Fonte: Portal Catarina: Biblioteca Digital da Literatura Catarinense

LITERATURA BRASILEIRA

Textos literários em meio eletrônico

Cidade do ócio: entre sonetos e retalhos, de Ernani Rosas


Texto-fonte:

Ernani S. Rosas, Cidade do ócio: entre sonetos e retalhos, Edição e Org. de Zilma G. Nunes,

Florianópolis: Editora da Ufsc, 2008.

ÍNDICE

A alma é triste por estar sujeita

A arte a estranha flor de estantes

A lua, opala diluída

A ruína simboliza o fim de qualquer

Amor de outono ! Já no anoutecer...

Ante a vidência de um clínico

Ao Ser do Nada

Apesar da maneira mal lidada

Arcangélicas brumas se difundem

Árvore humana

Astros da noute em quadrigas de aurora

Brasil - burguês nababo, que teus filhos

Cantares

Cantares...

Caravana

Certa lenda por contar...

Disseste-me adeus um dia

"Dramatis-Alba"

Embrandecei, pedras duras

Enquanto existir treva a Lua será alma

Era uma vez dous namorados

"Espelho Antigo"

Estrelas

Eu queria saber de uma saudade

Eu sou o novo Judas, o grande Torturado!

Fátuas emanações fosforescentes

Faz da tua Dor um poema...

Glória do céu e da Terra

Há muita gente no mundo

Instinto!

Lá!

Lira doida, Lira amiga

Lúbrica!

Luz e sombra

Mais que o gelo dos montes da Suábia

Misterioso! que imponderável mundo?...

Musa macabra!

Nevoeiro psíquico!

"Noite da Paixão"

Noite de Pierrô

Nós somos frágua e Musa em corpo inerte

Noute

Numa cidade moderna

O bêbedo

O cíclico rumor das cousas misteriosas

O Dia amanheceu de um tédio aterrador

O meu Amor é um corpo de mulher

"O meu subjetivo"

Para o Oscar Rosas

Para ver teu perfil de lúbrica demente

Pés

P’ra que círculo infinito

Prelúdio de uma voz oculta: (angústia de ser frágua)

Fui gerado por rútila consciência

Prelúdio de uma voz oculta: Uma voz em súplica

Presença psíquica

Rimas: Do ocaso – o sol – pastor de lenda helena

Rimas: E quem morre de amor morre odiando

Rimas: Pelas Ave-Marias, ao lusco-fusco

Rimas: Rezam as santas escrituras

Rimas das Horas

"Rimas-do-meu-cantar"

Rimas do oceano

Rimas fátuas

Rimas psíquicas

Ritmo da Vida

Rouxinol do crepúsculo, que o dia

Ser asa... Rimas

Ser poeta, é ser criança!

Silêncio! o Luar p’las águas vai fugindo

"Soneto": Foste p’la vida meu amor de um dia

"Soneto" O Amor recorda instantes de ventura

Soneto: Perdoa-me. Não tive o mínimo intuito

Soneto: “Rimas da noute”

Sós!

Sou rimanceiro da Mágoa! Ando

Surpresa do Destino

"Tapete"

Tentação da vida

"Tentação de uma Eva"

Triste Lua que irás dentro dalgumas horas

Tu, que habitas a noute, o Universo

Último poente

Um verso lindo! é como uma flor roxa

Universo

Versos: Aldeia branca da Lua

Versos: Ser árvore, é ser Jesus, é ser adejo

Vida!

Vitrais

Cruz e Sousa

Soneto

Por Tardes frias hibernais

Quantos beijos frios, quantos?

"Coimbra" Coimbra de Albergues, com paisagem ao Luar

"Coimbra" Coimbra de albergues com paisagem ao Luar

Rimas: A alma das nossas noites

O mal anda a espreitar sua espectral viuvez

Ai! As aves e os pobres animais

Cheio da maldição de um âmbito revel!

“Convalescente”

Fui condenado um dia aos gelos da Sibéria

Ó cabelo das ninfas esparso ao vento

Ó Luz de estéril noute, que não mora

Quanto mistério há na noite?

“Soneto” Amo o que é raso, igualmente a planície

A morte do cisne

E no castelo de interfantasia

Fui à fonte apanhar água

Sonetilho

Crepúsculo

O dia

Sonhando...

Sou, como do outono , o Zéfiro que passa

“A Dança dos Sete-Véus”

Harpa eólia amorosa, que enternece...

Levou-Me a fantasia aos meus caminhos ermos

Rimas: Eucaristia do Luar nas águas

Trovas: Sete-Estrelo - Sete pedras

Vil-Mentira!

A filha de Herodias...

Auriazul

Ironia ao Verme

Meu amor!

Alma de Eleito, sentimento eleito

Rio de sangue

Soneto: Andorinha, que és alma: (eu Te bendigo!)

Os versos que te envio são os versos

“Pintor da Luz”

Oásis d’alma!

Passos da bruma...

Tudo é fumo

Recebi o teu batismo...

Alma

Do musical incenso se exaurindo

“Frauta do outono ”

O meu desejo é tudo!

“Ritmo sinuoso”

A nossa angústia

A Terra

Adejos das Horas

Arte - Noite redentora!

Arte - Noite redentora!

Augúrio

“Cântico”

“Fanal”

Há uma harmonia n’alma do horizonte

“Hora fugaz”

Intuição das cousas!

Mágoa interior

Meu Amor; teus beijos queimam

“Motivo de Arte” “Soneto”

O verde-azul das plantas metilene

Olhando a minha rua

Que desgraça minha gente

Quem concebeu a Saudade

Réquiem dos choupos

Rimas: Bendito ventre, que me deste a vida!

Rimas: Neste mundo de misérias

Rimas: Perguntas-me pia musa? Vai chorosa...

Ruínas d’alma

Salmo

Soldado do Brasil

“Soneto”: Baixam os céus em crepe mortuário

Soneto!: Retardara-me o Sonho às minhas penas

Soneto: Sou antigo pastor de algo rebanho

“Sono de Estrela”

“Versos” Brasil!

Amanheceu um dia, a tua infância

Evocação do “Inverno”...

Não asam mais as rútilas falenas

No império dos matizes...

Rimas...: Muito acima de nós há um azul transparente

Saudades de um “Pastor”

“Soneto”: Envelheci! E retardei-me à vida!

“Soneto”: Sinto o inverno bater à minha porta

Venenos

“Violões”

“Benditas”

Canção d’abril

“Caveira”

“Desciendo El Ciclo” - Versos de E. R.

Sinto uma sede infinita

Sôfrego tântalo, a Vida!

Soneto: Agoirento crepúsculo do Fado

Um céu azul a sós, somente para estrelas

“Ausência”

“Desejo de Satã”

“Musa irônica”

Naufrágio lusitano

O fenecer do estame

(Para David Thomaz)

Ventre do nada!

“Vontade oculta”

A hora regressiva

À lua, o coaxar dos sapos

“À tua indiferença?”

Amor!

Aqui, coroada'stou, nada me encanta

Arte - Noite redentora!

Sonetilho

Beleza psíquica...

“Depois de morta”

Eu?

Há dous extremos de beleza

“Maldição”

Miséria e esplendor de um “Rei”!

Musa psíquica...

“Musa psíquica”

Musa-quimera

Nas regiões do “Exílio”

Ó cinza - essência da Vida

Rimas ímpias...

Soneto: Eu sou a sombra de um pastor heleno

“Soneto”: Passou metade Luz, metade Sombra

“Soneto báquico”

“Sonho-ironia!”

“Tântalo da dor”

Ventre da vida

Versos: Relicário da “Memória”

A Estrada que trilhei nevou minh’alma

A Luz é a sombra!

“Ânforas”

Aurora espiritual

Ausência

“Cântico-dos-beijos”

Cisma o desejo

Da nuca à vértebra osculo-Te a epiderme

“Desalento”

“Desconhecido”

E a sombra o que será? simples reflexo

Fremem cítaras e langues alaúdes

Há uma causa ignorada...

Lacrimae - Carmes: Caminho-das-lágrimas

Lúbrica?

Na alfombra dos jardins há ritmos de Luz

Não despertes a vida para a dor!

“Nas Trevas” do desconhecido...

Neste poema cismático, agoniza

O Burro e o monge...

Ó fado da minha Vida

O Monge e o burro!

Olhos-verdes

Oração à enxada

Perfil de um pirata

Presença psíquica

“Presságios”

Rimas: Esperei, que viesses e não vieste

Rimas: Pelos pomares do Empíreo

Sfinge?... Homem...

Sfíngica!

Soneto: Aurora?

Soneto: Fora um dia doirado de cantigas

Soneto: Não-Te-perdoo

Soneto: Nômada!

Soneto: Num vergel que o poente anoutecia

“Soneto”: Retardara-me e a noite me vencera

“Soneto”: Todo prazer é um beijo mal roubado

“Soneto”: Vivera um longo tempo compungido

Suspeitas de um perjuro

Tântalo do amor!

Ao mal da cor para o matiz da Musa

Tercetos

As papoulas do amor debruçam-se “formosas”

Tintas esparsas...

Torre-de-marfim

Vaidade!

Ventre da vida

“Ventre da vida”

Vênus ou Safo?

Gostar!

Viagem no Letes

A falta d’oiro...

Angústia!

Argento escrínio da noute

Caricatura...

Demônio?

Domínio

Elegia da esperança

Morre-me a Esp’rança

(Espelho “Ausência de” um)

Eu quero, quando morrer

Eu tenho o êxtase de um mago!

Fluxo-refluxo eterno...

Gávea da noute

Levou-Te a doença na desesperança

“O homem e o rio”

O homem mais a sombra

Olavo Bilac: Safo e Apolo irmanados

Outono! Meu outono  de Saudades

Outono, que a alma árida desfolhas

Remir

Renúncia de uma estátua

Rimas: “Maldição”

“Rimas sentimentais” A falta doiro!

Sara-Saara...

“Serenata sentimental”

Soneto: Depois, que Tu partiste p’ra além-vida

“Soneto”!: Para compor-se um báquico soneto

Soneto: “Spleen”

Tarde a giz

Tivesse o poder divino

Trovas: Para que tanto queixume

Versos!...

Visão

No , de António Nobre

Pudesse eu destruir as vãs filosofias

“Visita da saudade”

“A caminho da noute”

Há ironia na flor, ritmo e Tristeza

“Juventude”!

“Ilusão de Luto”

Luz-do-nosso-olhar!

Rimas : Ó Sorte irônica

Rimas a uma mulher!

“Sentido panteísta”

Soneto: Causa-me espécie o enredo estrepitaste

Soneto: Cristo!

Amo-Te!

“Folha-solta”

Há um mundo de harmonias em tua tinta

“Infância Antiga” “Antiguidades”

Cair à luz do ocaso em verdes águas

Instinto de estranhezas de um Nirvana

Já sinto cair neve na minh’alma!

“Mancenilha”

Mas tu não és o nume que namoro

Moemas do equador de lânguido semblante

Ó noutes de Luar, tártaro-arcano!

Os fluidos sobem, como sobem anseios

“Rimas”: Volvo à infância por obra de Mefisto

Rosas primaveras, rosas de carne!

(Só)

Só! tem valor na vida a lira transcendente

“Soneto”: Amar – é cultivar dous sentimentos

Soneto: “Cantara a cotovia longos anos,”

“Soneto”: Chagas da Luz orvalhando a terra de amargura

Soneto: Delira a tarde e as vozes são queixumes

Soneto: Eu tenho espasmos de princesa nua

“Soneto”: Penetrar em teu mundo misterioso

Soneto: Reina o silêncio em toda rua, embora

Soneto: Reparem, vede a atávica eloquência

Tens o queixume na folha

(Trova)

“Última-quimera”

“Versos da vida e da miséria”

“A filha do Demônio”

Almas de rameiras

Alma-gaúcha!

Anda em mar alto... da síncope e delírio

“Assalto de Granada”

Caveira

“Soneto”: Irei dormir, sonhar contigo ó linda!

A lista do pungir!

Da minha Torre oiço explosões da Ira

Do teu olhar de estátua humanizada

“Fado” causa da viagem!

Fado da amargura

Fado da impiedade

“Fisionomia das árvores”

Foi a hora de um pálido poente

“Lucubro d’alma”

“Mulheres-outonais”

Musa da Europa... grave Morgadinha!

“Coimbra”

Musa profana

“No reino das trevas”

No reino das trevas de Antonio Luso

Por que punir os mártires do Amor?

Rimas: Toda de azul a singrar

A senhora Lua - toda de azul a singrar!

“Soneto”: Ai! Quem nunca subiu à torre aguda

“Soneto”: (Ao Pedro Santos)

“Soneto”: Corri países... Só encontrara Lama!

Soneto: Esboço em cinza esfumo-céu de infusa

Soneto: Há almas, que possuem uma invisível chaga

“Soneto”: Há no Luar saudades arcangélicas

“Soneto” Pomar do Amor!

Soneto: Sono, de quem sonhando se abalança

“Soneto”: Tudo acabou! Os meus são todos mortos

“Soneto”: Vaporosa visão das altas horas

(Trovas?): (Farpas de um troveiro)

“Tua missiva”

Um filósofo

Veio de masc’ra de veludo escuro

Verbo diáfano às montanhas

Versos: É a hora, em que cismam arcanjos

Versos: Lá, na aldeia das estrelas

Versos: Versos de Amor e de tristezas minhas

A boca, que exprime e canta

A morte

(A vida é dinamismo e movimento!)

Aos quatro cantando meu verso

As aves do quintal de casa!

Eterna — ‘Sfinge

(Hirsuto rei banal de náuseas iracundas)

Menina, em duas meninas

Ó eloquência de Deus Pã!

[O instinto e a morte]

Ó linda dos meus amores!

Ó meu cãozinho barbado

(Rimas do passado)

Soneto: A boca tem a fácil primazia

Soneto: A Dúvida levou-me a um mundo obscuro

Soneto: A hora em que te vi algo noivava!

Soneto: (À morte)

Soneto: Água pútrida e azul que se a tarde vem lavada

Soneto: Idílio agreste

“Soneto”: Não Te perdoo!

Soneto: Quando ‘stou recolhido à minha cela

Soneto: Tudo proporcionei-Te: gozo, conforto!

Soneto: Visão inviolável ossificada

Todos sofrem meu Amor

Um Triste poeta, um pária!

Vou de sonho: em pesadelo

“Coimbra”

O rubro vivo o Etna das rosas!...

P’la fúria da Dor cósmica dos mundos

Entre a posse e o Amor: sonha o desejo!

Rimas à Luz!

Senhora das Dores

Soneto: Não ser a sombra do sonambulismo

Soneto: Oh! Taça de Ambrosia... Alegoria!

“Torre-de-David”...

Veste-lhe o poente a rara pedraria

 

A alma é triste por estar sujeita

à carne, que apodrece antes do tempo

como o folhedo à chuva que rejeita

prosseguir o seu curso deletério...

E no dia em que ela for liberta,

será asa!..

Ser asa é reflorescer em pensamento!...

É ser éter e Luz que ora se arrasa,

em planícies de céus p’los quais lamento!...

Ser asa, é ser miragem...

Castelos d’oiro e luz que o vento não derriba,

e anseiam, dentre a aragem

como um nimbo aurial que o sol de outono  Liba...

E chega a irrealizar-se

misteriosamente, ilusional...

A primeira é irmã da alma

e traz à fronte a mágoa dos cativos...

ativa-lhe a saudade que a ensalma

em silenciosos astros redivivos...

anseiam em ser libertas,

sentem a mesma anímica volúpia,

auriolando a ideia, sua irmã...

 

A arte a estranha flor de estames

esquisitos. É ela e não será um anônimo que

virá oferecer o brilho da Musa e da Lira

antiga com invenções asnáticas, com

bestialógicos, em frases sem nexo e

sem coesão, um baralhado de

palavras inteiramente sem sentido.

A arte, a divina arte, que ultrapassou

mares e montanhas, que abalança alicerces

da sensibilidade e das convenções

burguesas, que violam fronteiras,

que reformou doutrinas, que esboroou

os templos do paganismo e da incredu-

lidade humana, que filiou-se à

plêiade cristã, que foi vitoriosa

em todas as contendas, reaparece

agora andrajosa e pobre, p’las ruas da

miséria a esmolar, não piedade,

mas, sim ironia e veneno

com seu sorriso sarcástico e demoníaco.

Pobre arte, que tudo possuía e

hoje nada tem a não ser meia

dúzia de paladins a seu lado para

restaurá-la em seu trono,

em seu império de beleza e

esplendor.

Vejamos o mundo das tintas,

que tragédia, que melancolia

quanta burrada e quanto errar

a esmo doido em vão por turnos,

que se dizem eleitos do

pincel da arte!

Isso, quer dizer que eles só retrograda-

ram nesse longo período, que o espírito

humano burrificou-se; há como que

um mal, uma miopia doentia

nas vistas desses gajos!

Quer dizer, que é a vitória

do energúmeno sobre o talento do inca-

paz sobre aquele que progrediu e floresceu.

 

A lua, opala diluída

na curva do firmamento,

é saudade não vivida

que morreu em pensamento!...

 

A ruína simboliza o fim de qualquer

cousa, dá a ideia de ausência de alegria e

prosperidade, ideia de saudade de alguma cousa

útil que perdemos e que não podemos mais

obter.

A ruína não deixa de nos trazer uma

ideia de Tristeza e abandono, mas que estranheza

de antepassadas civilizações extintas há milhares

de anos e que hoje jazem no pó expostas à luz das

Lendas cheias de Legendas.

O abstrato, o absorto, a noite, o nada, o

caos não deixam de impressionar, são

de uma aparência caótica, de visionária

beleza.

Simboliza os Impulsos, a Eternidade do

Nada, o Mistério, tudo que repoisa à margem

de um segredo do Outro-Mundo!

Tudo que lembra saudade, tudo que

nos fala de Além-morte, do que ultrapassou

as raias dos mistérios hoje

jaz no pó do incriado e do solúvel.

 

Amor de outono ! Já no anoutecer...

do tempo das quimeras p’la Ledice

do inverno das estrelas, na velhice

da Lua branca, junto ao alvorecer!...

 

Ante a vidência de um clínico

Cessam os males de um doente:

É como as águas do Índico

Sobre o Gulf-Stream fervente!...

 

Ao Ser do Nada

Morrer do Dia. Fluir dum êxtase

inefável, quando a cor não tem espasmos;

os montes se aveludam e o perfil das

cousas se enternece...

Surge o Nenúfar níveo e trêmulo da

Lua, flutuando no éter palustre fosforescendo

numa ardentia doiro que seduz o olhar

dando-lhe um torpor diético.

Fascinam a nuança e a palidez da tela,

torna-se de uma religiosa melancolia,

que nos transporta a mundo desconhecido.

 

Apesar da maneira mal lidada

venho redimir aqui o meu tormento...

por anseios de treva fecundada

no adejo universal do sentimento...

Eu queria viver a minha ausência

sentir-me “algo” se de cada vez

revivesse a nublosa refulgência

da volúpia do verso português...

 

Arcangélicas brumas se difundem

e transmudam-se em formas excepcionais,

pelo éter do espaço se confundem...

Para o encanto de enferma natureza,

para o luto de uns olhos ideais

em cisma misteriosa de beleza...

 

Árvore humana

Olhai! Como vos fita, ó criaturas...

num doce jeito de comunicar-se:

Ele vive; ela sofre hirta, obscura...

em sua natureza sem disfarce!

Ela sonha; ela canta; ela murmura

ao surto norte p’las ramadas frias,

ela vem da Lua às litanias

pela boca dos astros, sem ventura...

Ela chora no outono  desfolhada,

tem seus braços anseios; fatigada

queda-se triste p’lo rubim da aurora...

Desce sobre ela os crepes da penumbra

e o velado da luz rompendo a estrada

nesse esboço de tintas, que a deslumbra!

N. Iguaçu

E. Rosas

 

Astros da noute em quadrigas de aurora

deitando pela esfera nebulosa

Lume de uma áurea vaporosa

no tropel de um corcel de treva, embora!...

 

Brasil – burguês nababo, que teus filhos

farão leilão de Ti ao estrangeiro,

e tu descarrilarás dos próprios trilhos!...

(Antonio Luso)

Cantares

A rosa e o cravo se falam

por sinais de folhas brancas:

ó vento trazei-me as cartas,

daquelas almas tão francas!?

Ó Velas feitas ao largo,

Lá, sobre as ondas do Mar:

sois como as asas abertas...

dos albatrozes do Ar!...

É quando a noute resfria

que a lua – noviça loira

na face do céu, mais fria...

num nimbo burel se aloira!...

 

Cantares...

Entre o amor e a Saudade,

há a ausência de permeio:

como supera a que há de...

toda roxa em pleno seio!...

Ausência tem uma filha,

cujo batismo divino...

traz o nome de saudade,

porque lhe coube o destino!...

Quem inventou a saudade

se esquecera da partida:

Quem não morrer de ansiedade,

morrerá na despedida!...

Sobre as olivas de um parque

a lua pairava em cisma:

a noute era o escuro prisma

das ruínas de Carnaque!...

Teus olhos cor de ametista,

cor da vida da Devesa...

noivam com a minha saudade,

do teu corpo de princesa!...

Tivesse o poder divino

do faquir ou da sibila:

engastaria teus olhos,

no Ômega d’alma tranquila!...

 

Caravana

hebreus hebreus

pobres homicidas

 

Certa lenda por contar...

Vou contar-lhes uma história!

em duas quadras: de um sonho,

quando eu dormia e a memória...

andava por longe ainda!...

Falou-me do Alto da mente

Talvez a mais linda estrela

com invisível ternura

feita do céu da saudade!

numa voz cuja lonjura

beija-lhe a paz e a humildade

Ouve-me! Sou a saudade:..

toda uma diluída essência!

qualquer cousa de divino...

que vem de longe e d’ausência!...

Dizem que causo aos ausentes

graves tristezas, que Deus:

deixou por cá mais o poente...

Quando a mágoa invade os céus!...

E o fado de cada um

escrito no céu está:

sobre uma pedra de luz,

onde se lê, talvez, lá...

a Lembrança que ficou

dessa virgem, que ele amou!...

 

Disseste-me adeus um dia

no cortejo da alvorada

Em fria muito fria

a áurea da madrugada

Bufava o vento do Leste

nas suas frescas rufadas

Brilhou o folhedo agreste

na dolente revoada...

E assim te foste embora

pela paz da áurea fria

Levara-me o vento a aurora

e a minha antiga alegria

E a mágoa da minha vida

mora na cor da saudade

no olhar da violeta esquecida

numa expressão de ansiedade!

 

“Dramatis - Alba”

Do berço ao túmulo

A vida:

A vida desde que nasce

um curto espaço ilumina:

é como o sol, que na face

da terra poisa a neblina!

O Berço:

O berço pode ser flor,

pode ser colo de mãe:

deve ser o teu amor,

quando embalou-me também!

O Lar

O lar é a nossa casa,

nosso amor e nossa gente!

é também, o lume ardente

da ilusão em cinza e brasa!...

É felicidade enxertando

as rosas da nossa vida:

é simples canto cantando

em torno d’alma florida

O Amor

O amor é desejo ingente

ardor inútil que passa:

como os beijos do nascente

no íris de uma vidraça!...

A posse é tudo, que almeja

o pensamento e seduz;

concebe a vida... deseja

ter asas, voar à luz!...

 

Embrandecei pedras duras

ao passar o meu Amor!

o pisar d’aqueles pés,

dão alívio a desventuras!...

