguras,

não pode o perceber d'humanas criaturas

ao fundo perscrutar o pélago insondável!

Ele — o teu santo Amor, teu Deus, teu Filho caro,

pendente de uma Cruz, aflito, angustiado;

depois... agonizante, agora, sepultado...

e tu nesta aflição! Tu neste desamparo!...

Enquanto dessa Cruz descia o olhar piedoso

qual bálsamo de amor ao teu penar profundo,

a lança d'aflição não ia tão no fundo

ferir-te o Coração materno, carinhoso!

Ai! Virgem Dolorosa! — Angélica bonina

que entre abrolhos cruéis o seio laceraste, —

que lágrimas fel tão d'alma derramaste

para um mundo salvar d'Universal ruína!

Oh! brandos corações das ternas mães aflitas,

Oh! puro e doce amor dos dúlcidos amores,

Daquela Dor cruel que excede as outras dores,

Dizei-me o delirar, as mágoas infinitas!...

Porém... Oh, Santa Mãe da Dor incomparável

que n'alma te vazou o fel das amarguras,

quem poderá dizer as mágoas e ternuras?...

quem poderá saudar o pélago insondável?...

Sexta-feira Santa

A Fé 01/04/1904

OS OLHOS AZUIS DE EDITE

(No álbum de uma menina)

Os olhos azuis de Edite,

— duas estrelas mimosas —

têm a doce transparência

das mansas águas saudosas.

São meigos, lindos, brilhantes,

Como os de um anjo de Deus;

— fazem as delícias da terra,

— são os encantos dos Céus!

Os olhos azuis de Edite

têm mais celeste matiz

do que as safiras mimosas,

que os miosótis gentis.

Oh! querubim gracioso,

sob estes louros cabelos,

como brilham mais formosos

teus meigos olhos tão belos!

Quando esta face tão pura

como a açucena só é,

enflora meigo sorriso,

minh'alma o Céu entrevê.

Leve azul da madrugada

espelhado em quedo mar,

gêmeas estrelas mimosas

na esfera brilhando a par.

Não tem mais doce poesia,

nem mais m encantam a existência,

que ver no azul dos teus olhos

brilhar a tua inocência!

Se pode haver Céu na terra

aonde a ventura habite,

—     será o lar venturoso

onde tu vivas, Edite!

A Fé 15/04/1904

A BÊNÇÃO

"Deixai que venham a mim os pequeninos",

Cristo dizia; — e os tenros inocentes

corriam pressurosos, sorridentes,

desta voz aos acordes peregrinos.

E sonorosos e festivos hinos

de querubins celestiais, contentes,

Jesus escuta nesses tons ridentes

que são da infância os cânticos divinos.

Então, sorrindo, o Santo Nazareno

levanta o meigo olhar, belo, sereno,

ao azul radiante de esplendores,

e sobre as loiras cabecinhas traça

a cruz da bênção — doce cruza da graça

que faz dos prantos um colar de flores!...

Novembro de 1904

A Fé

AQUARELA

Era uma casinha bela,

— portas verdes, muros brancos

alvas cassas na janela,

franca entrada aos ares francos.

Ao redor, nos verdes campos,

de florinhas semeados,

a noite acende p'rilampos,

o dia, orvalhos doirados.

Lindas, contentes crianças

rósea tez , cabelo d'ouro,

nos olhos céus d'esperanças.

D'inocência almo tesouro.

Brincam colhendo nos prados

mil borboletas e rosas,

brancos lírios perfumados,

e açucenas mimosas.

Foge o sol reverberando

das águas na branda tela;

à flor do lago brilhando

s'estampa a casinha bela.

E enquanto à porta da herdade

atenta a esposa saudosa,

no bosque a rola mimosa

suspira — amor e saudade.

A Fé 31/01/1905

 

5 DE DEZEMBRO

(Improviso de volta de uma visita ao Cemitério)

Faz um ano neste dia

em que a mais funda agonia

minh'alma riste enlutou.

Meu pai! eu via-te extinto...

e do meu viver pressinto

todo o horror que o desolou!

Que lentos, amargos dias!

que horas tristes, sombrias

a sorte me preparava...

Sem esp'ranças, sem conforto,

meu coração semi-morto

de dor, só de dor pulsava!

………………………

Lá no remanso funéreo

do sombrio cemitério

teus pobres restos jaziam;

teu nome, em letras saudosas,

era cercado de rosas

e das saudações que abriam.

Li teu nome desta sorte

gravado ali pela Morte,

marcando-te o triste fim,

e o pranto dos meus olhos,

não caiu, qual sobre abrolhos

o doce orvalho... ai de mim?

Ai! não caiu porque, dentro

Do coração bem no centro

Minh'alma triste e sentida

Chorava o pranto cruel

Feito das mágoas, do fel

Que hoje compõem minha vida!

5 de Dezembro de 1905

 

RECORDAÇÕES

Sombras cariciosas e queridas,

nuvens de rosa em lágrimas desfeitas,

flores à flor de um lago retratadas,

ondas que suspirastes e morrestes

onde estais? onde estais... oh! meu passado!...

Plácida primavera! Oh, quantas flores

o meu jardim vestiam!... as rosas lindas

s'espinhos tinham, nunca me feriram!

Tão brancos eram os lírios e açucenas

e tão vivos os cravos!... mais viçosas,

porém, roxas e tristes, sempre e sempre,

eram as violetas e as saudades meigas,

— as saudades — amigas da minh'alma!...

E passavam serenas primaveras

e o meu jardim sempre florido e verde

e as flores sempre, sempre assim viçosas!

Passavam nuvens que o favônio brando

da manhã impelia; elas passavam

pelo céu, róseas, douradas, lindas,

mas, passando, d'orvalhos rorejavam

o meu jardim, e pérolas cobriam

as saudades sem fim dos meus amores!...

Minha vida era o lago sossegado

a retratar o céu; meigas boninas

debruçadas das margens verdejantes,

ali — num fundo azul, estremeciam

à doce viração do amanhecer.

Às vezes, mar ofegante a s'espraiar mansinho

Em merencórias ondas suspirosas,

Embalava o batel dos meus afetos,

Qual berço de corais, — meu coração!

Depois... Oh! nunca mais!...

Do meu jardim murcharam as ledas flores,

e desbrochavam só roxas violetas

e orvalhadas de pranto, mil saudades!

Fora tudo ilusão, prismas, miragens„

sonhos, enganos, juvenis quimeras

do meu ideal, do meu ideal de poeta!

………………………………………….

Sombras cariciosas e queridas,

nuvens de rosa em lágrimas desfeitas,

flores à flor de um lago retratadas,

ondas que suspirastes e morrestes...

Oh! meu passado!... meu sonhar perdido!

A Fé

OS OLHOS DE ALAÍDE

(No álbum de uma menina)

Teus olhos castanhos,

formosa Alaíde,

quem há que os olvide

tão lindos assim?

Embora alguém diga:

— Celestes não são —

eu provo-o, serão

divinos, por fim!

São tantos os anjos

que a Virgem rodeiam,

que em torno vagueiam

do Sólio de Deus,

que, certo, algum deles

terá, graciosos,

os olhos formosos

da cor destes teus.

E eu creio, Alaíde,

— florinha singela —,

que o anjo que vela

teus sonhos, oh! terá

os olhos brilhantes

castanhos, tão belos,

e os lindos cabelos

castanhos também!

E, penso, querida,

que à face mimosa

da mãe amorosa

que cinge-te ao peito,

também se assemelha

o rosto peregrino

do anjo divino

que vela o teu leito!

Formosa Alaíde,

teus olhos são belos,

teus lindos cabelos

são de anjo, são, sim!

Nem mesmo há quem diga

Não serem celestes

Uns olhos como estes,

Tão lindos assim!

O Ideal 13/05/1906

À STELA CONFIDENTE

Eu não tenho na terra os meus amores

Alma afinada pelos sons da minha,

Só existe no Céu: — é nívea estrela!

JOÃO DE LEMOS

Se a vida tem gozos nos puros afetos,

se há seres diletos que gozam venturas,

se a vida tem risos n'aurora dos anos,

p'ra mim teve — enganos, sofrer, amarguras!

Sorrisos esp'ranças — meus sonhos mimosos,

amores formosos da quadra gentil,

ai! foram perfumes... foi nuvem rosada

que em fria orvalhada desfez-se sutil!

Se a meiga saudade do tempo passado

o seio magoado me vem consolar,

eu sofro um tormento d'envolta às doçuras

das lágrimas puras que me faz chorar.

Da palma virente dos ledos amores

murcharam-se as flores ainda em botão,

fanadas as rosas de ternos carinhos,

que duros espinhos restaram-me então!

Só tu, meiga estrela, das tardes formosas,

nas réstias mimosas de luz divinal,

me trazes sorrisos de um anjo saudoso...

relatas-me o gozo da vida imortal!

Fujamos, minh'alma, fujamos da terra

que as dores encerra do teu padecer!

Lá onde fulgura puríssima estrela

a vida é mais bela — há riso e prazer!...

A Fé 30/09/1906

O MEU LAR

Flores, perfumes, solidões, gorjeios,

amor, ternura - modulai-me a lira!

C. DE ABREU

Rico de afetos, cheio de doçura

foste, ó meu lar, — jardim de meigas flores!

Minha mãe era o anjo dos amores

e minha irmã — a flor mais bela e pura!

Tanta paz, tanto amor, tanta ternura

os meus dias tornavam encantadores!

E qu'esp'ranças, meu Deus! e qu'esplendores

no meu viver mostrava-me a ventura...

Mas, foi tudo ilusão! Tudo deixou-me,

e todos os que amei desapareceram,

só a lembrança vívida ficou-me!...

E eu, — entre as saudades que nasceram,

choro na solidão que atrás restou-me

o meu lar, os meus sonhos que morreram!...

A Fé 31/01/1907

À MADONA

A cabeça inclinada; as mãos divinas,

lírios nevados - sobre o peito esquece;

d'olhos fitos no Céu, a cor, parece,

daquele azul brincar-lhe nas retinas.

Sob o cândido véu de gazes finas

outro mais rico e belo transparece

qu'em ondas d'oiro sobre o flanco desce

até beijar-lhe as plantas pequeninas.

D'estrelas meio-círculo brilhante,

as Sete Dores que sofrera outrora,

forma-lhe a c'roa radiante,

e em torno ao doce vulto da Senhora,

brilha celeste luz qual no Levante

o despontar de resplendente aurora!

A Fé 31/05/1907

 

AS OPERÁRIAS

Voltam do trabalho: Como vêm contentes

Risos inocentes, vozes d'alegria!

— Bando d'avezinhas, vinde pelos ares,

ei-las, voltam aos lares quase — Ave-Maria.

Todo o dia, todo, desde do albor d'aurora!

Quando o céu colora purpurina cor,

deixam o casto leito, deixam o sonho lindo,

e lá vão sorrindo com sorrir de flor.

São laboriosas quais abelhas quando

doce mel buscando pelas flores vão;

elas, do trabalho no sagrado horto

buscam almo conforto, buscam honroso pão.

Pela tarde volvem; como vêm coradas!

vem, talvez cansadas do trabalho rude.

Como são formosas com tão vivas cores,

pobres lindas Flores!... — Flores da virtude!

Trajam pobremente, vêm de branco ou rosa

ou da cor mimosa que reveste o Céu.

Umas, d'escarlate como a flor da vida,

todas têm vestida a alma d'alvo véu.

Todas vêm risonhas, de cestinha ao braço;

nem um simples laço nos cabelos têm,

mas o diadema da virtude encanta

co'a beleza santa que dos Céus lhe vem!

Lá, no lar querido umas têm carinhos,

têm, dos irmãozinhos o sorriso, a fala;

esta, a doce bênção de uma mãe singela

que de a ver tão bela leda vai beijá-la.

Nessa hora grata, desce do Infinito,

meigo olhar bendito cheio de ternura;

é o olhar da Virgem que o Universo envolve,

bênção que absolve toda criatura!

A Fé 31/10/1907

BÁLSAMO SANTO

Melhor que o beija-flor no brando ninho,

"Nini", o pequenito, repousava

no maternal regaço que o abrigava

como alvo berço, em maciez de arminho.

E brincando a sorrir, o pobrezinho

co'a pequenina mão acarinhava

aquele seio — flor que lhe guardava, —

os nectários da vida, do carinho.

Mas, qual da rosa espinho despiedado,

invejoso alfinete se atreveu

a picar-lhe o dedinho alvo e rosado...

Um grito soa; o sangue já correu;

porém materno beijo apaixonado

tudo sanou qual bálsamo do Céu!

A Fé 15/11/1907

 

HINO À VIRGEM SENHORA DA BOA-VIAGEM

(A pedido)

Estrela dos mares,

oh, doce Maria!

A voz de teus filhos

escuta e nos guia!

Quando rugir a procela,

quando a nau for soçobrar,

vem, Tu, do Céu meiga Estrela,

vem Tu o nauta salvar.!

Estrela dos mares....

No desalento — Esperança,

Gran'conforto em nossas dores,

sê, oh, Virgem da bonança,

sê, oh, Mãe dos pecadores.

Estrela

Por esses ermos da vida,

tão cheia d'horror, d'espinhos,

Vem, Tu, Estrela querida,

nos ensinar os caminhos.

Estrela...

E quando a triste jornada,

junto aos ciprestes findar,

oh, vem, Estrela adorada,

Vem noss'alma aos Céus guiar!

Estrela...

A Fé 30/11/1907

 

GLORIA IN EXCELSIS DEO

Meia-noite! lá distante

soam trombetas romanas...

um galo canta vibrante

além, além das choupanas.

A Natureza desperta

em cantos, aromas, luz!

Como num brado de "alerta!"

dizendo: — nasceu Jesus!

E descem anjos cantando

Glória a Deus e paz à terra —

e os ecos voam levando

o canto que a nova encerra.

Por entre as choças do val

soava doce harmonia...

uma ilusão, um ideal,

pensa o pastor: — que seria?...

Um sonho?... Não! que, despertos

já todos caminham além;

d'alto mistério vão certos,

vendo a luz que dos Céus vem.

Um anjo formoso desce,

vestido de branco e luz;

e como o assombro lhes cresce,

diz-lhes: — paz! Nasceu Jesus!

E todos, todos seguiam

glória a Jesus! repetindo.

Já do presépio se ouviam

hinos celestes, infindos.

A Virgem Maria junto aos seios

o divo Filho aquecia;

agora não tem receios...

entre anjos, que os teria?...

Jesus sereno adormece.

Ela o deita, docemente

sobre o feno que parece

um feixe d'oiro esplendente!

Depois... um beijo divino,

beijo de Mãe toda amor,

na fronte do Deus-Menino

imprime com enlevo e ardor.

Jesus sorriu; — uma estrela

lá no Oriente assomou;

era a estrela d'alva: — aquela

que um sorrir de Deus criou!

Quem sabe?... a mesma seria

que, após, co'a celeste luz

serviu aos magos de guia

até o berço de Jesus!

Oh! Santo fanal da Fé!

Noss'alma guia também

por esses vales, até

a Sede do Sumo Bem!

A Fé 16/12/1907

CARINHOS

Eu te dizia assim: toda de branco,

junto de ti, oh! meu artista amado,

olhando o campo verde e o mar doirado,

quando o sol doura na montanha o flanco...

num jardim, entre rosas, tosco banco

que nos desse o repouso desejado,

e tu, — pintor da Natureza, ao lado,

enchendo a tela desse quadro franco.

O que mais desejar?... Mas, tu, sorrindo,

me respondeste: — e crês que ao teu artista

prendesse o olhar aquele quadro lindo,

quando, junto de ti, contigo à vista,

nos teus olhos teu doce amor fruindo

gozasse o quando de mais belo exista?!...

A Fé 21/01/1908

 

ECCE HOMO!

Ei-lo! caminha... as longas ruas

do sacrossanto sangue regando!

Ei-lo, caminha... que duras puas

a fronte bela lhe vão rasgando!

qu'espinhos duros, meus Deus! que'espinhos

lhe tecem a c'roa das aflições!

Ele que dera tantos carinhos,

tão salutares consolações...

Que é dos amigos fiéis d'outrora?

respeito, afetos, amor, cuidados?...

Ai! mil tormentos em cada hora!

Ai! mil algozes desapiedados!...

A Cruz que aos ombros dócil levava,

com peso tanto, já lhos feriu;

a luz dos olhos que a dor turbava,

falta um momento... Jesus caiu!

A turba louca, na fúria insana,

pragueja horrenda, os punhos cerra

porém... quem sabe? que graça emana

dos lábios dEle beijando a terra!...

Ouve um gemido, os olhos volve...

A Mãe dorida ali depara!

Almas piedosas o olhar envolve,

consolo triste! Dor mais amara!

"Oh! não choreis! terno murmura,

assim, por mim, oh! não choreis

que só por vós, nesta amargura,

por vossos filhos chorar deveis!"

E além, caminha, as longas ruas

do sacrossanto sangue regando!

que fundas mágoas, que duras puras

o peito amante lhe vão rasgando...

A Fé 05/04/1908

 

O ÚLTIMO SUSPIRO

Ele disse: "Meu Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito"

De negro crepe, funeral cortina

se desdobra do azul sobre a pureza;

enluta-se do céu toda a beleza,

morre do sol a grata luz divina.

Lá, no Calvário, a multidão ferina,

de pavor, um momento fica presa;

silêncio!... trevas!... pasma a Natureza!

Jesus a fronte dolorosa reclina.

"Meu Deus, Meu Deus, por que me desamparas?..."

disse, e do fel as gotas mais amaras

molham-lhe a boca sequiosa, pura.

Então, erguendo os olhos ao Infinito,

"Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito",

num suspiro final, terno murmura!

A Fé 23/04/1908

NA CONVALESCENÇA

(No campo)

Adoro o verde alegre destes prados,

estas lindas boninas multicores,

os perfumes da selva, os esplendores

da cachoeira pelo sol ferida!

Amo tudo isto que me chama à vida,

à glória, ao amor, amo estas maravilhas,

— a aurora envolta em róseas espumilhas,

a tarde em manto azul cintado d'ouro.

Minh'alma s'embriaga no tesouro

de poesia sem fim que o Céu derrama,

e no aroma, e na luz do Ocaso em chama

ou no Levante em brando sol banhado.

Adoro o grande Gênio! — O Sublimado

Poder que exalsa o universo inteiro!

E ao perfume dos lírios misturado,

Sobre meu canto ao Céu, doce e fagueiro!

1908

A Fé

 

INFLUXO BENDITO

Um dia, quando as lizes da inocência

cingiam ainda minha fronte pura,

no aconchego da dúlcida ventura

do anjo bom, — meu guia na existência,

— "minha mãe, eu lhe disse na cadência

desta frase tão cheia de ternura:

— eu sonhei que a uma pobre criatura

dera o meu pão, pensara-lhe a indigência".

Então ela, beijando-me e sorrindo,

como cercada dum reflexo lindo,

exclama: — Oh, filha cara! — eis a verdade:

— diz-me o teu sonho que a tu'alma é bela;

e que bem viva desabrocha nela

uma flor qu'eu plantei — a Caridade!

A Fé 30/09/1908

 

TROVADOR MENDIGO

— Venho cansado! Tenho fome e frio...

trago no peito a dor de um vivo anseio.

Como alcíone que de longe veio,

atravessei o mar, sombrio.

Foi-me a quadra gentil, e vai-se o Estio...

do Inverno os gelos, oh, meu Deus! receio...

— só — desta estrada já chegado ao meio,

levo meu triste coração vazio!

— Uma esmola!... uma esmola, almas piedosas!

há nos vossos jardins tão lindas rosas...

flores da Compaixão, flores do Amor...

Dai ao mendigo a flor da Caridade!

mas os lírios do Amor... Oh! por piedade,

dai-os, Senhora, ao pobre Trovador!

A Fé 30/04/1909

LONGEVOS

De muito longe vêm colhendo amores

a primavera os viu por verdes prados;

depois, de doces frutos carregados

vinham os braços que trouxeram flores.

Agora o sol se põe: os esplendores

vão-se apagando em flóculos nevados;

mas os seus corações bem conchegados

não sentem vir hibérnicos rigores.

Gratas recordações d'almo passado

abrem o cofre pelo Amor selado

onde rebrilha o mágico tesouro.

E dum gozo ideal, então, repleto,

entre filhos e netos e bisnetos

eles celebram suas bodas de ouro.

A Fé 04/06/1909

Penna, Agulha e Colher (Fpolis) 01/02/1919

 

AO NOSSO CELESTIAL PATRONO S. JOSÉ

Oferecida ao nosso ilustre e amado Bispo

Exmo. Revmo. Sr. D. Joaquim de Oliveira

Dos nossos corações os lírios de candura,

Da nossa leda infância as rosas d'alegria,

Gratos vimos trazer, como homenagem pura,

Às aras dum altar, neste festivo dia.

— Alvo Lírio dos Céus banhado em Luz divina,

Nesse trono irradia, à luz da nossa fé;

Da mais bela virtude imagem peregrina

Nosso santo Patrono, — o caso São José!

Do Céu ele nos vê, nos guia, nos consola;

A protetora mão por sobre nós estende;

E brilha entre as demais a nossa humilde escola,

Porque dos Céus a Luz tão bela aqui resplende!

Mas dessa Luz divina os almos esplendores

Que às nossas almas dão alento e claridade,

Da Fé e da Esperança abrindo as lindas flores

Ao sol consolador da meiga Caridade!

— Quem são? — O nosso Bispo! O nosso Diretor!

— Sustentáculos fiéis desse templo de luz!

Os professores que, com carinho e fervor,

Nos ensinam amar o Nome de Jesus!

Salve! Patrono Santo! Ó Luz do puro Amor!

Salve! preclaro Bispo! Oh! Pai que nos zelais!...

Salve! bondoso Mestre, — ilustre Diretor,

E professores que do ensino o pão dais!

Maio de 1916

 

DEUS MENINO (1916)

Tão pequenino, imbele e delicado

Tão grande e forte, excelso e poderoso!

Ele! — o Menino Deus! — Oh! portentoso

Mistério divinal: — Deus humanizado!...

Ali humilde e pobre —, o Desejado,

Entre os humildes foi buscar repouso;

Mas qu'esplendor o cerca majestoso...

É meia-noite, e o sol parece nado!

A terra era um altar, um sólio ingente

De onde d'Universo o Rei potente

Do eterno a glória desdobrava em luz!

Era a Bênção Divina do Criador

que ao mundo ingrato dava um Redentor,

Dando-lhe a vida, dando-lhe Jesus!

25 de dezembro 1916

A Phenix

 

OUTRORA

À minha prezada e boa amiga Rita Montenegro,

hoje — sóror Ida, Superiora das religiosas Filhas de

Sant Ana, no Estado do Paraná.

Da juventude a linda primavera

Quão feliz nos sorria descuidosa;

Que serena amizade, carinhosa

As nossas almas tão rimas prendera!

Eu sonhava um amor, doce quimera,

Ilusão d'esperança mentirosa;

Tu, a vida sonhavas tão formosa!

Que dar-te-a assim o mundo não pudera!

Ante nós se estendiam dois caminhos:

— Tu seguiste o de rosas e d'espinhos

Que ao Céu conduz, no Amor da Caridade.

Eu fiquei-me enlevada na Poesia

— Cantando o meu passado d'alegria

— Chorando o meu presente de saudade.

Maio — 1910

Penna, Agulha e Colher (Fpolis) 19/01/1918

 

CORAÇÃO DE JESUS

Coração de Jesus, — celeste abrigo

Dos tristes corações órfãos de amor;

Cinge-te a c'roa aspérrima da Dor,

O cetro d'Aflição trazes contigo.

Em rubras perlas, meu divino Amigo,

Vejo cair teu Sangue redentor;

Vejo entre as chamas do mais puro Amor

Brilhar a estrela que na vida sigo:

Por essa Cruz, da Fé emblema santo

Pelos espinhos que te ferem tanto,

Pelas flamas d'infinda Caridade,

Faze descer ao seio da minh'alma

A graça, a paz, o amor, a doce calma

Que vêm da tua fraternal piedade!

Penna, Agulha e Colher (Fpolis) 01/06/1918

 

AO MEU BRASIL

Ó Pátria minha! Ó minha terra amada,

De Tupã doce filha, peregrina;

Tu, cuja fronte, pela luz divina

Da Liberdade , eu vejo aureolada;

Terra de Santa Cruz! Nome que ensina

O grão poder da Fé acrisolada; —

Oh! Não consintas à cobiça ousada

Sequer tocar-te a véstea esmeraldina!

És bela, és rica, poderosa e forte;

És mãe d'heróis que, suplantando a morte,

Deram-te um trono de perpétua glória:

Oh! Meu Brasil! — O nome teu radiante,

Verás, sereno, altivo, triunfante,

Brilhar na grande, universal História!

Oásis n. 1, julho de 1918

NUM DIA DE CHUVA

Vem contemplar comigo a Natureza,

Sob este véu de lágrimas espesso,

Onde das rosas a gentil beleza?

Onde o amor do beija-flor travesso?...

A chuva cai em túrbido arremesso;

Do Céu não vejo a ideal turqueza;

Serras e mar envoltos na tristeza...

Meu coração de mágoa e tédio opresso!

Ninho desfeitos, flores desfolhadas,

Aves fugindo, e o vento nas quebradas

A perpassar, nas frondes a gemer...

E tu, ó sol, não vens, meigo, piedoso,

A ave, a flor, o ninho melindroso,

Com teus afagos, tépido aquecer!...

Penna, Agulha e Colher (Fpolis) 20/07/1918

 

PAZ

A brisa pelas matas rumoreja

vozes suaves que repete a fonte;

um ar sereno, da planície ao monte

mais puro e grato a Criação bafeja.

Dormita o mar... é límpido o horizonte

e o céu azul; no solo que verdeja

há um sonhar d'esp'rança benfazeja

como o sorrir dum dia que desponte.

— Paz! — Ó visão consoladora e amada! -

vem derramar na terra angustiada

do teu amor o bálsamo — a Piedade!

Vem transformar em hinos d'Esperança,

ao fraternal abraço d'Aliança,

esse gemer d'aflita humanidade!

Penna, Agulha e Colher (Fpolis) 19/10/1918

À CRUZ

Ó Cruz piedosa! Símbolo bendito

das mágoas todas, — símbolo que adora,

tu que nas campas te ergues dos que chora

e a cuja sombra tímida medito.

Deixa ao meu coração saudoso e aflito

pelas lembranças ternas que deploro,

verter o pranto com que a dor minoro

desta saudade vinda do Infinito!