Embrandecei pedras duras,

abri os olhos ceguinhos:

com que alegria verás,

estrelas no seu caminho!...

 

Enquanto existir treva a Lua será alma

Enquanto existir noute, é minha amante a Lua

 

Era uma vez dous namorados,

que passeavam num jardim:

testemunhara esse noivado,

a Lua fria de marfim!...

 

“Espelho Antigo”

Urdira a fantasia a teia redoirada

do tempo que passou em épocas preclaras:

os festins e as paixões de um mundo que pensara

com caprichos redimir as sinas malfadadas

Tudo dorme no pó das ruínas do passado,

na lápide feral, que afoga as emoções:

o que queres, se vida é um sonho malogrado,

se o tédio apunhalou os nossos corações...

Estrelas

A nossa existência alada,

não dura mais que uma noute:

à aparição da alvorada

fugimos do rude açoute!...

 

Eu queria saber de uma saudade

da voz do rouxinol que sossegou!...

ao vir pela manhã o sol... que invade

um’alma de tristeza quando amou!...

O olhar do meu Amor é fria aurora

Azul do céu caindo em manso lago

É asa no crepúsculo... é um afago...

É um sorriso de Luz, que mal demora...

É penumbra de Luz vinda de mim

É névoa do crepúsculo incendiada

vinda de lá às horas de um jardim!...

É lua a desmaiar sobre um salgueiro

dentre a tênue frança iluminada

Sinto florir o nosso Amor primeiro.

 

Eu sou o novo Judas, o grande Torturado!

Se pudesse esquecer a traição do passado,

Beberia um tonel para afogar meu carma!...

 

Fátuas emanações fosforescentes

à flor da gleba sepulcral da mágoa

andam a acender sob os pinhais frementes

Um fogo espiritual que vem das fráguas,

dentre o denso nevoeiro que amanhece,

ante o alvoroço murmuro das águas

que adeja sobre nós, como uma prece!

E. Rosas

 

Faz da tua Dor um poema...

(Dum Desconhecido)

Fazer versos é cousa superfina

É preciso ter arte... ter talento,

Trazer à forma a Circe sibilina...1

Não podes transformar o poente em aurora

podes mudar de cor... trocar de hora...

mas não mudes o céu em firmamento!

 

Glória do céu e da Terra,

da imensidade e do mar

Alma-cheia que a saudade

Cingir d’amor o luar

Rosa mística precoce

Virgem do céu que a sonhei

vive a perdida distância

feita de assomo que a ideei

E foste o meu amparo

Eu pecador e mortal

que tinha por mãe a terra

e o olhar fixo no irreal

Que sejas sempre Bendita

quer no viver e quer no ser

quer na morte quer na vida

quer na luz que anoutecer.

Quer na sua Alma infinita

Quer na dor, quer em tristeza

Quer no entardecer da vida

Pela linha da rudeza...

 

Há muita gente no mundo

que pensa, que tem valor:

É como um pântano imundo

doirado à Luz do sol-pôr!...

Veneno, cura veneno...

me entendam como quiser:

Eu amei um olhar sereno,

Era serpe e era mulher!...

Muito tempo andei perdido,

encantado por mim mesmo!

eu sei que andava iludido

por sonhar comigo a esmo...

A fortuna dura pouco,

É ceguinha, entra e sai!

Meu Amor deixou-me louco,

Sabem Lá a quanto vai...

Sabem, quanto a f’licidade

Vale p’ra quem não a tem?

Eu amei na vida alguém

hoje morro com a saudade!

Eu, na vida amei alguém

Meu amor dos vinte anos

Deu-me muitos desenganos,

não passou de uma quimera...

traz espinho e primavera .

N. Iguaçu

E. Rosas

 

Instinto!

O relógio da Luz me ofusca a hora

de um diálogo estranho com a penumbra:

ela e o instinto meditam e algo decora

o cântico, que em tântalo deslumbra!...

 

Lá!

Fusão de matizes

de pedras preciosas

por cílios sedosos

de olheiras pisadas após vossas crises!

Matiz de matizes

de flor’s olorosas,

que em mágoa predizes

o áureo destino de linda menina

O olor, é uma sina, que voa inconsciente...

que tem vida fátua e vaga oriente!...

A flor, é uma alma oculta no olor!

Espiritualizada no cálix da flor!...

A rosa, é uma noute banal de mistério,

oculta no aroma esparso p’lo aéreo...

Fusão de matizes

de pedras preciosas

convinha em ser bela; ser lúcida e airosa...

florindo nos olhos de loira menina!...

Às Ave-Marias,

Matiz de Matizes:

Que em mágoa e queixume,

as sinas predizes!...

Às Ave-Marias,

fusão de matizes...

da gema do poente

que cai docemente

 

Lira doida, Lira amiga,

Guitarra da paixão minha!

nos teus acordes abrigas,

a cantiga da avozinha...

Da minha musa velhinha

que me embala a toda hora:

É tão boa essa amazinha...

Só me adormece com a aurora!...

Antonio Luso

Ernani Rosas

 

Lúbrica!

O lilás de tuas lúbricas olheiras,

Lembram duas violetas sensuais:

o candor de teu rosto e a cabeleira,

com cintilos fulgentes de metais...

É a lúbrica no Amor, e nos olhares...

Lembra a pantera em seus meneios, Louca!

Fulgem teus olhos aos frígidos Luares...

e há colmeias de rima em tua boca!

Ao dançar, o langor de teu semblante,

embriaga-me o ópio de um sorriso...

e naufragas na púrpura enevoante

de um oceano de sangue e pesadelo,

entre os raios da aurora, que eternizo...

a Túnica aurial de teus cabelos!...

 

Luz e Sombra

Silêncio e quietação do éter vago,

pousa infinita! p’la harmonia estranha,

Deus a espreitar a natureza e o mago

instinto e singeleza da montanha

A bíblia verde em sonho e luz delira:

É áureo o seu poema da tristeza!

beatíssima era prece doçura na Lira

que a envolve em sonho e o sonho é vã beleza!

Bíblia do Instinto – lúcida aleluia,

Hóstia será do caminheiro das Almas!

Sacrários infinitos – nebulosos,

Réquiens de Luz e prece, beatíssimas...

Almas de virgens monjas religiosas

em penitência de pesar, puríssimas!...

 

Mais que o gelo dos montes da Suábia

Subiu mais alto a Dor do Coração

 

Misterioso! que imponderável mundo?...

de sombra e de silêncio p’la saudade:

tateio na memória p’las idades,

buscando a minha aurora e redenção!..

Bendita seja a luz da Lua, quando

magoa os lírios pelas fráguas nuas

e a amargura sonâmbula da Lua

de divina frieza inanimando...

Vem do íntimo d’alma, do oriente

da centelha velar, de um fim de ocaso

p’ra afogar-se nos sonhos, lentamente...

De um sistema estelar ante a utopia

de fenômenos, efeito de algo acaso,

que não passam de mera fantasia...

 

Musa macabra!

A música macabra – a sinfonia!

Letárgica e sonâmbula da incúria,

Soa e recresce entre a melancolia

e a volúpia inclemente de Luxúria...

Sobe e se esgueira às criptas das Astúrias

Soturna e singular da Dor humana,

do ódio e do amargor dentro da espúria

sordidez ignara que ela emana

Descendo aos Caos de meu negro Pandemonium:

vai gerando espectral, o tédio e o assombro

e nesse âmbito de fel, só vejo escombros!...

E a louca harpia da lascívia horrenda...

numa ronda de Bruxos e vampiros,

Banida busca a sua antiga senda!

 

Nevoeiro psíquico!

Entre a dúvida e o Amor – Algo se estende

por motivo psíquico: a incerteza!

Se a ventura consiste em na pureza

desse espelho solar que Deus suspende

Entre o Inferno e o amor: reina um sobejo

de princípio psíquico – a Tristeza!...

Se a ventura consiste num lampejo

desse gênio solar p’la natureza...

Ou na luta dramática do Oceano,

nos amores das ondas com as areias...

nos tântalos da Vida, nos olhares...

coercivos das lânguidas sereias!...

No fluxo-refluxo das vagas

no referver dos búzios nas lacunas...

na luta ou, na insolência com que alagas

de naufrágios a vida e a nossa escuna...

No marulho soturno à noute, quando

a lua doira e sonda-o e à tona brilha

o aljôfar do Luar sobre a escumilha

errante de saudade e vai lembrando

As armas e os Barões das belas Liras

p’la revolta do Homem ao ver tudo “Isto”!....

faz-se poeta sem querer, prevendo

o sofrimento – a rude cruz devendo

arrastá-lo ao martírio que irão sagrando

Serei nessa procela a areia solta

que ora vai e ora vem só a escuma apaga...

a doce efígie de uma ondina envolta,

como Eu, saudade a errar de vaga em vaga!...

Só a dúvida povoa a nossa ideia,

como um vento noturno à noute agita...

as nuvens espectrais, que um lume ateia

a estrela errante, que a ventura fita!...

E a ideia em vão reluta p’la existência

do Gnomo, que conduz o Universo...

num poder divinal, numa ascendência...

que o espírito descrê suponho-o imerso!...

Era treva e luz de anímico mistério

lançando do alto a dúvida infecunda,

povoando de tédio informe e aéreo,

todo âmbito estelar, que nos circunda!...

......................................................

O sentido sonhando com a harmonia,

ouvido e olhar fingindo, que não veem...

“(são saudades eternas por “Magia”,

Tântalo aflito, sem saber por quê?!...)

Em rítmica toada incompreendida

reflui a nossa anímica amargura,

a marsilha d’alma, que murmura

pela fúria dos ventos retorcida!...

 

“Noite da Paixão”

Verso

Quando morreste, o sol era agoirento,

pensei na noute, que paixão traria...

cheia de assombro e de melancolia

sobre a fronte do meu pressentimento...

Brilhasse ou brilhe pouco importa a hora,

se a indif’rença do mundo é uma utopia...

se o céu está de Luto, até a aurora

tem um ar celestial de Ave-Maria!

Seu olhar ao morrer era profundo,

tinha vislumbres d’alma de Além-mundo

Que a névoa sepulcral anuviava...

A carne de Seus pés gelou de todo,

Seu sorriso cerrou de um doce modo

na graça de seu ser que se encarnava!

 

Noite de pierrô

É noite! A Lua brinda os namorados

Espocam seres e canções no célico falar!

Enquanto a comitiva de um noivado

Segue em carros de Luz dentre o Luar

É a núpcia de um pierrô enamorado

Noite pagã de um canal de estrelas

Apoteose da carne e do pecado

Num simbolismo de canções singelas

Noite reinante e clara de Ambrosia

Bêbeda a Lua erguendo a morna taça

derrama um néctar d’âmbar de agonia...

Morrer o carnal para o Poeta

o corcel do Luar, que se envidraça

por não ter seu amor compadecido!...

e Ele adormece bêbedo de mágoa

calado o violão sussurra a noute

e o pranto do soluço cabida frágua

Em gotinhas do céu como um açoute

É noite. E a Lua brinda os namorados

com seu resto de erva, macerado,

com seus lábios em célicos “dizeres”!...

Deixa a sonhar as flores e o jardim

o meu desejo por Te ver sonhando

no teu brincar com um ar de marfim!

aos peixes na piscina em seus prazeres

 

Nós somos frágua e Musa em corpo inerte:

Da lágrima saturno da Devesa,

Somos esfinges do tempo cuja idade

perdura em tardos anos de avareza

em séculos de Luz e glória que há de

sagrar as nossas vidas de beleza!

E. Rosas

 

Noute

Soneto

O homem cisma no que irá p’lo mundo

na sua rota rútila e maldita

de causa acontecida e não descrita,

obra do acaso dentre o mal fecundo

Porque tudo que marca e que floresce

É gérmen em gestação de gênio ou Musa

noute de Lua e mistério que recresce,

encarnação de essência amorfa e infusa...

Deus esconde nas sombras a verdade

da força e luz à gleba criadora...

que fecunda e floresce, sem vaidade!

Rutila ao sol a selva e o pensamento,

à noute os astros doiro e o movimento,

o dinamismo d’alma redentora!

 

Numa cidade moderna,

que os estrangeiros incensam:

há mais bocas, que blasfemam,

do que cabeças, que pensam!...

 

O bêbedo

Vi tudo bailar à roda

danço em minha bebedeira

macabra dança da moda

entre as vidas e caveiras!...

Por meu mal abro a janela,

que dá p’ro desconhecido:

vejo uma estrela a dançar

a dança vã de São Guido!...

Dançando, vou pela vida

aos tombos dentro em mim mesmo

sou um poeta – um visionário

gosto de errar a esmo!...

Eu gosto de andar alheio

às desventuras do mundo:

amo a morte o mealheiro

de mitos de Astro profundo

Na esfera da nossa vida

Que muita campa indomável

a consciência insofrida

da tu’alma inexorável

Meu amor dei-me ao desprezo

ao desdém do teu olhar:

a razão, porque não rezo...

sobre as ondas do alto mar!..

 

O cíclico rumor das cousas misteriosas

as sirtes e os parcéis do oceânico mistério

fizeram com que o fado e as noutes procelosas

desterrassem meu ser às solidões do etéreo

Tomando a direção das bandas do ocidente

das trevas e do sol eu pus a navegar

a noite ia descer e um luar intermitente

começava a esparzir a sua luz polar

Enveredando a nau de proa p’r’o sol-posto

eu pus-me a procurar a causa dos contrastes,

vi raso o sol e a noute enegreceu as hastes

das plantas dos jardins miríficos de agosto...

E agora, que vou só alto-mar e céu claro

depois da vendável dívida e da nau inimiga

perscruta do silêncio a voz que anda dispersa

em torno do que é luz ou d’algum ser preclaro

 

O Dia amanheceu de um tédio aterrador

e Deus com espanto vive, num gesto de iracundo

por ordem de Satã simbolizando a Dor,

um negro Baal-Sabat, poisado sobre o mundo!

O Hamleto simboliza a Dúvida e a

sua sombra, o drama, a eloquência que

abala as colunas e templos, que arreda

os males e as pedras do caminho...

A caveira que ele traz é o lúgubre

amuleto, simboliza uma existência,

a ideia de um crânio que se agita e que

palpita e vive na nossa inteligência;

na nossa imaginação e criação

como Lume Sagrado de qualquer

de grave e novo que possa existir

ou pairar na face da terra.

É o enigma, a pedra branca das

cogitações, que nos dá tanta ânsia

em saber, quem mora ou quem

Lá gravita!

 

O meu Amor é um corpo de mulher,

O tântalo dum lis purpurado

no roxo gangrenar do mal, sequer...

na ironia de um lábio carminado!...

 

“O meu subjetivo”

A imobilidade, o segredo dos objetos, o silêncio

dos salões vastos e escuros fazem nascer aos olhos

e aos pensamentos supersticioso saber subjetivo,

do abstrato e do irreal, dando relevo ao pó e aos

objetos minúsculos, que vivem à sombra dos astros

e dos candelabros. Assim, o sortilégio e a

superstição e a sonoridade do silêncio criam

o recanto miraculoso dos espelhos e dos

bibelôs. A imobilidade encantadora

dos lustres e a lazarenta face de um espelho

a sonhar à sombra que existe

um outro mundo, um outro “nada”

dentro dele...

E é assim tudo, que para além do

que é concreto e real, o que vive

no nosso subinconsciente como um

aranhol de tecidos tressuos, diáfanos

e lindos que à luz do sol nos prende

a atenção pela finura e

delicadeza de seu tecido e quantos

aranhóis não terá a nossa alma e

o nosso espírito, quando andamos

à lua, propensos à demência, a

concebermos o belo e o extraordinário,

o invulgar dos causos e da vida,

longe do pó e da lamaceira diária

 

Para o Oscar Rosas

Atlântida dos meus quatorze ramos,

Linda Nau, que encalhaste nestes mares,

Quanta saudade tenho dos palmares,

Onde cantam sabiás e gaturamos!

Como me exulta a tua claridade

E a asa do teu sol pestanejante

Onde já me abrigaste, tiritante,

A desalmada noite da saudade!

Marítimo jardim d’Além cismares,

A cantar e a florir, de fonte em fonte,

Recordas um rosal, sonhando aos luares...

Para os insetos, para o Sol nascente,

Quando as cínzeas gaipavas no horizonte,

Fecham um colar de asas no ocidente.

Rictus da Cruz

 

Para ver, teu perfil de lúbrica demente

que fazes mães chorar no luto como desgosto

frígida caudal de lágrimas pressentes!

Em um cismar de estrela numa mortal errante...

Faminta pelo mundo andas a ceifar as vidas

Macabra e sensual em tuas bacanais

Ó morte que és o horror das mães compadecidas

Enfeitando o caixão dos filhos virginais

És o rude coveiro, o matador do acaso...

que enlutas os casais e as rústicas choupanas

vais além a ceifar sem decreto, nem prazo...

a infância e a primavera  os rincões e toda espécie humana

Há pais, que enlutam a alma dos filhos em menino

Que anhelam correr mundo e plagas conquistar

Este pai não é mais que tirano mofino

que quer que prevaleça afeto de ser pai

Há muito, que te espero, ó lúgubre Bacante

Que anhelam correr mundo e plagas gremiar

Algo sonhou feliz, inda embora mofino

pelo fato carnal de depender do pai

Que não repartes nunca o bem, que revestiu...

alimentas o verme, a larva pela cova,

com tua avara mão que nunca repartiu...

em meu caminho, só aos raios do sol-posto,

Há muito, que Te espero, ó lúgubre bacante!

em meu horto de cisma

de lívida expressão em teu sorriso pulcro

em meu horto ao cair da tarde, a doce demente.

 

Pés

Pés de martírios, pés chagadas-dores

que o chão trilharam numa sexta-feira

sete-dores chegadas p’la canseira

do pó de estrada p’ra quem tem amores

Sete-dores de passos indecisos

que Deus plasmara na amplidão silente

Sete-chagas de sóis... rumo impreciso

de errante estrada para a dor da gente.

Pés descarnados, gélidos, feridos

pelo horror de viver ingente

Pés de Jesus em sangue e doloridos...

Chagas do Tédio p’la existência amara...

rasgando sulcos na distância sente

ferir-lhe a carne os cardais do Saara!

N. Iguaçu

E. Rosas

 

P’ra que círculo infinito

voarão todas as horas:

qual a cena de granito,

quedará a nossa aurora?

quantos ninhos, quantos anseios,

irão num só momento

que montanha elevará

a manhã ao pensamento

quanto pólen aspergia

pela areia a rainha

foi o outono  alucinado

que do amor levara a minha

Fui o vento, fomos tempo

que desfolhamos o pomar

a vaga das minhas horas

mais a cadeia ao luar

Para onde ides horas loucas

nunca serias seva da

qual o pólen da estrada

na crista da madrugada

por que, mundo secreto

inventou a hora

de agonia e de saudade,

para amplidão da aurora!

 

Prelúdio de uma voz oculta

(angústia de ser frágua)

Nós somos frágua de pungir inerte

em torno gorgoleja  água das fontes

somos penhas, ‘sfinge à luz dos séculos

por infortúnio negro da avareza!

Somos alma do tempo ante a cortina

de um espírito oculto e legendário...

(A. Luso)

 

Fui gerado por rútila consciência

pelo ventre da noute vã do ignoto

modelaram-me às mãos dessa clemência...

Dera-me um beijo o hálito remoto

de um salino sabor, do antigo mar

que o vento agita num clamor devoto

Esboçaram-me apenas, ao abandono

longo tempo deixou-me assim ‘Star

em camadas de pó, tentado ao sono!

Na incompleta expressão de penedia

em cega consciência a suplicar

a piedade dos céus, que ora irradia,

como os raios da aurora da manhã!

Então Zeus afinal compadecido

atendeu minha súplica que em vão

era baldada ao eco, e aos mais ouvidos!

passei uma existência neste olvido,

assentado entre escarpas e emoção

bebendo a dúbia luz do meu sentido...

Cresceram pinheirais, brotaram fontes,

sobre eles passou mais um verão

floriram novos fenos pelos montes...

Novos trigais eriçam à Luz do sol...

e eu sempre por florir como presença

da sua própria imagem no arrebol!

Era contínuo o choque da indif’rença

e mais espessa a névoa que envolvia

todo meu coração como sentença...

Vestido de avareza e de ironia

o gênio, que ao acaso me esboçara

não fora, tudo o quanto desejara...

Deixara de criar segunda vida

causa talvez, maior por conceber

a sua doce imagem comovida...

Que um êxtase de amor a fez viver

com imprecisa expressão de penedia

e frêmitos de orvalho a Lua fria

Na síncope de estrela que seduz

nessa ausência de Alguém que anda de leve

p’lo caminho que o espírito conduz...

Numa ausência de gelo interminável

de jornadas da vida e do destino

pela estrada de um sonho imponderável

Que desce além, às plagas de um Rabino

a um reino cuja noute é contristada

pelo raio de um brilho sibilino...

Ante a mágoa da terra extenuada...

primeira profecia, que escurece

uma face da abóbada azulada.

Primeira e dilarada flor nascida

primeira e linda fonte que anoutece

ante a etérea jornada desta vida...

Água errante das fontes que secaram

no alvoroço da névoa sinuosa

é fluido de aromas, que passaram!

Nuvem de Luz esparsa e diluída

sanguínea mancha em úmidas argilas

que à flor da gleba chega na alma e vida!

Cintila ardor de auroras em pupilas,

e cardo à flor da frágua, que é degredo

e aljôfar, já nas folhas, que cintila...

Recrudescia o mal do meu degredo

à indecisa e mística ansiedade

sob os olhos de Deus que acorda cedo!

e anoutece num pálido poente

de aflitas almas todas da saudade...

sob a graça da fronte onipotente.

Dentre laivos de lânguida bondade

de uma anhela pureza, que adoecia

dir-se-ia, que era irmã dessa Elegia!

Que frêmitos de aurora e de Sol-posto,

refletia a sua alma comovida

como uma flor às águas do desgosto...

Esqueço-me, que fora nesta vida,

nesse pungir de inverno, que não ama

o altar espiritual da nossa Ermida!

Que se ergue com flores e que se inflama

à Luz dos círios para a alma e fim

da graça beatíssima que emana

Do lírio espiritual que o olor propina

e transcende da mágoa de um jardim

que concedesse a graça de tuas sinas...

Senhor da solidão, que assim me alheias

irmã do sol-de-morte, algo sem fim!

que branda Luz dos ares tu semeias...

que se esvai pelas sirtes, de corais

pressentido o descer da Luz de doente

ao chegar às gargantas infernais

Fui gerado por rútila coerência

por um ventre de Deusa soberana

giganta em gerar que valha por vidência...

que tinha um laivo de carícia humana

de um salino sabor de antigo mar,

que vento traz p’lo éter e de algo emana...

 

Prelúdio de uma voz oculta

Uma voz em súplica:

Ângelus:

Vestido de aspereza e poesia

o gênio que o meu gesto modelara

ficou por terminar e todavia,

Quedei-me triste na paixão amara

na precisa expressão de religiosa...

se Deus me desse a esp’rança das Searas

Se alguém tornasse a pedra radiosa

se lhe desse visão, alma, alegria

emoção e piedade harmoniosa...

Tornasse em opacidade a anomalia

de algo ser infeliz, que a fez ‘star

entre a Luz do amanhã e o fim do dia...

e a noute, que ia os mundos enlutar!

Concebido esse mal que o fez pairar

Longe do alguém da Lua fugidia

para as regiões notívagas do Luar!

Crescente de uma angústia de agonia

entre fráguas, pinheiros e neblina,

onde o gênio da noute aguarda o dia

Ante a cega expressão de frágua e hialina

fonte saudosa e triste, que seduz

a ânsia de uma Lua sibilina...

 

Presença psíquica

Amor! Que vens d’além, quando os rumores

cessam da vida e de si dado a grita

e pelo azul da abóbada infinita

cruzam as asas por longes arredores

Tenho a dizer-Te que oiças dentre as flores

a harmonia da cor que à luz gravita

e ouviram a maldizer dos seus amores

pela graça do outono  que os suscita!...

Em sorrir e cantar por rubras bocas

invisíveis canções que nos apouca

a guitarra azo mal da perfeição!...

E se alguém no pensar nos toca ou fala

da voz tolhe da cromática invenção

do protesto de olor que exalça e exala!...

 

Rimas

Do ocaso – o sol – pastor de Lenda helena

da Lua a ouvir a avena supersticiosa,

que me conduz a essa mansão serena...

Seguindo sempre do alto dos espaços,

das nuvens, o rebanho, a radiosa...

no apascentar de Deus – perdidos passos!

 

Rimas

E quem morre de amor morre odiando:

Consome-se nas chamas, crepitando...

de desespero, por amor morrendo!

É apoteose louca da Volúpia

que nas ânsias do gozo semicúpia

se transforma em demônio e não mulher

Vem banhar da Luz da Lua nova

dos fluidos sensuais que assim sonha

Da Salamandra a tentação carnal

Rimas

Pelas Ave-Marias, ao lusco-fusco...

no olhar triste da Noute,

sem um só laivo errante de Tristeza

Ei-la que surge pálida e esfumada

num pedaço do céu

fingindo a madrugada,

A capra sombra rústica de Pã!...

Rimas

Rezam as santas escrituras

que a vida vem do sorriso

de duas vãs criaturas

à graça do paraíso

Viera o homem a esta vida

achava-se só: pensando,

pedira a Deus, que sonhando,

desse mais uma guarida...

A uma flor que vive no prado

Entre rebanhos sorrindo

Entre-Mal-me-quer’s de alado

Sonhar de poeta, bem-vindo!...

Pediu a Deus que lhe desse

uma doce companhia:

Que a Luz aos olhos lhe viesse,

p’la ventura desse dia!

Mas, a serpe que anda à espreita

dos sonhos e fantasias:

deu-lhe o desdém por suspeita,

em vez de paz, agonia!

 

Rimas das Horas

Chove ilusão! Um frêmito hialino

percorre todo céu e toda Lua

e morre est’alma em laivo marmorino...

Pelo seio da terra, onde tressua

a ânsia congelada do mistério

regressa em ar mortuário a luz da Lua...

A noute e o luar é um saturnal império

ritma o silêncio pelo olhar dos astros

e o amor na vida é todo um verso etéreo...

Peregrino infantil o sonho é um mastro

arvorando a bandeira de um liberto

num córrego de luz em frouxéis d’Astros!...

Entardeci... cumprindo essa sentença

ao bélico clarim, do sol, da cor!...

sou apenas de si mortal presença,

e refuljo por graça do Senhor!

 

“Rimas-do-meu-cantar”

Teu olhar apenas adoça,

como o éter a minh’alma...

Sou a dor em noute calma

à lua caiando a choça

Sou a lua de uma noute

de tristezas desiguais:

És o luar um açoute

pelas sestas dos casais!...

Sou o sol já no poente

de uma tarde de Saudades...

tu serás o luar alvente,

que alheios males invade!...

Irei bater pela noute

à porta dos campanários:

e tu irás religiosa,

beijar os doiros sacrários!

Serei um luar perdido

pela noute sobre albergues,

e tu serás, a saudade

quando em anseios Te ergues...

Serei o Luar entrando

pela porta da desgraça:

Tu serás a noute andando

em prece, cheia-de-graça!...

E. Rosas

 

Rimas do oceano

Contaram velhas lendas e ao contá-las

novamente regresso de onde vim...

o mar possui riquezas, que ao narrá-las,

recorda o Olimpo – num Ofir – jardim...

Estranha selva, dentre mil destroços,

vivem algas, pólipos e corais...

Lodões, que encobrem descarnados ossos,

entre cascos, estilhaços e metais...

Mas, ao esposar da noute sob os astros

ressumbra a lua a lânguida ipomeia

de uns amores, que pairam além dos mastros...

Amores, cuja frígida carícia

traz nos braços da vaga, que serpeia...

em esvaimento agônico: a malícia!...

 

Rimas fátuas

Muito moço Te amei, sei que eras mansa

Como as pombas à tarde quando voltam

à casa e aos beirais

e arrulando os seus ais às vezes soltam

adejos aos mortais!...

Eras moça também e Te encantaste

na penumbra oloral do meu jardim,

escondida ficaste

Mais tarde, um dia Te chegaste a mim

Eras branca, o narciso que eu sonhara,

neste humano Saara!...

Foste o arco-divino da Aliança,

o Arco-Íris do meu Sonho e Amor!

o Arco-da-Velha, de quem é criança...

a rir no meu olhar!...

Morreste. Fora-se tudo por quebranto

o nosso-Amor quebrado murmúrio

compassada lembrança do meu pranto

marulho fundo de choroso rio...

Teu ritmo compassara-se p’la saudade

Entre as ondas de um rio que perdera

a noção do seu ritmo com que há de

enervar-nos p’la dor que nos vencera!...

Quem morre, é como um rio que perdesse

Suas águas profundas em algo mar

e afundando as olheiras florescesse

Duas roxas violetas de chorar!...

 

Rimas psíquicas

Entre a dúvida e o Amor: há um labirinto,

por motivo psíquico – a incerteza,

se a ventura consiste na beleza

desse espelho solar, se a Deus não minto!

Ou na luta titânica do oceano

nos amores das ondas com as areias,

nos tântalos da vida, nos olhares

coercivos das lânguidas sereias...

No fluxo-refluxo das vagas,

no referver dos búzios da lacuna...

na luta ou na inclemência com que alagas,

em naufrágios a vida, a nossa escuna!...

No marulho soturno à noute, quando

a lua dobra e sonda-o e a tona brilha...

e o aljôfar do Luar sobre a escumilha

errante na saudade vai ritmando!

E as naus e as armas demandando às Índias,

p’la aventura do homem a ver, que “Isto”...

Não é ser-se de Deus, sem querer prevendo,

o sofrimento – a rude cruz cabendo...

transportá-la ao martírio do Imprevisto

Serei nessa procela, a areia solta,

Que ora vai e ora vem, se a escuna apaga...

a linda imagem de uma ondina envolta,

como que, saudade a correr de vaga em vaga!...

 

Ritmo da vida

Nas sombras dos jardins há ritmos de Luz...

Dum desconhecido

Tudo passou e Deus da enorme Ogiva

do mistério verá tudo findar

e então regressará à primitiva

Vida de maresia, ondina e, mar...

e a minh’alma será o descortino

eterno de uma luz frouxa no ar...

Emanação da Hora vespertina

quando tudo memora e paira estático...

terá a caveira uma expressão divina

E o olor da madressilva é eflúvio hierático...

e a sombra do meu ser é sibilina

e aquele monte tem um ar cismático

E o Ritmo dessa vida na propina

romântica dolência de linfático

cujo veneno é idêntico à morfina...

 

Rouxinol do Crepúsculo, que o dia

ficou a ouvi-lo em êxtase e mistério;

e recordando a voz da cotovia

que cantasse na paz de um cemitério...

E transcendendo na melancolia

que ia a florir a luz silenciosa

nessa expressão que d’alma florescia

fechou em roxa pálpebra nublosa...

Sonhei que se ia erguendo a lua fria...

pelas sombras da Noute que alagava

de uma ambarina e lúbrica ambrosia...

Nesse findar... que sepultara Troia

rente ao anil das horas que augurava...

um súbito mentir de falsas joias!...

 

Ser asa...  Rimas

É noute e a Lua ronda aveludada

não ouso olhá-la... há longe etérico Lume

a vida é um dia que se esvai p’la alada

nuvem d’oiro do sol, qual berço ou Nume!

A carne se arrepia e se arrefece,

crispa-se a pel’ a alma tem delírios...

torna-se cada vez mais inquieta e desce

de encontro o nosso espírito e martírio!...

 

Ser poeta, é ser criança!

É andar p’la vida a remar:

Linda alma se abalança

p’la vã ventura a cantar!...

E. Rosas

 

Silêncio! o Luar p’las águas vai fugindo,

reflete-se no mar a lua-cheia:

Paira no ar letárgica tristeza,

e todo céu ó fúlgida colmeia!...

dormindo...

 

“Soneto”

Foste p’la vida meu amor de um dia

foste p’ra nunca ao meu amor voltar:

Seja! teu fado, instantes de alegria,

Minha saudade – a noute sem luar!...

O leito em que dormiste, inda lá, está

desfeito e só! assim como deixaste...

meu coração, não mais dormiu e lá!

onde suponho estar’s, não me olvidaste?...

Seja o que deus quiser! Haja esperança

Que as estrelas aclarem a tua estrada:

que o Amor é sempre um sonho de criança...

Que Te sejam leais, iguais as flores

Que Te matizam a areia constelada

por meu pranto irmanado aos dissabores!...

 

“Soneto”

O Amor recorda instantes de ventura,

celebra ocasos de imortal beleza...

sobe uivando às estrelas em noute escura,

descendo aos labirintos da incerteza...

Enferma e tantaliza a nossa alma,

alucina e incendeia a nossa carne,

o pensamento é escuma dentre o marne

numa dúbia viagem que nos salma...

Passam trirremes d’oiro da manhã,

numa aurora de cárnea primavera

de misteriosa música pagã...

Sobe aos altos faróis pelas esferas

para descer a um báratro, louçã...

no seu cio com garras de pantera!...

 

Soneto

Perdoa-me. Não tive o mínimo intuito

de mangar-Te meu Amor, sendo tão nova...

Vais deixar-me! Partir... descer à cova,

veludoso cetim de verde fruito!...

Nunca tive intenção de macular-Te

rosa luxuriante da loucura,

formosura nivosa que a finura

de teu gesto sonhava fascinar-Te!...

Vaidosa e cega vais beirando o abismo,

não vê o vácuo que Lhe cerca e cisma

que ela leve também alguém consigo!...

Esse alguém é minh’alma arrebatada

p’la brônzea fúria de um centauro antigo,

negra nuvem do Azul p’la madrugada!...

Nova Iguaçu

E. Rosas

 

Soneto

“Rimas da noute”

Rimas da noute, versos da Tristeza,

aonde irão ter os teus e o meu Lamento?

nosso escasso suspiro e vão contento,

fecunda cor na anímica inteireza...

Pobres versos, perdidos no Universo,

difundidos em estranha natureza...

tomarão nova forma de beleza

novo perfume e cor de etéreo verso!...

Aonde irá ter assim, essa estranheza,

a linha de divina natureza

de essência que percorre a nossa carne?!...

Para onde o vento levará consigo?

todo esse estéril anseio que me ensalma...

os meus versos da noute que maldigo!...

Sós!

Sois vós Poetas, que cantais?

a vida, o Amor, o todo do Universo?

que encarnais a escultura num só verso

a grandeza e fulgor de Universais

mistérios de sortílega magia

unificados a cósmica harmonia,

à gestação das Luas e da terra

à primavera  doira que a alma encerra,

em rútilos rebentos de Alegria!...

 

Sou rimanceiro da Mágoa! Ando

Lá pelos montados à margem da ribeira,

sou moleiro da mágoa, as asas do

meu moinho lembram as de um condor.

Há nos meus versos de Infância muita

névoa e sonambulismo de juventude,

era muito novo, quando os escrevi cheios

de tropeços, porque não tinha cultura

nem desembaraço no escrever, um tanto

nebulosos e tropeços, como que vindos do

meu acordamento de menino para homem

num adejo de Infância...

Como que vindos dum mundo superior

desconhecido de mim próprio, de uma noute

de tremeluzir de estrelas dentre a névoa

do desconhecido.

 

Surpresa do Destino

O ideal é o meu naufrágio, eternamente rude...

naufrago p’la paixão do fel que nasce cúpido

aportar vitorioso à ilha que nasci!

Vi o Sol imergir no horror das sombras mudas

tingir de Sangue o mar, à hora que parti...

para as plagas d’além onde o demônio é um Judas!

Onde a alma se encerra em carne de Luz:

Onde a noite se fecha em claustro luminoso

onde arcanjos perscrutam o caos misterioso,

dos casos do Universo e a prece de Jesus!

Onde o Senhor perlustra em gôndola argentina

à aurora singular do cósmico viver...

onde os astros derramam a água cristalina

da fonte da Saudade o pranto sem querer!...

E. Rosas

 

“Tapete”

Num tapete da Pérsia

bordado a lã e a inércia

Vogam num lago azul

dous cisnes indolentes

ambos d’alma doente

há dous céus e dous lagos

eternamente infindos

e dous cisnes de sombra

a procurar-se em lindo

abismo azul da tarde à hora do poente!...

 

Tentação da vida

Átomo e Deus de uma aparente inércia,

O espírito naufraga em Luz de aurora:

Soam coros de almas, ante a solércia

do cósmico viver no alvor, que chora...

Eterna aurora triste nebulosa,

dentro do grande anelo da vida...

das almas do Universo p’la subida

Eternamente, fulva tu’alma...

Eterna como de Sonhar titânico,

da noute misteriosa e constelada

de arsênicos faróis em salmo demônico!

Viradas da vida e do Universo da Arte!

de os trair filósofos malogrados

nos gorgeios finais de uma ave a Norte!

 

 “Tentação de uma Eva”

A árvore tem a forma de uma ninfa,

de dríade a agitar-se contra a injúria

de fazê-la cativa junto à linfa

sem tocá-la poder por negra incúria

Erguem-se os verdes braços em vãos abraços...

têm anseios de Hércules os ramos:

corpo e raiz invejam os gaturamos,

têm desejos de atingir o espaço...

Há um dorso oculto de uma deusa enorme

que se agita com a ânsia de uma Eva

com a astúcia de uma áspide ensiforme,

Colorido de lítico pomar

que nos faz ver paisagens dentre a Treva

e o paraíso em seu divino olhar!...

 

Triste Lua que irás dentro d’algumas horas

desfalecer d’amor por trás dos arvoredos

e contar teus amores às águas e aos rochedos

e pejada fugir às solidões d’aurora!...

 

Tu, que habitas a noute, o Universo

os mundos celestiais, onde alguém mora...

que juízo faria da Luz da aurora

esse gênio, que vive em sonho imerso?

Último poente

Crepúsculo! Quem me dera com a tu’Alma

Eu pudesse também fundir a minha,

Alma que é asa e olor... Dor que se acalma,

Nos corações aflitos à noitinha!

Crepúsculo, efeito d’oiro a claro-escuro!...

Volúpia de penumbra nos jardins,

E como que das plantas junto ao muro

Caem lágrimas brancas de jasmins.

Caem lágrimas e há lágrimas subindo!

Pela penumbra que o arvoredo abrigas

Quando o Luar o Olhar da folha abrindo

Pranteia de Tristeza e de Saudade

E canta-lhe ao ouvido uma cantiga

Que só se canta pela Soledade!...

 

Um verso lindo! é como uma flor roxa

entre outras brancas

 

Universo

Volta o espelho desta alma para o dia

E esconde, a outra face ao luar da noite,

Verás como é brutal o brusco açoite

Da vida, sem a nossa fantasia...

A tua arte é ocultar o que és ainda,

És de lama e de luz, vestida vens,

És um lago, a esconder o lodo em linda

Floração das ninfeias, que não tens.

Dentre um véu diamantino e precioso,

Encerras tua lânguida tristeza,

Num refletir longínquo e nebuloso...

No entanto, há neste espelho um falso fundo

A miragem, de um céu, cuja beleza

Reflete, duplamente, o outro mundo

Ernani

 

Versos

Aldeia branca da Lua,

Aldeia da nostalgia!

É o luar da meia-noute,

– a minha – monotonia...

Aldeia branca da Lua

percorrida em serenada

da nossa alma saudosa,

quando do corpo afastada!...

Tenho saudades das tuas

noutes, – minhas nostalgias...

memória das tuas Luas,

vividas no céu de um dia!...

Tua presença saudosa,

brilha em minha nostalgia:

como uma noute distante,

oculta na fantasia!...

Narciso Caspio (E. Rosas)

 

Versos

Ser árvore, é ser Jesus, é ser adejo...

É ser um voo de insofridos ais!

É ser tântalo – a vida do desejo...

de abraçar Universos irreais!

Ser Pã é ser montanha, escarpa agreste...

é integralizar-se co’ a natura

é ser marne, raiz, fronde, cipreste...

queixume d’água clara em pedra escura

Ser Pã: – é amar a rútila aparência

das crenças deste mundo imaginário:

o carmíneo perfume da inocência!

A carola das rosas outonais:

que tem a Luz do sol como calvário,

e o repelão dos ventos hibernais!...

O verde e o azul das plantas-metilene

do oxigênio límpido do Ar:

o éter artesiano de Verlaine

e o absinto de um poema singular!

Golpear-se uma árvor’ é um atentado à vida

São feridas iguais à de uma Ignês:

é decepar o fio da subida

do caminho do céu, mais uma vez!

São cabelos de Deus ao sol e ao vento,

crispados pela Dor das invernias

os pinheiros da serra sem alento

atravessando os séculos e os dias

E dizem eles sorrindo

aos homens que nada veem

Nós somos Jesus ouvindo

as queixas dos que receiam

Não serem nada amanhã,

assim como nós tememos

a claridade louçã

d’aurora por que sofremos!

Nos transformam a vil treva

ao vir do sol no oriente

o açoute da Luz que leva

o áureo encanto da gente

Nós não somos lírios brancos,

perdidos na escuridão

que germinamos nos flancos

de um mundo êxul de irrisão...

De quimera e de beleza.

abstrata de algo infinito

tormento para a tristeza

da nossa vida que aflito

Encanto prediz destinos

das criaturas do mundo

sejam ser’s entes mofinos,

cometas Lá, do Além-mundo!...

Que não têm descanso e pensam

parar, sem morrer na vida

sem perder a Luz, que vençam

esses nômades, que lida

Do infortúnio Deus Levou

 

Vida!

Ó Vida! olhai aquele esfarrapado

Aquele outro infeliz cujas chagas sangrentas

Deitam sangue chorar sereno bocas sedentas

De fel e de amargura e Tédio ignorado...

O costume na vida da gente se apropria

chore em rio a ferida em gargalhadas loucas

é andrajosa a ironia o mal inflama a taça

do lábio do marajá numa eloquência fria...

O Tédio, a chaga d’alma invisível cratera

que aos poucos vai minando nosso ser de tarde

Como chama lustrar p’lo segundo das horas

Olhai! ó treva, ó cega, ó venda, p’la eloquência...

Do seu gesto de aflita e rútila vontade

de falar e escrever às negras consciências

Às chagas de Jesus! e às chagas de São Lázaro!

E a dor Luz e razão e aos homens segurados

às cegas pelo Amor... de brilho vidro d’alma

Aqueles que têm talento e não sabem escrever

Derrubam à tinta e luz ao painel embuste

Desse pintor figuras o instinto não ao poeta

Que não sabedor mina a flor da sua ideia!

 

Vitrais

À morte das Cores

Azul é transparência, Amarelo é Sol-posto,

O Branco é quietação, o Gris é ocaso... outono ...

O Lilás é um jardim de violetas, em agosto,

Sonhando os rouxinóis, rezando-me o abandono...

O Verde é oceano ao luar, rastros de caravelas,

O Fosco é o meu torpor, etérea sombra, cisma...

O áureo é crispação de uma Tarde sem velas...

Que vão ritmando, em mágoa, a hora que se abisma.

O Rubro é Salomé, feita a rubis, no poente,

Enlaçando-lhe o corpo um Ângelus de opalas...

Ó celeste audição, colorindo o ocidente!

O último vitral as cores intercala,

Na água-morta a acender a ametista dormente,

Nos diques, em que a nau da morte fez escala...

Ernani Rosas

(Rictus da Cruz)

Volúpia de contornos e aspereza

vívidas urzes por fraguedos hirtos:

Blandícias de silêncios p’la Tristeza

destas sirtes de paz, sarçais e mirtos!

Vozes veladas, veludosas vozes,

Volúpias dos violões, vozes veladas,

Vagam nos velhos vórtices velozes

Dos ventos, vivas, vãs, vulcanizadas

 

Cruz e Sousa

À hora azul da tarde,

à Luz do fim do dia:

enviarei a Deus

minha melancolia!...

A hora do poente

altar da “Ave-Maria”:

de réquiens de oiro e incenso,

Preces de Eucaristia...

É a hora em que adejam

as certas andorinhas

voai Aves do azul

gênios das ânsias minhas

Ideais mensagens tens

que vives na outra banda

mandai p’lo ar com as Luas

o fel dessa Iracunda!...

 

Soneto

Adeus, flor da boemia! Adeus ó minha amante

Eu tenho a sensação da queda em pleno abismo!

a minha vida foi, toda ela, um romantismo

presa à taça do vício e ao amor de uma bacante...

Adeus ó natureza eterna e fascinante!

Foi-se-me a vida um sonho, à luz do idealismo...

Eu sinto-me afogar no horror do paroxismo,

hoje sigo inconsciente um coração constante!...

Meus amigos, adeus! Adeus minhas tabernas!

Adeus, taça de vinho! Adeus, magos cantares...

E a guitarra a chorar nas melodias ternas,

Traz-me recordações das noutes do passado...

— Noutes que em pleno azul lascivas estelares

contavam ao meu Amor a chaga do meu fado!...

18-11-MCMIX

Ernani Rosas

 

Por Tardes frias hibernais

duma Luz pálida, e magoada:

É que meus Sonhos lembram Ais!

em triste, lívida toada!...

913

 

Quantos beijos frios, quantos?

abrasados de calor...

não poisavam em tua boca,

como abelha numa flor!...

Lindo Amor e linda boca!

Lindo estio ou primavera :

Trago a alma enlouquecida

neste ermo à tua Espera!...

Eu gosto de andar alheio

às utopias do mundo:

Porque de injúria estou cheio...

com promessas do “Outro-Mundo”?

Rio 914

E. Rosas

 

“Coimbra”

Coimbra de Albergues, com paisagem ao Luar

desmaiam a medo as tuas canções roucas...

acordam tuas fontes para amar,

Alga emoção embarga as altas bocas...

Emotiva Coimbra da saudade

Com seus freixos e choupos a rezar...

Sob os beirais à Lua p’la cidade

desce um véu de queixume a recordar!

Ao Longe, ao luar a vítrea maresia

cintila e espelha líquida e palustre

o céu vive na límpida ardentia...

De um rio cuja queixa miseranda

raiva em nossas almas por mil lustres...

os dramas amorosos da outra banda!...

Aqui deixo meu beijo de Saudade!

Rio 915

E. Rosas

 

“Coimbra”

Coimbra de albergues com paisagem ao Luar

Desmaiam a medo as tuas canções roucas

acordam tuas fontes para amar,

tua emoção embarga às altas bocas!

Amorosa Coimbra da Saudade,

com seus choupos corcundas a rezar!

sob os beirais à noite na ansiedade...

esfolham-se Quimeras pelo ar!...

Coimbra-mater da melancolia,

ao Luar trinados têm monotonia

de um lamento de queixas a passar...

Moira conventual do anoutecer...

a angústia destas horas, sem querer

É a Lira da saudade a memorar!...