Recebe, nos teus braços estendidos,

onde os orvalhos lá do céu descidos

vêm pousar ao cair da noite calma.

Recebe, nessas horas carinhosas,

as doloridas lágrimas saudosas,

que, tristes vêm do seio da minha alma.

Penna, Agulha e Colher (Fpolis), 02/11/1918

A Pátria, 4/11/1931.

Publicado em A Fé sob título "Saudade" (No dia dos finados)

 

FLOR DA CARIDADE

(À vista da fotografia de Sóror Ida junto à cabeceira

De uma jovem tuberculosa, no hospital Domingos Freire,

E. do Pará)

Da triste enferma junto ao pobre leito,

velava a Irmã solícita, amorosa,

aquela frágil vida, vaporosa,

que foge ao tenro, delicado peito.

A imagem divinal do Esposo eleito

beija a cândida esposa fervorosa,

enquanto aos Céus a alma carinhosa

voa-lhe, em preces de um amor perfeito.

Jesus, do Céu, mais jubiloso e amante,

inclina a bela face radiante,

baixa o olhar d'infinda piedade.

E a divina bênção, protetora,

banha de luz a fronte cismadora

de Sóror Ida — Flor da Caridade!

Penna, Agulha e Colher (Fpolis) 16/11/1918

 

PRECES — Ave Maris Stella!

Almas doridas, almas aflitas

por este vale de dor, prostradas,

preces ferventes, preces contritas

orai, serenas, de fé banhadas.

Calem-se notas ledas, festivas...

funda tristeza paira nos ares;

duros espinhos de mágoas vivas

brotam no horto dos tristes lares.

Auras que descem do Céu à terra

trazem gemidos, trazem quebranto;

nuvem sóbria que o mal encerra

passa, vazando chuvas de pranto.

Mas, sobre a espessa, vasta negrura

nessa tormenta desencadeada,

brilha uma Estrela mística, pura,

meiga, piedosa, imaculada.

Preces constantes, fervida prece

de amor extremo que em fé palpita,

nem um só dia noss'alma cesse

d'erguer à Estrela do Céu bendita.

Porto d'esperança, seguro porto,

fanal divino, — mostra-nos pia;

dos tristes lares em cada horto

semeia flores, Virgem Maria!

D'aurora à tarde, da tarde à noite,

no ar, na Terra, de sobre as águas,

suspenda o anjo de Deus o açoite,

Virgem das Dores, por tuas mágoas!

Maris Stella, Ave, Maria!

Vem, piedosa, oh, vem salvar-nos!

É longa a noite, escura e fria...

Maris Stella, vem, tu, guiar-nos...

Novembro de 1918

Penna, Agulha e Colher (Fpolis) 23/11/1918

 

A ETERNA PÁTRIA

Olho a terra... que beleza

nas obras da Criação!

Foge de mim a tristeza,

exulta meu coração.

No mundo por Deus criado

de mil encantos doado,

vejo um tesouro disperso.

Olho o mar... o céu em calma...

mas a Pátria da minh'alma

é mais bela que o Universo!

Àquela Pátria divina,

onde a minh'alma nasceu;

e para onde, a Fé mo ensina,

volverá o espírito meu,

das Virtudes pela trilha,

seguindo a estrela que brilha

firme, entre os braços da Cruz,

irei, o mundo vencendo,

nesse combate tremendo

do século contra Jesus!

Formosa Pátria celeste,

Pátria dos anjos bendita,

Minh'alma, piedosa, veste

das luzes que necessita!

Abre o teu seio divino

ao povo teu peregrino

por este vale profundo;

das tuas graças, clemente,

faze jorrar a torrente

pelos desertos do mundo!

Penna, Agulha e Colher (Fpolis) 22/02/1919

 

ESPERANÇA

Desce do Céu e vem sempre que o pranto

Inunde corações na dor pungente;

Bem como a estrela da manhã nascente

Das trevas vem romper o negro manto.

Desce do Céu e vem trazer-me o encanto

Do teu sorriso ideal, beneficente;

Oh! vem dizer-me que esse Deus clemente

A cada dor tem um remédio santo.

Doce Esperança, vem! Contigo o mundo

Embora seja um caos, um mar profundo,

Um val'de pranto e dor, e desconforto,

Sempre terá, em meio dos horrores,

Risonho oásis de mimosas flores,

Um fanal, uma luz, um guia, um porto!

Penna, Agulha e Colher (Fpolis) 15/03/1919

 

ESPERANÇA

Desce do Céu, e vem, sempre que o pranto

inunde corações, na lua ingente;

bem como a estrela da manhã nascente,

das trevas vem romper o negro manto.

Desce do Céu, e vem trazer-me o encanto

do eu sorriso ideal, beneficente;

oh! vem dizer-me qu'esse Deus clemente

a cada dor tem um remédio santo!

Doce Esperança, vem!... Contigo, o mundo,

embora seja um caos, um mar profundo,

um val de pranto e dor e desconforto.

Sempre terá, no meio dos horrores,

risonho oásis de mimosas flores,

um fanal, uma luz, um guia, um porto!

Penna, Agulha e Colher (Fpolis) 15/03/1919

 

NASCEU JESUS!

Pelos vales de Belém.

vai, também,

Ó minh'alma sonhadora;

Segue por esse caminho

montezinho

que a Estrela dos Magos doura.

Que perfumes delicados

derramados

nesses ares luminosos!

Dos passarinhos o canto

mais encanto

tem, nos trilos maviosos!

Das águas a voz suave

como d'ave

o inefável gorjeio,

repete o nome divino

do Menino

que para salvar-nos veio!

Num presépio sobre palhas,

sem toalhas,

sem faixas, sem cobertura,

repousa Jesus infante,

radiante

Luz d'eterna formosura!

As secas páveas de trigo

pobre abrigo

ao corpo seu divinal;

são fitas d'ouro brilhando,

fulgurando

dum brilho celestial!

Eis chegam os Magos famosos,

reis poderosos

que lá do Oriente vêm,

vassalagem

submissa render também!

Exulta a Virgem formosa,

Mãe ditosa,

o tenro Infante sorri...

Que harmonias! Que louvores,

Que esplendores

ao Céu s'elevam dali!

“Gloria a Deus nas Alturas!"

Paz, ventura,

enchem a terra d'alegria!

Nasceu Jesus Redentor,

Salvador

que Deus aos homens envia!

Dezembro 1920

 

OS VELHOS

Crianças! se um dia no vosso caminho

Um velho encontrardes, tristonho, sozinho,

Ao peso curvado da idade e das dores,

Por ele passando, saudai respeitosos

O velho, — ruína de tempos ditosos

Coberta de neves, despida do flores.

Os passos que move, penosos e lentos,

Vos lembrem, crianças, que acerbos tormentos

Seu corpo suporta firmado, ao bordão;

Olhai compassivos, falai-lhe piedosos,

Que as meigas palavras dos peitos bondosos

Dão bálsamo às chagas d'inf'liz coração!

Crianças! — os velhos merecem respeito,

Talvez mais que aqueles que trazem ao peito

Ufanas, vaidosas, honrosas medalhas;

Heróis são aqueles que sofrem amarguras,

Que lutam, que vencem da vida as agruras;

E os velhos venceram bem cruas batalhas!

Que glória tão bela, que vida tão nobre

Às vezes s'escondem de um velho bem pobre

No grande, no puro, leal coração!

— Crianças, lembrai-vos que Deus abençoa

Aquele que nunca despreza, magoa

Ou zomba de triste, de fraco ancião!

Folha Acadêmica 01/08/1923

MÃE

À Edith Silveira de Souza Gondin

No próprio lar a vi: meiga, singela,

Pelos filhinhos ternos rodeada,

Lembrava a Virgem Mãe Imaculada

No Santuário de gentil Capela.

Oh! nunca eu vira da Madona bela

Cópia mais pura e fiel esculturada

Nem jamais, sobre altar emoldurada

De diamantes, em preciosa tela.

Louras crianças do rosadas faces,

— Celestes Querubins ledos vivaces

Lhe davam beijos, lhe atiravam flores.

Ela sorria, o céu azul fitando,

Nesse sorriso que, a divinizando,

Faz da mulher o anjo dos amores.

Publicado no Panal, Set./1924

MÃE PRETA

— Mãe preta! — imagem fiel d'afetos e respeito,

grata recordação de ternura e saudade!

Também a conheci... também, na tenra idade

Senti do seu carinho o salutar efeito.

Junto ao meu berço a vi... junto ao virgínio leito

Onde os sonhos fruí da leda mocidade;

Essa alma nobre e meiga, esse anjo de bondade

Velava o sono meu, de mãe com terno jeito.

Um dia extinta a vi... chorei amargamente,

Meu coração partido àquela dor pungente,

Em duas partes foi, quase uma à outra igual.

Numa, — viva ficou-me, eternamente bela,

A mais doce lembrança... era a saudade dela,

Tão santa qual na outra o santo Amor filial!

Junho — 1926

 

MOTE: A Terra Catarinense

É de Natura um primor!

GLOSA:

É bem justo qu'eu incense,

qu'eleve em trono de flores,

O berço dos meus amores

A Terra Catarinense.

Outra Ilha como ela

Tão graciosa, tão bela,

Não há dos mares à flor!

Entre as Terras do Brasil

A minha Terra gentil

É da Natura um primor.

Ilha Verde

Agosto de 1930

 

A SÓS FALA DON JUAN:

— À flor do coração o espinho mau se gera,

A flor é mãe da fruta: um parto, a Primavera!

Castelos de ilusão são átrios de tapera...

E a fruta vem da flor, que o espinho dilacera.

Reina a flor, não contexto; entanto, a fruta impera;

A fruta, não a flor, meu peito quer e espera...

Sonhador sensual, num sonho mascarado,

Amei, é moda amar; e um luxo ser amado...

Degusto o paladar picante do desejo,

Seu rádio em que se queima a energia do beijo...

Arco-íris colorido em vago céu de amor

Deu-me asas d'avião e garras de condor...

Fui pagem da Esperança — a lúcida cegueira,

De que fiz minha noiva, amante, vil loureira...

Sedes loucas da vida, ardentes, de canseira,

Sorria-as uma a uma, até a derradeira!

Em busca da Mulher, alcei minha alma inteira,

Tal, em busca do azul, alçada, uma palmeira!

Mulheres encontrei, às dúzias, qual se quer:

— onde estará, porém, a não ital (o resto sim) única mulher

(Especial para Ilha Verde agosto 1930)

 

MALVISCO

Linda, mimosa flor, que graça te circunda!

Tens uma bela infância e uma adolescência:

És, ri aurora, a criança, a imagem da inocência

És ao cair do dia, a virgem pudibunda.

Tuas pet'las abrindo à doce luz fecunda,

Das níveas conchas têm a cândida aparência,

Mas, aos beijos do sol, à tua florescência

Um rosado pudor suavemente inunda.

Se a tarde vem do Céu refrigerando ardores,

E, tintas de rubor encontra tuas flores.

Borrifa-lhes d'orvalho o seio tão febril.

Porém meu coração repleto de candura,

Abrindo ao sol de amor na Primavera pura

Atrauado morreu, ó minha flor gentil!

NO JARDIM

Neste recinto ameno e verdejante

Pelo sol da manhã sempre doirado,

Vamos, de cada arbusto exuberante,

Colher um ramo novo, perfumado.

Há bogaris e cravos deste lado!

Daquele, roseiral pouco distante,

Aonde oculta o ninho abençoado

De beija-flores um casal amante.

Oh! que ambiente puro e salutar

Feito d'aromas, de doçuras feito

Enche de graça e amor este lugar!

Ai! quem pudesse, de um "Amor-perfeito",

Como esta borboleta repousa

No delicado, perfumoso leito.

O NATAL

A estrela mais Gentil, a Estrela do Oriente,

Nos vales de Belém derrama a luz fulgente;

E o berço de Jesus os raios seus aquecem,

E como brácteas d'oiro as palhas resplandecem.

Adoram-no os Reis e o divinal Jesus

Repousa num altar de flores e de luz;

E do anjo ao pastor, ao irracional,

Um culto se levanta ao Infante Imortal!

"Glória nos céus a Deus! Paz aos homens na terra"!

Eis o hino de amor que vai de serra em serra,

Di-lo o boi, a ovelha em trêmulo balido

E o gado festival no canto repetido!

Salve! — ó Dia bendito, inolvidável Dia

Em que nasceu Jesus, — o Filho de Maria!

Humilde e pobre qual humílimo pastor,

— Ele — o Deus imortal! Ele — o Deus Redentor!

 

INÉDITO

No álbum de Zita Coelho Neto

Quando a estrela da manhã, alta, subia,

Reluzindo e fremente como um guiso,

Três almas se encontraram tiritando,

À porta sideral do Paraíso,

E a primeira bateu. E havia

Um altivo desdém no seu gesto de mando.

— "Quem bate?" docemente perguntaram.

— "Um rei que foi na terra poderoso!"

— "Que sementes divinas espalharam

As tuas mãos?"

Batalhas! Valoroso

"Venci e conquistei cidades e países!"

"E a porta de oiro muda, inviolada,

Como si tivesse raízes,

Fulgindo e cintilando radiosa,

Permaneceu fechada"

E a segunda bateu. E a voz harmoniosa

De novo perguntou: — "Quem bate?"

— "Um sábio que viveu a meditar.

E longos anos passou no duro embate

Do saber. E envelheceu para criar."

E a porta de oiro muda, inviolada,

Cintilando e fulgindo como um astro,

Continuou fechada!

E a terceira bateu. E a mesma voz:

— "Quem bate?" — Serena e doce interrogou.

— Um poeta que sempre andou de rastro

Pela vida e que a vida maltratou!

— "Que fizeste na terra?"

— "Eu? Amei!

E o meu amor, em versos, semeei!"

Por toda a esfera azul um canto se expandiu.

Então fúlgida, resplandecente,

Rodando nos seus gonzos, lentamente,

A porta de oiro se abriu!

 

AO IPIRANGA

No seu dia aniversário

A ti, que tão modesto e pequenino

como infante gentil em tenra idade,

no teu berço dinal, com fundo ensino.

balbucias: Deus, Pátria, Liberdade.

A ti, que duma ardente mocidade

o intérprete és, o Paladino,

seguindo, infatigável Peregrino

pela senda da Luz, da grã Verdade;

Para brindar-te neste fausto dia,

aos jardins divinais da Poesia

seleto mimo foi pedir minh'alma.

De sempre-vivas d'oiro e violetas,

flores minhas queridas, prediletas,

eis, te ofereço imarcescível palma!

 

AO ENTRAR NA ACADEMIA CATARINENSE DE LETRAS

Generosos consócios, perdoai,

  Se minha voz não pode, com firmeza,

    Nesta emoção de que minh'alma é presa.

      Dizer-vos tudo o que ness'alma vai.

Confuso, meu espírito se retrai

  Do gesto vosso ante a gentil nobreza;

    Mas de entusiasmo a chama acesa

      Faz reviver o sonho que s'esvai...

D'um Imortal a égide protetora

  Eu sinto junto a mim, consoladora

    Em fraternal carinho, a dar-me alento;

E confiante, a este Templo augusto,

  Tardia, embora, chegue, embora a custo,

    Ao batismo de luz eu me apresento!

 

AMOR DEFESO

Ao coração, amor ordena altivo e forte:

— Ama — e o coração palpita, sofre e goza...

Da vida pelo céu há nuvem cor-de-rosa,

Uma estrela a fulgir... é da Esperança o Norte.

Espectro glacial levanta o austero porte,

E da Razão a voz severa, poderosa,

À pobre alma argui... e à Liberdade ousa

Em seus grilhões prender, mais fera do que a Morte.

Grave, reto o Dever, o olhar pundonoroso

Abaixa e, de vergonha, a linda face cora,

À conquista ideal de um sonho venturoso.

Entre a Razão e o Amor trava-se a luta agora;

Porém o soberano Amor, vitorioso,

Impera triunfal no coração que chora!

SIMPATIA

(No álbum de uma senhora)

A simpatia é quase amor

C. DE ABREU

Simpatia é a flor misteriosa

que abre no coração a um só olhar;

tão casta como o lírio, tão formosa

como branca açucena ao desbrochar.

É o elo de luz celeste e pura

que duas almas prende na ternura

de um só sentir, seja prazer ou dor;

simpatia, senhora, é o terno agrado

que experimenta minh'alma ao vosso lado

simpatia é bem doce, — é quase amor!

A PROFECIA

Preciosas telas, verdes palmas, flores

tapizam a longa estrada de Sião;

Jesus assoma: "Hosana!" a multidão

vozeia em altos, férvidos louvores.

Cheios de ira os Fariseus traidores,

d'inveja fremem, ouvindo a aclamação,

e ao Cristo dizem: — manda, e calarão

os teus discíp'los, Mestre, estes clamores.

Mas o Senhor lhes torna com brandura:

— Se estas vozes calassem, subiria

das pedras mor clamor à Excelsa Altura.

E a Cidade olhando após, dizia

com lágrimas nos olhos, de amargura:

— Ah! quanta mágoa e dor terás um dia!...

 

PROSA DISPERSA

(de jornais e revistas)

ÍNDICE

A tempestade

À minha pena

A violeta

O coração

Saudades

As duas noivas

A queda das flores

20 de março — 1761

Asilo de Mendicidade Irmão Joaquim

O dia natalício do Irmão Joaquim

No Santuário

Caridade

A uma amiga

Amor bucólico

A encantada

24 de agosto

Ave-Maria

Ano novo

Vespertinas

“O coração!”

Oceano

À mocidade

O presente de Maria

 

A TEMPESTADE

Retumbou o primeiro trovão, eu ergui os olhos ao céu: era medonho o ocaso onde tantas vezes contemplava o sol poente a afundar-se em regaços d'ouro! Ali onde meu olhos s'enlevaram nos cambiantes matizes do íris sobre o azul diáfano agora estende-se o tempestuoso véu da tormenta! Em balde procuro o brilho frouxo e saudoso dos últimos raios do sol, só fulgurantes listões de fogo se vão

imergir no abismo! O vento proceloso do céu lá se reproduz no mar que se agita arrufando-se em prateados flocos de espuma. Foge, impelido pelo vento, alvo bando de pequenas nuvens, que, destacando-se do verde-escuro fundo, semelha pávida turba de brancas aves marinhas acossadas pelo temporal.

Repetem-se os trovões, e pouco a pouco torna-se plúmbeo todo o céu. Desce o sudário da tormenta sobre os montes e colinas; já roça o encapelado mar, e parece avançar, desprendido do infinito!...

Rapidamente tudo envolve e tudo açoita a chuva rebatida pelas rajadas. Desfolham-se os arbustos mimosos, dispersam-se em doudas revoadas as melindrosas pétalas da flor, não modulam as aves os seus doces cantos, não gemem de amor as rolas suspirosas, nem a saudade meiga e terna veio aninhar-se-me no coração, porque o frio véu da tempestade empanou a doce transição do crepúsculo.

Crepúsculo (Desterro) 09/07/1888

 

À MINHA PENA

Pena, minha fiel companheira minha doce e complacente amiga, sócia nas minhas alegrias, sócia nos meus dissabores, tu, — unicamente tu, — a quem confiei meus belos sonhos juvenis, minhas risonhas esperanças, meus receios e amargores, vem, atende-me ainda.

Dourei-te com as minhas ilusões, molhei-te nas minhas lágrimas, abrandei-te com os meus queixumes e contigo tracei o poema ideal dos meus amores.

Às vezes, é verdade, endureci-te com o meu abandono; tu, porém, compassiva sempre, sempre fiel, vinhas ao meu apelo, logo que, risonha ou suspirosa, te buscasse.

Há quantos anos já me acompanhas fiel e desinteressada!

Quantas vezes, por teu intermédio, falei com as flores, com as aves, com os mares e com Deus!

Longe conduziste a minh'alma, gravando sobre o papel os meus pensamentos recônditos!...

Sempre para o bem me serviste, porque és branca, pura e macia; teu bico nunca feriu nem maltratou, porque, semelhante ao da avezinha mimosa que volita pelos jardins, ele só se embebeu no seio das flores para lhes sugar o mel que suaviza e dulcifica, nunca o veneno que estonteia e mata.

Não tiveste, nem tens reflexos d'ouro, porém, como a brancura da via-láctea, no céu azul da minha juvenilidade, deixaste um traço de pureza que envolvesse como num véu de modéstia e candura o meu obscuro nome, valendo-lhe, talvez, compensadoras simpatias e gratas recordações.

Eis, ó minha confidente amiga, porque te hei de sempre amar e querer.

E quem te poderia querer assim senão eu mesma, eu que só a ti — devo momentos de alegria e consolações?...

Tu foste o seio amigo aberto para atender-me e consolar-me; deste-me as flores dos aplausos, os espinhos da crítica impiedosa, e eu te amei sempre serva minha obediente e fiel!

Fraca, bem o sei, não me pudeste dar o pão da subsistência, mas, forte, consubstanciaste a voz do meu sentimento, mostrando-mo aos olhos, como flores colhidas nos recessos da alma, e cujos perfumes deliciando-me o espírito mo vigoravam para as lutas morais; ou, concretizando nas lágrimas, como pérolas encontradas no fundo do coração, mas apresentaste em colares para mim mais preciosos que peregrinos adornos de oriental sultana.

Oh! que me não abandone a tua doce companhia, sempre, até a hora extrema da existência, fiel e carinhosa amiga, como da juventude ao róseo alvorecer, e contigo eu comporei os fugitivos hinos da vida, como salmos imortais da Eternidade, vibrando da minha lira amada as três únicas cordas: — Amor, Pátria e Religião.

 

A VIOLETA

Chuvas torrenciais haviam desfolhado as flores do jardim, e mais sofreram aquelas que vaidosas se levantavam de suas hastes delicadas. O ciclone rasgara as pétalas dos lírios e o chão se alastrava das magoadas rosas.

Que flor poderia ter resistido aos açoites da chuva impelida pela ventania?

Até a folhagem verde desprendida dos galhos robustos revoava como borboletas em bando.

Mas quando o íris multicor se arqueou no Céu abonançando o tempo, um perfume suavíssimo se levantou na brisa que passava por entre as folhinhas verdes da relva...

E a violeta, — Cândido símbolo da modéstia, — lá se escondia pendida sob a folhagem rorejada de pérolas, que só a ela não ousou danificar a violência da tempestade!

Capital de Santa Catarina

 

O CORAÇÃO

Quando eu a vi, tive um constrangimento doloroso n'alma!

Muito jovem, muito feliz, parecia-me a imagem de alguma santa mártir, esculturada em cera virgem levemente rósea, — que a expressão de uma santa, era a do semblante lindo a inspirar-me pensamentos divinos, era a candidez da postura docemente cismadora, certamente como a que tiveram aquelas virgens romanas que nas chagas do martírio viam abrir-se as rosas do Paraíso.

— Expressão de uma dolorosa ternura qual a de Maria em a soledade do Gólgota, qual a de Madalena quando abraçada à Cruz, envolvia na toalha d'ouro dos perfumosos cabelos os pés do Amante divino.

Um longo vestido de cor verde-mar, como uma fugidia esperança, os louros cabelos desatados, o olhar perdido no Céu docemente azul, onde as últimas rosas etéreas s'esfumavam ainda, — ela esquecia-se do mundo, talvez.

Tive um constrangimento doloroso n'alma!

Chego-me de manso, tomo-lhe as mãos e lhe pergunto:

—“Quem assim te faz tão dolorosamente triste?!”

Ela levanta os olhos, sorri, e apontando-me o seio, confidente murmura: “O Coração”.

 

SAUDADES

Aos extremosos pais do malogrado jovem Manoel Maria C. da Veiga, Aluno do Ginásio.

Não mais, entre as risonhas esperanças da mocidade catarinense que florescem ao sol da ciência e da virtude, no Ginásio Santa Catarina veremos o jovem Manoel Maria Cardoso da Veiga.

Dezesseis anos apenas!...

Um coração cheio de bondade!

Uma bela e casta alma de adolescente, repleta dos mais ternos e santos afetos, ornada com as sublimes virtudes da Religião que fora sempre o seu anjo tutelar!

Era, na família, o filho estremecido, honra e alegria dos extremosos pais.

No colégio, o discípulo digno da estima de seus mestres, o companheiro querido, exemplar, de moralidade e mansuetude.

Assim corria-lhe a primaveril existência como essas águas serenas e cristalinas que retratam a doce pureza do Céu.

Alma generosa e cândida, ainda na exaltação da febre possante que o subjugara, revelava todo o ardor, toda a meiguice do seu ânimo juvenil.

Ora era a Pátria adorada que ele sorria a defender; ora era o Céu - Pátria divina de su'alma, para onde queria ir-se com os anjinhos que o chamavam; e, quem sabe? Estariam invisíveis ao redor de seu leito de mártir.

E a alma ditosa preferiu a Pátria dos espíritos de luz que lhe ofereciam os louros da eterna glória!

Então, como branca ave inocente, su'alma que se librara pois sobre os abismos do mundo, elevou-se... elevou-se, desaparecendo nos mistérios do Além!

Ah!... Malograda esperança de uma pátria querida, deixaste em doloroso pesar a terra que te foi berço; no coração atrozmente ferido de teus extremosos pais, a mágoa de uma saudade inextinguível; e entre os teus condiscípulos, um vácuo em que por vezes repercute a dolorosa nota que vem turbar a alacridade de uma turba juvenil!

Morreste; perderam-te a pátria, a família, a mocidade.

Mas o Céu guardou tu'alma cândida como as brancas flores singelas que cobriam o teu féretro azul.

 

AS DUAS NOIVAS

Reflorescia a primavera.

Encontraram-se em meio da estrada, sob o arvoredo coberto de flores — as duas noivas.

Uma saía do Templo; a outra, dele se aproximava.

A que vinha do altar, estava radiante de suprema idealidade; tinha nas faces as rosas da vida e nos lábios o sorriso dos sonhos encantadores.

Vestida de alvas roupas, trazia nas mãos o ramalhete simbólico do noivado e o missal em que a Fé depositara os pensamentos divinos.

Seguro aos cabelos pela grinalda das virgens, descia-lhe o véu alvíssimo que numa nuvem vaporosa a envolvia toda.

O séquito gracioso das cândidas amigas seguia-na como um bando de alvas pombas inocentes, e as crianças espalhavam flores pelo chão que devia pisar.

A outra, a que viera do lado oposto da estrada, e aproximava-se do Templo, sobre um estrado coberto de estofo azul celeste, emoldurado de rosinhas brancas do campo, era carregada por mancebos aldeões.