Rio 915

E. Rosas

 

Rimas

A alma das nossas noites,

É uma Lua de segundos:

Mal, surge a aurora – esse açoute,

não somos sóis, neste mundo!

Rio 915

E. Rosas

 

O mal anda a espreitar sua espectral viuvez

de uma estéril planície em gelo recortada,

onde as flores fanaram e a noute é palidez...

Quando o espelho do mar pôr-se à margem dos céus

e fundi-los com amor no alvor da madrugada,

teu ser florescerá como um perdão de Deus!

Rio 917

E. Rosas

 

Ai! As aves e os pobres animais

Não podem se exprimir p’ra demonstrar

que amam, sofrem, padecem, sem falar

Seu olhar fala aos olhos dos mortais...

Instinto, inteligência e nada mais!

918 Rio

E. Rosas

 

Cheio da maldição de um âmbito revel!

Limbo, que a etérea Luz inda me traz ufano

Direi: que a mágoa tem maresia intenso fel!..

918 Rio

E. Rosas

 

“Convalescente”

Convalesço dos males da Quimera

partindo sempre de um desejo rude,

a malograda sorte da galera

que aportar com delírio nunca pude...

Do amor, nada pretendo com veemência

pela vida misérrima que arrasto!

Eu sinto o frágil coração tão gasto

às futuras e rudes penitências...

Desconheço o rigor dessa ironia

Quando o sol tomba na água a eril centelha

sem n’a apagar em fulva alegoria...

Amo a noute, amo o espelho do Universo

nunca a chaga de um Deus que se avermelha

no sangue que palpita no meu verso!...

Rio 918

E. Rosas

 

Fui condenado um dia aos gelos da Sibéria,

Às prisões celular’s dessa Rússia do Sonho...

Minha’alma aqui ficou, vogando em mágoa aérea

o corpo é que partiu em funerais suponho!

Eu sinto, que ainda sofro, embora alma em lenda,

haja chegado o azul do seu país distante,

pois onde há só fel; e a carne delirante

afoga-se à tumba no horror de fava senda

Eu sinto florescer em mim rancor senil,

Ó mundo que mataste Abel, traíste o Cristo

A mim cada vez mais vais te tornando hostil

Que todo ser esquivo à luz suponho.

Ser o cabresto que a morte ordena às gestas,

Por isso eu próprio condenei-me ao Sonho!...

1918

 

Ó cabelo das ninfas esparso ao vento,

Corpos fluidos em súplicas a medo...

sortílegas visões do meu segredo,

entrevistas à Luz do pensamento...

Ó guitarra – confidente!

dos meus ais e ingenuidade,

és a causa da saudade

do meu mal convalescente!...

918 Rio

E. Rosas

 

Ó Luz de estéril noute, que não mora

nem existe e de um seixo amanheceu:...

como a pedra atritada traz a aurora

num segundo de Luz que Deus lhe deu!...

918 Rio

 

Quanto mistério há na noute?

por entre o alto palmar..:

a Lua esboça penumbra...

na onda doiro do Luar...

Rio 918

E. Rosas

 

"Soneto"

Amo o que é raso, igualmente a planície:

— a montanha é muralha às ilusões,

não passa o homem dessa superfície

igual ao sapo, à cobra, às infecções...

Jamais, ó mundo! Entenderás o poeta

e a sua aspiração e o seu ardor...

ao seu bom coração e à sua meta,

sem interesse algum, de algo valor!

Ó mundo vil, jamais traduzirás

o que vai a florir pela su’alma,

frivolidades, anseios, não verás!

Rugido igual de mar em Litorais...

convulso e crespo Leão, que não se acalma

eterno oceano de Titãs aos Ais!

Rio 918

E. Rosas

 

A morte do cisne

Começa a minha vida a escurecer...

e o dia, que baixando nesse instante

foi no vale as colinas esconder!

Um cisne, que partira do Levante,

erguendo o voo sob o anoutecer...

deixou-se arrebatar à Luz, radiante

num sonho, que ia agora interceder,

antecipado às horas do Sol-poente

sob a forma de fumo a transcender!...

Numa grave volúpia adolescente,

num desejo infinito de criança...

como um suspiro dentre a névoa albente...

Um seio de colina ao céu avança

junto à encosta escalvada, de ametista,

onde o anseio da noute era uma esp’rança...

E o monte, um cimo d’alma impressionista...

semelhando um vulcão onde é comparsa,

um adejo de nimbo à nossa vista...

Onde o gesto de braços se disfarça.

em intérmino crepúsculo em agonia...

sobre os umbrais da noute em que ela esgarça;

Num adejo Titânico do dia

o prenúncio da morte de uma torre...

torre de névoa e sombra em que se erguia

À abóbada celeste onde percorre

o Centauro das quadrigas ardentes

em demanda ao olimpo, que não morre...

E o cisne vendo as solidões dementes

e que jamais o sonho venceria...

emparedou-se às asas inclementes

E deixou-se cair, porque morria!...

Era todo perdido o seu quebranto,

e esse fluido sortílego fugia...

Assim, é todo um ideal e o canto

que elevei a cantar em noute escura...

e o Lago, que revolvo ao Luar e o manto...

Às sombras, que eu amei à luz mais pura...

a sede, que sofri... por ser a sede...

que não pode morrer nessa loucura...

E as horas, que sonhei por ser a rede

dos sonhos, que embalei a mocidade

Quando escrevia versos à parede...

Meu Instinto entrevendo a crueldade

deixara-se arrastar pela esperança...

como o cisne se erguendo à imensidade!...

E foi-se pelo azul douda criança,

Ébria de vinho, de dulçor pressago...

que a desviara da paragem mansa!

Onde os astros dardejam brilho vago,

um sonho de distância e claridade

constelado na órbita de um lago...

A ideia, traz consigo a imensidade!

A ideia é como a ave, quando adeja...

à roda de noturna claridade...

Desalentada, trêmula, fraqueja...

caindo contra as grades do aviário:

enquanto o azul noturno pestaneja...

nas pupilas de um Mago imaginário!...

Rio 919

E. Rosas

 

E no castelo de inter-fantasia,

o candelabro d’âmbar do poente

cintilam as chispas de oiro e de ambrosia...

919 Rio

E. Rosas

 

Fui à fonte apanhar água,

encontrei uma serpente:

esmaguei-a: com que mágoa!

tem defesa, igual a gente!...

Rio 919

E. Rosas

 

Sonetilho

Safira irreal da Quimera!

— gota, que desce serena...

por um fio azul da esfera;

Lâmpada lúcida e amena,

— lágrima estéril de uma era...

ao ouvir da aurora, a avena!

Raio da hora do dia

que desce do azul do céu!

ou o azul feito harmonia,

sonha à lira um novo Orfeu...

Colar de Estrelas, o véu,

azálea da nostalgia...

melancólica alegria

Que o dia ao poente perdeu

Rio, Boca da Noute 919

E. Rosas

 

Crepúsculo

Toda existência, é ocasional regresso...

Ali, a sombra do homem é grave e austera,

recai a tarde em cisma, à noute o espera

sossega a ceifa célere dos músculos...

É efêmero o viver do caminheiro

falsa visão do sonho p’la atmosfera

na demência da enxada do coveiro

que enterra as ruínas, mais as primaveras!...

Vida e ânsia vibrando num só verso

no transporte da terra ao éter puro,

É contato genial com o Universo...

Bruxuleia a minguar em céu escuro,

porque não crê, ficando submerso...

entre o oceano e o Nirvana do futuro!...

Rio 920

E. Rosas

 

O dia:

O dia é espírito incerto

de um filósofo bizarro,

que sonha um jardim deserto

p’ra volúpia de um cigarro...

A Terra:

A Terra, é uma linda moira,

linda noiva sempre à espera

de um sol, que partiu e agoira:

não voltar sua galera...

A noute:

A noute, é velha rainha,

destronada ao desamparo:

traz ainda o manto raro,

emper’lado p’la Tardinha...

O Caixão:

Negro berço, que seguiste

para a última jornada!

O berço, não é mais Triste,

quando chega a hora esperada...

O Sepulcro:

Berço de círios e Dores,

de paz e de esquecimento:

onde irão da vida, às flores

e o meu perfil macilento?!...

Rio-928.

 

Sonhando...

Adeus! às horas d’oiro do poente,

que naufragam nas sombras coloridas

de crepúsculo lívido e doente

em Litania piedosa dos suicidas...

Sol, logo mais, quando nos céus distantes

errar a Lua pálida e ambarina,

eu irei ouvi-la no livor desfeita...

como esfolhando pétalas fragrantes,

Eu irei ouvi-la nas baladas tristes...

E sendo tarde já, creio-Te morto

em teu leito de bruma e lume extinto

excêntrico na cor, que acorda o instinto

desabrochando o lis do olhar absorto!...

Por que só tu, ó sol dás-me o saudoso

encanto do viver silencioso...

Receio as horas-mortas... o Luar de outono !

e as baladas de neve à Luz branca...

Que têm um não sei quê de outro abandono

e de langues saudades muito francas...

Receio a luz do Luar e a natureza

assim calada e espiritualmente morta,

como se olhar noturno das estrelas

a noite inteira houvesse à tua porta

desfolhado das rosas mais singelas

as pétalas gentis do seu sorriso...

Por que, o céu não é mais, que um paraíso

em penumbra de idílica utopia...

Ó sol em corpo de Íris... pedraria...

Ó mistério ambarino do sol-posto,

Algo, de sonho em gôndola perdida

que anda a sondar ao sol à maresia

que traz a Lua pelo mês de Agosto!...

É belo, recordar o que criaste!

meu brigue vesperal, que naufragaste...

Velhos canos dormem à Luz dorida

ainda calafetados a pano e a estopa

p’las mãos nervosas de quem tem na vida

necessidade de viver à popa!

Ao sol e à chuva demandando às Índias,

e às Áfricas do tédio denegridos...

Paisagem do sol-vivo p’la neblina

diluir da Cor no desmaiar da Mágoa:

como um sonho de graça peregrina

na toada de um cântico na plaga!...

7-9-929.

E. Rosas

 

Sou, como do outono  o Zéfiro que passa,

que acalenta a esperança à hora do porvir...

pelas alamedas de palmar silente

de mirra das flores no vesp’ral pungir!

931 Rio

 

“A Dança dos Sete-Véus”

Ó Bailarina, ó borboleta inquieta!

banhada de luz flava de uma tarde...

És Nume, Salomé, ágil-goleta...

Envolta em tule de âmbar que alto arde!

Ó sombra errante de um planeta morto!

Após, a bacanal saturniana...

onde, as flores têm ócio de Mar-morto

e ergue-se a Lua azul sibariana!...

Ó nume de asas sobre um mar de aroma!

falena multicor que anda a voar...

num delírio infernal de algo, Sodoma!

De luxuriante jardim da fantasia,

ao som extenuado a se embalar

às cítaras de vã melancolia!...

Rio 932

E. Rosas

 

Harpa eólia amorosa, que enternece...

Berceuse de violino apaixonada,

concepção emotiva, que se desse

à paixão em garganta extenuada!...

 

Levou-Me a fantasia aos meus caminhos ermos

A ouvir da lua amena a doce melodia

frio estava o jardim e a paisagem sombria,

alava-se ao Luar as Queixas dos enfermos...

A tarde tem sol, alguma nuvem densa,

um vento de hibernal e abominável Spleen...

fora o germe do tédio, a asa da descrença,

os lírios do sepulcro e a mágoa de um jardim!

A taça do ideal é um vinho enfeitiçado!...

fica às vezes sonhando à luz de lindo ocaso,

Quando as nuvens p’ra além, são Centauros alados...

Ao Zéfiro vesp’ral às estrelas vagueia

e faz girar no anil à luz da lua-cheia...

às regatas do Luar pelo horizonte raso!...

932 Rio

E. Rosas

Rimas

Eucaristia do Luar nas águas,

Eucaristia do Luar descendo...

colma-se de Astros numa suave Mágoa

da Lua, o manto álgido varrendo...

Que cevem de um lago todo, os nenúfares!...

Eucaristia da su’alma abrindo

no alvor da rosa de uma hóstia era

o palor de uma rosa que sorrindo

para o, quebranto de uma primavera

Que só se encontra nos jardins do Além

marchetado de rosas e de estrelas:

que da ventura sua só vislumbre tem

Linda lembrança da su’alma vem

num recado do Luar, lindo nevoeiro!

Quando brincava a sua mão de Aurora...

com fria Lua, que no azul não mora!...

Antigo Espelho de cristal, – relíquias

do sol nas tintas de Mefisto e o Ocaso,

vai dardejando num fulgente prado,

do seu amor fugindo à umbria ao Luar!

das virgens, das florestas silenciosas...

debruçando-se à ogiva, misteriosa

da sua luz sem se querer queimar...

Tristes amores, lânguidos cismares,

errante eflúvio pela minha sala:

Que é lindo espelho para os teus pesares,

lúcido lago para Nenúfares...

onde os astros são fúlgidas Opalas...

932 Rio

E. Rosas

 

Trovas

Sete-Estrelo – Sete pedras,

sete-contas de Eu-rezar!

és o trapézio de estrelas,

preso na nave do Ar!...

 

Vil-mentira!

A vida é para os cínicos, Amigos!

Eles ocultam no burel da força

a insídia do punhal; fogem do perigo...

num riso branco, que o sorriso esgarça!...

Mas, eu hei de punir a tal mentira

do ódio incontido dentre a hipocrisia

pela falsa brandura, que vestira

o farrapo andrajoso da ironia!...

Justiça, e religião grotesco mito

Negam a razão à Luz de Deus, que fito...

da noute à aurora nos amargos ritos!...

Toda minha energia se revolta

contra esta humanidade, que transita,

Pobre de piedade à rédea solta!...

932 Rio

E. Rosas

 

A filha de Herodias...

Ó Bailarina! Ó Borboleta inquieta...

banhada da luz flava do sol-pôr!

És nume, Salomé! Ágil Goleta...

Nenúfar a singrar do Lago à flor.

Ó noite estranha de um cometa absorto,

após a bacanal saturniana?...

onde, os nardos têm ócio de mar-morto

e ergue-se a Lua azul, sibariana...

Ó nívea sombra de argentina lua!

ó Lua fria no silêncio etéreo...

Sudário espectral, que além flutua!

E ergues-te errante como nuvem alpina,

no arcangelismo do teu corpo aéreo

filha da noite-irmã da minha Sina!

Rio 934

E. Rosas

 

Auriazul

Tudo passou... revendo a fase que sofrera,

venho rever da mágoa meu olvidado instante...

naquele tempo o céu era um zimbório hiante,

de brilhos e canções de uma ideal Quimera

As savanas sorriam e as areias brincavam

com o vento matinal entre verdes pinheirais

e a mocidade tinha uns laivos que chegavam

ser igual à manhã banhada nos outeiros...

Os meus galos cantavam e a alegria era bela...

as nuvens para mim eram nimbos tão leves...

e traziam no seio a bênção das estrelas...

Hoje, não tenho mais o eflúvio agreste!

tudo se evaporou, apenas dele a breve,

áurea recordação de um rebanho celeste...

934

E. Rosas

 

Ironia ao Verme

Ser asa ou luz, eis o ideal supremo,

não ficar circunscrito a esse planeta!

plasmando-se dorida a ânsia do poeta,

que fez da sorte o seu casulo extremo...

Se ele é o átomo ativo do Universo,

Se o mundo para ele, é o seu pomar...

Se ele é o herdeiro de Deus, mesmo disperso...

ele, é o seu precursor mais singular!

Que importa, ao poeta, que esse mundo vazio

queira roubar-lhe um raio de ventura...

Se a sua Vida fora-lhe um Calvário!?...

Oh! mundo vil, o teu sorrir inerme,

lembra um laivo de inércia, que não dura,

Desdém de Estrela ao rastejar do Verme!...

934 Rio

E. Rosas

 

Meu amor!

Não chores coração que o mundo não Te escuta!

Se por acaso, alguém de Ti se condoer:

É p’ra Te ouvir chorar mais perto dessa gruta

soturna, que é teu peito, amor! p’ra Te entreter...

É, p’ra Te ouvir chorar pertinho do infinito

da tu’alma, do azul, do manto argivo de astros,

das criptas de gelo e ocasos de alabastro

fria mão a palpar o teu peito maldito...

Cala-Te. Não fales mais para que blasfemais?

coração teu Lugar estará reservado

num trono, onde Jesus aguarda as loas aos Ais!

Verás resplandecer da terra à Lua, o Carma...

como um jorro de Luz em redoirado alarma

e terás por jazigo o olvido rebelado!...

Rio 9-34

E. Rosas

 

Alma de Eleito, sentimento eleito,

para abalar de lado a lado o mundo!

Cruz e Sousa

 

Rio de sangue

Arraigada raiz de imenso rio,

na firmação de mar mediterrâneo

ó forma coleante em desvairio!

ser furnas ou canal subterrâneo!...

Levas contigo a lepra das cidades

nas enxurradas lôbregas uivando,

mais os castelos d’oiro e vaidades

que o poeta vai na mente edificando...

Ao chegar ao mar as tuas águas

irão contribuir para a derrota

da minha vida prestes a adornar nas fráguas

Entre canoas, quilhas ao sol-pôr,

à superfície azul dirás à rota

ao meu sonho irreal e Navegador!...

934

E. Rosas

 

Soneto

Andorinha, que és alma: (eu Te bendigo!)

Filha do azul, nadando em pleno azul...

Quem me dera também voar contigo,

pousar à tarde no palmar do Sul...

Mensageira da linda primavera

dos cânticos e flores por Abril

se eu pudesse fugir ao mundo vil,

no entanto fiquei à tua espera...

Meu coração se engelha na agonia

pelo palor de flébil tarde fria...

passam aves... crianças a cantar...

Tu não voltaste nunca mais ao prado,

porque chegou o inverno desfolhado

sem horas d’alma, linda de Luar!...

934

R Rosas

 

Os versos que te envio são os versos,

que me pedira o teu gentil talento;

um punhado de aljôfares dispersos

rosas, que outono  desfolham com o vento!...

Galgaste a puberdade, estranho cisne

primaveril da loira fantasia

que a gente tem saudades e ciúme

e caprichos de astral melancolia

Teu coração é como a flor, que exala...

e obedece à vontade alvorescente

da carne – rosa a abrir – e o aroma embala...

És a camélia langue e redolente

que na agonia do seu cálice fala

numa audição de olor convalescente...

935

  

“Pintor da Luz”

(Alga marinha)

À mesma vasta superfície volvo,

recorte frio de charneca nua...

azul e vítreo a rebrilhar um polvo

lembra uma alga a vagar em cio à Lua...

Planície fulva, ao longe no poente

vai um brigue a passar... paisagem d’alma!

um violáceo nevoeiro enlanguescente,

recortando o perfil de verde calma...

Verde coleiro êxul de verdes vagas,

sob o róseo adejar de rósea bruma,

Que vão dormir nos areais das plagas...

Busco as tintas de luz do meu pintor...

Tinge de imaginário a errante espuma,

que a saudade deixou pela esteira da Dor!

Rio 935

Ernani Rosas

 

Oásis d’alma!

(Sois a Vida)

Tu és a fonte à beira do deserto,

Eu serei a palmeira desgrenhada...

pela fúria do vento arrebatada

às areias ardentes, onde desperto...

Depois teremos o dúlcido bosquejo

desse vergel ou âmbito anhelado...

onde arcanjos em páramo azulado

irrompem em Loas para o teu desejo...

Lampejo doiro, quando a Luz se apraza...

alando-se ao infinito da Savana

e a miragem do Azul, que em fogo abrasa:

Súbito surges no meu sonho e aclaras,

refletindo a miragem e a caravana

nesse banal espelho do Saara!

Rio 936

E. Rosas

 

Passos da bruma...

(À Lua)

Por uma tarde de Teorias

e mais suaves harmonias...

Sob o ‘Star – do Silêncio e do Incorpóreo,

Ante o Não-Ser finito dentre o éter

e os outonos de incenso...

rente o Espelho da Hora,

e, a Safira do Azul a alcantilar desejos...

das Horas, que descorara!...

Sonham em nevoeiro:

Proas, mastros, velames e galeras...

aparece esmaltado ao peregrino dia,

a dedicada amante de meus dias

a lânguida noviça...

A Lua, de mãos postas já na ogiva

ao nada e à incerteza

à luz, que aureola...

É luar, que consola...

Bendiz do poeta a mágoa que nos vem

num áureo galeão...

às plagas eternais...

Seja-lhe à toa o seu destino escuro

a caminhar ansiosa para o mal,

reina uma eterna noute em toda ela;

Segue-a uma estrela,

e os raios desse astro,

têm brilhos de alabastro

será a sua luz e a minha fé...

Se na Noute seguinte

for me bater à torre...

a ogiva clara e azul da cérula esperança

entrará pelo céu triunfal como o dia...

como uma alva rainha em seu cortejo astral!

E irá depositar as suas joias todas,

no mar ou, n’algum rio:

depois há de vestir o seu vestido branco,

e, lançá-lo ao Luar!

e pelo mar à fora

há de ir a sonhar a minha branca impura...

e depois junto a mim ó minha doce Lua!

Tu, a ideal rainha dos espaços...

eu, humilde servil dos teus êxtases, Crua!...

Oh! pedrarias reais, doiradas Teorias...

Outonos a nevar a “Torre-de-Marfim”...

e as horas, rente o anel de agônica Quimera...

desejavam compor o cofre de Agonias...

Branca Lua, que irás dentre d’algumas Horas...

desfalecer d’amor por trás dos arvoredos

e contar teus amores às águas e rochedos

e pejada fugir às solidões da aurora!...

Boca da Noute 936.

E. Rosas

 

Tudo é fumo

Tudo é fumo... e a miragem do Universo

envolve o mundo em cinza, marna e lodo

um soluço de Além anda disperso

e se difunde pelo espaço todo

Tudo é fumo e miragem d’outra vida

Éter e luz e o mundo revolvido

por uma evolução desconhecida

trarei p’r’o homem a terra prometida

Tudo é fumo de agônica quimera

Asa à vida do pólen da vitória

em som marcial se escoa pela esfera

Do – Meu – Sonhar todo luar se escoa

e na vertigem de uma tarde inglória

a minha Torre-de-Marfim se enloa!...

9-4-36

E. Rosas

 

Recebi o teu batismo...

Musa! – Virgem piedosa:..

de tristeza e misticismo

na encarnação nebulosa!...

Rio 938

E. Rosas

 

Alma

Falhei... fui hora azul a oiro fluido,

fui lúcida falena e a dardejar...

em dias de harmonia, às vezes caído

ser tirana música a ritmar.

Vivi Édens d’além, remanso fundo

de mistério de morte da Outra-vida!

o meu viver é um marulho oriundo

dos temporais da alma arrependida.

Às vezes, quando fito o firmamento

julgo ter o sentido sonolento

e tudo, atua dentre mim num ai!

O espaço a refletir a terra inteira

e nesse espelho astral, na azul esteira,

vejo a alma adejar p’lo ar, que a atrai!

939 Rio

E. Rosas

 

Do musical incenso se exaurindo

à mágica Lanterna do poente...

sobe caleidoscópico ferindo

o Íris de uma luz tricolormente...

Rio 939

E. Rosas

 

"Frauta do outono "

Frauta do outono , ó lírica cigarra!

Que cantaste o ano inteiro a fio...

que ficaste à neve, à fome, ao frio,

Alma do sol no oiro das fanfarras.

Recordas a ilusão – folha do outono ,

rendilhada, espectral asa do estio,

Que te embala a indolência de algo rio,

na lavrada gravura do seu sono.

Transparente diafragma da Ausência

do sol de Estio, dos ocasos doiro

dormitando nas roxas envolvências...

De auroras de crepúsculos de agouro,

que morrem melancólicos na olência...

da púrpura do escrínio de um tesouro!

Rio 939

E. Rosas

 

O meu desejo é tudo!

Os Mal-Me-Quer’s do tempo que ideei,

o húmus e o imo e a verde fronde em flor!

Tinham a serenidade de algo Rei,

Que eu vi na mágoa desfilar na Dor...

         

Apetece-me às vezes ser um traço

de mar em coroa para refletir,

toda grandeza desse informe abraço,

Que abrange o campo e os montes a florir...

    

Acredito no fluido sibilino

sobre os ser’s, emanado de Além-fim,

recompensa de Deus e do destino!

     

Vidas nômadas, como eu, vidas de acaso,

Que só duram o espaço de um ocaso

E se eternizam num mistério assim!

939 Rio

Ernani Rosas.

 

“Ritmo sinuoso”

Desço ao abismo infernal dos teus encantos,

desço ao oceano da treva da tu’alma...

disperso-me a sonhar com teus cabelos

e me perco embriagado em teu quebranto...

A Selva e o rio do teu sangue contam

a epopeia da carne impenitente

e povoa de sonhos, a cinzenta

fase do céu do lúcido Oriente!...

Canta a garganta ideal da Natureza

à voz de um rouxinol pela matina

emanando da aurora essa nobreza

desse eflúvio selvático à narina

Desço cada vez mais aos teus abismos

às plagas de teu corpo p’la tua alma

absorvo-me de teus tóxicos oceanos

emanados do sonho que te ensalma...

P’la beleza Titânica e silente

da oceânica e selvática, cheirando

a fluidos acres – essência que enlaivando

propina-nos o mal evanescente....

Planta psíquica, que ficaste à cesta,

— Vida cósmica, que as órbitas dilata

No entanto: o arbusto da existência flébil,

condenaste à sombra das florestas...

Na projeção dorida desta Vida

Sou uma ostra, que vivi há muitos anos

e me perdi por esta esteira azul...

Que vai, do teu olhar à via láctea,

Acompanhando a nau de nimbo e Sonho!...

Que levada p’lo vento do mistério

a litorais distantes de Interlúnio...

desvenda mundos de silêncio e arcano!...

E errante nesse meu sonambulismo

sinto e alcanço a miragem desse abismo...

em que naufrago, como um barco errante!

Vagabundo, sem rumo, sem destino!

Procuro no horizonte peregrino,

a Lua de teu ser luxuriante...

Que vem o meu caminho clarear

como um dorido incenso de Luar...

exaurido da aurora do Além-Túmulo!

Exaurido das noutes de Além-fim,

na volúpia de eternas harmonias

Que vão morrer na irial melancolia,

nas castálias de luz de teu jardim!...

Amortalhando todas as angústias,

p’ra que floresçam todas as saudades:..

esquecem-se de todas as Misérias,

no mistério silente do sepulcro...

E, como um rio de estuário hiante,

Letal e singular corre e fulgura...

Capilarmente, fulvo e radiante

pelos abismos da existência obscura

Dentre a floresta de algum pesadelo

arrastada p’lo Letes ao ideal

demanda à aurora d’oiro e ao Sete-Estrelo,

das infernais imperfeições do “Mal”!...

939

E. Rosas

 

A nossa angústia

Alma ingênua, leviana a namorar as cousas,

o ambiente da Vida à porta dos cafés...

as mulheres que passam onde o palor repousa

da beleza jovial, eram joias de plaquês.

Sob a seda e o cetim e pelerias do gelo

glacialmente fria ostenta a flor da carne:

primaveras e outonos e rosas no cabelo,

onde desliza no céu sobre gelado marne!...

E a tristeza, que trouxera à minha noute enferma,

como se fosse o canto ou frauta da cigarra,

perdidas na sirte de uma paisagem erma!....

Meu gosto a mendigar essa vaidade alheia

do olhar que traz o travo – à inditosa feia...

Que tem angústia e sofre assim, como a guitarra!

941 Rio

E. Rosas

  

A terra

O teu seio de giganta

verte cristalinas veias,

capilarmente me encanta

sonha a água ser sereia!

Rio 941

E. Rosas

 

Adejos das horas

Flori lindos jardins! Chorai alvas cascatas,

gorgolejai ó fontes, o pranto que eu chorei...

eu quero recordar as horas insensatas

de uma aérea ilusão, que eu só, arquitetei!

Chorai... correi, embora... em louca desfilada,

gotas do ar com o vento à Luz do entardecer...

e a chuva entre os perfis das árvores crispadas

desfila como um rio de púrpura a correr!

Desenham-se perfis chorosos na penumbra,

clarões do sol, que vão além tremeluzir...

e a bruma tece no ar o íris, que deslumbra!

Varridas pelo vento andam a bailar as folhas,

numa gavota d’oiro em giro de afligir,

à Luz a ensanguentar as diamantinas bolhas!

 

Arte – noite redentora!

(Legenda de Além-mar nos olhos da quimera!)

A Luz é para os astros um açoute:

Quando o sol se afoga em sombra

e a noite invade o infinito,

É um algo, o olhar assombra

num rebrilhar de oiro aflito:

É a noite redentora

propícia a cogitações:

onde há irradiações!...

para a inércia sedutora.

De estremunhados arcanjos,

que despertam à escuridão!

onde a pastora da Lua

segue os anhos da amplidão...

Rebanhos doiro que balem

a saudade de Além-mundo:

Quando algo, os ecos calem

p’lo mistério do iracundo...

É a noite feiticeira,

com seus olhos estrelados

que os espreita pela esteira

da via láctea de alados

Queixumes azuis do ar

que vão fremindo doridos

como dolentes gemidos

p’la carícia do Luar!

Cada raiz é um fio do cabelo

de Jesus, que plantava na montanha,

numa noute de Lua e pesadelo

de fria claridade, que não banha

A outra face da terra silenciosa...

onde negros demônios procuravam

subir a montanha tenebrosa,

que os apóstolos bons a separavam...

Abrindo rios, braços de oceano,

caóticos abismos infinitos:

onde findavam os seus horríveis gritos

e o fel da treva e a maldição do arcano!

Rio 941

E. Rosas

  

Arte – noite redentora!

(Legenda de Além mar nos olhos da Quimera!)

Noute!

(A Luz, é para os astros um açoute!)

A Luz é o vosso açoute astros amados,

Lírios crepusculares do sol-posto

Chagas sangrando em ritos doiro, alados...

como chagas Senhor, do meu desgosto!...

Como as chagas de Luz de um sol deposto

pelos sonhos da noute contornando,

o infinito do azul num ar composto

de mistério e bruxedo se estrelando...

Ante a fase do humor solitário,

onde vagam queixumes e tristezas,

saibro humano a sangue de calvário...

Onde fulgura a rútila realeza

De uma Tarde longínqua de incertezas,

Quando a Luz abençoa o campanário!...

Rio 941

E. Rosas

 

Augúrio

Maldito seja o vento, que trouxera

a nossa nau às plagas da aventura...

irei levado assim, p’la quimera

a um país de Utopia e noite escura...

Foi sonhando na onda pressurosa

da mentira fugaz de uma aliança...

Dormia. Era menino... a alma ansiosa

não cessava... sonhando com a esperança!

Alimentava n’alma um grande sonho...

Ser o mais poeta, que suponho

não haver outro igual nesse planeta!

Fora uma decepção... maldito agouro:

Ser gêmeo de Moema e ser asceta...

Nômade, errante para o meu desdouro!...

Rio 941

E. Rosas

 

“Cântico”

Ó Lua, cisne indolente

do Lago azul do infinito:!

por que, não desces ao poente,

desse pântano maldito?

Rio 941

E. Rosas

 

“Fanal”

Aqui! Tudo termina: Ânsias da Vida,

Sonhos – troféus, vaidades nesses vales

de lacrimosa terra, a digitalis

acre da dor se esvai esmorecida...

É um tântalo, essa ânsia apetecida!

nunca, que aflora à boca de seu cálix

a água de seus olhos, por seus males

aos lábios dessa sede ressequida!...

O romântico amor em suas crises,

desalentado pela vida afora

vai fazer jus à seiva das raízes!

Ante o “Aqui-jaz” e a placidez do fulcro

de terra aos ouropéis p’ra quem Lá-mora...

se resume nos barros do sepulcro!

941 Rio

E. Rosas

 

Há uma harmonia n’alma do horizonte,

na curva musical da Ave-Maria:

um soluço violáceo na agonia

do crepúsculo, que doira a nossa fronte...

Lume lunar da ética "Utopia",

fenomenal astral melancolia...

que sintetiza o lânguido abandono

Emanado da Lua solitária,

que traz consigo a palidez do outono

e o mistério dos sonhos, funerária...

Envolvendo-lhe o pórtico da Tarde

e o pilar de uma nuvem alvinitente,

que refulge na púrpura, que invade

todo ambiente de órgico poente...

Rio 941

E. Rosas

 

Hora fugaz

Todas as horas d’alma empalidecem,

nenhuma delas voltam aos seus casais!

feriu o espinho agudo e já fenecem...

às da Saudade para o Amor, jamais?!...

Tumulto de algo estranho e doloroso:

(Talvez! Sombra da ausência e do passado...)

de perjuros amores por lembrado

tempo ditoso de blandícia e gozo!...

Dizem: que as horas todas são iguais!

para os que amam não... há diferença,

palpitam como o orvalho nos tojais!

Para alguns vagam no fumo da descrença:

com um aro perdido errando ais ais...

em demanda das trovas do Poente!...

Rio 941

E. Rosas

 

Intuição das cousas!

(Há lágrimas nas cousas...)

É um templo a selva e o céu a sua nave!

Soam Loas... Litanias, que sonhais...

ouvir descer fluido em canto de ave,

não sendo aurora, os versos que encarnais!

Há lágrimas nas cousas, que deslizam

ocultas a chorar ao nosso olhar...

Incógnitos à Luz que a alguém divisam

de súbito no espírito a rezar!...

São choros indeléveis do sentido...

São músicas, que soam na amplidão,

e só ferem de leve o nosso ouvido!

Porque com eles vivo na soidão,

na harmônica amplitude, que haja sido...

Toda feita de azul constelação!...

Rio 941

E. Rosas

 

Mágoa interior

Não ser a sombra hamlética e secreta

de misteriosa e lânguida Tristeza,

do olhar triste do homem se a beleza

apresenta-se em mármore incompleta...

E a sombra o que será? Vago reflexo

De Deus e do Universo, a larga fronte

de objetos anônimos, sem nexo...

através de áureo espelho do horizonte.

Não ser a sombra oposta desta vida

ser a sombra da Luz que para alguém

vive oculta em si mesma e revestida

De intangível amargura, pelo alvor!

ser o adeus do Luar, lá do além-vida

aureolada do Sonho, que não vem!...

Rio 941

E. Rosas

 

Meu Amor, teus beijos queimam

como a Luz solar do amor!

Os teus seios embriagam,

como a mancenilha e a cor!...

A cor morna do poente,

Langue, rubra, aveludada:

tem a agonia inclemente

do anseio das alvoradas!...

 

“Motivo de Arte” “Soneto”

Depois de ouvir atento o que dizias

acerca de um soneto trabalhado,

que de um motivo simples, burilado

erguias uma torre em fantasia...

Duvidei do teu estro, fanfarrão!

do exagero brutal do teu sentir,

como pode o sol claro dar carvão,

e o rio conter sal, sem vir de Ofir!

Morre em tua mentira essa heresia

de mão grosseira ser a mão de ourives

a burilar diamantes, que ironia...

É o ceguinho, estéril, numa mentira!...

não pode nunca um verme tocar Lira,

Nem um burguês saber, onde ela vive...

Rio 941

E. Rosas

 

O verde-azul das plantas metilene

do oxigênio límpido do Ar!

o éter artesiano de Verlaine

e o absinto de um poema singular...

Golpear-se uma árvor’ é um atentado à vida,

São feridas iguais à de uma Ignês...

é decepar o fio da subida

do caminho do céu, mais uma vez...

São cabelos de Deus ao sol e ao vento

crispados pela Dor das invernias

os pinheiros da serra, sem alento

atravessando os séculos e os dias.

Cada raiz é um fio de cabelo

de Jesus, que plantara na montanha,

numa noite de Lua e pesadelo

de fria claridade, que não banha...

A outra face da terra silenciosa

onde negros demônios procuravam

escalar a montanha tenebrosa

Que os apóstolos bons a separavam...

Abrindo rios, braços de oceanos,

caóticos abismos infinitos:

onde findavam os seus fervorosos gritos,

o fel da treva e a maldição do arcano!

O fel da Vida, o rábido veneno,

que entorpece de tédios os meus nervos,

e faz do homem um autômato sereno,

p’los martírios cruéis, como de um servo!

De um cativo infeliz que está sujeito.

à órbita de um mundo como este,

que nos rouba a razão e o vão direito

de viver como a planta em noute agreste...

De viver como a ave encarcerada,

circunscrita à esfera da gaiola,

não ver nunca sorrir a madrugada,

ter os raios do sol como uma esmola!...

Rio 941

E. Rosas

 

Olhando a minha rua

a ouvir do vento a insânia:

o luar soa em litania...

e é minha amante a Lua!

941 Rio

E. Rosas

 

Que desgraça minha gente,

nascer no caos do Brasil...

ter por amo irreverente:

Um néscio! um torpe! um imbecil!

 

Quem concebeu a Saudade,

se olvidara das ausências!

Ausência é berço que há de,

embalar-me na demência...

Porque o Amor é fantasia

puro desejo de posse:

fica a Saudade de um dia,

o Teu seio se assim fosse?...

Quem Te criou, ó Saudade...

filha do Amor e da inocência

esqueceu-a numa herdade,

do nosso jardim da Ausência

Quem concebeu o desejo

não supôs que ele assim fosse

a causa de tantos beijos,

e de lágrimas, tão doces!...

Quem inventou a Saudade

se olvidara da partida:

Quem não morrer de saciedade,

morrerá na despedida...

941

 

Réquiem dos choupos

Ulula o vento

a harpa – Eólia

sacode as franças

é o meu lamento

Ó harpa aflita

Em pensamento:

ó Alma cega em desalento,

mais alto grita...

À vida, ao mundo

Ao Universo

 

Rimas

Bendito ventre, que me deste a vida!

bendita luz carnal que me fez homem:

acima desta há um’outra luz dorida

Luz incorpórea, que os mortais consomem...

Bendita Luz do amor, que me fez homem...

ainda mais forte a outra, em que se oculta

e fecunda a semente, a serpe e avulta

o incorpóreo poder que nos consome!...

Em vez de um ser, viesse em ave ou fonte,

de beleza de flor da mancenilha

o veneno secreto da mantilha

da neblina, que se ergue pelo monte...

E sentisse a vertigem, que entorpece:

e entorta a boca e dá delírio à alma:

e faz vibrar a lira, que enlanguesce...

como o vento em litanias, que ensalma!...

Rio 941

E. Rosas

 

Rimas

Neste mundo de misérias

de Adão e Evas jocosas

sob a seda: há deletéria

epiderme escrupulosa

Sou o andrajo do mendigo

de lenitivo e de viola:

há gênio oculto: o amigo

da malícia contra a esmola!

Vil burguês toma cautela

sem que a injustiça Te envenene

há uma serpe embora, bela

com a perfídia de Verlaine!...

Foge a avérnica ironia

andrajos de um mendigo!

é de atávica magia:

todo fel que traz consigo!

Tu és podre como tudo,

que poisa à face da terra!

és igual à serpe e ao lobo,

ao tubérculo que aterra!...

Às doces mães desboladas

por seu filhinho inocente,

que tumbou a fúria danada

do teu poder inclemente!...

Rio 941

E. Rosas

 

Rimas

Perguntas-me p’la musa? Vai chorosa...

a minha doce Musa montanhesa:

traz a mágoa às pupilas lacrimosas

e um suspiro de Virgem-portuguesa...

O veludo da Luz daquele poente

vai toldando-se doiro dentre a noite...

daquele negro olhar de Ave-doente,

convalescente de terrível açoite...

Traz do aéreo a diáfana tristeza

de uma tarde de outono  p’la agonia

do ângelus envolvente de pureza...

Tens o olhar das mulher’s da Galileia!

a expressão de piedade e poesia,

Aparição de errante Lua-cheia!...

Rio 941

E. Rosas

 

Ruínas d’alma

Eu sou a ruína do tempo no mundo,

no meio da estrada!

a cruz arruinada de aspecto jucundo...

Ruínas da alma, oh! brumas do Poente...

neblina doirada por dia dolente...

Ruínas floridas, ruínas do alado!

Eu triste e sozinho, com alma doente

por dia doirado!...

Ruínas da alma, ruínas do spleen!

um mal, que prediz um trágico fim...

Ruínas da Noute, enchendo-me a vida!

em horas da Lua, em hora dorida...

Ruínas do Sonho, sem mágoa e sem dor!

Ó sesta da Lua para o meu-Amor...

Ruínas, que dão a pálida ideia

de alguém que morreu, de cousa distante,

em Ares de Aldeia...

Ó Lua brincando com o brilho da areia,

p’la estrada adiante!...

Oh! Lua, caindo no poente em destroços...

de nuvens – sem ossos!...

de monstros vividos, há muitos Milênios

Ruínas – Lembranças, poeira de Algo!

se acaso existir!...

do Amor a saudade , na escarpa que galgo,

foi pela saudade que eu dei-me ao sentir!...

Escombros – memória da terra e dos Astros!

do mundo, tão vil...

Eu fujo de Ti, buscando o alcantil...

e Tu não me deixas, seguindo-me o rastro!...

Rio 941

E. Rosas

 

Salmo

As belas são algo de Luz transitória

de poente ou tardinha de paz merencória...

As belas têm olhos com brilhos fatais,

recorda-me a noute com tons minerais...

As feias, são tristes, iguais aos casais,

em dias de outono , com poentes letais!

Se tudo é vaidade, que importa viver,

que importa a nobreza, mais vale morrer!...

Se tudo na vida, nos é transitório,

a carne e noss’alma, qual mundo incorpóreo...

Nevrose da mente, talvez bizarria,

de uma outra existência, de astral Utopia,

Torturas da alma, torturas d’Além,

de psíquica crença, martírios também!...

Eu creio em Jesus, nos Astros da noute,

no áureo magnetismo, no elétrico açoute!...

O poeta tecendo seu sonho de feia,

Exaure a Tristeza de ideal Lua-cheia!...

O homem, que sonha e ama o Além-mundo!

dirá que esta vida é um báratro imundo...

Eu amo a lonjura do sol sem vaidade

a mágoa das horas que a distância invade...

Eu amo a mulher de máscara escura,

de olheira pisada de olhar sem ventura!...

941 Rio

E. Rosas

 

Soldado do Brasil

Herdaste a heroicidade Lusitana,

a galhardia atávica e otomana

do alfanje em fúria e um coração faleno!...

Rio 941

E. Rosas

 

“Soneto”

Baixam os céus em crepe mortuário

e a luz de infusa cor é oiro e lume...

e das moitas ascendem-se os cardumes

de tardos prantos sobre o campanário

Ergue-se o som, mais o rumor do dia;

narram longe silêncios e a tarde esmaia...

o zéfiro em bosquejo traz a fria

rajada olente de fragrante praia...

Extremas horas sonham nos espaços,

nas ogivas dos astros infinitos

as pupilas de arcanjos em seu regaço

De púrpura noturna e sibilina

ao clarão magnético da hialina

colmeia d’astros – mágicos preceitos!...

Rio 941

E. Rosas

 

Soneto!

Retardara-me o Sonho às minhas penas

Recebi teu batismo de bondade

pensei ser ave ou asa ir p’la saudade

Ter contigo a este céu de almas amenas!...

Já farto de sofrer blasfemo às vezes

penso volver às cinzas do outro mundo

também sonho trazer-me nove meses

em teu ventre materno, mais fecundo...

Que é teu ventre de gleba, ó minha amada

mãe amorosa – mártir de Tristeza...

por meus versos de Musa sublimada!

Em teu ventre de gleba, minha amante...

de todo dia e hora p’a incerteza,

dessa ventura única e importante!...

Rio 941

E. Rosas

 

Soneto

Sou antigo pastor de algo rebanho

cheio da graça humilde do Senhor!

conduzia-me ao sol, a um campo estranho

de lindas ervas de ideal verdor...

Aquecia-me ao ar da luz num banho

de sol fulgente sem sentir calor...

via no olhar simbólico dos anhos,

anoutecer a vida num sol-pôr!

Passei a mocidade nesse idílio...

doce idílio por Deus abençoado,

concedido por ele nesse exílio!

A sede mitigava a água da fonte;

de olor me alimenta e no montado

via as nuvens entrar pelo horizonte!...

Rio 941

E. Rosas

 

“Sono de Estrela”

Eu vejo um céu de Estrelas,

Aljôfar’s do Luar!

eflúvios das pupilas

do teu silente olhar!...

Que vago idioma este

que vem das violetas:

eflúvio de tua boca

de essências, as mais secretas

Eflúvio celestial

dos olhos da Tristeza

Amor emocional

que sonho não lhe pesa

Que o sonho é simples tumba

tumba de nimbo e neve,

que desce sobre a alma

como o dormir mais Leve!...

Rio 941

E. Rosas

 

“Versos”     Brasil!

Peito de brasa e sentimento ardente

perscrutador, seja planície ou selva,

na contenda minaz o mais solerte

Vencendo ou morto tem por leito a relva...

Cair ferido, cego ou baleado,

sejam três, sejam seis ou sejam onze:

a coragem é a mesma do soldado,

alma de poeta e coração de bronze!...

941 Rio

E. Rosas

 

Amanheceu um dia, a tua infância

sob a neve argentina do Luar;

efeito estranho da opalina estância,

onde a mágoa da Lua anda a chorar...

Onde, a mágoa do Além é uma velhice

— Às vésperas em coro do Universo...

que reflui na saudade de quem disse,

amar a ausência dum saudoso verso!

Amar a sombra da saudade, o plectro

de gemidos e angústia, que soluçam

no violáceo invisível de um espectro!...

Ver sombras só! Não ver raiar o dia...

à janela da noite se debruçam...

As sangrias da Luz para agonia!

Rio 942

E. Rosas

 

Evocação do “Inverno”...

Tudo passou e o Inverno se aproxima

Caem frocos de neve do arvoredo

ressona a terra e a Lua ronda acima

de nós e de cismáticos fraguedos...

Já descem névoa e sombra p’lo caminho

as estradas da alma são branquinhas

de neve e sonho pelo azul sozinhas

num revoar em torno d’algo ninho...

Já oiço cair neve nas estradas,

Já sazonara o pomo das Quimeras

a mocidade é como as primaveras,

que o pólen aloira à luz das madrugadas,

mais os Astros longínquos das esferas...

que em suas vagas órbitas soturnas

brilham sinistramente,

há janelas na alma e luar silente...

muito longe de mim lá, para o poente,

como ogivas noturnas!...

Fogem de mim os numes

e mais a virginal dolência dos perfumes...

Só tu, angelical presença de Além-Arte

vens-Te banhar no luar de um rio nevoento...

na ambrosia lunar, no âmbar de aljôfar-Te...

que deságua a chorar à foz do meu Tormento

 

Não asam mais as rútilas falenas,

vejo viscosas lesmas...

e as horas são as mesmas

por ocasos rubentes...