Vestia uma túnica estreita, muito alva; singela coroa de murta em flor rodeava-lhe a cabeça pendida como a de uma Santa; desde o rosto escultural, formoso como das estátuas gregas, cobria-na até aos pés um véu fino e branco como o nevoeiro das montanhas. Naquela palidez de magnólia, parecia docemente adormecida, tendo os lábios entreabertos, como num suspiro de amor. Entre as mãos cruzadas no peito, um lírio branco pendia.

O sol ocultava-se lentamente...

Iriava-se o horizonte ao primeiro toque d'Ave-Maria, e lá onde um resplendor suave se levantava no azul, anjo das saudades, oculto em nuvem de ouro, espalhava lírios e rosas por onde devia subir ao Eterno a pura alma libertada.

Alguém que passava pela estrada margeada de arvoredo reflorescido, quedou-se e, fitando o céu, formulou na mente pensadora esta pergunta: — qual das duas será a mais feliz?...

Mas o mistério impenetrável da noite envolvia já a imensidade onde só fulguram mundos e mundo dos segredos de Deus!...

A Fé

 

A QUEDA DAS FLORES

A tépida luz de um sol outonal coada pelas abertas da mata aclarava do ribeiro as águas saltitantes por sobre pedras escuras esverdeadas de vegetação aquática.

Garças de láctea brancura pousavam como flocos de neve sobre mádidas alcatifas de musgo verde gaio.

E as folhas amarelecidas desprendiam-se dos galhos caindo na corrente que as levava ao abismo insondável do mar onde deviam — para sempre — desaparecer...

Qual se fosse para a Natureza uma estação de preces, os galhos despidos erguiam-se como braços descarnados implorando as graças do Céu; mas somente um bando silencioso de tristonhas andorinhas lhes emprestavam por momentos as folhas de suas asas abertas num “adeus” de despedida, prometendo-lhes, apenas, a florescência de melancólicas saudades até que voltasse o caricioso alento de uma

nova primavera.

E as folhas caíam amarelecidas, seguindo pelas águas fugaces, como as desfalecidas ilusões que as horas levam ao abismo sem fundo de uma realidade amarga.

A Fé

 

20 DE MARÇO — 1761

Celebra venturosa, ó Terra Catarinense, esta data inolvidável que deve figurar nas páginas de tua história, cercada dos resplendores de um reverbero divino, pois que não é terrena essa glória tua, porque teve sua origem no Céu; veio de Deus, e de sua bênção sagrada no teu solo se alevantou e cresceu como a planta mimosa que em cada primavera mais se alinda até florir e mais tarde frutificar, oferecendo a doçura de seus frutos substanciais àqueles que a sua sombra abrigou.

Não é o dia natalício do filho-herói no campo das armas, das ciências ou das letras, que te houvesse exalçado o nome belo, cercando- o de louros ou de rosas, esse que hoje comemoras, mas o daquele que, pobre, e no silêncio da sua modéstia, elevou-se pelas virtudes do coração à categoria de — herói, mas — herói do Cristianismo, herói de santidade e abnegação, quem, se não teve uma coroa de louros, pedrarias ou flores para emoldurar teu nome, cingiu-te do mais belo e glorioso dos diademas: — esse formado das lágrimas de milhares de infelizes, por ele transformadas em pérolas preciosas, ao calor das chamas de uma Caridade toda divina!

Há mais de meio século que o espírito angélico do Irmão Joaquim — alou-se à mansão do Justo, e ainda hoje o rasto luminoso daquele astro de luz bendita que se ocultou no Infinito, alumia a estrada às modernas gerações dos conterrâneos seus que vêem nele o exemplo vivo das mais gloriosas virtudes.

Ele foi o peregrino santo que seguiu os lutadores da vida na conquista do lugar apetecido em que repousa Jesus...

Trazia sobre o peito do seu burel grosseiro o emblema da sagrada Eucaristia, porque a Eucaristia representa — Jesus Cristo, e Jesus é o Amor, é a Caridade; aquele hábito grosseiro cobria o peito em cujo âmago pulsava um coração — Sacrário do Divino Amor!

Hoje, ainda que o seu jazigo final tivesse sido o seio da terra querida sobre cujo chão ensaiara os primeiros passos, não poderíamos enlaçar de flores a cruz que lhe tivesse velado o intérmino sono, pois que os seus despojos mortais já não se encontrariam na terra; porém, enviemos aos Céus nossas bênçãos e louvores a suas virtudes santas, para que os querubins que rodeiam o sólio de Maria bendigam com mor regozijo o nome daquele que na terra teve pela Rainha do Anjo um

culto especial.

Assim, mais resplandecerá a auréola de beatitude que circunda aquele espírito eleito do Senhor!

Março de 1904

A Fé

 

ASILO DE MENDICIDADE IRMÃO JOAQUIM

Eis a magnânima, eis a misericordiosa ideia!

O germe bendito de um benefício que no escrínio imaculado do coração puríssimo do Irmão Joaquim, guardado estava quando o Santo Varão peregrinando na terra, pedia — pelo amor de Deus — o óbolo generoso da caridade aos povos irmãos em Jesus Cristo, essa centelha da Virtude divina que lhe alimentava a piedosa existência, arrebatando-lhe o espírito circundado já dos esplendores da Bem- aventurança, não feneceu, não se pulverizou na terra, porque era imaterial; não se extinguiu, porque não se apaga a luz divina, irradiando do espírito que se evola à Eternidade.

Esse germe de luz fecunda, essa centelha divina, pois, como que pairou no Infinito, qual estrela radiosa, para dali alumiar o caminho àqueles que, seguindo o Apóstolo do Bem, se encarregassem de continuar as suas obras piedosas na terra.

Eis porque a inspiração de um Asilo para mendigos — ideal formoso e santo do Irmão Joaquim brotou, um dia ri alma dos associados dessa benemérita agremiação que o tem por patrono!

Árduo, difícil, por certo, é o empreendimento; porém quando se visa a um fim tão útil e de tão urgente necessidade, até, não se deve deixar que o desânimo suplante o belo tentâmen de um dever — que a religião, a sociedade e a moral obrigara.

Quanto não custou ao Divino Jesus o amor à humanidade!

Quantos sacrifícios e mágoas não custaram ao Irmão Joaquim as obras de caridade!

E Jesus salvou a humanidade, e no remanso da Glória descansou à destra do Pai.

O irmão Joaquim, em nome deste piedoso Jesus, mitigou muitas dores, enxugou muitas lágrimas, dulcificou mil amarguras e viu, alfim, os seus sacrifícios todos, essas mágoas sofridas, coroados do mais belo e feliz remate.

Com o Asilo de Mendicidade não mais veremos o mendigo esfarrapado, velho e doente, sentado sobre o passeio, estendida descarnada mão — uma esmola pelo amor de Deus!

Ah! como nos penaliza a alma, como nos punge o coração, envolvendo-nos tudo em crepes de profunda tristeza, esses acentos doridos como ainda há bem poucos dias ouvimos o ecoar tristemente em uma das principais ruas desta cidade!...

Com o Asilo, não se verá mais, também, esses infelizes monomaníacos, entes inofensivos, desgraçados que são o ludíbrio e divertimento do rapazio infrene.

Outro dia, lá estava um desses desventurados, estendido ao sol, sobre o ervaçal que cobre o largo 13 de Maio, andrajoso, imundo, faminto, talvez, cercado de um grupo de rapazes ociosos... e percebi que o desgraçado entoava a seguinte copla:

“Da Pátria a grei,

tem união!

Triunfa a lei.

viva a Nação!”

O belo hino brasileiro, o canto sublime da Liberdade, da Igualdade e da Fraternidade!

Dias depois, outro desses mono maníacos inofensivos, esperava a noite de Inverno, envolto em farrapos, deitado sobre o chão lamacento da rua.

Com o Asilo de Mendicidade, serão ainda conhecidos - os mendigos de profissão — que os há bastante.

Sei de um aleijado das pernas, o que não lhe impede o trabalho de carpinteiro, e mais, tinha mulher que lhe ajudava a viver, empregada como criada; este, se recebia de esmola, aos sábados, muitos pães, ia- os distribuindo a quem os quisesse, esperdiçando-os até. Outros pedintes há que, se lhes damos farinha, querem açúcar, e vão pedindo mais e mais.

No asilo, porém, eles teriam o necessário, com economia e regularidade.

É, deveras, contristadora essa exibição da miséria nas ruas de uma capital civilizada!

E mais triste se nos afigura sendo em uma pequena capital, como a nossa, por dar muito mais nas vistas, e parecer-nos poder ser mais facilmente impedida e remediada...

Eia! — que a humanitária Associação Irmão Joaquim não desanime, pois, em seu belo e proveitoso tentâmen.

Não desanime o povo catarinense, por natureza compassivo e bom, amante do progresso desta terra querida.

Não desanimemos nós, senhoras — mães, esposas e filhos, corações afetuosos e brandos de mulher, nós que não podemos ouvir gemidos de dor sem que sintamos ri alma a comoção da piedade e nos olhos as lágrimas da comiseração ante estas cenas das tristezas, das misérias humanas...

Oh! concorramos todas para o alívio destas aflições!

Honremos a Religião e a Pátria praticando a Caridade!

Façamos tudo quanto ao nosso alcance estiver pela realização dessa nobre e utilíssima ideia.

— Um bazar, — por exemplo; será fácil, útil e recreativo.

Vós, que com vossas mãos delicadas confeccionais tão primorosos artefatos, reuni esses vossos mimosos trabalhos que, transformados no material necessário à construção do edifício para asilo da mendicidade, nele perpetuareis vossos nomes - registrados no céu pelas bênçãos dos infelizes socorridos por vossa doce benevolência.

Jovens colegiais que de vossas hábeis e delicadas professoras aprendeis esses graciosos mimos com que brindais vossos pais e amigos nos seus dias venturosos, dedicai um dia dessa agradável ocupação aos dias de amargura dos desventurados.

Essas bolsinhas delicadas, esses lenços bordados, alvos como a vossa consciência de virgem, essas mil prendas domésticas que com tanto agrado e perfeição executais sob a direção artística de vossas amáveis professoras, os anjos guardarão no céu cheios das pérolas que simbolizam as lágrimas da gratidão do pobre consolado.

Oh! sim!... Lembremo-nos que Jesus Cristo proclamou - bem- aventurados — aqueles que usam de misericórdia!

A Fé, 15 de novembro de 1906

 

O DIA NATALÍCIO DO IRMÃO JOAQUIM

Há 145 anos que um recanto formoso do Brasil — a terra de Santa Catarina — recebeu do Céu. Em uma noite de grandiosa solenidade, o ser predestinado a imortalizar pela mais sublime das virtudes cristãs o seu berço querido, erguendo-o sobre um pedestal formado de corações agradecidos, no Panteão das Glórias

Catarinenses.

Monumento perdurável, ainda que modesto e pobre, daquela “Glória serena”, atestando o amor santo, a abnegação, o patriotismo de um filho benemérito e estremecido, aí se levanta sobre o pitoresco verde outeiro do Menino Deus, ao lado da igrejinha alva que o marinheiro saúda ao “deitar ferro” à formosa baía do Desterro — o Hospital de Caridade —, início bendito das obras pias do Irmão Joaquim. Mas o rastro de luz daquele astro benéfico não se apaga; ide,

de Santa Catarina pelos Estados do norte, e vê-lo-eis refulgir em São Paulo, Jacuacanga, Bahia, em outros tantos estabelecimentos de piedade e instrução, pois o — Apóstolo do Bem — não só exercia a caridade material, isto é, aquela que visa ao corpo, mas procurava também satisfazer as necessidades da alma distribuindo o — pão do espírito — a instrução.

E, quantas destas sementes fecundas de Caridade por ele esparsas brotaram árvores belíssimas que floresceram e frutificaram abundante e proveitosamente.

O percurso daquele santo varão pela terra não foi assaz prolongado, mas perenes ficaram os benefícios que espalhou, e a memória do seu nome venerado perdurará para sempre no coração dos seus coestaduanos.

Suas virtudes santas refletem do coração daqueles que o seguem com a suavidade destas réstias de luar que selaram os recessos sombrios das solidões tenebrosas.

Cada óbolo dado por amor daquele que foi o protótipo da Caridade entre os Catarinenses será um novo raio de luz acrescentado ao celestial resplendor que circunda o nosso berço estremecido.

Sim; auxiliemos esta digna Associação que traz o nome abençoado de — Irmão Joaquim; esta Associação que sob lábaro ao venerando e santo milita pelo bem da humanidade; que não quer limitar o seu benéfico influxo só à mendicidade das ruas, mas amplia a sua bandeira, com o manto protetor da Caridade, também sobre lares desventurados acolhendo todos os infelizes, todos que sofrem, todos que choram...

Foi em nome de seu Patrono amado — o Irmão Joaquim — e pela sana memória dele que esta benemérita Associação angariou esmolas para as famílias desamparadas das vítimas do fogo e do mar...

Pelo amor de Deus, amor da Caridade, amor que professava o — Irmão Joaquim, é que ela implora — uma esmola para os seus pobres.

Se é de uso entre os povos o brindar com presentes o aniversariante no seu dia natalício, oh! brindemos o — Apóstolo do Bem — oferecendo o óbolo da Caridade à Associação — Irmão Joaquim — protetora dos necessitados!

Florianópolis, 20 de Março de 1906

A Fé 20 de março de 1906

 

NO SANTUÁRIO

Entrei no Templo.

O silêncio augusto, a santa majestade, a doce quietação daquele recinto impressionaram-me, recolhendo minh'alma num regaço de paz e amor.

Tudo que me rodeava e quanto meus olhos viam arrebatava- me o espírito a ignotas regiões superiores e o meu pensamento absorto vagueava num Paraíso de flores ideais que tinham todas o nome das Virtudes cristãs.

Leves emanações d'incenso e rosas envolviam o ambiente.

No altar do santuário, sobre um trono de rosas brancas, formosíssima escultura levantava-se imponente: era uma efígie da Mater Dolorosa.

Sobre o vestido branco, caía-lhe o manto escuro semeado d'estrelas como o céu de uma noite majestosa.

Um semicírculo de ouro dava-lhe à cabeça uma auréola de Santa; cercava-lhe a fronte, branca grinalda de virgem.

Como rosa maltratada pela tempestade, a face desmaiada pendia na inefável expressão de uma dolorosa ternura, e no quebranto dos olhos, sob as pálpebras cansadas, duas lágrimas oscilavam como gotas d'orvalho prestes a cair das pétalas de uma flor. As mãozinhas abertas à altura do peito pareciam aparar aquelas pérolas divinas.

A cruz de ouro de uma espada brilhava-lhe sobre o seio, marcando o lugar do coração.

Leve rumor de asas macias despertou-me.

Duas meninas vestidas de branco ajoelhavam aos lados do altar.

E na doce emanação d'incenso e rosas, mais grato mistura-se o perfume de uma cariciosa prece.

Era a “Ave-Maria” que se evolava de dois corações cheios de inocência, como o aroma de dois botões de rosa a desabrocharem.

E eu suspirei:

Ah! como no Céu os anjos devem multiplicar em cânticos de eterna melodia divina as notas suavíssimas daquela doce “Ave- Maria”!...

A Fé 30 de Setembro de 1907

 

CARIDADE

A noção mais comum do sentimento de caridade é a de socorro e amparo aos indigentes, a preocupação de agasalho e conforto, de alívio à dor física; raramente, porém, se volta a piedade cristã para as dores morais.

Se todo o mundo assim pensa, sem dúvida é desse lado que está a razão. Eu, porém, sempre que leio ou ouço um fato da vida do piedoso Irmão Joaquim, lembro-me do Sermão da Montanha, e ó Piedade! compadecei-vos de todos os humildes de coração, dos que sofrem calados suas dores morais, dos que choram em silêncio as amarguras do seu destino, dos perseguidos e abandonados! Dai-lhes

o consolo da compaixão, o íntimo calor que vivifique a calma balsâmica que fortalece.

Entre um mendigo que vos pede um pão e um aflito que vos pede um conforto, não hesiteis, atendei primeiro ao aflito, porque muitos pães não chegariam para saciar uma aflição.

Ó Caridade! Quantos tormentos de chapéu alto, quantas agonias de vestido de seda não vos passam rente todos os dias! São os grandes angustiados que têm o pão nosso de cada dia, mas sem o sabor do Deus te pague.

Não há um próximo que não necessite de vossa misericórdia.

Bem-aventurado, portanto, o Irmão Joaquim, que, sem dinheiro para esmolas, achava sempre consolo para os aflitos.

A Fé

 

A UMA AMIGA

— Por que te entristeces, Carmen?

Levanta a fronte puríssima onde brincam os anéis dessa cabeleira d'oiro que à noite desatas como um véu de princesa; não vês, não sentes que os teus cabelos compassivos vão enxugar os olhos magoados pelas lágrimas da dor?...

Vê. Carmen adorável, vê como a boca melancólica da saudade envolve céus e terra em suavíssima luta misteriosa.

Não sentes agora mais agitado palpitar o teu coração amante?

Não vês no infinito do teu ideal querido, num sonho carinhoso, lá ao longe, muito ao longe, no azul da distância brilhar uma estrela?...

Por que fugiu a meiga esperança como pomba receosa que uma lufada da tempestade afastou do abrigo?

E a tua alma — rola solitária geme, geme sem mais ouvir o terno eco dos teus suspiros de amor?...

Tu choras à noite, mimosa virgem loira, como a flor do cáctus que só ao lugar confia os seus segredos, só às estrelas patenteia suas lágrimas, e ao silêncio das coração em que se oculta doce mistério de amor.

Então a brisa ausente que passa roubando o perfume às flores, colhe o segredo do teu sonho querido quando te vai beijar os lábios vendo-te adormecida, já cansada de tanto chorar.

E choras, Carmen, quando a mocidade é a esperança em flor?!...

Não vês que na Primavera também às vezes se desfolha o ufo de boninas mimosas quando por elas o vento despiedado passa?...

Mas bem vês que a bonança volta e tornam a desabrochar novas flores tão mimosas...

Carmen, a mocidade é a primavera da vida.

Chora as tuas ilusões perdidas — brancas rosas que se desfolharam deixando-te espinhos só; mas espera!...

Na réstia de sol desce a vida à plantazinha que enlanguescia a míngua de calor...

Brota o renovo verde, e dele brota a flor, expande-se o aroma...

— É a esperança, é o amor!...

Carmen, o coração da mulher é como a planta que definha sem o calor de ternos carinhos...

Um dia, porém, desce a ele a luz do céu; broa o renovo; é a esperança; desabrocha a flor — é o amor: expande-se o perfume...

— É a felicidade!

A Fé, 06/06/1908

 

AMOR BUCÓLICO

— Vamos; o dia já nascendo vem.

Por esta luz suave e carinhosa que pelas fisgas das janelas entra; pelos aromas qu´este ar saturam; pelos doces gorjeios que aos ouvidos me chegam, e terno o coração me acordam, eu vejo, escuto e sinto dentro d'alma, que nos bosques doce amor desperta.

* * *

Olha as verdes campinas que s'estendem refrigeradas pelo orvalho puro e de mimosas flores matizadas: — são as... desse templo augusto em qu´eu adoro a criadora essência que a tu'alma formou! — Aquela Origem divina, sublime de onde derivam os Cânticos das aves, e esta luz, que ora a clara o azul espaço luz da qual nascem rosas e abrem lies, e de ouro e púrpura as tintas se derramam em gemas iriadas.

* * *

Entremos na floresta: é aqui o Templo do Eterno “Jeová”!

Olha o seu trono mais belo e grandioso! — a cachoeira que se desdobra por degraus de pedra, como toalha alvíssima, rendada, a cobrir um altar!

Escuta agora os salmos de toda a Criação!

Estas vozes uníssonas, suaves, escuta... escruta...

É o Te-Deum de amor da Natureza!...

E este incenso grato, de mil perfumes misto dulçoroso,

é a homenagem pura que aos Céus levanta a terra agradecida!

* * *

Oh! pudéssemos nós do mundo longe, por este doce afeto unidas sempre, passar a vida à sombra das arcadas deste augusto recinto!

Sim! Que nem reais tesouros jamais comprar pudessem um momento sequer desta existência!

Nem de tão doce amor as expansões suaves por este val' aos meigos dons da flauta, de príncipes valera o Epitalâmio (das Indeléveis)

A Fé, 15 de setembro de 1908

 

A ENCANTADA

(Página de outrora)

O tio Venâncio sempre dizia mui convencido, aos filhos: — aquela cachoeira é encantada!

E os rapazes lançavam, de longe, num misto de respeito e temor, as vistas receosas à soberba mole d'água que, nascida no píncaro da serra, despenhava-se em rolos de mádida nuvem branca abrilhantada aos esplendores do sol.

Mas, em vão se perguntava ao velho qual esse “encantamento” da formosa cachoeira que ele, ou por respeito, ou por temor, obstinado guardava.

O ano está a findar; a temporada das férias começava.

Ah! O Campo! O Campo!...

Aí encontramos a higiene do corpo e do espírito.

Logo de manhã cedinho, revigoramos os nossos pulmões com o ar aromatizado pelas plantas e flores silvestres; recreamos nossos olhos com arrebatadora perspectiva dos mais risonhos panoramas, e, na doce prece matinal, podemos fixar as vistas no Céu, lá onde benigno se alevanta o sol criador.

Nossos ouvidos percebem a sonorosa harmonia dos mais inocentes e agradáveis contos, e nosso espírito como que se envolve num delicioso sonhar de felicidade em que ficam adormecidas todas as potências de dor.

Ah! O campo! O Campo!

Para indenizarmo-nos, pois, das nossas fadigas escolares, e por compensação dos esforços de nossa inteligência e boa vontade, fomos passar as férias — no Campo, na casinha do — tio Venâncio.

Eu escutava de longe a cachoeira; — de longe, que não haveria

alguém que me quisesse acompanhar até perto dela, — e essa voz que

eu enlevada escutava, ora cariciosa, ora possante me sugestionava de mil maneiras, atraía me a vontade ver, de admirar, se possível fosse, desde a sua misteriosa nascente, aquele majestoso prodígio da natureza.

Mas, ninguém me guiaria nessa excursão que, certamente, julgariam insensata.

Certa noite, que noite de magnífico luar passando através do arvoredo, vinha estendendo-se pelo terreiro areado onde o tio Venâncio costumava secar seu apreciado café, tinha o nosso velho ido à pesca com um companheiro.

O dia que correra magnífico começara a turvar-se ao entardecer.

Algumas nuvens vermelhas, ondeantes, como essas cortinas de púrpura que servem às grandes solenidades, flutuavam pelo horizonte.

Algo parecia perpassar lá pelas regiões etéreas...

Talvez o — vento sul — que, num momento, e com espantosa rapidez, transmuda o aspecto risonho do belo céu azul da nossa terra...

Porém, ao anoitecer, a lua dissipara aquelas sombras vaporosas, envolvem os céus e terra no suavíssimo palor de sua luz cariciosa.

Mas, apesar do luar sereníssimo, a voz da cachoeira era plangente, tinha como que inflexões de um lamento de incertezas, um terno murmurar de cousas vagas, misteriosas...

Pouco a pouco, de novo, o céu toldara-se; a lua escondera-se, e

a noite ficara tenebrosa.

Lá pela volta da meia-noite, ouvimos passos apressados de alguém que chegava.

Era o tio Venâncio que, acordados, esperávamos.

Em pouco, o velho entrou; porém, demudado, olhos espantados, e como perseguido por algum duende.

— Que é? Que é? Inquirimos.

— Eu bem vos dizia sempre: “aquela cachoeira é encantada”... balbuciou o pobre homem estremecendo.

— Mas, que foi? O que foi?... tornamos curiosos.

— Eu vinha já sem o companheiro que deixara no seu..............,

a noite estava escura, muito escura; eu atravessava a cachoeira...

De repente, ao levantar-se do meio das águas uma coroa de muitas cores, tal qual as do “arco da velha”; dessa coroa saíam em fios de contas brilhantes como o rosário de Nossa Senhora da Capela nos seus dias de festa; a coroa se movia à roda, e as contas brilhantes se desfiavam e caíam como os respingos do orvalho que cai da palmas das bananeiras quando o vento fraco vai passando...

E a cachoeira cantava... cantava umas cantigas bonitas, com a voz doce de uma rapariga...

Era a “Mãe d'água” que ficava ali!

E o bom do velho ficava a cismar esquecido, maravilhado.

Os rapazes, mudos, olhos muito abertos, revolviam na mente aquele “mistério”.

Quanto a mim, oh, que desejo de poder contemplar aquele fenômeno, encantador!...

Não acreditando nas ... ou ninfas das fontes, não acreditando na “Mãe d'água”, nas fadas dos palácios de cristal, mas admirando as obras portentosas de Deus e pela ciência, a causa natural de tão maravilhoso efeito.

Dos Indeléveis

A Fé, 15 de janeiro de 1909

 

24 DE AGOSTO

24 de Agosto é para A Fé um dia inesquecível.

Data auspiciosa do seu aparecimento na imprensa catarinense, lhe recorda que, nesse dia, armada de coragem e cheia de nobres aspirações, encetou piedosa tarefa a que há seis anos se dedica, enfrentando dificuldades mil, porém com firmeza e convicção que alentam o que pugna por uma causa santa.

Periódico modestíssimo, mas valente batalhador, ele traz ao campo do jornalismo o seu contingente precioso, lutando, trabalhando como o operário ativo que concorre à edificação de um templo grandioso, o templo do Progresso, em cujo recinto augusto a Pátria tem sempre um altar feito de amor e sacrifícios...

Sim; assaz preciosa é a cooperação deste modesto jornal, incansável obreiro do Bem que na sua missão benéfica honra e nobilita o nome da Pátria muito amada, não por efêmeras vanglórias que soem dar individuais lustres, fictícios lauréis quantas vezes por violência alcançadas e imerecidamente adquiridas, porém modesta e proficuamente, suavizando os males da humanidade por esse amor

fraternal que nos torna leves as cruzes da existência, dando-nos a esperança de menos atribulados dias.

É ao impulso destes dois grandes sentimentos da alma — Caridade e Patriotismo que A Fé caminha, lutando infatigável, cogitando sempre do bem e do progresso deste recanto da terra querida de cujo céu serenamente azul, ao nascermos, a luz criadora docemente nossas frontes beijou.