E o dia finda além em bruma pardamente!...

Sou um adeus de Francesca!

o Spleen  domina os céus... tenho a alma grotesca...

procuro embriagar-Me, esquecer o passado...

fogem de mim a rir as lânguidas mulheres...

Mas, se a alma é juvenil, me obedece: o que queres...

meu nobre coração volta ao bordel do Inferno...

ou, volverás de novo aos gelos dos invernos!...

942

E. Rosas

 

No império dos matizes...

Os girassóis do tempo, que sonhei...

o húmus e o imo e a verde fronde em flor

tinham a serenidade d’algo Rei,

que vira em sonhos desfilar no amor!

Apetece-me às vezes ser um traço

de mar em curva para refletir,

toda grandeza desse informe abraço

que abrange o prado e os montes a florir...

Acredito nos seres sibilinos,

da Estrela, que fulgura no cetim

da noute de mavórticos destinos...

Vidas nômadas, como eu... vidas de acaso...

que só, duram o espaço de um ocaso

e se eternizam num mistério assim!

942

E. Rosas

 

Rimas...

Muito acima de nós há um azul transparente,

igual, ao espiritual azul do teu olhar...

embebido do Sonho argivo e transcendente

do teu quebrado olhar, oh! meu amor sem par...

A sós trilhando o areal vou a pensar, que um dia...

dous lírios florirão do teu sepulcro ao luar,

e o âmbar de tua carne far-se-á em alquimia...

doces olhos sensuais, que a morte há de apagar!

Jamais, se apagará a aurora desses olhos

e a ambrosia da luz dessa noute silente,

que nasceu da memória e fora os meus abrolhos...

e sepulta ficou na bruma transparente!...

942

E. Rosas

 

Saudades de um “pastor”

Correra o meu pastor, montes e vales

à procura da ovelha que perdera...

nessa manhã de sol por entre o cálix

dos Mal-me-quer’s um lírio fenecera!...

A agonia do lírico pastor

fora tanta, que as águas de um regato

inundara-lhe o campo e a sua dor...

cristalizou-se com o solar contato!

Hoje, porém, já conformado e triste

com sua sorte, porque o amor persiste

na divina existência por demência

Seu Estro havia sublimado aquela

que tanto o acompanhara na existência...

hoje, ele as segue... apascentando Estrelas!...

Segue a esteira d’aquela, que ele havia

dado-lhe o nome por melancolia...

de Saudade, a ditosa irmã da Ausência!...

Rio 942

E. Rosas

 

“Soneto”

Envelheci! E retardei-me à vida!

Aquela que venci não me conhece...

sou saudosa ruína carcomida,

o homem, que encarnei por mim perece...

A estrada, que trilhei nevou minh’alma

à luz da Lua de veludo e olvido...

Tudo esqueci, até a lua que ensalma,

o verde e extenso prado percorrido...

Nunca hão de chegar ao negro cimo

aveludado e altivo da montanha

aquele, que prefere o Lodo e o limo...

Não passarão das trevas, até que um dia

Deus se condoa arrebatando à estranha

órbita azul do além, que me irradia!...

Rio 942

E. Rosas

 

“Soneto”

Sinto o inverno bater à minha porta,

Sinto o vento passar, tumulto de asas...

vindo de além, da solidão remota,

com maldição das existências rasas...

Vejo a neve baixar seu pálio e a Lua

fugir p’los céus, como uma rima errante

de saudade, na sua luz levante,

mais suave do que a nuvem, que flutua...

Fui a cigarra, que cantou no Estio!

hoje sente-se velha e fatigada,

sem um abrigo contra a fome e o frio...

Sem a migalha de uma flor, talvez:

a estender a sua mão mirrada,

à caridade vil de algum burguês!...

Rio 26-42

E. Rosas

 

Venenos

Arte! Escada de oiro florentina...

subi, bebendo a taça de veneno!

Ó Torre-de-Marfim, na sibilina,

ilusão do crepúsculo sereno...

Subi, dobrei a curva do planeta

vi o dia esconder-se no horizonte,

mais a noite toldar do Sol a fronte,

a bruma a via láctea do Poeta!...

Cantai! estrelas os vossos cantos d’oiro

Cantai ó Lua os pântanos silentes

e o cortejo dos Astros e sumidoiros

Para onde irão todas as almas, lume

de estranho ardor na lividez albente

no interciclo de fúlgido cardume!...

1942

E. Rosas

 

“Violões”

Quando os Violões se afastam...

Seduz, embriaga o pensamento; anula

toda memória para o Além-da-Vida!

É um vinho sedutor, que me estimula

o coração de fibra envelhecida...

Quando tudo é segredo e a alma da Lua,

Quando tudo se exala e um raio desce...

para melhor ouvir o que tressua

dos brados pelo ar, que resplandece!...

E quando já se vão... fica a lembrança

da asa fluida do Longe e o último verso,

de porta em rua em sonho se abalança...

Guardo comigo, no meu coração!

fica adejar no ouvido, no regresso...

toda saudade da última canção.

Rio 942

E. Rosas

 

“Benditas”!

Choraram mar e árvores e a hora

do outono  a orar à paz dessa devesa

com debuxo de sombra em negra seda

e pegadas de Luz que não demora

Cada árvore é uma taça de ambrosia

de espiritualidade vaporosa,

ao místico clarão do fim do dia...

Vêm do Além, d’alma funda e lacrimosa,

vencidos p’la fadiga sinuosa

de afastada paisagem de Agonia!

Ocultos pela névoa e solidão

de recôndita, nebulosa Natureza

onde há lágrimas d’astro e Tristeza,

e os seus olhos perdidos na amplidão!

943 Rio

E. Rosas

 

Canção d’abril

Ser a enxada e não a cova

da minh’alma a se exaurir.

Ser o sonho e não os olhos

dos meus males a florir!

Não ser a lápida fria,

ser a flor ao meio-dia...

Ser a sombra e não o sol...

ser o perfume – o crisol –,

o pólen d’oiro da Luz

de um doirado girassol!...

Ser o cardo eril do cálix

da rosa azul do sol-pôr...

Ser a folha e não o outono ,

ser a neve e não sereno:

Ter o perfil de um pinheiro,

num pôr-de-sol algo, ameno!...

Ser o som, não a guitarra,

mourisca e peninsular!

que traduz nossa ansiedade,

no mistério do Luar!...

943

  

“Caveira”

Com que eloquência fita-me a demente!

Com o espanto horrendo de um decapitado,

ri do destino com ironia ingente...

a caveira, que foi de um desgraçado!...

Talvez, fosse na vida essa caveira

a irônica masc’ra de um palhaço,

crânio comediante, onde desfaço...

o último ator, que no meu ser morrera!

Revolvendo as argilas, na incerteza

de encontrar a herdade, que sonhara

desfeita por nevrose da Tristeza...

Sorte horrível daquele, que pensara

no solúvel poder da natureza

A Vênus que min’alma sublimara!...

943

E. Rosas

  

“Desciendo El Ciclo” Versos de E. R.

             

“Às tuas Estranhezas”

(a Agripino Grieco)

Procuramo-nos em nossa bizarria,

encontramo-nos em nossa idealidade:

em busca da beleza, que irradia,

sentimo-nos impotentes, ante a beldade!

Dentre, as belas, a bela, que visamos,

nem sempre o sonho, é pura realidade!

há sempre qualquer cousa que estranhamos,

ante a aproximação de tal verdade!

Juramos, nunca mais seguir os rastros

do cometa da nossa fantasia,

nem por amor seguir da terra, os astros!

Mas, se é cega a melíflua quimera

Lá, vamos novamente p’la ironia

do fado, se a saudade nos lacera!...

Rio 943

E. Rosas

 

Sinto uma sede infinita,

tenho insofrido desejo,

de ser o indômito adejo

de uma vontade bem dista!

Sinto cousas que ninguém

jamais, sentiu nesta vida!

a tristeza de teus olhos,

numa trova comovida...

Mais, a sede de meus lábios

para beber tua boca:

em sôfregos, rudes beijos

numa paixão cega e louca!...

Rio 943

 

Sôfrego tântalo, a Vida!

Lembra a seca, vendo a água:

que fará se ela só, visse...

gotas de orvalho na frágua!...

Rio 943

E. Rosas

 

Soneto

Agoirento crepúsculo do Fado,

Estrela a bruxulear em céu escuro!

Que anoutece a alegria do meu prado,

Emurchecendo as flores do Futuro...

Como é lenta a tristeza dos teus dias,

e o lívido silêncio desolado?

p’las horas do outono  amargurado,

repassado de vésperas sombrias!...

Tântalo aflito, intermitente e amargo!

Engolfando minh’alma num letargo,

misto de fel e mágica ambrosia!

do âmbar de uma Lua que vertera...

no solúvel poder da natureza

A Vênus que minh’alma sublimara!...

943

E. Rosas

 

Um céu azul a sós, somente para estrelas

a brilhar e a sorrir nos seus olhos de arcanjo...

lembra a noute somente, a noute, que se estrela,

viver obscurecida à solidão que abranjo!

É sino de silêncio a badalar na treva

de uma noute sem luar, que a Lua não sonhou!

de uma celestial inércia que nos leva

ao Nirvana genial do ventre que a gerou!...

Seja! A Luz mãe da Sombra, por arte de quem seja!

onde, há Luz não há sombra, eis a hora que almejo,

ver surgir dessa aurora algente, que me beija...

para sem luz ficar o céu, onde Te vejo!...

Rio 943

E. Rosas

 

“Ausência”

“Fui visitado p’la ausência

por Te achares à distância:

Quanto me punge a Saudade!

por sentir tua fragrância:..”

Eu quisera passar a minha vida

no interior de Haréns orientais,

sentir o olor da rosa emurchecida

e o perfume beato dos Missais!

Eu quisera sentir da Vida toda

o genésico adejo universal,

num transluzir de intérmina harmonia

p’las estradas de Luz do Carma astral!

Eu quisera exaurir-me na agonia

do nardo melancólico e oriental

e sentir essa lôbrega elegia

de uma noite num corpo espiritual...

Rio 944

E. Rosas

 

“Desejo de Satã”

“Convite de Satã”!

Pertenço à vossa força extraordinária,

a deus Pã e à floresta rumorosa...

aos plátanos silentes e à solitária

cascata e à sua esteira vagarosa!

Uma indômita força já me leva

em su’asa infernal para o Oriente

do meu sonho de Luz buscando a treva,

através d’alga noute transcendente...

Um instinto divino na doçura

de indômito desejo, que descora

o lírio da minh’alma, sem ventura!...

Cessa ante o gênio de eternal aurora...

Obedecendo à algema que a tortura,

para que Deus a leve em boa Hora!...

944 Rio

Narciso Luso (E. Rosas)

­

 

“Musa irônica”

Castelos que ruíram

Ruíram meus castelos de Saudade

de uma tarde silente em vão delubro;

e a lâmpada do poente a sala invade

esboçando clarões, que algo descubro...

Qualquer cousa de ideal no meu passado

nesse estranho palor que me deslumbra

e vivem instantes d’oiro, que sonhados

são visões, que perpassam na penumbra!...

E sob o pó das ruínas, nas visões,

vejo florir a aurora, que vivi...

em celestes, ideais ressurreições!...

E dentre um sonho enganador, perdido...

num adejo de fumo em mim ouvi

Que o Amor desmente à vida, comovido!...

44 (Rio)

E. Rosas

 

Naufrágio lusitano

Ó Brasil de atlântica Quimera!

Ó terra singular de “Vera-Cruz”...

Terra de esp’rança p’ra quem há muito espera,

Terra do Amor, que foste a minha cruz

Tua ilusão inédita ficara,

teu povo ignorante, teu idioma

é o túmulo da Ideia, que estagnara

como a luz em translúcida redoma!

É uma noute tu’alma, sem estrelas

na incerteza, que a bruma contornara...

ensombrando-lhe o brilho, como umbelas!

E nessa angústia, nesse desespero!

luta minh’alma agônica e preclara,

para salvar-Te do atoleiro áspero!...

944 (Rio)

 

O fenecer do estame

Sorrir! Só teu sorriso me emudece...

florir de lírios e de rosas brancas

risada rubra, enlouquecida, franca,

Dentro de mim num sonho que enlouquece

Sorrir das fontes e das águas claras,

dos regatos cortando os verdes prados...

sorrir da espiga loira das Searas,

que andam a ondular além, pelos valados!

Só teu doce sorriso me consola,

Ó santa Natureza sempiterna:

- Irmã do meu Sentir, que algo estiola!

Presença do mistério e dissabor,

Vida, que é essência e mágoa coeterna,

à paz do outono  recordais o Amor!...

Rio 944

E. Rosas

 

(Para David Thomaz)

Simples problema me assombra,

talvez seja a minha cruz:

“se a luz é filha da sombra

ou a sombra é a filha da Luz!”

944 Rio

E. Rosas

 

Ventre do nada!

É mais fecundo o ventre de uma cova,

onde, flore a simbólica pureza!...

onde germina a mística estranheza

à renúncia na Luz da Lua-nova!

A natureza é sempre compassiva

fecundadora d’alma na inteireza,

tem instantes de atávica tristeza,

movimento de orgíaca lasciva...

Perdura à noite em laivos, sensitiva...

flor da bruma noturna, vagamente

em ondas de silêncio pensativa.

Que irão morrer além, entre harmonias,

muito longe da vida, rudemente...

como eflúvio de avérnica-Ironia!

944 (Rio) Casal do luar

E. Rosas

 

“Vontade oculta”

Teu poder cabalístico, Senhora!

emana-se da força extraordinária

da luz, que nos conduz à solitária

deserta região, onde Deus mora...

Creio na irradiação fulva, impoluta

de Deus a Pã, na vida planetária,

varrendo a terra às solidões abruptas

como um tufão de raiva, procelária!...

Obedeço a essa elétrica vontade

conduzido por vales esmaltados

de boninas e lírios de outra idade,

que matizam de aroma e cor, os prados!

E ao chegar a Hora-do-Ângelus, Senhora!

tudo revive e brilha na ansiedade

e se transforma na outonal saudade

de esvaído crepúsculo desta Hora!...

944

E. Rosas

 

A hora regressiva,

a hora do poente:

que a saudade reflui

em noss’alma doente...

Assim, como os eflúvios

da luz crepuscular,

que fala à voz de um sino

errante pelo ar!...

Tenho à noute o guia

de uma fria Lua:

minha sorte foge

como uma falua!

Tenho para a alma,

a lira do sol-pôr!

para meu estímulo

todo o seu fulgor...

Tenho por deleite

“teu Amor sem par”!

minha linda d’alma,

de olhos de Luar!...

Rio 945

E. Rosas

 

À lua, o coaxar dos sapos

ressumbra n’água palustre:

ressoam as loas à Lua!...

p’la maresia lacustre...

945 Rio

E. Rosas

 

“À tua indiferença?”

Alma inclemente, coração de gelo,

São metades, teu peito e teu amor...

há nessa enfermidade um desmazelo

p’la indolência do mal de nossa dor!...

Não fora a vida uma doirada aurora

que nos insp’rasse tanto afã, assim:

por que não cessasse uma só hora,

que não tivesse um término, por fim!...

Tudo é ilusão! a vida corre aflita

como a água de um rio dentre os seixos,

na esperança de ser onda infinita!...

De mar inquieto para naufragar...

escumando p’la esteira que alva, deixo!

da galera do sonho a navegar!...

Rio 945

E. Rosas

 

Amor!

Solitário caminho enluarado,

onde as almas se enlaçam por ventura!

crentes, que além, no páramo azulado

olvidarão as suas íntimas amarguras...

Dirão, que este caminho indefinido

irá ter às regiões de um grande Sonho,

Quantas vezes o tenho interrompido

em procura de um outro, mais risonho!...

Ele é lindo, invejado pela Lua,

tem espinhos e eflúvios à noute nua...

às pupilas dos Astros dormitando!

Dá-se com ele uma cousa grave e triste:

E o regresso... talvez, voltem chorando,

porque o Amor é perjuro e não existe...

Rio 945

E. Rosas

 

Aqui, coroada’stou, nada me encanta

vejo rolar p’lo azul ondas de fumo,

hás de pedir decerto à Virgem-Santa

para guiar o náufrago sem rumo!...

Rio 945

 

Arte - Noite redentora!

A Lua aos astros é um açoute!

Segundo os efeitos da Luz através

de transcendentalismo dos Sonhos e as auréolas

nevoentas dos astros, geram na imaginação

humanas criações de um outro mundo,

mais real, mais instável que os homens

e a religião criaram e através das Lendas

e das superstições.

 

Sonetilho

Um Deus perscruta o mar e a treva

um Deus fechou-nos com chave de oiro

o pensamento que nos leva

a crer num mal de vão desdoiro...

A crer num céu distante deles,

de nós, da terra, onde exilados!

vivemos tristes, com aqueles:

ao céu maldito do seu pecado!...

Pecado esse, que ignoramos

qual a razão do seu negrume

de nossa culpa que pagamos

Eternamente um mal sem fim

o qual nos traz sempre o azedume

Os pecados d’outrem por mim!...

Rio 945

E. Rosas

 

Beleza psíquica...

Eu queria reunir ambos calados

numa só expressão para a estranheza

do meu cinzel sonâmbulo, sonho dos

fátuos Deuses da bruma da beleza

Cantoria palpável em harmonia

que fugia-me à luz pela penumbra

silenciosa da aurora que jazia

dentre constelações que além ressumbra...

Uma ostentava a graça peregrina,

a outra em um vislumbre, alga aparência,

corpo de veneno em alma de menina

forma vaga, psíquica e divina...

Carne de névoa enferma de inocência,

onde vaga a beleza e transcendia

de uma clarividência de menina!

945 Rio

 

“Depois de morta”

Ainda mesmo que queiras defender-me

Nada podes fazer... a tua graça

é inteiramente, celestial e passa

a tatear por mim sem conhecer-me!...

Choro. Vem-me a Saudade! A tua carne,

É toda névoa e bruma flutuante,

reencarnara a visão luxuriante

da última aurora, que Te amei, ó marne!...

Espectro de aparência vaporosa,

Que perturbas a paz silenciosa

do meu viver de arquivisionar!...

Passo também por Ti a errar, num Ente...

invisível, por báratro inclemente...

sem que me valha a Luz do teu Olhar!...

Rio 945

E. Rosas

Eu?

(Para o Amigo Tasso da Silveira)

Eu sei que vim d’Além, como Esperança!

Moço e rude, trigueiro e ponderado...

Tenho um ar de aldeão, desde criança,

fui campino no sol, fiquei bronzeado!

Enganas-Te, alma vil e forasteira?

venho - do mouro - de alga fidalguia...

Tive outr’ora um corcel... que a fantasia,

apascentou na minha ideal fronteira!

Arrebatou-me o vento da soidão!

levou-me para longe num farrapo...

e ao despertar tive a desilusão

Trazer os pés em sangue e a alma perfeita,

dentro da Luta, sempre satisfeita...

para lutar até cair em trapo!...

Rio 945 Casal do Luar

Ernani Rosas

 

Há dous extremos de beleza: a psíquica e a

carnal, uma inteiramente desconhecida, a outra,

aparentemente pelos doutos, a primeira dá-se à

enfermidade, enfeza-se como o lírio, sem seiva,

sem umidade e sem frescura;

a Outra, vem do Além, da intrínseca dobadoura

da tela-aranha do Sol d’oiro, que possuis vivo

e prende o inseto na sua renda magnética

e densa que nos envolve e nos arrebata pia

renda do aranhol do sonho e da Quimera!...

Linda renda de sóis estendida na imaginação,

incompreendida rota de hipnótico Ingresso

para a meditação e para a extensa escada

luminosa e infinita que é o Carmar,

corda ativa do Sentido e da Vida e dos

Litorais desconhecidos do Universo e do

Mundo, dentro do transcendentalismo da

sua excelsa Majestade!...

Rio 945

 

“Maldição”

Do Velho Mundo - o tétrico cenário

dramático, infernal pelo Demônio:

Ei-la a arena de dores, o estuário...

de sangue rubro, ante o pandemonium!

Louca caudal de fumo sobre a terra,

Letes sangrento e vivo torvelinho

de vidas, que se vão pelo caminho,

turbilhonando num fragor de serra...

Escombro em fogo, que vincula uma era,

de fel e agruras, de tormenta prava...

devastando as florentes primaveras!

da “Vida humana” para o Caos profundo...

ante a geena de uma noute cava,

Que há de tragar o Lodo deste Mundo!...

945 Rio

N. Luso

 

Miséria e esplendor de um “Rei”!

Havia um rei numa terra,

que era burro p’ra doer:

matara O povo de fome,

matar chamava viver...

Um dia o tirano ruiu,

o povo se levantara...

deram-lhe pau a valer,

como ninguém nunca viu!

Mandaram-n’o para a fogueira,

com grande enchimento ao rabo:

no fim da coisa, entregava

a sua sorte ao diabo!...

Fizeram d’alma leilão,

as vísceras para o urubu:

consciência era nenhuma,

eis a essência de um ladrão!...

Fizeram leilão, de “Tato”!

carne e víscera ao urubu:

consciência levara o gato...

Eis a essência de um rei cru!

Esse animal nunca vira

sorrir do centeio a safra:

a primavera  e a safira,

de um céu igual ao de Mafra!...

De um céu a descer ao dobre

de sinos como presságios!

da vida de rude ao nobre,

dentre tormenta e naufrágios...

Seja tudo, por amor!

a esse ser que nos consome:

à angústia da sua Dor,

à vontade de seu nome!...

Rio 945

E. Rosas

 

Musa psíquica...

Entre a posse e o Amor, sonha o desejo...

vaga estranheza de noturna aurora,

se a ventura consiste no lampejo

desse espelho solar, onde a alma chora

Entre a posse e o Amor há um labirinto...

de beleza psíquica: a incerteza,

se a ventura consiste na pureza...

desse espelho ideal: Se é Deus que sinto!...

Ou, por fado mavórtico da sorte,

dos amores das ondas com as areias...

nos tântalos avérnicos da morte,

na luz d’astros de fúlgida colmeia!...

No olhar de cabalística Nereida

na Lua, quando vem entre martírios

da varanda de Deus por essa “Eneida”

escrita a lume d’oiro de áureos lírios...

Na cara e funda furna do Oceano,

em titânica e rútila disputa...

nos mistérios da Vida por arcano

no poder coercivo, que disputa...

Entre ânsias das ondas com as areias...

por rábido desejo do destino,

no Tântalo dos lábios das sereias...

que de Circe possui filtro divino!...

945 Rio

“N. Luso” (E. Rosas)

 

“Musa psíquica”

“Fluida irradiação”

(N. Luso)

Haste amorosa, que ficaste à sesta,

- Vida genesíaca flor que a dilatas...

no entanto - o arbusto flébil da existência,

condenaste à sombra da floresta...

E o espírito da sombra encravando

o silêncio dos vales e das águas

vai como o fumo as cousas contornando

e o perfil melancólico das fráguas...

E na harmonia cósmica, que a Vida

exala de uma flor ou da montanha

em adejo de névoa arrefecida

anseia e ondula numa luz estranha

E unificando a orquestra do Universo

no fluxo-refluxo eterial

ressoa como as sílabas de um verso

que o vento leva ao páramo outonal...

E canta pela noute inda mais fundo

em côncavas abóbadas da Lua

no concerto espectral do outro-Mundo

reata a curva do ciano que tressua!...