Ver na formosa terra catarinense, para sempre extinta esta nota anti-social e assaz contristadora — a mendicidade das ruas com a criação de um asilo próprio a abrigá-la e confortá-la, é uma idéia além de essencialmente humanitária, patriótica, visa ao progresso material e moral da nossa terra tão linda.

Por esta útil ideia, A Fé paciente e esperançosa luta, e não descansará sem que a veja realizada como numa apoteose de glórias em que há de fulgir — sereno e radioso — o nome humilde e santo do benemérito catarinense — Irmão Joaquim.

É, pois, com íntima satisfação e entusiasmo que neste dia festival do seu 6° aniversário, saudamos — A Fé — órgão simpático, incansável protetor dos necessitados.

Florianópolis, 24 de Agosto de 1909

 

AVE-MARIA

(Excertos de uma carta)

“Hora dos ternos encantamentos, em que a melancolia nos abraça a alma e a saudade unge-nos o coração com o seu bálsamo divino.

Nessa hora de misterioso enlevo, dir-se-ia que o anjo da Poesia, descendo do Céu por entre lírios e rosas, no Poente ajoelha e ora com a Natureza recolhida, misturando a doce prece ao perfume das flores, ao murmúrio das águas, ao rumorejo da brisa...

A tarde é triste, mas de uma suave tristeza; suas lágrimas tremulam douradas pelos raios do sol que foge...

É nesta hora de suave melancolia que eu te escrevo.

O arvoredo da montanha toma um matiz de verde mais vivo e como que pulverizado d'ouro. As florinhas do cinamomo, dispostas em pequenos ramalhetes, banhadas dessa luz mimosa, misto de luz e sombras, tornam-se mais lindas, num tom de rosa e violeta que forma o lilás, porém tão ideal, tão mimoso e delicado, tão inimitável que só Deus o poderia criar.

No horizonte vagam ainda desmaiadas cores...

Um grande resplendor em semicírculo, mui semelhante àqueles de que os pintores costumam rodear a cabeça à efígie dos seus Nazarenos, levanta-se de trás de uma nuvem cor de pérola, levemente ondeada, que se desdobra como cortina amplíssima: eu penso que, ali, de trás, está oculto Deus, e compreendo o — porquê — inefável desse misterioso silêncio à hora da Ave-Maria!

Então, minh'alma eleva-se até esse Deus que assim se revela na majestade da hora mais sana, e eu lhe peço:

A felicidade para aqueles que amo!...”

Pena, Agulha e Colher (Fpólis) 19/01/1918

 

ANO NOVO

Um Ano Novo...

É o desconhecido, o insondável, o mistério que se nos apresenta.

É a esperança e o receio, o esperar e o temer .

O Ano novo...

Uns o vêem despontar reunidos, em família, num lar mais ou menos confortável, em volta de uma mesa coberta de flores e de bombons, onde o brilho das luzes, a melodia de um piano amigo misturam-se nos risos da criançada alegre e da mocidade, feliz...

Eis a hora solene que soa: meia noite!

Eis a misteriosa, transição...

Que doce permuta de sinceras e gratas afeições na família!...

Beijos, abraços, bênçãos; mil votos de felicidades, mil calorosas felicitações por entre o tocar dos cá!ices de finos licores e preciosos vinhos!

Outros... (e esses são tantos!) esperam a misteriosa hora entre as lágrimas das saudades que trazem pungitivas recordações de alguma felicidade para sempre perdida ou de mil esvaecidas esperanças...

No entanto, a hora dos mistérios passa veloz, e o tempo segue sua imperturbável marcha para a eternidade...

Eis-nos, alfim, em 1919.

Entoemos o Te Deum de graças ao altíssimo pela paz universal, pelo bem geral e pelas novas esperanças das tão flageladas nações.

1° Janeiro de 1919

Pena, Agulha e Colher, Ano II, n. 21 (Fpólis) 04/01/1919

 

VESPERTINAS

I — RECORDAÇÃO

Encantadoras ardes do meu passado feliz!

“Eu me lembro... que me lembro...”

Teria um lustro apenas.

Anoitecia.

As grandes cigarras de verão cantavam numa laada verde coberta de Ora pro nobis. O embriagador perfume daquelas flores saturava o ar.

Minha mãe tinha-me sobre os joelhos...

Lá, na igrejinha branca do outeiro, o sino tocava — Ave-Maria.

Minha mãe unindo-me as mãozinhas, ensinava-me a mais bela saudação que o anjo de Deus formulara:

— “Ave-Maria”

Florianópolis, 1920

 

“O CORAÇÃO!”

Quando eu a vi tive um constrangimento doloroso n'alma!

Muito jovem, muito bela, parecia-me a imagem de alguma santa mártir, esculturada em cera virgem levemente rósea - que a expressão de uma santa era a do semblante lindo a inspirar-me pensamentos divinos, era a candidez da postura docemente cismadora, como de certo a teriam aquelas virgens romanas que nas chagas do martírio viam abri-se as rosas do Paraíso. Expressão de uma dolorosa ternura geral a de Maria em a soledade do Gólgota, qual a de Madalena quando,

abraçada à Cruz, envolvia na toalha d'ouro dos perfumosos cabelos os pés do Amante divino.

Um longo vestido de cor verde-mar, como uma fugidia esperança, os louros cabelos desatados, o olhar perdido no Céu levemente azul, onde as últimas rosas etéreas do pranto s'esfumavam, ela esquecia-se do mundo, talvez...

Tive um constrangimento doloroso n'alma!...

Chego-me, de manso, tomo-lhe as mãos frias, e lhe pergunto:

“Quem assim te faz tão dolorosamente triste?!”

Ela levanta os olhos, onde duas lágrimas brilham, sorri, e,

apertando o seio, confidente murmura: “O Coração!”

(Manuscrito)

 

OCEANO

Oceano! Grandioso Oceano!

Obra portentosa da Criação, a tua beleza fascina, arrebata!

A tua majestade infunde respeito e temor; tua força aterra, aniquila!

— Amo-te e temo-te, Oceano, grandioso oceano!

Lá fora, longe das praias, lá onde o sol ao nascer beija-te adormecido, és o gigante soberano envolto no teu manto de azul e ouro, agitado apenas pelo poderoso arfar do teu hercúleo coração.

Dormes, e nem a nave que passa alígera, rasgando-te a enganadora superfície, sequer de leve perturba o teu misterioso sono!

Quando o luar das noites serenas estende o seu véu de prata pela tua vastidão ampla e o marinheiro canta saudosas reminiscências da terra, dir-se-á que também tu sonhas de amor, acompanhando a canção nostálgica da saudade com a melodia do teu compassado resfolegar.

Ruja, porém o vendaval, enlute a procela a imensurável abóbada ou role o trovão pela imensidade, que, no teu despertar de fera, incontinenti soltas sacudindo a espuma das tuas fúrias, desafiando o raio que se embebe no teu seio tenebroso.

Oh! quantas vezes te rebelas contra o temerário que, armado da ciência, ousa afrontar-te as iras!...

A mais possa não se esfacela no eu formidando abraço, e a presa humana cai em tuas faces escancaradas ou imbele se debate entre as tuas garras de abutre.

Porém a espuma da tua insana cólera jamais atingiu o Céu.

Nunca teus braços gigantes se estenderam além da curva das praias que limitam teus domínios...

Oceano! Grandioso Oceano!

És belo, és forte e temível na tua empolgante majestade, mas...

Onipotente, só Deus!

(Manuscrito)

Bom!

 

À MOCIDADE

Dedicado aos distintos jovens patrícios, primeiros que receberam o grau de Bacharel em Ciências e Letras — no "Ginásio Santa Catarina", neste Estado.

MOCIDADE!

— Aurora que desponta, primavera que se enflora, ave que ensaia o vôo, batel que se entrega às ondas, alma que sonha nos regaços da esperança, coração que palpita nos arroubos do sentimento — eu te saúdo, ó Mocidade!

Como o primeiro que enceta a jornada em prol de um ideal, vós começais os passos pela estrada da vida, levando no coração esta legenda sagrada:

—Deus, Pátria, Liberdade e Família ― clarão de imortalidade que iluminou um espírito superior, prestes a ascender de infinitas regiões do Além, legado santo que vos deixou aquele de cujo coração e mentalidade a Pátria muito espera...

Oh! Mocidade! Que essa divisa sublime, síntese de todas as virtudes, seja sempre o lema da tua bandeira, o farol que te guie, o ideal por que lutes, o talismã que te conduza ao Partenão das Glórias!

Deus! —Proclamam-no a flor na sua beleza desabrochante, a aurora na suavidade dos seus albores, a noite nas pompas do seu firmamento.

Ele se manifesta no primeiro sorriso do homem, como na sua lágrima derradeira, no balido meigo do cordeirinho inocente, como no pavoroso rugir da fera bravia. O ouro nas entranhas da terra, o diamante no álveo dos rios, a pérola nas profundezas do oceano, nos atestam o poder de sua magnificência, e o pequenino inseto que tem por abrigo a corola das açucenas, também assim nos diz: — Deus existe aqui! — Onipotência!

Sabedoria! Formosura! Amor! Oh! Mocidade! — Que seria de ti sem Ele?... Que seria do homem sem Deus?...

Pátria! Nome adorável! Nome de Mãe que nos faz estremecer de amor! Luz primeira que nossos olhos viram, terra querida sobre a qual firmaram nossos passos infantis.

Afeto imenso que nos faz morrer de saudades ou nos revivesse de alegria, ídolo venerado que não trepidamos erguer num altar ornado com a púrpura de nossos sangue, embelecido com as palmas do nosso triunfo, com os esplendores das nossas glórias!

Oh! Mocidade! Só o povo maldito de Deus jamais pôde engrinaldar de louros a fronte da sua pátria sempre e sempre chorada!

Liberdade! Liberdade! Dom celestial, maravilhoso, que circunda de luz a nossa inteligência, outorgou-te a Suprema Perfeição a humanidade, para que o homem se reconhecesse o soberano da Criação e pudesse, no caos profundo dos erros, discernir o Bem do Mal, abraçando a virtude, numa apoteose digna da divina origem do seu ser imortal.

Oh, Mocidade! — A Liberdade é santa; ela nos aperfeiçoa a alma, ela nos aproxima de Deus!

Família — elo de amor que nos prende à Terra! Feliz de quem no mundo possui o abençoado oásis de um lar de santas afeições consoladoras.

Aqueles que rodeiam o nosso berço para nos dar as “BOAS VINDAS”, que desvelados cercam nosso leito de dores, entre receios e esperanças, que nos prodigalizam sorrisos de satisfação ou “lágrimas de sincero pesar à hora” do derradeiro adeus — sócios em nossas alegrias, sócios em nosso padecer - esses são os verdadeiros amigos que Deus nos deu.

Oh! Mocidade! Feliz de ti que possuis os carinhos da Família, a quem devemos, além da ternura das mais doces afeições, o tributo de profunda gratidão.

Deus, Pátria, Liberdade e Família — sejam, pois, meus jovens patrícios, os ídolos de vossos alares a vossa religião, o objeto do nosso acrisolado amor.

E olhai que nunca se apague em nossos corações o fogo sagrado dos sentimentos que os santificam!

Hoje, sois a planta crescente; sereis, um dia, o cedro colossal, pronto a afrontar as tempestades...

Jovens, que hoje vedes, cheios de nobre orgulho e satisfação, coroados do mais brilhante êxito as vossas nobres fadigas, o vosso fecundo trabalho — que Deus cumule de bênçãos essa grata vitória vossa!

Pois os operários do Progresso: edificai o Templo da Glória, erigi nele um altar à Pátria!...

Nobre Mocidade, eu te saúdo!

Sta. Catarina, Florianópolis

A Comarca

 

O PRESENTE DE MARIA

CONTO DE NATAL

Aurora levantou-se pálida, linda e sorridente como uma noiva feliz.

Os passarinhos despertavam alvissareiros, e pela mata reflorescida espalhavam-se auras de harmonias e perfumes.

Maria acorda.

Chamavam-na de fora os passarinhos e, junto à cabeceira do leito, o luminoso sorrir da manhã num raio de sol que inundava de claridade toda a pequenina choça.

Maria ergueu-se e procurou na fonte próxima a frescura do banho matinal que lhe abria nas faces as rosas da beleza.

Antes que o sol se adiantasse, urgia colher as novas flores do campo desabrochadas pela matutina orvalhada.

Maria havia prometido um presente ao Menino do Céu. Contaram-lhe que, algures, reis poderosos e riquíssimos haviam levado custosos presentes d'ouro e essências ao Pequenino Bendito...

Ela, porém — pobre e humilde — levar-lhe-ia os perfumes das madressilvas do campo e o oiro das orquídeas mimosas.

Com o seu vestidinho singelo de alva cassa, os cabelos como dourada nuvem a rodear um busto de anjo, Maria destacava-se dos maciços de verdura como mimosa borboleta branca a escolher a flor que mais frescura, mais perfume e beleza ostentasse.

As roseiras que de longe transplantara, achavam-se cobertas de variadas rosas; jasmins e bogaris, rivais na brancura, aí confundiam seus perfumes, e outras flores mais, tantas e tão diversas nas cores, na forma, no aroma, lá se agregavam, que, mesmo no Íris de Céu, jamais se vira conjunto de tão delicadas tintas.

E o ramalhete de Maria avultava lindo, lindo e mimoso e tão cheio de peregrina fragrância, que parecia ter-se desprendido do Paraíso de Deus.

Maria encaminhou-se ao Vale. Além disseram-lhe pastores, ficava o estábulo onde se operara, ao passar da noite, o maravilhoso Mistério divino...

Maria prosseguia hesitante, procurando divisar, pelos claros dos arvoredos, a misteriosa gruta abençoada...

Súbito, para. Muitos carreiros vermelhos cortavam a verdura do Vale: qual deles conduziria a Belém?

Eis que, no espaço, suspensa como lâmpada de oiro, a formosa Estrela dos Magos surgiu radiosa! Serena esteira de luz desce do alto, cobrindo de claridade o caminho bendito.

Além absorta, imóvel, Maria olha a criancinha loura e mimosa como a flor rosada do primeiro beijo do Sol.

A Virgem divina estende os braços à campesina humilde e Maria depõe no regaço da Senhora o seu presente de flores. O Menino sorria, e, levantando a mãozinha em atitude de bênção, por seus lábios divinos passou o murmúrio de um melodioso segredo...

Jesus balbuciara: Maria! — e essa divinal carícia foi a doce permuta de seu afeto, foi o mimo de “Boas Festas” que lhe merecera o cândido presente de Maria, que tão carinhosa e angelicamente brindara a seu divino Natal.

Florianópolis (Sta. Catarina) 1929

A Comarca.

 

O ESCOLAR

Coleção de Poesias Dedicadas à Criança

Para uso dos Colégios, Grupos e Escolas do Estado de Santa Catarina

Por

DELMINDA SILVEIRA

(INÉDITO - Os originais se encontram no Arquivo da Academia Catarinense de Letras)

(1928)

 

PRIMEIRA PARTE

O MEU BRASIL

Ó Pátria minha! Ó linda Terra amada,

De Tupã doce filha peregrina,

Tu, cuja fronte, pela luz divina

Da Liberdade, eu vejo aureolada,

Terra de Santa Cruz! Nome que ensina

O grão poder da Fé acrisolada.

Oh! Não consintas que a cobiça ousada

Toque, sequer, tua veste esmeraldina!

És bela, és rica, és poderosa e forte,

És Mãe d’heróis que suplantando a morte,

Deram-te um trono de perpétua glória.

Oh! meu Brasil! O nome teu radiante

Verás, sereno, altivo e triunfante

Brilhar na grande Universal História!

MINHA PÁTRIA

Minha Pátria tem grandeza

Tem beleza.

No céu de azul anil,

Entre as Nações, valorosa,

Gloriosa

É minha Pátria ― o Brasil!

Bela Índia americana,

Que sultana,

Mais livre, mais senhoril,

És mais altiva e possante,

Triunfante

A minha Pátria ― o Brasil!

Nobre, rica, bela, amável,

Indomável

Soberana varonil,

Na guerra nunca vencida,

É temida;

A minha Pátria — o Brasil.

Terra de paz e bonança,

A esperança

Veste solo gazil

E, liberal, os teus dons

Às nações

Ofereces, meu Brasil.

Por teus filhos muito amada,

Elevada

Ao fulgir de glórias mil,

Um trono d'eterna glória

Tens, na História,

Minha Pátria, oh! meu Brasil!

Salve, ó Pátria abençoada,

Coroada

Pelo Cruzeiro de luz;

És a Pátria mais gentil,

— Meu Brasil —

Oh! Terra da Santa Cruz!

SALVE, BRASIL!

Na vastidão azul a Nau balança...

Sonha, Cabral fitando a imensidade;

E do Céu e do mar na soledade

Errante a vista escrutadora, cansa.

Um verde ramo, núncio d'esperança,

Voga, das águas na serenidade;

Pássaros cruzam pela claridade

Dos perfumados ares da bonança.

Além... além, ao lado do Ocidente,

Divisa o nauta, em júbilo fervente,

Dum alto monte o nítido perfil.

Já do mastro da gávea parte o grito:

— Terra! Terra! — E do seio do Infinito

Ergue-se um coração: — era o Brasil!

TIRADENTES

(21 de Abril)

Mártir do santo Amor à Liberdade,

Desperta... escuta... A Pátria chora e canta!

— Chora de mágoas, chora de saudade

Porém, altiva, a fronte já levanta!

Que Virge’ é essa de beleza tanta,

Que do Infinito vem, e a Igualdade

Ensina aos povos como Lei mui santa

Pelo Cristo deixada à Humanidade?

É Ela! A Liberdade soberana,

Que a prepotência ínfima, tirana

Nem pela morte mais cruel venceu!

É Ela! A Musa dos Inconfidentes!

Traz, pela mão, um bravo... Tiradentes,

O Herói da Inconfidência não morreu.

AVE, PÁTRIA

(7 de Setembro)

Nesta data imortal abençoada,

Pátria gentil, venho fiel saudar-te;

Refulja a glória tua em toda parte,

E por teus filhos sejas abençoada.

Se um dia, a Liberdade, a fronte ousada

Dos Céus baixando, veio coroar-te,

Fora insânia o querer escravizar-te

A ti que és bela, nobre e denodada!

Dum povo grande foi a alma ufana

Que na voz de D. Pedro, soberana,

Ergueu-se ingente, num febril transporte.

E do Brasil o coração gigante

Vibrou de glórias, livre, triunfante,

No brado altivo: — Independência ou Morte!

SETE DE SETEMBRO

Soa o brado imortal da Liberdade,

Ergue-se um povo soberano e forte;

Triunfa o lema Independência ou Morte

E do Brasil exulta a Majestade!

Diz o povo feliz: “ — Já temos norte,

E Pátria e glória e nacionalidade!

Sim! Somos Livres! Infâmia, na verdade,

Era, d'escravo, ter-se a dura sorte!”

Tombem, pois, sobre o solo independente,

Esses grilhões que intentam, loucamente,

Manietar o Leão bravo, indomável!...

Bem hajas tu da Pátria altivo grito,

Raio de luz traçado no Infinito,

O Sete de Setembro — memorável!

LIVRE!

Qual índio possante, senhor da floresta,

Que livre nascera, na Terra da Cruz,

A fronte pendida, à hora da sesta

Sonhava o Brasil um sonho de luz.

— Sou livre, pensava, sou bravo, sou forte,

Qual rei da floresta terei majestade:

Cadeias d'escravo, que o fraco suporte;

Eu quero esposar-te gentil Liberdade.

E via, num sólio de gemas formado,

No meio de louros e raios de luz,

A Virgem formosa que havia sonhado

Cobrindo de flores a Terra Cruz.

No Céu peregrino brilhava o Cruzeiro

Que é símbolo bendito de Amor e de Fé,

Desperta o colosso, qual índio guerreiro

Que ouvisse nas matas o som do Boré.

De folhas virentes teceu a bandeira;

Do sol fulgurante co'os raios dourou-a,

Depois, — Soberana gentil brasileira,

Erguendo-a, formosa, num beijo sagrou-a.

Curvando o joelho no solo ubertoso

Fitou-a enlevado... fitou-a a tremer;

E pelo Cruzeiro, no Céu, radioso

Julgou de por ela — ser livre ou morrer!

Cantaram as aves um hino de glória,

Cantaram-no as ondas e a brisa sutil

E os ecos repetem a grande vitória

Do bravo colosso, do forte Brasil!

.....................................................

Saudemos a Pátria, num hino fervente

Que as glórias dum povo brioso traduz

Junquemos de flores, num júbilo ardente

O solo bendito da Terra da Cruz!

MOTE:

O brado da Independência

Por todo o Brasil ecoa!

GLOSA:

“Não mais suporta a existência

D'escravo, o colosso ingente,

E, d'alma solta, potente,

O brado da Independência!

O patriótico grito

Como no espaço infinito

A voz do trovão reboa

Fulguram raios de glória...

E o hino da grã Vitória

Por todo o Brasil ecoa!

A BANDEIRA

Como és formosa, Imagem sacrossanta,

Símbolo bendito duma Pátria amada!

Tens nesse verde a Esperança retratada,

E ri áurea cor quanta riqueza, quanta.

Da turquesa o azul que nos encanta

Tens nessa esfera d'astros semeada.

E a via láctea nela atravessada

Mostra de um povo a índole mais santa.

Se, outrora, duma coroa a realeza

Das Nações cultas dando-te a grandeza

Perante o mundo inteiro sublimou-te.

O Céu que ostentas em miniatura

Mais ainda tornou-te santa, pura,

E mais preciosa, pois — divinizou-te!

15 DE NOVEMBRO

(Proclamação da República do Brasil)

O sol era no ocaso... No horizonte

Erguem-se nuvens de fatal tormenta;

O mar murmura... a brisa triste, lenta,

Os ecos leva desde o val ao monte.

Há sombras de tristeza em cada fronte

Oh! que receio as almas apoquenta...

Os corações o susto desalenta,

Embora o dia festival desponte.

Mas, do Céu desce o anjo protetor

Da Terra do Cruzeiro, salvador,

E a Paz envolve a Terra senhoril!

E, altiva, soberana, a Liberdade

Desfraldando o Pendão da Igualdade

Saúda o forte invicto Brasil.

HINO PATRIÓTICO DOS ALUNOS DE UM GRUPO ESCOLAR CATARINENSE

Sempre unidas nossas almas

No amor da Pátria bela,

Colhamos louros e palmas

Seguindo da glória a Estrela.

O nosso afeto,

A nossa vida

A ti sagramos,

Pátria querida.

Companheiros ilustremos

Nossa terra tão gentil,

D'alma as flores cultivemos

Neste Éden do Brasil!

O nosso afeto, etc.

De civismo, seja exemplo

Nosso amor, ó Pátria amada,

Sejas, da glória no Templo,

Por teus filhos coroada.

O nosso afeto, etc.

SANTA CATARINA

É — Santa Catarina — a ilha graciosa

Minha terra gentil, meu berço d'esmeraldas,

Das flores que no Sul ostentam-se elevadas

Dos regaços do mar, a flor mais primorosa.

Qual lago de cristal, a baía formosa

Retrata o leve azul das lindas madrugadas,

As noite de luar d'encantos repassados,

Nas horas da saudade, a tarde carinhosa.

Verde flor da Esperança, oh Santa Catarina

És, do brasílio erário, a pérola mais fina

A refulgir no mar qual astro ri amplidão!

Tu, — Soberana Mãe, — no coração ardente

De cada filho tens um sólio resplendente

De ternura, de Amor, e de veneração!

O PEQUENO PATRIOTA

Numa estrada brincando,

Próximo à linda praia, graciosa,

Estavam, com alegria ruidosa,

Uns pequenos folgando.

E, das brancas areias

Que o mar beijava, a murmurar segredos,

Os pequenos pressurosos, ledos,

As mãos traziam cheias.

Lá, da estrada no chão,

Cômoros altos, todos levantando,

Com festivas canções os enfeitando,

De bandeirinhas vão.

Entre elas, prazenteira,

Uma, — a mais bela — erguia-se gentil

Era o símbolo formoso, senhoril

Da Pátria brasileira!

Eis que um pequeno assoma,

Olha o grupo infantil, atenta... pára...

Com nobre gesto de altiveza rara

O pátrio emblema toma!

— Sabeis, diz, porventura,

A que nação pertence esta bandeira?

É linda! Entre todas, a primeira,

Assim, tão bela e pura!

Descobre a fronte, ajoelha,

E respeitoso beija o símbolo sagrado;

Tendo no olhar aceso, entusiasmado,

De Amor viva centelha.

Assim aos outros fala:

Amigos! — no Brasil todos nascemos

Da Pátria cara a imagem santa honremos

Mostrando sempre amá-la!

Cada um sua bandeira

Tomando, represente uma Nação;

À frente eu levarei o pavilhão

Da Pátria brasileira!

................................................

Em marcha triunfal

Todos seguiram pela longa estrada,

Vivas erguendo à Pátria muito amada

Num hino festival!

O ESCOLAR MODELO

Pela manhã, do seu leito,

O Escolar se erguia,

E, após o vestir,

Como cristão perfeito,

Orava... e logo ia

A bênção aos Pais pedir.

O seu café tomava;

Tomava o seu livrinho,

A lição repassando:

É tão bom, pois não é?

Estudar um pouquinho,

Pelo almoço esperando?

O tempo necessário

Após o almoço, passa;

É hora da lição:

Seguindo o itinerário

Os colegas, em massa,

Rumo da Escola vão.

O Escolar modelo

Os segue acompanhado

De bênçãos e de amor.

Era belo de vê-lo

Com que respeito e agrado

Saudava o Professor!

Exemplo de talento,

E de civismo exemplo,

O aluno prazenteiro

Era a todo momento

Lá, da Escola no templo,

Aclamado o primeiro.

O MEU PIÃO

Rodopiando

O meu pião

Vai, pelo chão,

Círculos traçando.

Que lindo mimo,

Apreciado!

Verde e dourado,

Quanto o estimo!

Zumbe, dançando,

Como um besouro

Que é verde e louro,

E vai voando.

O meu pião

Rodopiando,

Diz-me, dançando

“Estuda a lição!”

SETE ANOS

Sete anos hoje faço:

Que venha dar-me um abraço

Quem me souber estimar!

Tragam-me doces, presentes,

Os amigos e parentes

Que me vierem saudar.

E vejam bem que mereço

Um presentinho de preço:

Sou excelente menina;

Ao papai amo e venero

E a mamãezinha quero

Como Jesus nos ensina.

Isso ainda não é tudo:

Amo a escola, o estudo,

E as coleguinhas também.

E dentro, em meu coração,

Um lírio de gratidão

Minha professora tem!

Sete anos hoje faço:

Venha, portanto, o abraço

De todos que aqui estão;

Que um abraço singelo

É o presente mais belo,

É mimo do coração!

CARIDADE INFANTIL

Pela estrada caminhava

Um pobre velho mendigo

Triste, sem pão, sem abrigo,

Oh! que amarguras provava!

Como a lã da branca ovelha

Eram brancos seus cabelos,

Seus olhos, outrora belos,

Da luz já perdem a centelha.

Quase cego, dos caminhos

Mal vê abrolhos no chão;

Mas dentro do coração

Bem sente agudos espinhos!

E lentamente seguia

Ao seu bordão arrimado,

Quando bem perto, espantado,

Vozes ouviu de alegria.

Era um bando de crianças

Que da escola já voltavam,

E à frente dele cantavam,

Com ginásticas e danças.

Quis afastar-se o velhinho

Tateando com o bordão;

Porém, tropeça, e no chão

Cai de bruços, pobrezinho.

Mil gargalhadas formando

Uma infernal gargalhada.

Da turba desapiedada,

Vai nos ares reboando!

Eis que do grupo impiedoso

Um menino, — alma sublime,

Ao triste que a dor oprime

Estende a mão caridosa:

“Levantai-vos, pobre amigo!

Disse, e a meu braço encostado,

Levar-vos-ei, amparado,

De caridade a um abrigo.”

Os companheiros que viam

Tão bela ação, comovidos,

Vêm, um a um, recolhidos,

E ao bom colega auxiliam.

Chorando, ergueu-se o mendigo,

Chorando de gratidão,

Que achou no mundo um irmão

E amigos mil, num amigo.

No meio da criançada,

A destra o velho estendendo,

E os olhos sem luz erguendo

Do céu à cúpula anilada,

Assim fala: “Oh, filhos meus!

Como uma graça infinita

Sobre vós desça, bendita,

Do céu a bênção de Deus!”

“Eu me vou ao meu destino

Bem consolado, é verdade,

Pois achei a caridade,

No coração dum menino!”

O BOM LIVRO

O bom livro é um amigo

Que nos anima e consola,

O bom livro é uma esmola

Ao nosso espírito mendigo.

Mendigo de luz, de pão

É o espírito da criança:

No bom livro a luz alcança,

E o alimento, na Instrução.

Os grandes vultos da História,

Os homens mais venerados,

Pelo bom livro guiados

Chegaram ao Templo da glória.

Seria o mundo um deserto,

Sem oásis, sem verduras,

Se não colhêssemos flores,

No bom livro, — céu aberto.

O bom livro é um tesouro,

Jardins das flores d'Esperanças

Da Ciência o mel, crianças

Bebei nessas taças d'ouro!

MOTE:

A Terra catarinense

É da Natura um primor.

GLOSA:

É bem justo qu’eu incense,

Qu’eleve em trono de flores,

O berço dos meus amores,

A Terra catarinense.

Outra Ilha como ela

Tão graciosa, tão bela,

Não há dos mares à flor,

Entre as Terras do Brasil.

A minha Terra gentil

É da Natura um primor.

AS NUVENS

— Mamãe, a nuvem rosada

Que eu vejo, tão delicada,

Como um leve e fino véu,

Será a faixa esquecida,

E pelos ares perdida,

D'alguma santa do céu?

E quando o sol vem subindo

Lá do Levante, tão lindo,

Pelo céu todo anilado,

Aquela nuvem de ouro

Será do sol o tesouro

Pelos ares derramado?

— Não, filha, essa cor de rosa,

E do ouro a cor mimosa

Que tingem as nuvens do céu,

Foi do sol a luz divina

Que beijando a nuvem fina

D'ouro ou rosa a cor lhe deu.

Nuvens — são leves vapores

Que têm do íris as cores

Ao nascer e ao pôr do sol;

Porém nos dias chuvosos

Elas são véus lutuosos,

Não tem o céu arrebol.

Nimbos — as nuvens se chamam

Que lá dos ares derramam

As chuvas que à terra vêm,

São negras ou pardacentas,

São as nuvens das tormentas,

Elas só água contêm.

— Oh! mamãe, já sei agora

Porque tem a linda aurora

Nuvens de ouro e de rosa;

E sei que a nuvem sombria

Só chuva nos anuncia,

É nuvem tempestuosa.

O PRISIONEIRO

— “Lindo canário dourado

Que vives aí fechado

Nessa pequena gaiola,

Solta teu canto mimoso

Que o teu gorjeio saudoso

Minh'alma triste consola.

Dize-me, ó meiga avezinha,

Tão inocente e mansinha,

Por que estás nessa prisão?

Que fizeste? Qual teu crime?

Quem, deste modo, te oprime,

Sem ter de ti compaixão?...

Canta, mimoso canário,

E, no teu canto, o sumário

Resume, do teu viver;

Que os juízes, com demência,

Darão à tua inocência

O prêmio que merecer.

Em vez da estreita gaiola

Que te deram por esmola,

Tirando-se a imensidades,

Revoarás pelo espaço

Sem peias, sem embaraço

Nos vôos da Liberdade”.

— “Meu crime? — responde-o triste,

Em que meu crime consiste?

Não sei dizê-lo... não sei!

Dizem-me lindo, mimoso,

Tenho o canto sonoroso,

Visto-me douro... sou rei!

Fui livre na verde mata

Tinha das fontes a prata,

Da luz do sol tinha o ouro.

E pelos ares voando,

Ia contente gozando

As prendas do meu tesouro.

Quando a manhã despontava

Meu doce canto elevava

Ao Eterno-Criador;

E quando a noite descia

Na verde rama dormia

Quieto, como uma flor.

Mas, um dia... (oh! bem me lembro!)

Foi pelo mês de Setembro,

Já reinava a Primavera,

Minha terna companheira

Num galho da laranjeira

O novo ninho tecera.

Enquanto ela, amorosa,

— Mãe feliz e descuidosa —

Os ovinhos aquecia:

Eu, sobre o ramo florido

Num doce canto embebido

Meu terno amor lhe dizia.

Eis, porém, que de repente

Um rapazito indolente

Que deixara de ir à escola,

No galho da laranjeira

Com hábil mão traiçoeira,

Armou-me a infernal gaiola.

Ali, no aberto alçapão,

Eu via farta ração

De louro alpiste gostosa;

Voei para o comedouro...

Ai!... todo aquele tesouro

Fora ilusão enganosa!

Chorei... cantando, chorava

Da pura dor que magoava

O meu pobre coração;

Ah! que triste amarga sorte!...

Perdi a meiga consorte,

Meus amores, meu sertão!

Nesta dura soledade,

Choro a doce liberdade

Duma existência ditosa;

Choro meu ninho desfeito

Por que não tinha no peito

Alma bela e caridosa!”

.......................................

E sempre que o sol raiava,

Sempre que a noite chegava

Se ouvia o canto magoado

Do pobrezinho inocente

— Preso, sem ser delinquente,

Sofrendo, sem ser culpado!

NATAL

A estrela mais gentil, a Estrela do Oriente

Nos vales de Belém derramava luz fulgente;

E o berço de Jesus os raios seus aquecem,

E como brácteas d'ouro as palhas resplandecem.

Adoram-no os Reis, e divinal Jesus

Repousava num altar de flores e de luz;

E do anjo ao pastor, ao irracional,

Um culto se levanta ao Infante imortal!

“Glória nos Céus a Deus” Paz aos homens na terra”!

Eis o hino de amor que vai de serra em serra.

Di-lo o boi, a ovelha em trêmulo balido

E o galho festival no canto repetido!

Salve o Dia bendito, inolvidável Dia

Em que nasceu Jesus — o Filho de Maria!

Humilde e pobre qual humílimo pastor,

— Ele! — Deus imortal! Ele! — O Deus Redentor.

MOTE

Nos páramos do Infinito

Giram milhares de mundos.

GLOSA

Levanto os olhos, medito,

À noite, quando o luar

Seu brilho vem derramar

Nos páramos do Infinito.

Como é lindo o firmamento

Com seu brilhante ornamento

Com seus mistérios profundos!

Que serena majestade!...

No entanto, na imensidade

Giram milhares de mundos!

DEUS-MENINO

Tão pequenino, imbele e delicado,

Tão grande, e forte, excelso e poderoso!

— Ele! — o Menino-Deus! Oh! portentoso,

Mistério divinal — Deus humanado!

Ali, — humilde e pobre — o Desejado

Entre os humildes foi buscar repouso!

Mas, que esplendor o cerca majestoso —

É meia-noite, e sol parece nado!

A terra era um altar, um sólio ingente,

De onde d'Universo o Rei poente

Do Eterno a glória desdobrava em Luz!

Era a Bênção Divina do Criador

Que ao mundo ingrato dava um Redentor

Dando-lhe a vida, dando-nos Jesus.

JESUS

Ei-lo entre as palhas do feno,

O divino Nazareno,

O prometido Jesus!

É mimoso e delicado

Como o lírio imaculado

Da manhã aberto à luz.

Pastorinhas, vinde vê-lo:

Vinde adorá-lo e querê-lo

Como um presente de amor;

Ele nasceu como pobre...

Ele! — dos Reis o mais nobre,

Dos Senhores o Senhor!

Velhos zagais da montanha

Quando uma glória tamanha

Vistes a terra exalar!...

Vós que dormis ao relento,

Já vistes, no firmamento,

Tão linda estrela brilhar?...

Não! Que essa Estrela fulgente,

Essa Estrela do Oriente

Que os nobres Magos conduz,

É a imagem peregrina

De Luz eterna divina

Que nos leva até Jesus.

Jesus! — enlevo do nobre,

Jesus! — consolo do pobre,

Jesus, — nosso Redentor!

A terra que resgataste

Que com teu Sangue regaste

Livra dos males, — Senhor !

HINO À NATUREZA

Salve, excelsa Natureza,

Luz da Ciência e do Amor!

Livro d'eterna beleza

Escrito por Deus Criador!

De três reinos soberana

És, rainha portentosa!

Da Ciência a luz emana

Do seio teu, radiosa.

Salve! Potente, opulenta,

Dominas vassalos, reis;

Nenhum código apresenta

Leis iguais às tuas Leis!

Mais rica que uma sultana,

Tu possuis tesouros mil;

Nas águas, na terra, ufana,

No ar, no céu cor de anil,

O sol que a terra alumia,

É tua lâmpada de ouro;

E tens, na noite sombria,

Brilhos de um alcácer mouro.

A lua que o mar prateia,

Estrelas que bordam o céu,

A brisa que a água ondeia,

Pertencem ao erário teu.

O mar, de pérolas caras

Nos dá colares mimosos;

E corais e conchas raras,

E tantos mimos preciosos!

O Céu d'orvalhos te inunda,

O sol dá-te seu calor

Que no teu seio fecunda

O gérmen de cada flor.

Tens os lençóis da geada,

Que dá-te o Inverno, a tremer,

Porque nem sempre abrasada

Pelo Estio possas ser.

De lindas flores mimosas

Te reveste a Primavera.

E frutas mil, preciosas

Tens, quando o Outono impera.

Aves de linda plumagem

Saúdam-te em doces cantos,

Insetos mil na ramagem

Proclamam teus dotes tantos!

O diamante, o rubim

E tantas pedras preciosas

Dos teus tesouros sem fim,

São riquezas fabulosas,

Salve! Salve, ó Natureza

Luz da Ciência e do amor!

Livro d'eterna beleza

Escrito por Deus Criador!

GEADAS... [3]

Qu’espesso manto,

branco, gelado,

cobre os outeiros,

a serrania;

e pelos campos

e pelo prado,

como um sudário,

longo se amplia!

Verdes pastagens,

lindas, outrora,

como tapetes

aveludados,

míseros, tristes,

mostram-se agora,

nuas, despidas,

dos seus gramados.

Aos duros tratos,

rudos, abruptos,

os cafezais

choram lembranças

das níveas flores,

dos rubros frutos,

doces esp'ranças.

As tenras, novas,

viçosas canas,

pendem, mirradas...

Oh! desventura!

Com verdes palmas

crescendo, ufanas,

murchas agora

sem ter doçura!...

E os rios gelam...

Morrem os peixes,

morrem as aves,

morrem as flores!...

Do flavo trigo

dourados feixes,

quando hão de tê-los

os segadores?

As áureas flores

do algodoeiro,

que a branca felpa

no seio têm,

quando há de vê-las

o fazendeiro,

nos verdes ramos

brilhar, também?

Não terão pasto

mansas ovelhas,

que os vastos campos

não têm verdores;

em balde, em balde,

destras abelhas

por esses prados

buscarão flores!

Morrem de frio

as criancinhas

sem terem pano

para vestir;

sem lã, sem leite

das ovelhinhas,

que desconfortos

hão de sentir!...

Deus de piedade!

Deus de clemência,

Olhai da terra

essa tristeza!

Da Primavera

c'oa florescência,

cobri d'encantos

a Natureza!

E as novas flores,

os passarinhos

e as criancinhas

vos bendirão;

pelas devesas,

pelos caminhos,

hinos cantando

de gratidão!

A MÚSICA MAIS BELA (Diálogo)

BEATRIZ:

— Ouve, meu Tito: gostas tu, por certo,

De uma aprazível música escutar;

E, quando a ouves, seja longe ou perto,

A alma não sentes de prazer vibrar?

TITO:

Oh! sinto, sim!... e o gênio peregrino

De Carlos Gomes, por exemplo, admira;

Esse gênio imortal, doce e divino

Que é do Brasil, e a todos eu prefiro!

BEATRIZ:

Oh! como és patriota, meu bom Tito!

O Guarani... é um poema lindo,

Que parece no Céu ter sido escrito

C'o a luz dos astros dum fulgor infinito,

Mas...

TITO:

Mas... o quê? Beatriz! Achaste

Alguma outra Ópera mais bela,

E outro gênio maior admiraste

Que o sublime criador daquela?

BEATRIZ:

Não! Não é isso que dizer eu quero;

Porém... há uma música tão linda

Um poema sublime qu'eu venero

Que mais me encanta e arrebata ainda!...

TITO:

Que o Trovador?... Talvez, Beatriz, sonhando,

Ouviste um coro celestial, talvez,

Que o teu ardente coração banhando

De seus encantos presa assim te fez!...

BEATRIZ:

O hino que tem de entusiasmo a palma,

O hino bendito, de sublime ardor,

Escuta-o sempre com prazer minh'alma

Saudando a imagem do seu santo amor.

TITO:

— De Deus, de nossa Mãe a imagem santa,

Deve ser essa que assim veneras.

Dize-me, Beatriz, esse hino que te encanta

Foi um sonho das tuas primaveras?...

BEATRIZ:

Não, Tito, não. O hino meu, eleito,

Que amor e glória e Liberdade exprime,

O conheces, o guardas no teu peito

E o tens na mente, vivido, sublime,

Belo, imortal, fagueiro...

TITO:

É — o Hino Nacional!

O Hino Brasileiro!

A MINHA BIOGRAFIA

“Venho dizer-vos, Senhores,

em versos bem sem poesia,

— A minha biografia”—

Chamo-me Dilza; em Janeiro

seis anos fiz, sorridentes;

ganhei doces e presentes,

beijos, abraços, dinheiro...

Em casa todos me querem;

por fora, todos também.

E por que me querem bem?...

Digam-me lá, si o souberem...

Não sabem?... pois vou dizê-lo:

— Sou menina inteligente;

muito meiga e obediente

de mamãe ao doce apelo.

Não sou manhosa... isso, não!

nunca importuno, nem choro;

já sei cantar, já decoro,

escrevo e leio a lição.

Amo o bom Deus mais que a tudo;

Mamãe e papai venero,

a todos de casa quero,

e também amo o Estudo.

Já vedes, senhoras minhas,

e meus senhores também:

— Sou... a mais santa das santinhas:

por isso me querem bem!

MANACÁ

Do meu jardim no meio

refloriu o viçoso Manacá;

Oh! que lindo ele está

cheio de flores e de aromas cheio!

Brancas e roxas flores

cobrem-no todo, vestem-no de graça,

e o beija-flor que passa

dá-lhe seus beijos, dá-lhe seus amores.

A borboleta rubra

que volita nas curvas dos caminhos,

— de voos e carinhos —

um dia só não passa que o não cubra!

Se mel procura a abelha

no jardim florido como está,

não deixa o manacá

pela rosa mais linda, mais vermelha.

O meu gentil arbusto

é um mimo de graças, tão querido,

que deixá-lo no olvido

fora d'ingratidão um ao injusto.

Assim, diariamente,

tratá-lo eu venho com o maior desvelo,

que sempre quero vê-lo

cheio de flores e de aromas cheio!

Para, naquele altar

onde da Virgem Santa impera a imagem,

uma doce homenagem

das suas flores lá poder deixar.

O AEROPLANO

Passa nos ares, vai, de audácias pleno,

Cortando o espaço azul, qual ave estranha,

Asas abertas, afrontando a sanha

Dos vendavais, impávido, sereno.

Sobe mais... sobe mais. Num tempo ameno,

Quando o Universo a luz celeste banha,

Mais coragem, mais força e aplausos ganha

Da glória ousado ao sugestivo aceno.

Águia do espaço, vai ao sol radioso,

Soberano da Luz, vai, portentoso,

Saudar altivo, nos domínios seus.

Da humana inteligência, o belo invento,

Proclama, atesta nesse grão portento,

A Ciência, o Poder do Eterno Deus!

AVÓ E NETA

De vestido branco todo rendilhado,

Na toquinha branca fita roxa atada,

Vai a pequenita d'avozinha ao lado,

Ambas vão contentes pela longa estrada.

Tem, talvez, três anos a pequena linda,

É rosada e loura como um querubim;

Tem da fresca rosa toda graça, ainda,

Tem candura e mimos como dum jasmim.

Vai cantando agora como um passarinho,

Da linguagem, meiga nada percebi;

Mas avó qu'escuta causas de carinho

A netinha olhando, bem feliz sorri.

Que prazer divino, que prazer tão santo

O sorriso dela docemente exprime!...

— Coração materno revivendo ao encanto

Dum passado grato, dum amor sublime.

Como mãe ditosa duas vezes, santa,

A velhinha sente bem no fundo d'alma,

Desbrocharem vivas, desse amor que a encanta,

Mil saudades lindas na viçosa palma.

Da morada à porta ei-las reunidas

Em bendito grupo ternas afeições:

Duas mães ditosas, duas filhas queridas,

E a netinha, o anjo das consolações.

Numa nuvem d'ouro vai o sol entrando,

Todo o poente brilha d'esplendor cercado;

E a Mão divina vejo abençoando

Esse lindo grupo pelo amor formado!

EM FÉRIAS

Eis o tempo das férias: como é belo

Esse grato folgar que me aviventa!

Tudo me encanta, tudo me contenta,

— Folgar! Folgar! É todo meu anelo.

Mas o meu livro... oh! não quero esquecê-lo!

É como o pão que a vida me alimenta,

É como a luz que as trevas afugenta:

Sempre hei de amá-lo, sempre hei de querê-lo.

Quando voltar às aulas, levarei

Minhas lições sabidas e terei

Do pessoal esplêndidos louvores.

Exemplo dos colegas eu serei;

A bênção de meus pais merecerei

E o afeto, a estima dos meus professores.

FIM

 

SEGUNDA PARTE

BRASIL [4]

Peça alegórica em 5 atos, em comemoração ao Centenário da Independência. Levada à cena no Colégio "Coração de Jesus", pelas educandas, sob a direção das ilustradas Professoras, revmas. Irmãs da Divina Providência.

1922

Pátria! - de joelhos, deponho

sobre o teu altar a

homenagem do meu santo amor!

DELMINDA SILVEIRA

SAUDAÇÃO DA MULHER BRASILEIRA À PÁTRIA, PELO CENTENÁRIO [5]

Soberano Brasil! Pátria formosa!

Si nesta data festival, grandiosa,

Acorda a lira minha em teu louvor,

É que, no coração leal e ardente

A Mulher brasileira também sente

Vibrar da Pátria o generoso amor!

Dos puros corações das valorosas

Mães e filhas, irmãs, noivas e esposas

Voam Esperanças mil ao teu regaço;

Depois... depois, nas páginas da História

Elas à luz fulguram da tua glória,

Como as estrelas pelo infindo espaço.

Pátria! venho trazer-te, neste dia,

Da minha pobre lira ri harmonia

A homenagem do meu grande amor!

Salve! — formosa Pátria brasileira,

Estrela de Cabral, alvissareira,

Flor das Nações, da Liberdade, — Flor!

Um século há que a doce Liberdade

Baixando da suprema Eternidade,

Num almo voo plácido, fagueiro,

Veio pousar no solo brasileiro.

Brasil, eras, então, escravo ainda;

A Liberdade com ternura infinda

Beijou-te a sonhadora, altiva fronte,

E apontando-te um límpido horizonte,

Deu-te a Bandeira auri-virente, ufana,

Livre Nação tornou-te Soberana

Foi nesta data... Oh! Data gloriosa

Da Independência aurora venturosa!

Ó— Sete de Setembro — eu te Saúdo,

Da Pátria amada esplendoroso escudo!

Brasil — teu Centenário grandioso

É da glória imortal penhor ditoso!

— Salve, Brasil! Terra de Amor e Luz,

Pátria gentil sagrada pela Cruz!

Oh! — Brasil desde o berço abençoado

Pelo Cruzeiro no teu Céu gravado!

BRASIL Peça alegórica em 5 atos [6]

1° ATO: Descobrimento e posse da terra

Personagens: Brasil — (Índio)

História — (fig. alegórica)

Cabral — marítimo

Companheiros de Cabral

Gênios da floresta

2° ATO: Brasil colônia

Personagens: Brasil — (Índio)

Trabalho - (fig. alegórica)

6 camponeses e camponesas

3° ATO: Progresso do Brasil

Personagens: Brasil — (Índio já civilizado)

Religião (fig. alegórica)

Fé (fig. alegórica)

Esperança (fig. alegórica)

Caridade (fig. alegórica)

Padres Anchieta e Nóbrega

Estudantes, colonos.

4° ATO: Independência (apoteose)

Personagens: Brasil

Liberdade — fig. alegórica

Glória — fig. alegórica

5° ATO: Homenagem à República

Brasil

Os Estados — representados por 21 meninas vestidas de

branco, com o nome de cada Estado em faixas de cores nacionais.

Saudação à Bandeira da República, por uma jovem.

Hino Nacional

Cantos, Ginástica

Quadro vivo

FIM

BRASIL

1° ATO — O DESCOBRIMENTO

Cenário: Uma praia; ao fundo, floresta virgem onde se vê um Índio adormecido.

Ao levantar do pano, vê-se, em grupo, Pedro Álvares Cabral e seus companheiros que vêm de aportar. Os gênios da Floresta erram pela mata. Apresenta-se a História (fig. alegórica) magnificamente vestida; traz um grande livro e pena ou ponteiro (estilo) de que se serviam os antigos para escrever.

A História dirigindo-se a Cabral:

“— Navegador ilustre, ó bravo lusitano

Que perlustraste, audaz, o temeroso oceano,

Ao ignoto arrancando esta formosa terra,

Ante essa maravilha os lábios teus descerra,

Dize-me, ó bravo, dize o belo nome ideal

Com que hás de apresentá-lo ao rei de Portugal,

Pois conhecê-lo deve a Universal História.

E registrá-lo aqui, — penhor da lusa glória.”

Cabral

— Para honra de Deus e nova glória

Da fulgurante lusitana história,

“Por mares nunca dantes navegados”

Rota seguimos à mercê dos Fados.

Um dia... Oh! venturoso e fausto dia!

Ao ocidente, longe, aparecia

De uma montanha a leve sombra, incerta;

O marujo da gávea, sempre alerta,

Não mais pôde conter no coração

O grito de alegria e gratidão:

— Terra! Terra!, bradou; e quando a brisa

Que os ares corta e a flor das águas fresa,

O branco véu das brumas dissipou,

Esta formosa terra se mostrou!

Que nome lhe hei de dar?... si a nomeasse

Terra de Vera Cruz, ou si a chamasse

de Santa Cruz, é certo que honraria

Da Cruz bendita o memorável dia.

Porém, vede esta mata senhoril

Por Deus composta só de pau-brasil,

— Madeira que dá tinta preciosa

Cor do sangue que é vida esperançosa!

— Brasil eu chamo a bela região

Que a forma tem gentil dum coração!

A História

Sim; Brasil seja! Entanto adormecido

Ele vegeta aqui, desconhecido,

Inculto... Oh! vamos despertá-lo,

E, pela História, ao mundo apresentá-lo.

Seguem, a História e Cabral, a despertar o índio. Cabral cinge com a faixa azul e branca, de Portugal, enquanto os gênios cantam:

Brasil, desperta,

A voz escuta

Que do trabalho

Te chama à luta.

Brasil, és forte,

Vem, pressuroso:

— Serás amado,

Serás ditoso!

De Portugal

A mão te estende,

Seu gesto amigo,

Brasil, atende!

Brasil, avante!

Na grande História

Verás teu nome

Brilhar de glória!

Desce o pano.

2° ATO: A COLONIZAÇÃO

Cenário: O mesmo

Aparece o Trabalho (fig. alegórica) e seus Filhos, representados por 6 camponeses.

O Trabalho a seus Filhos:

— É santa do trabalho a lei, ó filhos meus!

É como a luz do sol; é lei que vem de Deus!

Sois fortes: desbravai esta floresta densa,

A terra cultivai, tereis a recompensa!

No fundo deste solo oculta-se um tesouro...

No reino mineral há mil filões de ouro,

Jazidas há de prata, e minas de carvão,

E outros minerais de preço e estimação.

O reino vegetal é rico e portentoso,

Possui o que há de belo e de maravilhoso,

Desde a mimosa flor ao fruto sem igual,

Desde a rasteira planta ao roble secular!

Ó filhos do Trabalho! — unidos, sem detença,

A terra cultivai, tereis a recompensa!

(Os Filhos do Trabalho, com seus instrumentos de lavoura, simulam amanhar a terra, cantando):

Companheiros! Lavremos a terra.

Vamos dela riquezas tirar!

O Trabalho nos há de mostrar

Que tesouros no seio ela encerra!

O trabalho nos traz alegria,

É sorriso de meiga Esperança:

Nossa mão que a semente aqui lança

Colherá farta messe algum dia!