Dentre eterna harmonia ergue-se a vida

concepção que p’ra Deus só cabe aquilo

que olvidara-se Pã por concebida

essência amorfa em sonho de intranquilo...

Em bocejos sonâmbulos de Estrelas

em seus nichos, em seus halos recolhidos

Longe da orquestração da etérea vida,

do remanso de um oceano de harmonia!...

Que se lança chorando ao infinito

Em súplicas de Amor e desespero,

na contenda minaz contra o granito...

rasgando às fráguas o coração sincero!

Por amor, para amar, quem não nos ama,

E nos deixa em olvido a meditar:

Se a vida é isto, se viver é lama...

Não vale a pena Amor Te despertar!...

945 Rio

E. Rosas

 

Musa-quimera

Somos portugueses,

Viemos d’Além-mar:

nossa arte é nova,

p’ra vos ensinar....

Amor e sentir,

que há na natureza

de divino e belo,

dentro da Tristeza

Sonho a longe-ilha

Frígida Atlântida:

Rimas e cantares

Vogam na escumilha...

Plasmo a vida e o sonho

Dentro d’alma bela,

tenho como guia,

uma linda estrela...

É meu brigue d’alma

a réstia do Luar:

vou à Ásia e à África,

ter a algum palmar!

Conquisto com olhar

a plaga das estrelas:

É uma nau veleira

de ilusões singelas...

O Universo é terra

onde, já andei...

encarnado em astro

que, jamais verei!

Tenho por calvário

todas as estrelas:

vago solitário,

dentre mil umbelas...

Lá, no Sete-Estrelo

minha cruz se erguera,

foi cravado o espinho

pela primavera ...

Tenho à noute o guia

de uma fria Lua:

minha sorte foge,

como uma falua...

Tenho para a alma,

a lira do Sol-pôr!

para meu estímulo

todo o seu fulgor!...

Tenho por deleite

teu Amor sem-par:

minha linda d’alma,

de olhos de Luar!...

Rio 945

E. Rosas

 

Nas regiões do “Exílio”

 

Quem sonha, esquece o tártaro do abismo,

do val’ da vida para além da morte:

tem-se a impressão de torvo cataclismo,

Quando a alma se eleva num transporte!

Num cortejo de sombra dentre estrelas

perdemos de nós-próprios o vão recorte!

somos fluidez do ar ao léu da sorte,

difundidos na cósmica procela...

Levamos a saudade dessa amante

dos versos de uma noute, que passara,

sob a Lua de Deus que vai distante...

Ante a graça do céu, se merecemos?

desfilamos qual sombra, que escapara

ao tormento da selva, que tememos!...

945 Rio

E. Rosas

 

Ó cinza – essência da Vida

ó vida – adejo de pó:

A cinza é pó que dorida

plasma a imagem em mágoa e dó!...

A alma é lume – lareira,

desfeita em carvão e pó:

Dirá a planta p’r’o nó...

Bendita carne a fogueira?!...

Benditos sejamos nós,

dados do fogo, à brasa:

a brasa é fogo dos sóis

doirando o pomar e a casa!...

O fogo, também é luz,

a luz que nos vem do céu:

o azul ao poente doirou,

lareira do pão de Deus...

Poeira d’astros – Luar!

da Lua a beijar a terra:

a Terra abrindo o mar,

o mar o corpo da serra...

Tudo é pó consolidado,

universal magnetismo:

o Líquen, o lodo, o humo,

se unifica no alquimismo!...

A vida é pó do Universo,

átomo astral por vidência:

é como um divino verso,

encarnando por demência!...

945 Rio

E. Rosas

 

Rimas ímpias...

O Tédio nos arrasta p’ra miséria...

apetece-nos a forma deletéria

a tirarmos um sono no sepulcro!...

Fugimos à manhã, à vida bela...

Temos pavor ao ósculo mais pulcro

da estrela, que a pagar da dor, o fulcro...

e aclarar os abrolhos da procela;

Procuramos o abismo, o caos informe,

as geenas cruéis do inferno humano...

a dor e o desespero, a goela enorme...

para assim, nos tragar... divino arcano!!...

Por tudo que é perjuro e mentiroso...

buscamos o fel da vida, como gozo!

e nunca a Ti oh! Monstro desumano...

Sempre imperfeita, como a felicidade!

Embora traga pelo azul das Eras

Oiro, vinte anos, rouxinóis, quimeras...

hás de toldar os dias de saudade!...

Sempre incompleta como a nossa glória...

oiro da Luz da primavera , a estrada

aberta às aventuras, que a memória

nos erguerá um pedestal na alada

“Costa de Desenganos e naufrágios”...

p’ra quem anda a errar de plaga em plaga!

dentre múrmuros, oceânicos adágios...

Que os “nossos sonhos do viver” apaga!...

Rio 945 Boca da Noute

N. Luso

 

Soneto

Eu sou a sombra de um pastor heleno

Que apascentei graça e na ilusão

do Senhor os meus sonhos na emoção

da flauta num crepúsculo sereno...

Mal vinha aurora aureolando o prado,

tinha o sol a nascer no coração...

fazia fogo p’ra aquecer as mãos,

inda era escuro o céu frio estrelado...

Ao ouvir da avena o toque da “Trindade”,

Vinham à casa correr: todas reunidas...

marchavam p’r’o curral da nossa herdade!

Hoje sou a Infância do pastor...

em procura da ovelha que perdida,

ainda oiço balir na minha Dor!...

945 Rio

E. Rosas

 

“Soneto”

Passou metade Luz, metade Sombra,

em idílios românticos de Amor:

o melhor tempo, que vivi à alfombra

da selva de teus olhos, num palor...

De crepúsculos túrbidos, dolentes,

como tua beleza vaporosa

na síntese de um sonho de poente

que se esvai sem delírio, radiosa...

Passara o outono  e mais a primavera  

em metade de Anseios irreais...

por teus Olhos tateantes de Quimera!

Fora nossa existência uma vontade

de desejos e idílios ideais...

Que morrera p’las Horas com saudade!...

Rio 945

N. Luso (E. Rosas)

 

“Soneto Báquico”

Libo-Te a nuca e toda espádua fria,

o ebúrneo ventre e a enluarada poma;

Faço viver-Te instantes de Sodoma

esgotando-Te a última energia!

Fremem-Te os seios no oscilar do artelho,

o ventre se contorce como a tênia...

canta o gozo a aleluia em lis vermelho,

como lúbrica rosa ao sol da Armênia...

Na órgica maré sonhas lasciva,

coroada de rosas, sensitiva,

propiciando-lhe lúbrico delírio...

Enleados um ao outro à Lua amiga,

lá vivi imprecações a Zeus, ao empíreo...

revivi cenas de uma Roma antiga!...

Rio 945

E. Rosas

 

“Sonho-ironia!”

“Nunca, serás a Musa que plasmei,

nem a Vênus incompleta da beleza!

vestida dessa atávica tristeza

através dessa auréola que sonhei...

Fecundada p’lo estame da Ironia,

esboçada p’lo meu sonhar insano,

Lembra uma Lua de melancolia

na ascensão da magia desse arcano...

Lembra um Zainfe na lânguida corrente,

onde o cisne da dúvida naufraga...

e torva à flor ao raio do poente!

E nessa auréola irônica e pressaga,

a transitória imagem fulvamente,

flutua no Cairel que a Lua afaga!

Rio 945

E. Rosas

 

“Tântalo da dor”

Maldita seja a Arte incompreendida

e a taça do Ideal que nos lacera...

os vinhos de Luxúria e da Quimera

e a báquica eclosão da Luz dorida!

dos tântalos letais e da beleza,

da dúvida do mundo em meu pensar...

os ciclos turvos de íntimas tristezas

que nunca mais se vão para o Luar!

E o meu cismar romântico e amoroso,

é como um rio fundo rumoroso,

cheio de sombras e de estrelas d’oiro...

P’la maldição dessa sinistra incúria,

maldiz ao fel da vida, como agouro...

Maldita seja a serpe das Luxúrias!

Rio 945

E. Rosas

 

Ventre da vida

Ventre ou cova? propensa originária

concepção para vida de astro ou estrela:

Desde o estame da flor à extraordinária

posse que pólen florido revela...

Dor cruciante do prazer maldito

que gerou tua imagem peregrina

Escultura sonâmbula, que fito

a linha ereta nívea que propina

Tudo acabado. Redundara em olvido,

O teu amor por mim convalescente...

e mais teu coração empedernido...

Meu sentimento anda dizer que “não”!

inquieta-lhe a púrpura do poente...

morria a tarde... Erguia-se um balão!

945 Rio

 

Versos: Relicário da “Memória”

Paisagem tramontana, eu Te bendigo!

toda envolta no fumo da Soidão,

onde a Luz não penetra e Deus contigo

vive a sós a espreitar a escuridão!

Mas, se trazes na máscara do dia

um laivo de tristeza e transcendente

Dúvida vaga, ser’s a onipotente

presença astral ou mera fantasia!?...

Sinto afogar-se em Ti, em tuas ondas

de treva e luz a dúvida do Mundo

e um mar florir em murmúrias Golcondas...

E mergulhar na agônica eclosão

de teus beijos de sombra, moribundo

fulvo sol em mândrias de ilusão!...

1945 Rio

E. Rosas

 

A Estrada que trilhei nevou minh’alma

à Luz da Lua de veludo e olvido,

Tudo esqueci, até o lis que ensalma

o verde e tenro prado percorrido...

Retardara-me eu muito me vencera

Aquela, que amei não me conhece,

sou saudosa ruína, que morrera,

o homem que encarnei por mim perece!

Por um ocaso aflito florescera

como uma profecia visionária

de estranho Mago que ilusão perdera

E o gérmen foi rolando ao acaso do vento...

à feição de vontade extraordinária,

aos tombos por Amor do sentimento!

Rio 946

E. Rosas

 

A Luz é a sombra!

É sombra a Luz do sol-irradiada sombra!

a luz do sol-crisol, que o próprio sol inveja...

acredito, que Deus nesse ninho se alfombra

de harmonia aurial em graça benfazeja...

E sombra, dando Luz e sombra sobre o mundo,

vitalidade e amor às cousas na verdade:

emoção e contorno às sombras do Outro-Mundo,

que parecem sonhar na paz da Eternidade

É pólen doiro e som ao sol o olor, que adeja!

É asa a dardejar o Lume das Quimeras,

orquestração solar que p’las águas flameja...

É asa e mágoa, o olor! ó Lírio musical...

que em si-mesmo vagasse e sem querer supera,

onde, o encanto se esconde e o sobrenatural!

Rio 946

E. Rosas

 

“Ânforas”

Ressoa um mar longínquo de algas plagas,

em teus seios, ó ânforas do Sonho!

um mar coberto de viuvez, suponho

num presságio feral de luto e vagas...

Mar de remota voz de búzios, canta

e soa em tua lira a nostalgia...

do remanso das ondas p’la agonia

dos náufragos da “Vida”, que aquebranta!...

Cantam às vossas bocas dolorosas

Litanias de fel e paz do oceano,

aos ouvidos dos búzios, lacrimosas!

Formas ocas simbólicas, de Sonos!

ao sonho de alto reino, soberano

de turíbulos de Ângelus, p’los furnas!...

Rio 946

E. Rosas

 

Aurora espiritual

Trazes no olhar a luz glacial p’los estepes,

o candor do Luar em vívido sudário...

Desce a esteira sobre as neves de um presepe,

como, que sobes Tu, a angústia de um calvário!...

Nesta fria região não flore a primavera ,

nem eflúvios florais se evolam dos vergéis...

balha a clarividência em teu olhar-quimera,

a sonata da Noute anda a volver parcéis!...

Rola e freme a harmonia em teus lagos parados;

Reina a indif’rença astral do inverno da tu’alma...

É uma harpa em que cessaram os acordes estagnados!

Vagam longe de Ti as púrpuras dos céus...

de um ocaso aurial que em delubros encalma

o matizar Mefisto e a música de Orfeu!...

946

E. Rosas

 

Ausência

Carta a “além-túmulo”

Embora me apareça, não me fala:

não me vê, não me chama, não me escuta!...

Entra com o Luar e paira em minha sala

como um vago sudário que se enluta!...

Há uma linha no azul, difusa linha,

Entre ela e o senhor, que me separa

do corpo material a aurora clara

inda mesmo em torpor, já, se avizinha!

Choro e clamo por ela, em vão meus braços

abro aflito no ar, busco abraçá-la

Sinto que foges fria aos meus abraços!...

Como nuvem de Noute interlunar

Sem nada me dizer, como acordá-la...

desse sôfrego tântalo a ansiar

946 Rio

E. Rosas

 

“Cântico-dos-beijos”

“Rimas ímpias”

O Amor é uma cantárida,

que anda em busca dos rosais!

Quanto mais rubra é uma rosa,

mais nos parece as carnais!...

Quantos beijos, beijos quentes,

Te vestiram meu Amor?

São os lábios do desejo,

A falena, com alga flor!

Adejos de lindos lábios,

Lindos lábios de carmim:

o teu hálito é um estio,

de volúpia para mim

Lindo olhar enamorado,

Lindos olhos de cetim:

Teu olhar é uma violeta,

que só olha para mim!

Lindos olhos: Sabe-os Deus!

o que vai pelo teu Seio:

Quanto anseio, vindo aos meus

nos teus lábios com receio?...

O Amor é doce rede,

leve címbalo da Ilusão:

Chaga oculta, que faz sede

à raiz do coração!...

Lindo olhar, cavando n’alma

uma cova para o Enterro:

Se viesse mal cerrada

Faria dela o meu encerro!

Lindo Amor e linda boca!

Lindo estio ou primavera :

Trago a alma enlouquecida,

neste ermo à tua espera!...

946 Rio

 

Cisma o desejo

Entre a dúvida e o Amor, há um labirinto

Por motivo Psíquico: a compreende!

Se a ventura consiste na beleza

desse espelho solar que além pressinto!

Ou na luta titânica do oceano,

nos amores das ondas com as areias

nos tântalos da vicia nos olhares

coercivos das lânguidas sereias

No fluxo-refluxo das vagas

no referver dos búzios, da lacuna

na luta ou na inclemência com que alagas,

Com naufrágios à vida em nossa escuna...

No marulho soturno à noute quando

a lua doira-o e sonda-o e a tona brilha

aljôfar ao Luar sobre a escumilha

errante na saudade vai ritmando

E revolta que o homem ao ver tudo Isto

faz-se poeta sem querer prevendo

o sofrimento — a rude cruz, devendo

arrastá-la ao martírio do Imprevisto...

Serei nessa procela a areia solta

que ora vai, ora vem se a escuma apaga...

a verde fúria de uma ondina envolta,

Em-vã-saudade de correr de vaga em vaga!...

Rio 946

E. Rosas

 

Da nuca à vértebra osculo-Te a epiderme

arfam-Te os seios — enluaradas pomas

a derramar o sândalo da coma

na volúpia oloral da carne inerme

Vibras o corpo em contorções de gozo

a carne tem marés de anseio e mame

Um oceano se agita voluptuoso

em teu sangue rugindo em tua carne

Cróton lascivo de vermelho estame

dos meus beijos — as abelhas num enxame

bebem-Te o olor da carne voluptuosa

Nesse delírio que a volúpia instiga

entre anseio e sonhos nervosa

adejas no prazer p’la noute amiga!...

Pálida e desvairada os cabelos desfeitos

Lembras-me a nívea Lua orgíaca p’la noute

em demanda do oceano arfando os níveos peitos

no cio da Luxúria em sádicos açoutes

46

 

“Desalento”

Circunscritas à órbita banal

as estrelas nas chamas se consomem,

na terra a labutar tem-se no homem,

o eterno cativo do ideal...

O eterno cativo sem ventura,

desalentado cavador que espera

em sombria região, p’la noute escura,

encontrar o ouro-fino da Quimera!

Encontrar a ventura de uma aurora,

onde encontrá-la? se ela agora dorme...

refletida nos olhos de uma Nora!...

Entre ervaçais, num val’ desconhecido

onde, nunca alvorece a paz enorme...

e o bem — perjuro Amor incompreendido!...

Rio 946

E. Rosas

 

“Desconhecido”

(Trevas do “Desconhecido”)

Pela primeira vez senti bater mansinho,

Depois mais forte ainda uma estranha emoção

Era o primeiro afeto que viera sozinho

despertar em meu ser divina sensação...

E acordada a minh’alma que sonhando vivia

na sua ebúrnea torre de inocência e sonhar

arrebatou-a à luz d’aurora em que dormia

e levou-a consigo para bem longe andar!...

Bebo à taça do ideal o vinho de Mefisto

Essa porta ideal fechada há tantos anos

dando p’ra noute azul do meu Desconhecido

E nunca mais bateu com tanto ardor, Assim

Para os mundos da luz e da clarividência

e deu-lhe de beber um vinho peregrino

embriagando-a deixou a vaga sonolência

Ao despertar por mim senti-me mais menino

Saí beijando o Luar e as flores do jardim

e nunca mais feriu com tanto ardor, assim...

Por que criaste o fel, e o vinho da ilusão?

Por que criaste o Amor, assim como Jesus...

criara a luz do Luar em jorros de perdão,

o tremeluzir do olhar dos Astros sobre a cruz?

Bebo à taça do ideal o vinho do Mefisto

Subo e desço e percorro as trevas deste mundo

Sou autômato, em vão busco a causa, o imprevisto...

Volverei livremente à noute, ao caos profundo!...

Vou além, muito além nesse engano, perdido

num sonho virginal de tântalos e enganos

a essa porta ideal fechada há tantos anos

abrindo para a luz do Desconhecido

Abrindo para a aurora em vago acordamento

da inocência e da carne à crua nulidade

tenho a impressão que a infância é uma rosa ao relento,

e a juventude um céu de sonho e castidade!...

946.

E. Rosas

 

E a sombra o que será? simples reflexo

da Lâmpada da Vida universal;

do sol descendo à selva original,

atravessando às verdes espessuras

como um raio de Luz às criaturas...

Como as águas de um rio refletindo

o Universo e as estrelas num marulho

de Luz e sombras densas se esvaindo

a uma Lua amaríssima de Julho,

os seus raios nas águas convergindo...

E o aroma dentre a sombra que ressumbra

em ondas longas de melancolia,

ondula e se avoluma p’la penumbra

em densa sombra jalde para a umbria...

Em ondas condensadas de neblinas

no fluxo-refluxo do Éter puro,

que navega ao luar — como Latinas

das lanchas que no sonho mau procuro...

E as sombras se afastando à luz da aurora:

dirão que as pedras já se vão despir...

dos seus negros veludos, muito embora...

fosse noute e verão o sol sorrir!...

E os seios dos rochedos lembram os seios

da lúbrica e divina Sulamita!

que ao vir do sol se doira e mais os veios

de um arroio, que prado irial visita!...

Rio 946

 

Fremem cítaras e langues alaúdes,

teu gesto vence a dança, que embriaga...

Evocam-Te o olor e ao som se ilude,

em cântico a harmonia em que se alaga!

Vaga em surdina o adejo do teu gesto,

Andorinha, que alígera esvoaça

à luz da Lua a um raio frio e mesto,

Mariposa, que trôpega perpassa!...

Venceu-Te, a dança a tua graça, um dia...

o gesto de tu’alma enlanguescida,

em flexibilidade que irradia!

Como que errando em ritmo de beleza...

em compassos de lúbrica harmonia

todos os astros dessa Natureza!...

946 (Rio)

E. Rosas

 

Há uma causa ignorada...

para além, que nos invade...

sem luar, sem madrugada,

É a noute da Saudade!

46 (Rio)

E. Rosas

 

Lacrimae - Carmes: Caminho-das-lágrimas

Caprichos da tua Musa

A minha linda Musa indiferente

surpreendera-n’a o Amor a transformá-la,

ante a aurora romântica e latente,

teima um dúbio clarão eternizá-la!

Sou fantasista, histérico e veemente,

tenho o sangue linfático por vezes:

a ausência tem um aroma surpreendente,

no seu ritmo banal como reveses!...

Possuis Amor, aqui gemas de preço

no fugaz, fátuo escrínio de um quarteto...

pela louca alegria que Te of’reço!...

Transbordando do Ofir dos seus tercetos

a inebriante ambrosia em mar travesso,

presa à Taça elegante de um soneto!...

Rio 946

E. Rosas

 

Lúbrica?

Pálida e desvairada, os cabelos desfeitos,

lembras a nívea Lua órgica p’la noute...

em demanda do Oceano arfando os níveos peitos,

no cio da Luxúria em sádicos açoutes!

Sonham no referver de oceânicas espumas

as nereidas de olhar de Atlântidas sonhadas

e nas ondas do mar em sonho, vagam brumas

que vão pelos mares singrando couraçadas...

E a lua pelo azul cantárida silente

que entorpece de amor as emoções dormentes

aos mistérios dos céus por noutes consteladas...

Tem laivos de cetim de uma volúpia estranha

apunhala pio amor de Tristeza, a montanha

e conduz a noss’alma à Luz da madrugada

946.

E. Rosas

 

Na alfombra dos jardins há ritmos de Luz

e há horas que se enfermam à luz para a beleza

não sei se é de tristeza ou se o amargor seduz

em chorar e sofrerem íntima inteireza

A psíquica alvorada nebulosa e divina

com paisagens irreais de sonho e pesadelo:

naufragam num rubor de aurora por que fascina

o oásis singular do teu banal castelo...

E o teu olhar sonhando à célica distância

De sonhos de outonal crepúsculo a cair...

sobe no eflúvio êxul da mágoa e da fragrância

Espargindo p’lo ar na queixa e no sentir

e adormecem a sonhar que tornarão infância

e terão como a Luz um fúlgido porvir!

Rio 946

N. Luso (E. Rosas)

 

Não despertes a vida para a dor!

Não despertes a vida ó madrugada,

ó rouxinol de Luz, ó meu Amor!...

Deixa-a dormir, a minha pomba alada...

não despertes, matando-a pela Dor!...

Rio 946

E. Rosas

 

“Nas Trevas” do desconhecido...

Pela primeira vez, senti bater mansinho,

Depois, mais forte ainda, uma estranha emoção:

era o primeiro afeto, que viera, sozinho...

despertar em meu ser divina sensação!

Alvorece em minh’alma a falsa fantasia

em sua egrégia torre de inocência e sonhar...

arrebatou-a à luz d’aurora que sorria

e consigo a levou para bem longe andar!...

Para os mundos da luz e da clarividência...

e deu-lhe de beber um vinho peregrino,

embriagando-a deixou-a entregue à adolescência!...

Ao despertar por mim senti-me mais menino!

Saí beijando o Luar e as flores do jardim...

e nunca mais feriu com tanto ardor, assim!...

946

E. Rosas

 

Neste poema cismático, agoniza

a luz de um sol como um delírio a Deus!

num nevoeiro genial se concretiza,

Dúvida e sombra num debuxo a Zeus...

Ritmo e rima irrompem na harmonia

da orquestra d’oiro da asa, que esvoaça...

no pó do som, em vã melancolia,

como um sonho num voo de fumaça!...

Ritmo e forma em nevoeiro se eternizam,

encarnam a ideia em uma extrema velada...

para viver à luz que a divisa

Dúvida e treva: a noute constelada...

só dúvida e Tristeza a sintetizam,

nesse ritmo aureal da madrugada!

946.

E. Rosas

 

O Burro e o monge...

Prazenteiros, viajavam o burro e o Monge...

Dizia o burro: sinto-me cansado!

da rude obrigação de que é cuidado,

Só! me sinto feliz, quando ‘stou longe!...