Ah! si o Céu que o trabalho abençoa,

Nossas lidas de bênçãos cobrir,

Num ditoso e brilhante porvir

Cingiremos da glória a coroa!

Companheiros! Lavremos a terra,

Vamos dela riquezas tirar!

O trabalho nos há de mostrar

Que tesouro no seio ela encerra!

3° ATO: PROGRESSO DO BRASIL

Cenário: Colônia. Terra cultivada, algumas casas pequenas, moinhos, etc. etc.

Entra a Civilização (fig. alegórica) trazendo pela mão o Brasil, (índio civilizado).

Seguem-nos a Religião, a Fé, Esperança e Caridade, (figuras alegóricas); os padres Anchieta e Nóbrega, estudantes, colonos.

O padre Anchieta batiza o índio (Brasil) que de joelhos abraça e beija a Cruz que lhe apresenta a Religião.

O BRASIL:

“Cruz imortal! Símbolo da Dor e Glória!

A ti devo esta luz, a ti esta vitória

Que sobre o erro vil minh'alma leda alcança!

A ti, ó Cruz bendita, eu devo esta esperança,

Esta chama de amor que me enche o coração,

Que na minh'alma acende a Fé, a Religião”

Cruz sublime, eu te abraço e juro de seguir

Esta fé que me deste, — agora e no porvir!”

O BRASIL À CIVILIZAÇÃO:

“ — A ti que tão gentil os passos meus guiaste,

Ó Civilização! — Tu que me libertaste,

Banhando o espírito meu na luz d'alma ciência,

Eu te saúdo grato, ó doce Providência!

E osculando-te a mão bendita, protetora,

Prometo de guardar a voz consoladora

Desses ditames teus que na minh'alma rude

Fizeram desbrochar as flores da virtude!”

ESTUDANTES, COLONOS, etc. CANTAM O HINO DO PROGRESSO

Raia o sol do Progresso.

De luz o solo inunda,

Na terra alma e fecunda

O rastro deixa impresso...

Seu gesto tem magia!

Seu mando é soberano!

Dissipa a treva, o engano,

À glória os povos guia!

Salve! Aurora bendita,

Excelsa, radiosa!

Oh! Luz esperançosa

Que à glória nos incita!

4° ATO: INDEPENDÊNCIA

Cenário: Margens do Ipiranga. Uma cortina ao fundo.

Entram: A Liberdade (fig. alegórica), O Brasil, gênios

O BRASIL À LIBERDADE:

“Liberdade formosa! Ó meiga Liberdade.

Que nos meus sonhos vens, como doce claridade,

De uma cruel tristeza a nuvem dissipar,

Virgem do meu amor, Visão do meu Cismar,

Escuta de minh'alma a queixa d'amargura

E dá-me lenitivo a essa mágoa dura!

Eu que sou livre e grande, eu que sou forte e bravo;

Como fui reduzido à condição d'escravo?...

Não! — Eu quero ser livre! Eu quero, entre as nações,

Ter honroso lugar, longe destas prisões.

Embora, para tanto, arranque-me do peito

Este meu coração em mil pedaços feito!”

A LIBERDADE:

“És livre, és bravo! Oh, sim! Terás nobre vitória

Vencendo a humilhação desta existência inglória!

Sacode o jugo: avante! Ao sol da Independência,

Não mais te oprimirá iníqua prepotência!

Não pode escravo ser o sol alvissareiro

Que vê brilhar no Céu o rútilo Cruzeiro!

Eia! Levanta a fronte, é tempo, enfim, de agir!

A glória já te acena; há louros no porvir!

Toma a livre Bandeira, ergue, altaneiro e forte,

O brado triunfal: — Independência ou Morte!”

A Liberdade arranca ao Brasil a faixa de Portugal, substituindo-a pela faixa verde-amarelo da Independência, entregando-lhe a Bandeira que os Gênios lhe presentam. (Saem).

APOTEOSE:

Corre ao fundo a cortina; apresenta-se o Brasil ladeado pelos retratos de D. Pedro e José Bonifácio, entre as figuras Liberdade e Glória. A Liberdade oferece ao Brasil a palma do triunfo, enquanto a Glória o coroa de verdes louros.

A GLÓRIA:

Brasil! — eis a coroa imarcessível

Que é d'heróis galardão imperecível!

A glória ta oferece em recompensa

Ao valor teu, à tua força imensa

Na conquista sublime gloriosa.

Da independência tua, venturosa!

Deixa que a fronte soberana, altiva

Cinja-te a coroa eternamente viva.

Dos louros imortais da tua glória,

A fulgirem nas páginas da História!

— Salve, Brasil! — Pátria de Amor e Luz,

Terra gentil sagrada pela Cruz!

Oh! — Brasil desde o berço abençoado

Pelo Cruzeiro no teu Céu gravado!”

Soa o Hino da Independência; meninas, de branco, com faixa verde e amarelo, jogam flores sobre esta cena.

Todos os personagens acham-se presentes e cantam o Hino Nacional Brasileiro, (letra de Osório Duque Estrada), acompanhados pela música.

(Cai o pano)

Quadro vivo.

5° ATO: HOMENAGEM À REPÚBLICA

Cenário: Atualidade

O Brasil (índio civilizado) sobre um pedestal, desfralda a Bandeira da República.

Uma jovem, vestida de branco e com as cores nacionais, saúda a Bandeira. 21 meninas, igualmente vestidas, representando os Estados, cujos nomes trazem nas faixas, executam linda ginástica, saudando o Brasil e cobrindo-o de pétalas de flores.

Toca o Hino Nacional.

SAUDAÇÃO À BANDEIRA:

Desdobra-te gentil! Amplia-te! Fulgura!

D'esperanças enflora a Pátria brasileira,

Pavilhão imortal! Intréfica Bandeira

Que ao livre povo ensina a trilha da ventura!

Depois que o belo sol da Liberdade pura

Beijou-te apaixonado, ó noiva alvissareira,

Erguendo senhoril a face prazenteira

De glórias um porvir apontar, mais segura!

Desfralda-te gazil cercada d'esplendores,

Desvenda esse porvir de louros e de flores

À nova geração que te saúda crente!

E diz no teu fulgor, e di-lo ao mundo inteiro,

“— No bravo coração de cada brasileiro

Eu tenho um pedestal, um culto eternamente!”

FIM [7]

 

PÁGINAS PATRIÓTICAS

PAZ

A brisa pelas matas rumoreja

vozes suaves que repete a fonte;

Um ai sereno, da planície ao monte

mais brando e grato o Coração bafeja.

Dormita o mar... é límpido o horizonte

e o céu azul; no solo que verdeja

há um sonhar d'esperança benfazeja

com o sorri dum dia que desponta.

Paz! — ó visão consoladora e amada!

Vem derramar na terra angustiada

do teu Amor o bálsamo, a Piedade!

Um transformar em hinos d'esperança

ao fraternal abraço d'Aliança,

esse gemer d'aflita humanidade!

O BRADO DA INDEPENDÊNCIA

O brado da Independência

Por todo o Brasil ecoa!

Mão mais suporta a existência

d'escravo, o colosso ingente,

e, d'alma, sola poente,

O brado da Independência!

O patriótico grito,

como no espaço infinito

a voz do trovão, reboa!

Fulguram raios de glória...

e o hino da grã Vitória

Por todo o Brasil ecoa!

7 DE SETEMBRO

Pátria! Venho sagrar-te ri harmonia

Da minha lira humilde, ardente canto!

São puras rosas de um afeto santo,

Eu reverente te oferto neste dia.

Hinos e flores, raios de alegria

Nas memórias dum passado encanto,

Dos brasileiros peitos o quebranto

Hoje dissipam, como por magia...

Sim, que no peito o coração fervente

Do amor que te sagra indiferente

Recordar os lauréis de tua glória!

Pois de teus filhos ri alma está gravado

O triunfo maior do teu passado,

Como o ficou nas páginas da História.

 

MANUSCRITOS AUTÓGRAFOS [8]

A ELA

Tu, que ri alva da vida me sorrias,

— Fada gentil do meu sonhar de amores,

tu, que nos melancólicos palores

das minhas tardes inda refulgias;

por que agora t'envolves nas sombrias

gazes da noite de tristonhas cores?

Por que teus radiosos esplendores

Apagas, quando mais brilhar podias?

Ai! o crepúsculo envolve a tarde bela...

hora dos prantos, hora da saudade

em que o céu chora sobre a flor singela!

Como o sol a morrer na imensidade,

morre o meu estro; vem, oh, minha Estrela,

vem tu brilhar na minha soledade!

NOIVA DO CÉU

À saudosa memória da revma. Irmã Cunegundes

Qual tenro branco lírio melindroso

Pelo tempo inclemente maltratado,

Pendeu seu débil corpo fatigado

Nas lutas de um sofrer despiedoso.

E quando a Imagem de celeste Esposo

Seu meigo olhar fitava extasiado

Foi-se-lhe o espírito para Deus banhado

Na luz serena de um amor ditoso!

Grata visão belíssima, divina!

No feito a Jesus a fronte inclina

A Virge' envolta num brilhante véu,

E junto ao coração do eleito amado

À Glória sobe ao místico noivado

A alma feliz — gentil noiva do Céu.

OUTRORA

À minha querida amiga Ritinha Montenegro,

hoje sóror Ida, Superiora das Filhas de Sant'Ana,

em um convento, no Pará.

I

Da juventude a linda primavera

Quão feliz nos sorria, descuidosa!

Doce e pura amizade, carinhosa

As nossas almas muito irmãs prendera.

Eu sonhava um amor — doce quimera,

Ilusão d'esperança mentirosa;

Tu sonhaste uma vida tão formosa

Que dar-ta assim o mundo não pudera!

Ante nós s'estendiam dois caminhos:

Tu seguiste o de rosas e d'espinhos

Que ao Céu conduz no Amor da Caridade.

Eu fiquei-me enlevada na Poesia,

— Cantando o meu passado de alegria,

— Chorando o meu presente de Saudade!

II

Desce do luar das noites mui formosas

o meigo arcanjo que a minh'alma inspira;

traz, cingida de louros e de vozes,

bem junto ao brando seio, argêntea lira.

Vibra suave a corda que suspira

da saudade essas notas carinhosas

que a onda geme e a viração expira

no remanso das praias silenciosas.

E eu durmo e sonho; e o meu sonhar é lindo

como o consolo de um amor infindo

que a vida toda nos enflora e encanta!

É belo como o Céu que se retrata

do mar sereno na luzida prata

quando mimosa aurora se alevanta.

A MENDIGA

De rua em rua vaga

A cada porta bate, a cada porta implora,

Dum receio a pungir, duma esperança afago

Leva no coração, sorrio e choro.

“Pelo amor de Deus,”

Por esse grande Amor que fez o Céu e a Terra

Por esse grande Amor que a Terra prende aos Céus,

Que todo bem, toda alegria encerra;

É qu’eu mendigo o pão!

— Alma cheia de Fé, encanto da esperança

E sempre a procurar um terno coração,

Choro, sorrio como uma criança!

Ah, no meu pobre lar

Outrora eu tive amor, um tépido agasalho,

Mil flores no vergel, mil frutos no pomar,

Doce repouso após doce trabalho.

Ah! meu lar, meus afetos,

Sonhos do meu amor, carícias de meus pais,

Gozos do coração, meus gozos prediletos...

Nunca mais! Nunca mais!...

Tateio como cego

Um marco a procurar na minha abrupta estrada,

E caminho... caminho... e de cansaço ofergo

E além diviso a região do — Nada!...

Olho o infinito azul...

Nem uma estrela só na azul distância brilha!

Na terra o lodo vil — o lodo de um paul

E do crime e do mal a perigosa trilha!...

CRIANÇAS...

Crianças meigas, dóceis crianças,

Seres amáveis, seres gentis,

Que de carinhos e d'esperanças

Trazeis aos lares em que floris!

Loiras crianças olhos celestes,

Ou cor das verdes águas do mar,

Só vós no mundo sempre soubestes

Dores profundas acalentar.

Olhos banhados de luz serena,

Luz da inocência que d'alma vem,

Consoladores d'alheia pena,

Vossos olhares fazem-me bem.

Lindas crianças de tez macia,

Morena ou alva, fresca, rosada,

Em torno à Santa Virgem Maria

Na tela fostes eternizadas.

Crianças pias, no Templo santo,

Ante os altares ajoelhando,

Tendes o enlevo, tendes o encanto

D'anjos benditos nos Céus orando.

Quanto vos amo, crianças boas

Que dais esmolas aos pobrezinhos!

Nos Céus os anjos vos teçam coroas

Co'as rosas brancas desses carinhos!...

Oh! Dai-me sempre vosso sorriso,

Meigas crianças a quem venero!

Singelas flores do Paraíso

Quantas tratadas com pouco esmero!

Crianças meigas, abençoadas,

Anjos da Terra, anjos do lar:

Da vida as horas amarguradas

Vinde, benditas, dulcificar!

O MEU PIÃO

Rodopiando

O meu pião

Vai, pelo chão

Círculos traçando.

Que lindo mimo,

Apreciado

Verde e dourado,

Quanto o estimo!

Zumbe, dançando

Como um besouro

Que é verde e louro,

E vai voando.

O meu pião

Rodopiando,

Diz-me, dançando

“Studa a lição!”

AO ANIVERSÁRIO DE PAPAI

(Para três meninas recitarem, tendo cada uma um ramalhete de flores)

1ª Luiz/Ada:

Papai, nós vimos trazer-te

As flores do nosso afeto,

Neste dia predileto

Que nos lembra o teu natal;

São todas mimosas flores,

Cândidas flores singelas,

E colhidas — todas elas,

Em um jardim ideal.

2ª Lourdes/ Lia:

Rosa branca — diz candura

Rosa rubra — diz amor!

São, na beleza, na cor,

Delicadas maravilhas!

São vozes cariciosas

Que nos vêm do coração.

Exprimem toda a afeição

Das tuas queridas filhas!

3ª Ita/Luíza:

Papai: permite beijemos

A tua mão protetora,

Oferecendo-te, agora,

Mimos de amor filial;

E queira o Céu vezes muitas

Muitas! Muitas! Bem florida

Vejamos reproduzida

A data do teu natal!

HINO

A pátria cara os filhos chama

Cresce o civismo e cresce a ordem

É nobre, é santa a viva flama

Que ri alma acende o pátrio amor!

Avante! Escoteiros!

Altivos e crentes.

Que somos valentes

Soldados brasileiros!

Soa o clarim... vibram os peitos

D'amor e brio e ansiedade.

Invicta a Pátria em seus direitos

Ergue-se à luz da Liberdade.

Avante! Escoteiros!

Altivos e crentes,

Que somos valentes,

Soldados brasileiros!

Salve, ó Bandeira aurivirente,

Honra e fulgor da nossa História!

Símbolo da pátria augusta, ingente,

Salve! imoral brasília glória!

Avante! Escoteiros!

Altivos e crentes,

Que somos valentes,

Soldados brasileiros!

HINO À CARIDADE

Salve! imortal Amor

Que entre os braços da Cruz

Nasceste do fervor

Do peito de Jesus!

Tiveste sede, Oh, Deus!

Do puro Amor das almas;

E dos martírios teus

Floriam verdes palmas...

As rubras perlas há de

Do sangue teu, Jesus,

Brotar a Caridade

Sempre em rezas de luz!

O pranto, a dor, as mágoas

Que afligem os corações

Do puro Amor saem fráguas

(ilegível) consolações...

Salve, ó Caridade

Bênção do Céu à Terra!

Consolação, piedade

Que o amor de Deus encerra!

SAUDADES

Há na minh'alma um jardim

De flores sempre repleto:

O lírio branco, o jasmim

São mimos de meu afeto.

Esse meu horto singelo

Inda outras flores sustenta

Que um sentimento mui belo

Cada qual me apresenta.

O branco lírio, a pureza

Da minha vida traduz;

Diz o jasmim a beleza

Do meu amor a Jesus!

Inda esta manhã colhê-las

— As minhas flores amadas —

Fiquei surpresa de vê-las

Noutras flores transformadas.

Pois essas preciosidades

Qu’eu tenho no meu jardim,

Transformadas em saudades

Fui encontrá-las por fim!

Mas, a que devo a existência

De flores tais que eu não tinha?...

Foi durante a vossa ausência

Qu’elas brotaram, Mãezinha!

Aceitai as flores puras

Que vos pertencem, afinal;

já mudadas em venturas

Neste dia festival.

JESUS MENINO

Jesus Menino,

Tão pequenino,

Dorme a sorrir

Num pobre leito

De palhas feito,

Frio a sentir.

Dorme nuzinho...

Sem um paninho

Para o cobrir!

Jesus dos Céus!...

Ele que é Deus,

Frio a sentir!...

A Mãe divina

A fronte inclina

Para o beijar,

E no seu manto

O Filho Santo

Agasalhar!

“Glória nos Céus!

Glórias a Deus!”

Anjos entoam;

E doces hinos

Ledos, divinos,

Nos vales soam!

“Glória a Deus!

Glória nos Céus!

Na Terra — paz!”

COROAS...

(No dia de Finados)

Correm da Dor as pérolas mimosas

Brancas saudades d'alma a rorejar

Nessas grinaldas místicas, piedosas

Que vão das campas sobre a Cruz murchar.

Soluçam corações afetuosos

Nênias de amor, em triste suspirar,

E doloridas almas, carinhosas,

À sombra dos ciprestes vão chorar.

Mas do que servem lágrimas e flores

Aos que dos sonhos vão, enganadores,

Deixaram para sempre as ilusões!...

Ó vós que visitais o Cemitério

C'roas levar... C'roas do refrigério

Das vossas puras, sanas orações!

PAZ

A brisa pelas matas rumoreja

vozes suaves que repete a fonte;

um ar sereno da planície do monte

mais puro e grato a Criação bafeja.

Dormia o mar... é límpido o horizonte

e o Céu azul; no solo que verdeja

há um sonhar d'esperança benfazeja

como o sorrir de um dia que desponta.

Paz! Ó visão consoladora e amada!

vem derramar na terra angustiada

do teu Amor o bálsamo — a piedade!

Um transformar em hinos d’esperança
ao fraternal abraço d’Aliança,
esse gemer d’aflita humanidade!

AGORA

Que mistérios, meu Deus, encerra a sorte!

Oh! que destino têm os corações:

Uns guardam o pó das meigas ilusões,

Outros, o Amor que não receia morte!

O tempo passa; a Fé serena e forte,

Seguro escudo contra as aflições

Traz o conforto das consolações

Àqueles que a Jesus só têm por Norte.

Tu que do mundo vives retirada,

E num sonhar divino arrebatada,

À celestial Mansão de Deus, bendita.

Roga ao celeste Esposo de tu'alma

Conceda-me essa luz, a paz, a calma

Que o coração no mundo necessita!

FLOR DA CARIDADE

À vista de um retrato de sóror Ida junto à cabeceira de uma jovem enferma,num hospital de tuberculosos — Pará.

Da triste enferma junto ao pobre leito

velava a Irmã solícita, amorosa,

aquela débil vida vaporosa

que foge ao tenro delicado peito.

A Imagem divinal do Esposo eleito

beija a cândida esposa fervorosa,

enquanto aos Céus a alma carinhosa

voa-lhe em preces dum amor perfeito.

Jesus do Céu, mais jubilosa e amante

inclina a bela fronte radiante

baixa o olhar d'infinda piedade.

E a divina Bênção protetora

banha d'esperança a fronte sonhadora

de sóror Ida — a Flor da Caridade.

SÉTIMA DOR

Entre os braços da Cruz, o Corpo alanceado

Do Mártir Redentor o Gólgota domina;

Maria, a Dolorosa, a terna Mãe divina

Num êxtase de dor contempla o Filho amado.

Eis que da turba vil um bárbaro soldado

Destaca-se, e brandindo a lança aguda e fina,

Sou cego! — diz feroz, mas quem me aponta e ensina

No peito de Jesus, do coração o lado?

A lança penetrou, sangue e água jorrando...

E os olhos já sem luz a Luz do Céu banhando

Trouxe ao algoz cruel a graça da Piedade!

Entanto, a doce Mãe, na alma traspassada,

Sentiu mais penetrante aquela aguda espada

Que a vida lhe ornara amarga soledade!

SONHO

Um instante não passa em cada dia

Sem que minh'alma ocupe-se toda inteira,

Esse sonho que a vida alvissareira

Trazer-me vem à louca fantasia.

E no grato ideal, toda poesia

Do meu desejo, a ilusão fagueira

Apresenta-me em tela feiticeira

Na vida o que só o sonhar teria!

Fundo mistério!... o coração cativo

Do sentimento mais profundo e vivo

Surpreso, luta, entre o prazer e a dor.

Ai!... dorme, coração, dentro do peito,

Que reviver o sonho teu desfeito

Só poderia o mais bendito amor!

“NÃO PROCURES SABER...”

Não procures saber por que te segue,

Por que te busca o meu olhar ardente;

O que minh'alma ness'instante sente

À emoção que a domina entregue.

Não procures saber!... Além, prossegue

No teu feliz viver, sempre contente;

Deixa qu'eu sonhe!... e sofra paciente

Neste destino, a dor que me persegue.

Sim! Deixa-me sonhar!... Se tens piedade

Dum coração que sofre a ansiedade

Dum puro anelo convertido em dor!

Sim, deixa-me sonhar, negues embora

O lenitivo que minh'alma implora

Dum teu olhar, dum teu sorrir de Amor!

LEMBRANÇA...

Do terno e amantíssimo coração de Revocata H. de Mello

Passando, dia a dia o tempo escoa

Da Vida as horas turvas ou serenas;

— Vida! — causa das dores e das penas,

Tirana sejas tu ou sejas boa.

Quando o vagido dum infante soa

Ânsias mudando em sensações amenas,

Que lembrará que — a Dor — revela apenas

A débil voz que ali no lar ecoa?...

Vida que cheia sempre d'ilusões,

A torturar sensíveis corações.

Cais, grão a grão, do Tempo ri ampulheta.

Tu, para mim, só tens realidades

És o pranto, és imagem e saudades

Saudades de Romeu... de Julieta!

HOMENAGEM

Ao ilustre catarinense Conselheiro Dr. João Silveira de Souza, por ocasião da inauguração do seu retrato no grupo escolar Silveira de Souza

Nesta data imortal em que o amor sagrado

Da Pátria nos reúne em festival prazer,

Vamos saudar um nome... um nome venerado

Que nos alenta aqui, nas lutas do Saber.

Dissipam-se agora as brumas do passado...

Um Vulto se apresenta, um Vulto venerando!

Traz de poeta a lira e, ao peito aconchegado,

Um Livro em que do talento as perlas foi guardando.

Ele também foi Mestre... e na Cátedra nobre

Colhe a palma imortal aos Doutos conferida;

Mas da modéstia o véu amplíssimo lhe cobre

O mérito real na acrisolada vida.

A terra que ele amou, seu sonho de poesia,

O berço seu que o mar embala, tão fagueiro,

Junto ao cipreste e à Cruz, lá na mansão sombria,

Ah! não lhe foi jazigo ao sono derradeiro!

Porém no coração leal catarinense

De — Silveira de Souza — o nome está gravado,

Como glória imortal que a todos nós pertence,

Como tesouro, alfim, de todos estimado.

Salve, pois, grande Mestre! Egrégio Cidadão,

Que à Pátria dedicaste Amor e lealdade!

Luz protetora e guia à nova geração,

De Virtude e Civismo exemplo à mocidade!

O MARINHEIRO

Como é triste o marinheiro

Lutando com o bravo mar,

Sofrendo porque não pode

O seu navio salvar!

Vendo o mar forte e medonho

Ao ribombar do trovão,

Roga a Deus misericórdia,

Pede aos Céus a salvação.

Ouvindo o bramir das vagas

Ao mais horrível tufão,

No convés, o forte herói

Faz a Deus esta oração:

“Lá em terra, meus filhinhos

Pedem a minha proteção;

De joelhos vos imploro

Dai-me, ó Deus, a salvação!

Minha mãe, pobre velhinha

Que no seu leito agoniza

E sem ter nenhum carinho...

De seu filho ela precisa...

Se eu morrer, triste viúva

Lutar há de em negra sorte...

Oh! Senhor! Senhor! Livrai-me

De tão triste e dura morte!...”

..........................................

Quando, alfim, a meiga aurora

Começou, linda a raiar,

Um cadáver, sobre as águas,

Veio à branca praia dar.

Era do pobre marujo

O corpo desfigurado,

Que o mar sonhando trazia

Da esposa ao seio enlutado.

Pobre mãe! Pobres filhinhos,

Pobre esposa entristecida!

Perdestes o forte arrimo,

Doce amor da vossa vida!

.....................................

Quando, à noite, meiga lua

O mar sereno pratear,

Ou quando negra procela

De crepe as águas velar,

Sobre a praia que o sepulta,

Ide, saudosos, chorar!

 

CADERNO DE POESIAS

SOBRE O LAGO

— Vamos; descamba o sol; vozes trementes

morrem à flor do prateado lago;

da mansa viração ao brando afago

dobram nas margens os juncais virentes.

As verdes tramas dos cipós pendentes,

como cortinas de palácio mago,

num tom de sombras merencório, vago,

descem até as ribas florescentes.

Vamos; meu terno coração deleita,

ver, na moldura d'esmeraldas feita

que rodeia este espelho de cristal.

Aquelas garças brancas namoradas,

— almas de noivos junto a Deus pousadas,

— almas de poetas num retiro ideal.

NA PRAIA

Por esta praia d'alva e fina areia

donde o soberbo, túrbido oceano

pródigo entorna, a cada maré cheia,

tesouros d'opulento soberano.

Essas conchinhas qu’ele aí semeia

como pétalas de rosa, altivo, ufano,

vamos colhê-las; vamos que se alteia

da vaga o dorso ao vento sul insano.

A noite cai... desmaia o ocaso lindo;

como este sol que vai do céu fugindo

lá nas profundas águas s'esconder,

É esse amor da alma do poeta

— Sonho que vai dum coração de esteta

no fundo mar das lágrimas morrer!

O CAÇADOR

“ — Não mates, não, a rósea colheteira

do velho tronco na raiz pousada,

ela tem coração, talvez, amada,

viva no encanto da ilusão primeira.

Do carcomido tronco, alvissareira,

é ela a flor gentil, abençoada;

ele vergou aos golpes da lestada,

ela ameiga-lhe a hora derradeira.

Oh! não a mates, não!... Pensa que é crime

assim ferir um coração qu’exprime

tanto amor, tal meiguice e piedade!...”

Desvia o tiro o caçador, pensando,

Qu’ele também de amor vive sonhando

Numa doce ilusão de felicidade.

À TARDE

Ó bela tarde! Ó meiga inspiradora

dos versos meus, do meu cismar saudoso,

— vem reviver o sonho venturoso

Das minhas doces ilusões de outrora!

Bendita sejas tu, solene hora

de prece e amor, de lágrimas e gozo,

que da saudade o bálsamo piedoso

ao coração me vens trazer agora!

Vendo este céu de rosas semeado,

de brancos crisântemos cheio o mar

e na terra os encantos dum noivado!

Voa minh'alma, em plácido sonhar,

a um país ignoto, perfumado,

onde se deve o meu Ideal achar!

SAGRADA MISSÃO

I

Morria a tarde, as auras suspiravam,

Do vosso amor relendo as frases caras,

Eu vi que minhas lágrimas amaras

Da tua letra os traços apagavam.

Desses despojos tristes que restavam

Das flores que em tu'alma cultivaras,

Juntei as pétalas delicadas, raras,

Que as chamas logo em cinza transformaram.

E desci ao jardim; mais que outras flores

Vi saudades sem fim, junto de amores,

Por entre espinhos dum rosal sem rosas.

Ah!, da terra nas entranhas frias,

Eu misturei o pó das alegrias

Aos germens das saudades carinhosas.

II

Passou-se o tempo; brando sol morria;

Eu voltei ao jardim dos meus amores:

Mais que de rosas, mais que doutras flores

Meu jardim de saudades se cobria.

— Brancas e roxas — da melancolia

Estas mostravam os fundos amargores;

Aquelas outras de mais leves cores

Eram os sorrisos mortos da alegria.

Do nosso amor a cinza abençoada

Por meu amargo pranto fecundada

Naquele instante de tristezas fora.

E ali, no meu canteiro predileto,

A memorar o nosso terno afeto,

Só de saudades vê-se um horto agora!

NAUFRÁGIO

— “Vamos, O coração disse-me um dia;

De flores é o mar das esperanças;

Solta-me, irei por essas águas mansas

À região dos Sonhos da Poesia”.

Soltei-o; e bem feliz o conduzia

Sem cogitar de súbitas mudanças;

Sem ter saudades, sem levar lembranças

Do melhor tempo, doutras alegrias!

Vogar! Vogar! — as ondas murmuravam;

E alcíones pelo ar passavam,

E o céu todo de rosas s'enflorou;

Mas, súbito, escurece, ruge a vaga...

E bem distante da risonha plaga

O meu frágil barquinho naufragou!...

O BOSQUE

Vês como é linda a copa esmeraldina

daquele bosque d'árvores frondosas!

Corimbos d'ouro, de lilás e rosas

pendem da velha arcada bizantina.

A parasita agreste ali s'inclina

revestida das flores perfumosas;

balançam trepadeiras graciosas

ao perpassar da brisa matutina.

Rompe a manhã: a Natureza esplende!

Penetra a balsa, numa faixa d'ouro

a luz mimosa que o Levante acende.

Lá no trigal suavemente louro,

pássaros cantam sob o véu qu’estende

o sol abrindo virginal tesouro!

 

CADERNO DE POESIAS AVULSAS

A NOSSA VIAGEM A BLUMENAU

Aos amáveis companheiros

I

Oito horas da manhã...

Oh! que chuva impertinente!

Vamos gozar, minha gente,

Vida mais grata e louçã.

II

Adeus, amigos parentes,

Até à volta, feliz!

Aos que ficavam, já diz

Alegre, a turba contente.

III

Garboso a distância vence

O auto que nos conduz:

Eis a ponte — Hercílio Luz —

Que é glória catarinense.

IV

Monumento portentoso

Eternizando a memória

Do conterrâneo saudoso

Que nos deu progresso e glória.

V

E o auto voa na estrada

Que parece não ter fim,

Vamos bem; eu vou assim...

Assim, já meio embuchada...

VI

E pergunto a cada instante

— Está perto Itajaí?

Responde o Zico: é ali...

É ali mais adiante...

VII

E a chuva continuava...

Já não podia eu sofrer

Do auto o estremecer,

Os solavancos que dava!

VIII

— Parai! — disse, carga à terra,

Numa tremenda agonia,

Sob a chuva que caía

A fazer-nos sempre guerra!

IX

E ali paguei o tributo

Da dolorosa homenagem,

A celebrar a viagem

Que memorável reputo!

X

Os companheiros, no entanto,

Como se em casa estivessem,

Conversavam, sem que dessem,

Talvez, pelo meu quebranto.

XI

E eu ia bem enjoada

Por essa estrada sem fim:

O Bonzinho... (alma danada!)

Não tinha pena de mim!

XII

Dona Ruth a chupar balas;

Bonzinho o berço embalando;

Seu Zico a Musa esperando,

E eu... eu vendo-me em talas!

XIII

Rosária papagueava

Otília, já cor de cera,

Mas sacude a cabeleira

E com todos palestrando!

XIV

As cobras vinham à estrada

Para saudar-nos, talvez;

Uma delas, certa vez,

Foi pelo auto esmagada!

XV

— Já estamos em Blumenau?

Ansiosa eu inquiria:

Seu Zico, o ímpio! Sorria...

Bonzinho calava... mau!

XVI

Eis-nos, enfim, em Gaspar;

Blumenau está pertinho,

Um pouco mais de caminho,

Lá iremos descansar.

XVII

Inda algum tempo sofri

Do enjôo a crueldade,

Quando avistei a cidade

E em paz chegamos ali.

XVIII

Com quanto alento e alegria

Minh'alma dentro de mim

“Graças a Deus!” disse, enfim,

Chegando à Vila Maria.

XIX

O primo Luca e os seus

Bondosos nos receberam;

Pelo conforto que deram

Terão as bênçãos de Deus.

XX

E assim finda-se a viagem

Há tanto tempo sonhada;

Agora, p'ra retirada

Toca aprontar a bagagem.

QUEM SABE

Quem sabe se a branca nuvem

que vai no azul deslizando

a outra nuvem buscando

até se unirem nos Céus,

não é um'alma que voa

em busca da gêmea sua,

e ali, ao clarão da lua,

s'enlaçam unidas por Deus?...

O alvo lírio singelo

da perfumada inocência

que abriu na rica opulência

de sua farta verdura,

se melindroso desmaia

d'aragem ao beijo ofegante,

quem sabe? — naquele instante

se não pendeu de amargura!

Ah! geme a rola sozinha

e a sombra da noite cai,

não teve um ecoo seu — ai —,

porém a triste não cansa!

Quem sabe?... não volve o amante

E ela o esperava ainda,

E aquela saudade infinda

Matou-lhe a doce esperança!

Casal de garças mimosas,

vai pelo lago boiando

dos nenúfares brincando

co'as... aurora abriu;

assim tão alvas, juntinhas,

no mesmo ninho dormindo,

quem sabe — em lago tão lindo

que terno afeto as uniu!

Doce o crepúsculo da tarde

eu cismo e meu peito anseia:

o que minh'alma receia?...

que mágoa d'estranha dor...

Passa a brisa: por meus lábios,

Por meus olhos roça um beijo...

Meu Deus! que vago desejo...

Quem sabe? — Meu Deus! que amor!...

CANÇÃO

Tenho fio! Ardo em febre!

O amor me acalma e endoida! O amor me eleva e abate

Quem há que os laços que me prendem quebre?

Que singular, que desigual combate!

Não sei que ervada frecha

Mão certeira e falaz me crava com tal jeito

Que, sem que eu a sentisse, e estreita brecha

Abriu; e por onde amor entrou meu peito.

O amor me entrou tão cauto

O incauto coração, que eu nem senti que estava

O recebendo, recebendo o arauto

Desta loucura desvairada e brava.

Entrou, e apenas dentro

Deu-me a calma do céu e a agitação do inferno.

E hoje — ai! de mim! Que dentro de mim concentro

Mágoas e desgostos num lutar eterno.

O amor subjuga, vede:

Prendeu-me. Em vão me esforço e me debato e grito,

Em vão me agito na apertada rede,

Mais me embaraço quanto mais me agito!

Falta-me o senso, esmo

Como um cego a tatear busco não sei que porto,

E ando tão diferente de mim mesmo,

Que nem sei se estou viva ou se estou morta!

Sei que entre as nuvens paira

Minha fronte e meus pés andam pisando a terra;

Sei que tudo me alegra e me desvaira

E a paz desfruto, desfrutando a guerra.

LAMENTO

Quase ruínas!... Triste, silencioso

Templo que glória forte d'outros dias!

Flores, incenso, brilhos, harmonias,

O sonho foram dum porvir ditoso!

E quanta paz, e que sereno gozo

naquelas puras, simples alegrias!...

Quanta esperança e fé nas romarias

dos peregrinos do Ideal formoso!...

Oh! como é triste... Coração fechado,

Templo de Amor, agora abandonado

no silêncio das grandes soledades.

Romeiro do passado, à tua porta,

Venho chorar minha esperança morta,

Venho depor um ramo de saudades!

MEDITANDO

Vejo este mar profundo e majestoso,

Ora sereno, ora embravecido,

Ora lambendo a praia, carinhoso,

Ora a cuspir-lhe a espuma enraivecido.

Ouço-lhe as vagas em feroz bramido,

Ouço-lhe as ondas em rumor queixoso,

E nele vejo o céu d'azul vestido,

Ou da procela o manto lutuoso.

E, vendo-o, cismo, e recolhida, penso:

— Oh, como se assemelha ao mar imenso

Este outro mar a que chamo — vida!

E parece-me ver a Mão divina

Que nos sustenta, nos aponta e ensina

O porto onde a Esperança tem guarida!

MEDITANDO AO LUAR

Há quantos séculos já, plácida, airosa,

esta lua, esta mesma, peregrina,

por estes bosques, prados e colina

não estende o seu véu de luz mimosa!

E ainda, quantas vezes, tão saudosa

a vagar pela abóbada azulina,

a serra, o vale e a fonte cristalina

hão de assim vê-la, pálida e formosa!

Passam as gerações, passam-se as eras,

nascem, morrem, revivem primaveras,

vêm e vão-se o estio, outono o inverno.

E prossegue em seu curso a Natureza

atestando em prodígios de beleza

o grão poder de um Ser divino, eterno!

BORBOLETAS

Entre botões de rosas desbrochantes

Elas vão-se, elas vêm desocupadas,

D'aromas e doçura embriagadas

Ao sol abrindo as asas palpitantes.

Sobre a relva cintilam diamantes

Rubis, topázios, verdes esmeraldas,

E as borboletas voam fascinadas

De flor em flor, ligeiras, inconstantes.

Assim, no peito, a rubra flor humana

Abre da esperança que a engana

Aos sonhos de dulcíssima ilusão;

Mas como as borboletas irisadas

Vão-se também as ilusões douradas

Espinhos só restando ao coração!

NO CAMPO

Ar perfumado por silvestres flores,

Sombras amenas de virentes franças,

Mil trepadeiras cujas verdes tranças

Donde corimbos pendem, multicores;

Frutos e ninho, ledos beija-flores

E borboletas, canos d'aves mansas,

Murmúrios d'água, tenras esperanças

No solo arado pelos lavradores.

Como tudo isso é grato e benfazejo!

Que instantes eu teria, deleitosos,

Nesse Éden onde vaga o meu desejo!

Onde eu quisera, em dias venturosos,

Feliz gozar quanto nos sonhos vejo,

E morrer a sonhar mais puros gozos!

FINADOS

Dobram os sinos... Quanta tristeza

Quanta saudade vinda do Além!...

Até parece que a Natureza

De pura mágoa chora também!

Caem dos ares, lá derramadas,

Lágrimas tristes por sobre a terra;

Pérolas d'alma cristalizadas

Enchem o campo, cobrem a terra.

Quem sabe? — almas, que Além partiram,

Neste momento lá chorarão?...

Outras que em vida dores curtiram,

A paz eterna já fruirão?...

Cobrem-se os campos de tantas flores...

Lágrimas correm por tantos lares

Abrem saudades que avivam amores...

Morrem sorrisos, nascem pesares...

E as almas idas pedem aos vivos

Por sobre as campas deixem cair

Dos rosários os lenitivos

Que — Ave-Maria lhes faz sentir!

Aos Céus piedosos todos mandemos

Preces ungidas de fé bendita;

Murcham as flores... mas nós teremos

Nas flores d'alma vida infinita!

...............................................

Dobram os sinos... Quanta tristeza!

Quantas saudades, vindas do Além!...

Até parece que a Natureza

De pura mágoa chora também!

2 Novembro de 1925

NOITE DO NATAL

Vai a noite linda, semeando estrelas,

Num azul profundo, pelo firmamento;

Há mistérios santos nos fulgores delas,

Há segredos puros no rumor do vento.

Açucenas brancas, derramai perfumes...

Que luar estranho... que luar bendito!

Vagam pelos campos cintilantes lumes,

Descem pelo espaço vozes do Infinito.

Murmurantes águas ao cair na fonte

Um poema cantam d'inocência e amor;

Pelas rudes choças desde o valo ao monte,

Não s'escuta frauta de gazil pastor.

Como a noite é bela! Como a noite é fria...

Rumoreja o vento, pelas altas comas.

Há nos céus, na terra mística harmonia,

Sobe o doce incenso d'espirais d'aromas.

Ovelhinhas mansas pelo val perdidas,

Ovelhinhas mansas, não vos afasteis!

O pastor vos chama: vinde, reunidas,

No redil amigo todas dormireis.

Vai a noite em meio... que fulgor estranho!

Lá na herdade o galo, já desperto, canta;

Ovelhinhas mansas do feliz rebanho,

Há no vosso aprisco claridade tanta!...

Sobre a manjedoura, do maduro trigo

Como as secas palhas resplandecem belas!...

Que mimoso infante foi buscar abrigo

Entre as ovelhinhas, lá no poiso delas!...

Como a noite é bela! Rumoreja o vento...

Terna Mãe formosa, como a noite é fria!...

Nesse manto lindo como o firmamento

Teu filhinho envolve 'té que venha o dia.

“Glória nas Alturas! Glória a Deus Senhor!

Paz na terra aos homens de boa vontade!”

Cantam em coro os anjos pelo val em flor,

Cantam em coro os anjos pela imensidade.

Com eles cantando, pastorinhas, vamos

Ao presépio lindo — todo aroma e luz;

“Glória a Deus ri Altura, nós também cantamos,

Paz na terra aos homens que nasceu Jesus!”

Dezembro de 1926

O NATAL

A estrela mais gentil, A Estrela do Oriente

Nos vales de Belém derrama a luz fulgente:

E o berço de Jesus os raios seus aquecem

E como brácteas d'ouro as palhas resplandecem.

Adoram-no os Reis, e o divinal Jesus

Repousa num altar de flores e de luz;

E do anjo ao pastor, ao irracional,

Um culto se levanta ao Infante imortal!

“Glória nos Céus a Deus! Paz aos homens na terra!”

Eis o hino de amor que vai de serra em serra.

Di-lo o boi, a ovelha em trêmulo balido

E o galo festival no canto repetido!

Salve! — Ó Dia bendito, inolvidável Dia

Em que nasceu Jesus — o Filho de Maria!

Humilde e pobre qual humílimo pastor,

— Ele! — o Deus imortal! Ele! — o Deus Redentor!

 

AMOR E ROSAS DE SANTA TEREZINHA DO MENINO JESUS - 1929

HINO

Amor

Amor sublime

Celestial,

Teu nome exprime

Graça imortal.

Amor bendito

— Raio de luz —

Vem do Infinito

Vem de Jesus!”

Oh! Flor divina

Bênção dos Céus,

A Fé ensina

Amor de Deus!

Com verdes palmas

Hinos, fervor

Cantem as almas

De Deus o Amor!

Amor sublime

Celestial,

Teu nome exprime

Graça imortal!

CORO

Salve, ó Lírio d'eterna pureza,

Do celeste jardim meiga Flor;

Entre as virgens, tu foste, Tereza,

Escolhida de Deus pelo Amor!

Oh! Santa Terezinha

Oh! Virgem terna e pura,

Amável criatura,

Gentil, meiga avezinha!

Sê bendita, oh, fiel, terna amante!

Teu sofrer teve a palma de luz,

Teu amor teve a coroa brilhante

Do Amor do Menino Jesus!

Oh! rola do Carmelo,

Em arrulos de Amor,

Deste a Jesus Senhor

Teu coração singelo.

Teu amor diligente operava,

Teu amor generoso oferecia,

P'ra Jesus almas puras buscava,

Por Jesus almas santas fazia.

Glória ao teu Amor

Tão santo e delicado!

Glória ao teu Amor

Tão desinteressado!

HINO — ROSAS...

Rosas celestes,

Brancas, formosas,

Sois da Virtude

As puras rosas.

Rosas benditas

De rubra cor

Lembrais as Chagas

Do Puro Amor.

Na cor do ouro,

Rosas, lembrais

As vocações

Sacerdotais.

Ó róseas rosas

— Flores dos Céus —

Sois (ilegível) d'alma

Que vão-se a Deus!

De Terezinha

Rosas de luz

Rosas do Amor

Sois de Jesus.

CORO

A Eucaristia o santo afeto

O — Fonte de dons celestiais

Deu a Tereza o Amor seleto

Das vocações sacerdotais.

Esse ideal tão puro e belo,

— Almo sonhar de casto amor,

Trouxe à Virgem do Carmelo,

Para Jesus, almas em flor.

Inclinações veras, piedosas

— Graças do Céu, dons perenais

Rosas de Amor, sois preciosas

Oh, vocações sacerdotais.

Tereza santa, oh, alma pura,

Rosas de Amor deixa cair

No val' da Dor, na terra escura

Para Jesus almas florir.

Ó meiga Virgem do Carmelo

Manda dos Céus onde estás

Bênçãos de Amor, com santo zelo

Às vocações sacerdotais.

HINO — ROSAS DE AMOR

Salve imortal Amor

Qu’entre os braços da Cruz

Nasceste no fervor

Do peito de Jesus!

Tiveste sede oh, Deus!

Do puro amor das almas;

E dos martírios teus

Floriram verdes palmas...

Das rubras perlas, há de

Do sangue Teu, Senhor,

Brotar a Caridade

Sempre em Rosas de Amor!

O pranto, a dor, as mágoas

Que afligem corações

Do Teu Amor são fráguas

Que dão constelações.

Salve ó Caridade

Bênção dos Céus à Terra!

Consolação, Piedade

Que o Amor de Deus encerra!

OH, AMOR

Oh, Amor meu sublime e bendito

Que na terra deixou-nos Jesus!

— Doce raio de Sol Infinito

Que descera do alto da Cruz.

Oh, centelha imortal da Verdade,

— Luz fulgente do Amor divinal —

Nossa estrela tu és, Caridade

És das almas o guia, fanal!

— Amor — só às almas ensina

Lhes dizendo — “constantes amai-vos”

Neste Vale que a Dor só propina

Corações desse ensino lembrai-vos.

Terezinha, ó Esposa dileta,

Açucena do Altar de Jesus,

Numa nuvem de rosas, seleta,

Para o Céu nossas almas conduz!

Teu viver só — Amor — foi na Terra,

E num sonho de Amor foste ao Céu:

Nesse Amor nossas almas encerra

Terezinha, oh, bendita de Deus!

 

DIÁRIO PESSOAL [9]

Obedecendo à irresistível necessidade de expandir a minh'alma com alguém que me compreenda, "alma irmã da minha que me entenda, que sinta o meu sentir", nestes dias de lazer, propus-me a escrever um "Diário" ou Meditações que vos ofereço e dedico, por julgar-vos no caso de me compreenderdes, atento a vossa superior inteligência e alma bela, boa e carinhosa. Possam as minhas meditações diárias tocar essa vossa alma terna e sentimental, alma de artista, sonhadora do Belo.

Começarei o meu trabalho com uma invocação ao Divino Espírito Santo, composição minha e que sempre repito cheia de crença e fé, ao encetar qualquer cousa que tenha deliberado fazer. Ei-la:

Invocação ao Divino Espírito Santo:

Pomba Divina,

desce d'altura!

Luz santa e pura

qu'inspira o Bem!

Deste caminho

nas asperezas

mas incertezas

guiar-me vem!

Vem, Espírito Santo,

Graça Soberana!

Doce Luz qu'emana

da Divina Essência!

Com teu santo auxílio

tudo alcançarei;

Doce paz terei

neste ingrato exílio!

Com teu santo auxílio

tudo vencerei!

MEDITAÇÃO

DIA 1° — MEDITAÇÃO

Seja bem-vindo, e com Deus venha o novo mês de Outubro!

Como para saudar o primeiro dia desse mês, o tempo melhorou um pouco, ainda que tristonho e carregado.

Amanheceu o dia com um vislumbre de boa esperança.

Sobre as montanhas, bem visíveis hoje, de um azul cinéreo, carregado, vêem-se, aqui e acolá, pousadas brancas e espessas nuvens; dir-se-ia o véu despedaçado das prolongadas tormentas.

As pobres rosas a desfolharem-se, vergam ao peso da água que as encharca. Tudo acha-se úmido e escuro. Só o mar e o Céu conservam-se brancos, envoltos ainda no seu tempestuoso manto!

Que de angústias vai pelo meu triste coração!...

Há um mês que não assisto à santa missa. Ontem alguém aqui me disse que “não é preciso ouvir missa; que mesmo em casa pode-se rezar”.

Respondi que assistir à missa é dever do católico, e que eu, além disso, nada quero perder do que a minha boa, carinhosa e santa mãe me ensinou desde pequenina.

Em minha antiga casa, sempre, todos os domingos e dias santificados vamos ouvir a santa missa. E eu perdi a missa de hoje, tão linda, com a Bênção de S. (ilegível).

Ah! doce religião de Jesus. Que seria de mim no meu longo padecer se não possuísse o divino talismã da tua eficaz consolação!...

“Eu me lembro... eu me lembro, era pequeno...” e, ao bater d'Ave-Maria, minha doce mãe nos reunia; os filhinhos e as crianças das escravas e criadas. Fazia-nos todos sentar sobre uma esteira, na sala de jantar; e depois de nos haver dado a todos igualmente a ceia de acordo e café, mandava-nos ajoelhar e nos ensinava a rezar...

Oh! minha mãe! Eu te devo

Esta fé que tenho ri alma

Esta fé que é meu consolo.

Em minhas dores acalma!

E o dia entristece... entristece ainda, mais e mais!...

DIA 2 — MEDITAÇÃO

Ó Deus piedoso! Livra-me deste sofrer! Não tenho quietação de espírito para coordenar ideias, não posso escrever...

A causa... Deus e eu a sabemos.

Um gênio cruel, uma alma desumana, na qual não há o menor vislumbre de caridade, está junto do qual a sorte ou a vontade de Deus por tantos dias me prendeu!... Oh! não pode ser feliz quem tão perverso é!...

Faltam apenas dois dias para ausentar-me daqui: Meu Deus, eu espero só a vossa proteção; amparai-me, não abandoneis pelas dores de Vossa Mãe bendita!

O tempo continua extremamente mau, meu Deus; vós sois Onipotente e podeis tudo melhorar num momento!

DIA 3 — MEDITAÇÃO

Duas horas da tarde. Só agora posso vir escrever este “Diário” de amarguras. Graças a Deus! Desci à cidade, pois o tempo suspendeu a impertinente chuva. Porém o vento sul fortíssimo bastante me molestou.

Fui à Catedral orar... O meu coração pediu fervorosamente ao Sagrado Coração de Jesus, meu divino Amigo, a sua terna e poderosa proteção; a sua fraternal piedade para o meu triste viver. Pedi-lhe, se for possível ainda e com sua divinal vontade, me deparasse um coração terno e (ilegível) para consolar minha triste existência e paz do meu atribulado espírito, e na meiguice fraternal dos belos olhos de Jesus eu li a promessa de um santo lenitivo na terra. Minha alma agradecida então, num êxtase de Fé, concebeu uma doce esperança... a realização

algum dia da mais pura felicidade.

“L'amitié, le patriotisme, l'amour, tous les sentiments nobles sont aussi une espèce de foi... Foi céleste! Foi consolatrice! Tu fais plus que de transporter montagnes, tu soulèves les poides accablants que (ilegível) sur le coeur de l'homme!”

DIA 4 — MEDITAÇÃO

Deixei a cidade às 2 horas da tarde, trazendo no coração as puras saudades dos meus pequenos alunos.

A minh'alma terna e sentimental é alma de poeta, bem o sinto!

Necessito amar e ser amada! É esta a sede insaciada do meu afetuoso coração!

As crianças são adoráveis na sua angélica inocência, essa doce ingenuidade a ressumbrar-lhes d'alma, mesmo que elas nos repitam palavras ouvidas, cujo sentido menos moral inteiramente desconhecem. Flores há também que contêm o gérmen de ativos venenos, mas nem por isso é menos suave e delicado o seu aroma, nem menos doce o mel de suas virginais corolas.

Aqueles pequenos seres me amam tanto, tanto, ao ponto de me confundirem com suas boas mães e irmãs, dizendo-me, às vezes, distraídas, “mamãe”, ou aplicando-me algum tratamento familiar e carinhoso dado às suas irmãs mais velhas!

Ah! quanto esses ternos equívocos me comovem e consolam, assim ouvidos na suave carícia dessas meigas vozes infantis!

DIA 4 — MEDITAÇÃO

Manhã tristonha, sombria, indícios certos de chuva próxima.

A minh'alma entristece mais... Entretanto, espero e confio em Deus.

Fui à cidade, voltei com chuva miúda. Está tudo disposto para a partida amanhã, se Deus o permitir. Receio muito que o mau tempo intervenha, retardando esse esperado alívio.

Deus não me desampare.

De novo o céu parece tocar o mar e ambos estes infinitos se confundem, envoltos no sudário brando da tempestade... Quando partirei, meu Deus?

DIA 5 — MEDITAÇÃO

Eis-me instalada numa pitoresca vivenda de campo. O compartimento em que me alojaram é bem agradável. Alto, bem ventilado por duas janelas, avistando-se pela frente o mar. O mar! O meu soberano amigo! Amor, porque é "imagem do Infinito, retratando as feituras de Deus". Temo-o porque é poderoso e forte, só tendo acima do seu poder a Onipotência Divina. Amo-o, ainda, porque é misterioso, propenso e insondável como o meu coração incompreendido!

Vejo-me cercada das mil flores dos jardins que contornam a casa. Há rosas sem conta, fragrantes e variegadas nas cores. Há cravos rubros e cheirosos, e ainda muitas outras flores lindas e odorosas.

Os pessegueiros acham-se já carregados do apreciável fruto, que, miudinho ainda, espreita de entre suas últimas flores, como tenros botões de rosa cobertos de verde.

As pitangueiras cobertas de sua neve perfumada, atraem as abelhas que, em incessante sussurro, extraem o mel àquelas delicadas flores. As laranjeiras adornadas com as simbólicas flores do noivado, revestidas da nova folhagem, semelham risonhas noivas cheias de candura e esperança...

Ser noiva! Oh! como é belo ser noiva!...

Dar o coração puro de virgem ao homem amante e amado, ao ser inteligente e bom e delicado que vai ser o nosso fiel companheiro na alegria como nas dores; o homem que vai ser o anjo guia de nossa vida!...

O casamento é a divinal consagração do Amor, pois que foi instituído por Deus no Paraíso. Compadecido o Supremo Criador do isolamento do primeiro homem, deu-lhe a companheira para a peregrinação na terra.

O Catolicismo, elevando o matrimônio à categoria de sacramento, confirmou-lhe a origem sacrossanta e divina.

Felizes os corações que se sabem amar!

Felizes os seres unidos em Deus por esse laço bendito que teve origem no Céu!

DIA 6 — MEDITAÇÃO

Volto ao meu “Diário”.

Acho-me só no gabinete que me destinaram.

É manhã serena. As flores embalsamam o ar que sôfrega aspiro; os passarinhos cantam, amam-se e noivam por entre os raminhos verdes do laranjal em flor.

Aproxima-se a primavera, com seus encantos, suas sugestões.

Ah! a minha alma também já pressente o doce influxo; e sonho amar e ser amada desse amor doce e puro dos passarinhos e das flores.

Como essas avezinhas amantes se compreendem! O que dirão elas nos seus gorjeios? Certo, louvarão ao Criador; certo bendirão o seu recíproco afeto!

No entanto, eu que tenho uma alma sequiosa de afeições, eu que sinto poder dar felicidade pelo coração, vejo-me só, triste e lastimosa como aquele terno sabiá que ali vejo preso, qual um criminoso, sem liberdade para o Amor!...

Oh “quanto é cruel o egoísmo humano!...”

DIA 7 — MEDITAÇÃO

Acho-me hoje tristíssima... Será influência atmosférica? O dia está carregado; promete chover.

Desejo isolar-me no meu quarto, para repousar, e sonhar escrevendo. Mas, e as conveniências? Torna-se necessário que compareça onde se acha reunida a família... A família!... Alguém que nos compreenda e ame. Um só coração amante me bastaria. Um bom e terno esposo, ser que para mim reuniria o Universo!

Tenho somente uma pobre criança a quem estimo e que me tem muita afeição; porém isso não me basta.

Quero um afeto imenso, sublime, santo, inefável! - essa incomparável simpatia que une duas almas irmãs pela inteligência e pelo coração; esse amor tão espiritual e santo que eu sinto estuar-me no peito, transbordando em queixas, e lágrimas silenciosas...

Onde irei vazar o pranto do meu puro afeto?

Onde encontrará a lágrima da minh'alma a concha de um coração em que se possa converter em pérola?...

DIA 8 — MEDITAÇÃO

Alma piedosa e boa de pensador Artista; alma bela de homem superior e nobre; pensamento elevado de intelectual erudito; sentimento terno de coração carinhoso e talhado para o amor puro e santo da família; coração de homem não corrompido pelas rudes transformações da vil sociedade, pelo nefasto progredir das cousas — por que não me procuras?... Por que assim me deixas ao desamparo?...

Eu quisera o teu doce afeto para ter num puro e santo amor recíproco a harmonia do canto dos passarinhos, a doçura do mel das flores, a poesia e carinhos das rolas a arrulharem pela selva.

E, do tempo da Natureza, voariam nossas almas até Deus nas sublimes criações das nossas inteligências irmãs!

As flores juntam seus perfumes; os passarinhos casam seus gorjeios; as estrelas confundem seus brilhos; as almas humanas unem seus afetos... É o hino de gratidão do Criador do Universo!

E assim as almas irmãs sonham, amam, criam, lendo no livro da Natureza, cujas letras são flores perfumosas, cujos sinais são estrelas resplendentes.

DIA 9 — MEDITAÇÃO

Hoje pela manhã vi no jardim um pequenino beija-flor a librar-se em frente de uma mimosa violeta. Voltejava a avezinha irresoluta ante a florinha meiga. Avança recua, torna e foge! Eu mediava assim: “Que singular indecisão! Por que não há de o beija-flor quedar-se firme ante aquela florinha mimosa tão terna e tão esquecida? Se entre a ternura da sua alma de avezinha e a doce pureza daquela terna violeta há uma tão forte simpatia — que o detém?

Haverá também entre os homens alguma timidez ou indecisão assim?...

Não! O homem nobre e leal tem firmeza e confia em si; o beija-flor só é imagem dos levianos.

A violeta é a doce imagem da virgem pudica e modesta, no isolamento, sem carinhos e afetos.

DIA 10 — MEDITAÇÃO

Ah! como é triste o meu viver solitário!...

Pobre coração feito para o amor, a expansão dos ternos sentimentos!...

Entretanto, dizem que Deus criou as almas aos pares.

Por que não vem a mim a par da minha alma?...

Que afeição a distanciou de mim?...

“Pensar que a minha vida, a sós contigo, decorrera feliz, tranquila e pura; sentir que este desejo assim nutrido há de esvair-se como ao romper do sol s'esvai a sombra, é vida de martírio que enlouquece, d'ansiedade que mata!...”

Este pensamento de um terno poeta repito eu pensando na minha triste existência.

DIA 11 — MEDITAÇÃO

Hoje, triste como sempre!

Sinto um vácuo imenso no coração. Como preenchê-lo?

Ah! por que me daria Deus um tão exigente coração?

Sofro física e mais ainda moralmente. Sim, é a minh'alma a que mais padece.

Junto a mim só indiferença e frieza!

Se me queixo, zombam de mim!

Não tem alma capaz de compreender-me!

Com certeza eu os incomodo com o meu viver retraído, isolado, entre os meus livros, junto à mesinha, a escrever.

Não me compreendem, e me ficam aborrecendo!

A minh'alma é como a sensitiva que se retrai ao toque de estranha mão.

Se me dirigem palavras de esperança, de conforto, a minh'alma sorri como a sempre-viva d'ouro em meio às suas verdes folhas.

É assim a alma do poeta!

DIA 12 — MEDITAÇÃO

Quantas vezes vem-me o desejo de chorar... e os meus olhos ficam umedecidos, e minha vista velada pelas lágrimas.

Quem m'as há de enxugar?

Sou fraca e tímida como criança que precisa ser mimada e repreendida!

Dizem-me nervosa; Ah! como padecem esses infelizes nervosos!...

É tristíssimo este meu isolamento, causa de todo o meu padecer!

Esses que me rodeiam são felizes; têm gosto pela vida.

Vão aos divertimentos; não me chamam; não me convidam: para quê?...

Partem e me deixam quase só até tarde da noite.

E fico com a minha fiel servente.

Que Deus me permita sempre vê-la a meu lado!

DIA 13 — MEDITAÇÃO

A forte brisa de nordeste encrespa o mar. Sacudidas as frondes das laranjeiras, cobrem o chão das nevadas e cheirosas pétalas de suas lindas flores.

Um véu de fumo esbranquiçada cobre as montanhas distantes.

Abaixo, pela estrada, passam carregados do mesquinho produto de seus árduos trabalhos os nossos pequenos lavradores.

Tão pobres, tão simples, sem as ambições dos abastados habitantes, a sofrer e trabalhar. Estão, no entanto, mais perto de Deus.

Arrochados pelo progresso que traz consigo a impiedade dos homens, eles caminham, míseros seres alquebrados de fadiga, tristes a pagarem o seu tributo ao desumano fisco, hidra insaciável que devora a humanidade infeliz.

Pobres criaturas inofensivas que sentirão em breve as pontas dos tentáculos desse monstro infernal que se chama socialismo!

DIA 14 — MEDITAÇÃO

Fui à Cidade, voltei sob a mesma pressão de tristeza. Nada vi que me alegrasse e me desse esperanças.

Fui à Catedral orar. Orei ante o Santíssimo que é o Deus verdadeiro; pedi-lhe coragem para as lutas da vida. Orei à Virgem das Dores que se acha no altar-mor, pedi-lhe sua maternal proteção, a mim que a venero como a Mãe divinal. Orei ainda ao Sagrado Coração de Jesus, esse meu Divino Amigo, que tanto amou e sofreu, e pedi-lhe que me deparasse um coração piedoso que de mim se compadecesse e me soubesse amar, e prometi-lhe fazer a felicidade do ser bondoso que me viesse proteger na terra, pela vontade de Deus.

DIA 15 — MEDITAÇÃO

Sempre o mesmo! Sempre este viver constrangido, sem liberdade de ação. Sempre a enfrentar prevenções; sempre o enfadonho trabalho de evitar aparências que me condenassem.

Vou dispor-me a satisfazer hoje um genial pedido de pessoa que, sem o suspeitar, de há muito me é bem cara. Por ela brotou-me n'alma uma doce simpatia, devido a certa afinidade intelectual que entre nossas almas existe e que docemente nos une em espírito. Tenho de emitir minha opinião sobre uma bela composição sua; é o desenvolvimento de um tema que tem grande atualidade. Nessa interessante dissertação encontrei mil apreciáveis razões de irrefutável lógica e erudição profunda. É a exposição clara e racional do nefasto fim de uma sociedade corrompida; é o negro quadro do socialismo delineado por hábil mão de mestre.

A vista dela, confrangeu-se a minh'alma que se abrigou no manto da Fé, como amedrontada criancinha no regaço maternal.

DIA 16 — MEDITAÇÃO

De novo desci à Cidade no bonde das 11 da manhã. Neste passeio tive um inesperado encontro, que veio distrair-me da habitual tristeza. O acaso fez-me deparar com pessoa da minha íntima afeição, com quem, por momentos entretive agradável palestra.

Falei-lhe de meu triste viver solitário; falou-me do seu idêntico; e nossas almas semelhantes padecendo do mesmo sofrer, aspirando à mesma felicidade, mutuamente expandiram seus pesares, seus anelos e sonhos de paz e ventura, como dois gênios irmãos que se identificam...

Voltei trazendo n alma a doce lembrança desse grato momento, num sonhar de felicidade irrealizável, no entanto.

DIA 17 — MEDITAÇÃO

Tristíssimo dia! Chove. Acho-me só no meu gabinete.

Escrevo o meu Diário.

Ah! quão feliz seria eu se, nalgum gabinete mais confortável, rodeada de bons livros, na mesa, papel e lápis, junto a mim a alma da minh'alma, o ser inteligente e bom, que fosse o sócio na alegria e nos pesares, que fosse o meu companheiro no trabalho, o meu guia, o mestre que me ensinasse, apreciasse e corrigisse as minhas composições literárias; inteligência que, com a minha, criasse, produzisse e expressasse belas e úteis colaborações literárias e científicas... trocássemos ideais.

Mas volvo à realidade cruel do meu isolamento!...

DIA 18 — MEDITAÇÃO

Que noite de cruel insônia!

Os de casa cedo partiram para os divertimentos.

Fiquei só com a minha fiel criada.

Noite tempestuosa. A chuva e o norte fustigam as árvores que gemem dolorosamente. O mar lamenta-se, batendo às lájeas da praia.

Eu sofro pensando... pensando nas lindas rosas que o vendaval desfolha, nas minhas doces e ilusórias esperanças que o desengano atira ao abismo do nada!...

Pensando no meu ideal sonhado; ideal de moça nunca, até agora, encontrada, de quem ninguém até agora se apercebeu. E sabeis como sonhara esse ideal querido?

Era um homem inteligente e bom; ilustre e bem educado. Um homem de costumes puros, de coração terno e sentimental, caráter nobilíssimo, alma repleta das virtudes cristãs. Um ser delicado, digno, enfim, do meu amor de poetisa, desse amor que “tem por força de ser belo”!

Bastava-me ter sempre ao lado esse alguém que me compreendesse para ser inteiramente feliz!

E esse ser ideal que eu sempre amei e amo, quem sabe se o não encontrarei na vida!...

Talvez! Talvez!... porém ele de mim jamais se apercebeu!... Indiferente passa sem notar o meu padecer, sem ver e sem sentir o meu puro afeto.

Ah! como me palpita o coração! "É nervoso", dizem, talvez; pois os nervos são os órgãos das sensações, e comunicam com o cérebro e o coração!

Detém-te, terna e pura lágrima da minh'alma; volta-me ao seio, que não tens concha de coração onde te vás converter em pérola!

DIA 19 — MEDITAÇÃO

Necessito ir à Cidade, porém, ainda hoje o tempo não mo permite. Tenho passado bem indisposta, talvez influências atmosféricas. Desejo ir à Cidade para mudar-me, no fim do corrente mês. Quero reaver a minha doce liberdade de dona de casa.

Não sei como irei passar agora sem o recurso pecuniário, embora bem minguado dos meus pequenos alunos...

Mas, “Deus proverá”. Ele pode tudo remediar.

Necessitava muito deste descanso mental.

Entretanto, se, por vontade de Deus voltar à lida das aulas, irei, um pouco fisicamente fortalecida.

Não me convém demorar-me aqui além de um mês.

DIA 20 — MEDITAÇÃO

Amanheceu chovendo.

Hoje não poderei ainda descer à Cidade. Tanta necessidade que tenho disso!

Olho o mar infinito com o meu amor incompreendido. Chega à praia uma pequena embarcação. Um homem salta; vem-lhe ao encontro uma pobre mulher e duas crianças. O homem toma ao colo o pequenito, abraça-o, beija-o, e eleva-o ao ar, brincando. A outra criança brinca jogando pedrinhas às onda que, preguiçosas, se estendem na praia.

Como é feliz aquele pobre casal!... Que invejável sorte! Uma abençoada família; um esposo terno fora o meu doce sonho e encantamento!

A mulher, que se retirara para a vivenda, torna agora, e ouço o homem dizer às crianças: "Vamos almoçar!" E todos, reunidos, alegres, volvem à habitação.

Atravessa os ares um numeroso bando de aves aquáticas...

Todas têm companhias. Só eu vivo no isolamento!

DIA 21 — MEDITAÇÃO

Já escrevi minha opinião sobre a conferência literária de que já falei. E já foi tratar de enviá-la ao autor.

Que triste dia o de hoje!

O forte nordeste impede-me de ir à Cidade.

Sofro pela influência deste mau tempo; sofro muito física e moralmente.

Ah! quando estarei de volta!

Quando acharei uma pequena casa que me sirva.

Nada tenho aproveitado aqui para a saúde. Penso que, por melhor acomodados que estejamos, não se compara ao cômodo que temos em nossa casa.

Quando me permitirá Deus voltar!

Que cruel indiferença me cerca!... Nem uma palavra de afeição e conforto!

Ah! não posso viver assim! Meu Deus, permiti que amanhã eu me ache melhor e o tempo me permita sair.

DIA 22 — MEDITAÇÃO

Outro dia tristíssimo!

O Nordeste virou-se a Sul, da mesma maneira forte.

Sofro um martírio!

Estou aqui sujeita a um gênio em tudo incompatível com o meu! E a minha situação tristíssima obriga-me a sofrê-lo ainda, quem sabe, por quantos dias?...

Meu irmão é bom e humano; está doente hoje. Tenho imensa dó dele. Ele não me maltrata; talvez que se me pudesse beneficiar o fizesse de boa vontade. Mas... Tenho passado muito incomodada estes últimos dias; atribuo ao mau tempo; porém mais ainda ao estado moral que, em vez de melhorar como pensara, aqui, tem mil motivos demais para agravar-se. Quando poderei ir à Cidade procurar uma casinha, onde vá sofrer, embora, porém sofrer em liberdade, que liberdade nem para padecer eu tenho!. Deus se apiede de mim!

DIA 23 — MEDITAÇÃO

Após uma semana de contínuos sofrimentos físicos e morais, pude sair alfim. Fui ao correio; fui às casas de umas amigas e fui ainda à Catedral orar. E o Sagrado Coração de Jesus deu-me alento e esperanças. Amanhã (Domingo) com certeza não poderei ir à missa; orarei em casa.

Se pudesse ir à Adoração do Santíssimo no 1° domingo de Outubro, que satisfação teria!

Hoje voltei um pouco esperançosa de poder mudar-me em o mês vindouro.

Há uma pequena casa que me agrada e que de há muito falei ao dono; já tem um pretendente, porém eu fui a primeira. Em todo caso, se não alcançar esta, verei outra. Não me é mais possível, nem conveniente demorar-me aqui.

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Fico entre uma esperança e um receio...

Minha cara seria bem recebida? Agradaria o seu conteúdo?

Não sei! Não posso saber!

Tenho fé, o Coração de Jesus me protegerá.

DIA 24 — MEDITAÇÃO

Domingo — Tenho saudades da Cidade! Por quê?... Não sei!

Como sinto a falta da missa das 10! Orei, entretanto, em casa; porém, aqui, não há tranqüilidade para orar.

Entre flores, há vista do mar; no meio de árvores floridas dominando a atividade das laboriosas abelhas, ouvindo o melodioso canto dos passarinhos; em meio da Natureza, enfim, pareço, entretanto, estar mais longe de Deus!...

Aqui nunca se ouve falar de Deus. Ao contrário...

Só os passarinhos celebram a sua bondade e bendizem o Nome

Seu, em melodiosos hinos ao nascer do dia. Só as abelhas proclamam a sua Divina Providência naquele sussurrar contínuo que lhes acompanha o trabalho; é como o canto do lavrador agradecido que prepara a terra donde há de tirar o seu alimento.

Ah! como eu seria feliz se nestas cogitações tivesse junto a mim alguém que comigo meditasse na Onipotência, Bondade e Providência divinas!

Que encantadores hinos, que ternos e delicados poemas juntos criariam nossas almas. Que deliciosa existência!...

Que pensaria de mim, e que diria alguém que soubesse dos meus ternos pensamentos?...

DIA 25 — MEDITAÇÃO

Continua a minha tristeza...

Chove, não posso sair.

Até ontem tive uma boa esperança de alcançar uma pequena casa na cidade; porém, hoje, essa esperança está quase de todo esvaída; penso que não a alcançarei, embora tenha o proprietário todo o desejo de ma ceder.

Entretanto, não perco a fé e esperança em Deus: ele me há de socorrer e melhorar-me. Estou crente que o meu Pai do Céu se apieda de mim nos transes mais dificultosos da minha vida e depara-me o remédio, o consolo.

Como é triste a Natureza sob este véu de tempestuosas brumas! Troveja, e o nevoento andario da chuva rouba à minha vista as belas montanhas fronteiras!

Céu e mar confundem-se envoltos na mesma mortalha branca. Os ramos dos pessegueiros, videiras e outras árvores gotejam de instante a instante. As flores encharcadas choram também. Onde estão os passarinhos amantes que não ouço seus ternos gorjeios? Estes, ao menos, são felizes mesmo em meio desta tristeza.

Se eu estivesse em minha própria casa, junto de um ser amado que me compreendesse, no aconchego de um confortável gabinete onde ora vaga o meu pensamento, em conversa amena, com ele escrevendo, com o consolo de poder amá-lo e ser por ele amada... que felicidade, meu Deus!...

Não serei eu digna desta ventura tão santa a que aspira minh'alma desde a juventude:...

Ah! minha vida tem sido um eterno ansiar de esperanças.

Amor! Amor! Mas um grande amor, santo e a mais perfeito possível, o mais puro na terra!

Ah! minha idolatrada mãe! Era um amor que tivesse tomado o vácuo que me ficou no coração com a eterna perda do teu imenso afeto!

Nunca ambicionei riquezas; prescindi dos prazeres do mundo; nunca desejei aparecer na sociedade; nesta sociedade tão falsa e corrompida.

Oh! felicidade do lar, a santa sociedade da família; um esposo adorável a quem me ligasse de corpo e alma, que além do afeto conjugal houvesse entre nós o afeto espiritual, essa afinidade intelectual de duas almas irmãs.

Os bens transitórios; só pedia a Deus — saúde.

Saúde, paz e o amor dos meus sonhos, e o mundo para mim se aniquilaria, só ficando Deus e amor na Natureza!

Amar e sofrer — é viver; eu amaria e sofreria pelo ser adorável quem fosse na terra o meu anjo guia, o esposo terno e querido da minha alma de poetisa

26 — MEDITAÇÃO

Finda-se Setembro; devo voltar à Cidade.

Hoje não posso sair ainda; amanhã permita Deus que o possa!

Estive por algumas horas contente com a esperança de alcançar uma boa casinha na cidade. Mas esta boa esperança esvaiu-se como todas as minhas doces ilusões!...

É singular...

Só a inquietação persiste no meu espírito; só a tristeza demora-se no meu coração. Entretanto a minh'alma, crente em Deus, cheia de fé e de amor, cria uma existência ideal, onde vive feliz...

Oh! meu doce amor espiritual, és belo e livre como a flor que abre na solidão, crescendo entre abrolhos e perfumando o ambiente enregelado pelo frio do abandono, do isolamento!

Oh! meu doce amor espiritual, verde e risonho oásis no deserto, do meu solitário existir!

DIA 27 — MEDITAÇÃO

Pela manhã alimentei uma tênue esperança de baixar à cidade; porém, sempre ilusão! Em pouco a ventania do sul varreu-me esta doce esperança como varreu as pétalas das lindas rosas dispersas pelo chão do jardim. O céu e o mar cinzentos, lá no extremo, confundiam-se num amplexo d'angústias.

Barras de um amarelo alaranjado estendiam-se perto do horizonte, de sul a norte. Escureceu e, em breve, ouviu-se o clarim da tormenta; era a trovoada que se levantava do seu entrincheiramento de sombrias e espessas nuvens bronzeadas!

O vento enfraqueceu, que o império da tempestade o absorvia, e já a Natureza gemebunda chorava sobre as flores, como a esposa terna que lamenta a ausência do esposo adorado que a acaricia com o calor dos seus beijos. Onde estaria o sol, esposo querido que a vivifica?

Tenho o meu coração cheio de um terno sentimento...

Tenho a mente repleta de um sonho de felicidade.

Sinto a alma imersa num bem-estar, num prazer ideal que me transporta a Éden desconhecido....

Mas, o que me faz assim experimentar esse gozo espiritual? O que motiva esse sonhar venturoso?...

Quem sabe!... Quantas vezes o coração nos é pressago!

Meu bom Deus, tende piedade de mim!

DIA 28 — MEDITAÇÃO

Ainda hoje o sol não veio acariciar a chorosa Natureza.

Gotejam os ramos, e das pétalas das rosas caem, de espaço a espaço, lágrimas saudosas, como de pálpebras cansadas por longas vigílias.

As flores choram a ausência daquele sol benéfico que lhes dá as cores da vida.

A flor que não tem o calor vivificador do sol é como a virgem a quem faltam os salutares carinhos de um feliz amor.

Tornou a voltar-me uma tênue esperança de achar casa na cidade, para mudar-me. Que Deus permita a realização dessa minha consoladora expectativa.

Hoje penso, não poderei ainda sair; que enfadonhos dias tenho passado a fio...

Como viver tão cheio dos espinhos de minhas contrariedades!...

Esperemos em Deus!

DIA 29 — MEDITAÇÃO

Continua o mau tempo! Que fazer?...

Preciso tratar da minha volta para cidade, mas o tempo péssimo não me consente agir!

Tenho saudades... da minha doce liberdade, a qual só trocaria pelos laços de delicado afeto.

Morre a minha imaginação; necessito estímulo; não tenho quem me anime e aprecie; quem comigo trabalhe nos labores da inteligência, e a inteligência embala-se e a mente torna-se estéril.

Quem me há de salvar desta displicência?

Na cidade, ao menos eu podia às vezes passear; e nesses passeios algumas vezes encontrava conforto.

Amanhã finda-se o mês de Setembro; que tristes e longos dias para mim se passaram!...

Não pode a minh'alma alegrar-se enquanto a natureza chora!

Entre a alma de poeta e a alma da natureza há uma grande simpatia e afinidade.

Estou fatigada de uma noite de vigília.

Aqui, nem posso, à noite, achar repouso.

Se estivesse em minha casa, iria agora repousar um instante.

Tenho dores de cabeça e sonolência.

DIA 30 — MEDITAÇÃO

Ainda a chuva!

Quando verei no céu de azul turquesa resplandecer o criador das flores?

Nem um gorjeio de passarinho! Nem um sorriso da Natureza!...

O mar a retratar o céu coberto de cinéreo véu da tempestade.

Vem, ó sol! Vem, ó graça de Deus, vem consolar-me!

Traze-me a doce alegria das boas esperanças!

Vem ó sol, ó carinhoso amante das flores!

Dentro em poucos dias, espero voltar à cidade.

Graças, meu Deus! Graças!...


                               

[1] Falecida há pouco tempo. Era prima da poetisa.

[2] Joaquim Francisco da Costa, natural da capital de Santa Catarina, filho legítimo do sargento-mor Tomás Francisco da Costa e de d. Mariana Jacinta da Vitória, nascido aos vinte e dois dias do mês de Março de 1861, às 10 horas de Sexta-feira Santa.

[3] Este poema foi publicado em Pena, Agulha e Colher (Fpólis), 28/09/1918, e, nos originais do livro, figuram outros poemas já anteriormente publicados, como “Livre” e “O velho nauta”, aqui omitidos.

[4] Como Segunda Parte de O Escolar figura uma dramatização que já havia sido composta para o centenário da Independência, em 1922 e figura em outros cadernos dos seus manuscritos inéditos.

[5] Estas saudações serão recitadas por uma jovem, vestida de branco e com faixa das cores nacionais, antes de começar a peça.

[6] Quadro vivo, no fim de cada ato.

[7] O Caderno dos originais de O Escolar acrescenta, após a peça alegórica, o “Hino Nacional Brasileiro, com a letra de Osório Duque Estrada, aqui omitido, e conclui com o soneto “Paz”. Entretanto, o outro caderno, original de 1922, inclui, após a letra do “Hino Nacional Brasileiro”, um conjunto de “Poesias patrióticas”, das quais “Salve, Brasil”, “Sete de Setembro”, “Livre!” já constam anteriormente e as demais seguem abaixo.

[8] Os originais se encontram no Arquivo da Academia Catarinense de Letras.

[9] Os originais se encontram no Arquivo da Academia Catarinense de Letras.