Do meu árduo dever, da criatura...

da alma vil, do animal de forma humana,

Que ao chegar-nos o inverno, a desventura...

nos atira à miséria desumana!

Por contingência, alegram-me as searas:

produto e esforço de uma enxada honesta...

do Lavrador que vive ao sol, “às claras”!

“Nunca vindo de Ti, monge maldito”:

que pregas falso credo, que é finito...

em troca de uma esmola desonesta!...

Rio 946

E. Rosas

 

Ó fado da minha Vida,

Ó vida do meu penar:

Quanta esperança perdida,

na escuna errante do mar!...

Guitarra da minha infância

que meu sonho anoutecia!

o teu fado traz-me a fragrância

de uma flor que emurchecia!...

Rio 946

E. Rosas

 

O Monge e o burro!

Há muita gente tola neste mundo,

Que é capaz de esmurrar ponta de faca:

Se em burro não virar, pode ser vaca...

e fuçar como um porco em charco imundo!

Muito mais burro é quem Te chama burro,

há rapazes que têm orelhas mocas!

outras, rasgadas, caem-lhes sobre a boca

dando em silêncio um insensível urro.

Confesso que encarnam informe aspecto

de Zebra ou de loba para assim passar...

entre os homens mais vis, nesse discreto

Hábito negro - a pel’ de uma caveira!

indo por montes brancos de Luar...

grunhir como um suíno na estrumeira!

946 Rio

N. Luso

 

Olhos-verdes

(Sentir a fluidez do teu veneno)

Crepúsculo mirífico das águas

de um rio que procura o oceano...

Latina de ventura para as mágoas

ritmando em berço doiro em manso arcano...

De amores, descobertos a aventuras

às “Atlântidas” de gênios fabulosos,

com areias e plagas nebulosas

encantadas, p’la Lua em noute escura!

Eu pensei aportar nessa paragem,

de natureza langue estagnada

no mistério nevoento, p’la paisagem...

E descer a esse abismo irreal, severo,

Que não tem o bafejo da alvorada...

e entorpece os mortais com seu veneno!...

Rio 946

E. Rosas

 

Oração à enxada

Lavrador, que a gleba lavras

Com o suor ao rosto teu...

mais o pranto das estrelas

colma os campos com o céu!...

Jardineira que lidaste

os canteiros da ilusão:

Mas, que rosas tu criaste?

Que merecem uma oração...

Gleba fria, inanimada,

como a chuva e o sol Te querem?

Dar-te beijos sol e chuva,

Quente como os de mulher!...

O teu trigo é puro e casto

como o corpo da hóstia pura:

cor da Lua, p’lo céu vasto...

Quando as noutes são escuras!...

Quando a terra no seu seio

guarda a sombra e sorve o orvalho

Quando tudo é só receio...

e o nevoeiro, agasalho!...

Soa ao longe a rude enxada

pela terra que sussurra...

Bendiz a mão que a esmurra,

dando-lhe rudes pancadas!?

Cava a vida! Cava a cova...

Entre a enxada e o pensamento

há parentesco divino:

Uma cava e o outro cava,

Ambos têm igual destino!...

Cava o Pão e cava a morte:

cava o sepulcro que encerra

os sofrimentos da sorte...

Cavador da minha cova

cavarás bem funda e larga:

a minha sombra e no cipreste

dando sombra negra e amarga

Ao plantar o corpo meu,

quero que plantes também:

a agonia de um cipreste,

que é a imagem de quem quer bem!...

Cavador, que cavas tanto

que cavaste a vida inteira

tu cavas a minha cova

Junto ao pé de uma aroeira

O que fazes não Te chega

p’ra morreres esfomeado

morrer de fome às cegas

como um lobo pelo prado

Se os recursos que possuis

Não Te dão para viver

Mais nos val’ mandar a enxada

p’ro diabo e se perder:!...

Se mal chega p’ra morares

na miséria impiedosa

mais nos vai’ assim par’ceres,

como a sorte mentirosa?

Somos todos cavadores

uns da Arte outros do Sonho:

Se na vida as flor’s dão pranto

Se o viver é um val’ medonho?!...

946

 

Perfil de um pirata

Improvisou estudos de finança,

galgara alto cargo na fazenda...

armara bravamente a sua tenda,

gozando do governo a confiança...

Metera os pés p’las mãos com segurança,

fizera do tesouro uma fazenda...

esbanjando o dinheiro com pujança,

com prodigalidade sem ter renda...

Como nédio muar extravasara

inutilmente os cofres, que coragem...

alegando que gentes amparava!...

Sei, de fonte segura, que lançara...

em prática o dinheiro à agiotagem,

amparando os amigos que lesara!...

46 Rio

E. Rosas (A. Luso)

 

Presença psíquica

Amor, que tens forma incompreendida

de uma esbelta palmeira desgrenhada,

como eu, hei de amar e gozar a vida

se ela não m’a pertence e é visionada?!...

Se vem d’além, das noutes do Universo,

Essa névoa de amorfa e fluida essência?

Se é uma eterna Saudade de algo verso...

Que reflui como a vaga na envolvência

De um mar em bruma para além da Vida,

das ondinas, por fúlgidas Golcondas

Que vêm morrer na Queixa indefinida

Da Sonata oceânica de um Sonho...

em demanda das Índias dentre as ondas,

na insolência do Atlântico, suponho!...

946 Rio

E. Rosas

 

“Presságios”

(“Nunca para mim despertes

desse teu sono profundo,

que seja um chamar por mim,

minha outonal folha morta...

a tua asa de Além-Túmulo,

Quando bate à minha porta!...”)

“Disseste-me adorar um dia

no cortejo da alvorada:

Era fria, muito fria,

a áurea da madrugada...

Bufava o vento do Leste

nas suas frescas rajadas,

Bailava o folhedo agreste

na dolente revoada...

E, assim Te foste, embora

nas asas da fantasia...

levara-me o vento, a aurora

e a minha antiga alegria...

E a mágoa da minha Vida,

perpetuou-se em Saudade:

como a violeta perdida,

numa expressão de ansiedade!...”

Rio 946

E. Rosas

Ao Andrade Muricy,

(Ao preclaro Amigo confidente das minhas blasfêmias psíquicas e do meu fel intelectual!...)

 

Rimas

Esperei que viesses e não vieste...

Toda de roxo, de lilás talvez,

como uma Lua lívida e celeste,

na sua arquidivina palidez...

No jardim, onde entreabrem-se os teus lírios...

E de uma fantasia em pedra azul,

igual a dos vitrais se à luz dos círios

esbate-se de leve em raio êxul...

Esperei toda tarde e toda a vida...

a ver se vinha pelo azul descendo

presa a um raio de Lua adormecida!

Meu castelo de Amor desmoronando

na esfera do seu sonho se asilando...

como o adejo de uma asa esmorecendo!...

Minha chama de Amor esmorecendo

como o lume da estrela fenecendo

em meteoros p’la água encandecida!...

946 Rio

E. Rosas

 

Rimas

Pelos pomares do Empíreo

de ocasos e estradas belas:

a Lua faisã prateada

com sua ninhada de estrelas!...

No prato azul do Infinito:

a clara do Luar suspensa

na gema do sol, que fito...

p’lo nevoeiro que a incensa!...

946

E. Rosas

 

Sfinge?... Homem...

Súcubo aterrador, invisível Sfinge!

Tens garras de Pantera... adejos de condor...

enganas Te a Ti mesmo e na aparência, finges

ser’s dócil como um anho e belo como o Amor!...

Vens das ervas, do pó da Estrada do teu crime...

bandoleiro banal, sem força por destino,

Oh! Salafrário vil, que os inermes oprimes...

matas para roubar por simples descortino!...

Alma de Lobo astuto... à espreita do cordeiro...

Que vem beber a linfa abaixo, no regato,

inocente, a cair-Te às peias, carniceiro!...

À morte, a percorrer os lupanar’s da Lama!

Levas a corrupção a “Terceiros” de fato...

Lançando-os à convulsão das tuas rubras chamas!...

946

E. Rosas

 

Sfíngica!

Vens lânguida a cair para os meus braços,

revirei contigo a ideal Sodoma:

Arfam teus seios em lânguidos aromas...

nessa hora os astros já nos dão abraços!

Tão pálida, a rolar a negra coma

pela fronte da Safo voluptuosa...

em caracóis p’la espádua, langorosa

numa volúpia báquica - que assoma!

De beijo inundo o esquálido semblante...

da nuca à espádua num delírio insano,

num arfar de cio em formas delirantes

Coroada de Pâmpanos e beijos...

És o Tântalo meu! divino arcano...

a clarividente porta do Desejo!...

946

 

Soneto

Aurora?

Desci sonhando a um astro em certo dia

e aos tombos vim rolando pela vida

Quanto horror, quanta dor, quanta agonia,

Que holocausto de arena fratricida!?...

Ruíram a minha torre doiro alada,

Meus castelos de fumo do Poente...

Circunvagava a mágoa e a dor latente

em torno da minh’alma desolada!...

A vida tinha o aspecto de um deserto

interminável, diante o caos do mundo,

Envolto em sombra e dúvida, encoberto!...

Pelos pesares, p’lo torpor da Treva...

que envolvia o Universo moribundo

Longe da aurora que os invernos neva!

Rio 946

N. Luso

 

Soneto

Fora um dia doirado de cantigas,

ó primavera  das canções dolentes!

quando lindas rosadas raparigas

lançam à leiva atrevida semente...

Depois de um dia assim, a tarde toma

um ar difuso, merencoriamente...

e por detrás do soito a lua assoma,

girândola de fogo do sol-poente...

Dia indif’rente às minhas agonias...

sem querer, ó minh’alma, Te extasias,

Diante da tela que ela expôs à Hora!...

Castelos d’alma - fumo do ocidente...

demandam em ruiva fúria de agonias

Centauros de oiro e bronze do Poente...

Discreta, como a tarde, entre harmonias...

Que a luz e a cor n’algum painel desbroa,

Como notas esparsas de alegrias!...

Rio 946

E. Rosas

 

Soneto

Não-Te-perdoo

Tu que tens por albergue uma sarjeta imunda,

Que praticas o assalto o incesto e por demência

ó homem verme vil, gêmeo do desacato...

Que envenenas o Amor – a pudica inocência!

Tu, podes condenar alguém a um cadafalso?

à morte, ao calabouço, à torpe provação...

ao exílio infernal, se teu poder é falso,

Ó milhafre venal, onde está a razão?

Conhece-Te a Ti mesmo! Hipócrita, vilão...

ó Alma de réptil em charco pantanoso,

onde coaxam batráquios em negra escuridão!...

O que esperas ainda? A insídia do amanhã!

não vês, que tudo é vão, infausto e crapuloso...

não teremos sequer a graça de Satã!...

Rio 946

E. Rosas

 

Soneto

Nômada!

Orai ao Sol e à Lua! Amai a Terra

como os antigos povos do Oriente...

Entoando Loas para a Luz, que encerra,

toda energia cósmica veemente...

Amai! Como os heróis amavam a Luz,

o sol, – que é vida e seiva e primavera

do Oásis à errante e nômada Quimera...

que nos guia o rebanho, e nos conduz!!

Sou a Sombra de um morto beduíno,

que amava a lua e o Sol, a soidão...

e levado p’lo ideal de um Deus menino,

Senhor da Luz, da musa e da harmonia!

Conduzia Legiões à maldição...

desse Olimpo da fé e da magia!

946 Rio

(E. Rosas)

Narciso Luso

 

Soneto

Num vergel que o poente anoutecia

esperei-Te a minha juventude inteira

anoutecera o dia e viera a esteira

do Luar cobrir a nossa estrada fria

E branca e fria a lua congelava

as rosas e as latadas da vereda...

adormecendo a aldeia que calava...

e o jardim, mais o lago e a alameda!

Tu, não viste mais, como a esperança,

que escapa de uma lenda que se afirma

acordar a alegria que não cansa...

os corações incautos despertar!

para o tormento, para vida humana...

foi assim que acordei para chorar!...

Rio 946

E. Rosas

 

“Soneto”

Retardara-me e a noite me vencera

Dum desconhecido

Vivi um áureo tempo abstraído

a Te ouvir minha Musa inigualável...

paisagem de Tristeza incomparável

na psíquica beleza, que hei perdido.

Por desertas regiões de comovido

crepúsculo de mágoa e sentimento,

Sou um Mago sonâmbulo, vencido

em meus passos de inércia e esquecimento...

Anoiteci num vale de incertezas!

à asa de algo Ângelus dorido

p’la fadiga de aspérrima Devesa...

E os dias, Lá se vão para o Futuro

e o ser, que mal Lidou cai abatido

nunca chega a vencer um ser obscuro!

Rio 946

 

“Soneto”

Todo prazer é um beijo mal roubado:

morre-me a boca para repeti-lo,

entre o eflúvio de um sonho malogrado

e p’la boca das rosas dividi-lo...

Como é bom esse amor, sendo metade!

curto instante à penumbra do jardim,

ao partirmos levamos a vontade,

p’ra que nos volte uma outra noute, assim!

Fui despertado p’lo Luar de impura

noute de Lua e desleal Ledice...

na embriaguez de lúbrica ventura!

Fui pressentido, ó dura crueldade!...

Libertei-me do amor, sem mais tolice...

deixando o gozo todo na metade!

Rio 946

E. Rosas

 

“Soneto”

Vivera um longo tempo compungido

a Te ouvir minha musa inigualável

Paisagem de tristeza incomparável

na psíquica grandeza, que hei perdido...

Por desertas regiões de comovido

crepúsculo de dor e sentimento

sou como um vento de fragor tolhido

em meus passos de mágoa e esquecimento...

Anoiteci num vale de Tristeza

à asa do crepúsculo vencido,

p’la fadiga da aspérrima devesa...

E os dias lá se vão para o futuro,

e o ser, que mui lidou, cai abatido...

nunca chega a vencer algo obscuro!

Rio 946

E. Rosas

 

Suspeitas de um perjuro

A ausência traz à carta uma saudade,

- doces palavras de consolação:

sem suspeitas de olvido, na verdade

de quem escreve cheio de emoção...

É de uma ansiedade inigualável,

uma mensagem vinda assim, à gente!

de súbito, chegando recendente

de um saudoso perfume incomparável.

Quer dizer que esse alguém não se olvidara?

doce ilusão de quem anseia espera...

numa meiga suspeita que algo aclara!

Todo dúbio supor de alguém ausente

no perjuro ansiar dessa quimera...

vinda a certa hora, inesperadamente!

946 Rio

E. Rosas

 

Tântalo do amor!

Quem meus lábios libou não pensara sofrer:

dúlcida morte em tântalo rubente...

pedraria inquieta de um poente,

tentação demoníaca do mal! a viver!

Sou a sombra da Ausência - meu espelho...

Aqueles que eu beijei morreram Logo!

aqueles que fingi amar sem desafogo

têm o peito gelado, hoje são velhos...

Do meu namoro, o desolado giro

às celestiais regiões do sentimento,

não ficara um só átomo de alento

nem a asa indelével de um suspiro!...

Os meus olhos poisaram nos seus olhos,

por sua vez a ausência é a sua sombra:

que andara ao sol a lapidar abrolhos

em desolada queixa pela alfombra...

É a minh’alma que é a eterna queixa

de um rio em névoa e mágoa repetida,

a refletir a imagem de quem deixa,

com saudade o amor da sua vida!

Do bosque à margem, onde infantil brincava

toda infância a fugir qual passarinho,

olhando para trás devagarinho

como a se despedir de si pensava!...

Foi por Te amar demais “região fremosa”,

Que de Deus recebi o ideal batismo

de amor e de humildade em graça airosa

de teus olhos de cisma e misticismo!...

P’la inquietação que o azul delineava

a curva voluptuosa de teu seio,

de teu corpo de musa, que lembrava

certa luxúria densa onde enleio...

Os mistérios da vida e da amargura

na página sublime de seus olhos,

que é um prêmio de oceânica aventura

de Lendas e naufrágios em meus abrolhos!

Sob cores a tarde à luz baixava

doirava a superfície d’água irial,

repetindo-se em círculo, que alava

como um arco de Luz às mãos do ideal...

Do mal da cor para o matiz da Musa

da Musa em flor já morta por vaidade,

de um ocaso que vai p’la mina infusa

da linfa doira a Naus p’la imensidade!

Rio 946

E. Rosas

 

Ao mal da cor para o matiz da Musa

da musa em flor já morta de Saudade,

de um ocaso que vai além da Lusa

Lenda de um rei que sonha a Eternidade!...

Rio 946

E. Rosas

 

Tercetos

Será minh’alma o espelho, onde Te vejo

num dia assim azul de primavera ,

a recordar o aroma de teu beijo...

a recordar as asas pela esfera

num revoo insofrido por delírio,

Que equilíbrio sonâmbulo perdera...

Cintila o orvalho à Luz, o cálix é o lírio,

aflige o aroma o sol, como quimera...

o roxo e o branco lembram o meu martírio!

Ao rubro vivo - Etna nas rosas,

falece o roxo pela claridade

nessa audição de bocas harmoniosas...

Numa audição de lôbrega saudade

de rosas rubras e de rosas brancas,

num gargalhar de irônica vaidade

ante a melancolia de almas francas!

Rio 946

E. Rosas

 

As papoulas do amor debruçam-se “formosas”,

miram-se ao sol a rir com frase de carinho...

- estranho dicionário em bocas veludosas,

que os eitos vão borcando e a areia do caminho!

Rio 946

E. Rosas

Tintas esparsas...

Oiro! oiro! do sol... oiro divino

oiro da Luz... o oiro de teus beijos...

o oiro da Quimera, o peregrino

Oiro de posse, embora num malfazejo!...

O oiro de encantos mil? a primavera  

rindo através da selva de Teus Olhos...

a Taça de ambrosia em oiro, que era

o cristal do amavio aos meus abrolhos!...

O oiro incrustado à rocha dura da frágua

na capilaridade de teu riso

Que iriando de oiro a fria água!...

O Oiro da ventura da tu’alma

mora e sonha no verde paraíso

do teu olhar que a minha vida encalma!...

946 Rio

E. Rosas

Torre-de-marfim

(Para as Guitarras)

Uma noute tive um sonho,

um sonho de azul Quimera!

onde se abriam caminhos

de estrelas pela atmosfera...

Par’cia que um anjo alado

conduzia-me sonhando:

pelas estepes do espaço,

onde eu andei rimando!

E, quanto mais subia,

o meu coração pulsava;

nunca, que eu chegava ao cimo

do calvário, que ansiava...

Prostrou-Me a cruel fadiga,

a noute passei num sonho:

que curta me fora a vida,

nesse percurso risonho?...

A Torre-astral se desfez...

voava as asas d’aurora:

e aos tombos p’la encosta afora

vim rolando e o Luar sumia!...

Em cataratas de neve,

em soluços de cascatas:

pelo ar e o tempo azul

foi sonoro, que se desata!

fora um vislumbre d’aurora,

fugaz perfume de flor:

fica a saudade daquilo...

que é sonho, volúpia e olor!...

Fora um sonho: e um sonho é sempre!

fugaz eflúvio de flor:

fica a saudade daquilo,

que é sonho, volúpia e amor!...

946

E. Rosas

 

Vaidade!

“Vinda ao acaso para a vicia estreita

filha da carne p’r’o prazer do mundo

fez-me o ciúme sua musa eleita

Tântalo em flor para o langor fecundo

Louca de Amor já declinava o ocaso

da cega pedraria das vaidades

como fruto do incesto vindo ao acaso

Tive sonhos de irreal sensualidade:”

“Mentia-me o Espelho em que me vi tão bela

Sonhava ser inda mais bela, quando

apagou-se no poente a minha estrela

Eu tântalo, de carne e de desejo

de Luxuriante olhar o céu tentando

com as estrelas da noute, onde me vejo?...”

946

 

Ventre da vida

Âmbito torvo originando a Vida

Tentação do prazer e da luxúria

para o Amor dentre a linha indefinida

desta beldade obra de alga incúria

Ventre de nívea e lúbrica epiderme

escultura sonâmbula da carne

que mão fascinadora de Arte inerme

Te plasmou na ilusão de neve ou marne?

Tentação de vetusta e egrégia graça...

ventre de Vênus que sugere a ideia

de noute sibarina onde perpassa!

Todo fulgor de báquico desejo

de um ventre negro ou branco que o sobejo

da minh’arte não vence e se receia!...

Todo esplendor de báquico desejo

da linha franca e fina que o Sobejo

do som buril não vence e se receia!...

946 Rio

E. Rosas

 

“Ventre da vida”

Ventre ou cova? Propensa, originária...

gestação para vida de astro ou estrela:

desde o estame da flor à extraordinária

cop’la, que o pólen rútilo revela...

Dor cruciante do prazer maldito,

Que gerou tua imagem peregrina...

escultura de êxtase, que fito

e meço a linha nívea, que propina!...

A tentação vetusta e a egrégia graça...

ventre de Vênus, que sugere a ideia

de noute sibariana, onde perpassa

Pulvamente teu báquico fulgor

da carne ao sangue originando o Amor

p’lo teu ventre de lúbrica Sereia!...

Rio 946

 

Vênus ou Safo?

Da nuca à vértebra osculo-Te a epiderme,

arfam Te os seios, — enluaradas pomas!

a derramar o sândalo da coma,

p’la volúpia oloral da carne inerme...

Vibras o corpo em contorções de gozo,

a carne tem marés de anseio e mame:

Um oceano se agita voluptuoso

em teu sangue, rugindo em tua carne!

Cróton lascivo de rubente estame

dos meus beijos — as abelhas num enxame,

bebem-Te o olor da carne voluptuosa...

Nesse delírio que a Volúpia instiga

entre anseios e ósculos, nervosa...

adejas no prazer p’la noute amiga!...

946 (Rio)

E. Rosas

Versos do Livro Torre-de-David de E. Rosas

 

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“Soneto”

Chegamos a gostar de cousas repelentes...

Charles Baudelaire

Num antro de magia e rúbido mistério,

onde a serpe, a coruja, o sapo têm poesia...

seja negra ou real, a lúgubre magia

em prol da nossa fé em seu áureo hemisfério...

A víbora e o morcego têm duplo poderio,

a áspide produz filtros cruéis p’ra morte

e na ronda avernal desliza um negro rio

de líticas visões numa obscura coorte...

Gostando do que é velho e rude, amei-Te um dia!

ó gasta barregã-ruiva, que a ironia

emoldura de Luz na sombra luxuriante!...

Vejo aquilo que o olhar não vê e não namora

vejo, não a mulher — o anjo, que lá mora

a psíquica irradiação da aurora inquietante!...

Rio 946

E. Rosas

Viagem no Letes

Dentre o denso torpor de uma noute de averno,

de um pesadelo atroz desço um Lete’ sangrento...

e as ondas vão crescendo e vai nevando o inverno

e a água do rio é um mar de lêneo desalento...

Reina uma eterna noute e o poente se afogando

num círculo de Luz, como que esquece a vida!

e o spleen domina os céus o côncavo baixando

o azul desce cinzento e a Lua adormecida!...

‘Onde irão a voar Horas de idílio e sonho,

de amor e de esperança, onde irão parar?...

as da melancolia e do fel, que suponho...

Vir do olhar de Jesus à Luz das alvoradas!

p’ra de beijos cobrir-Te e a tu’alma banhar...

p’ra que em teu seio, ó Dor, eu não veja mais nada!?...

Rio 946

E. Rosas

 

A falta d’oiro...

O Tédio nos arrasta lira miséria

apetece-nos a forma deletéria

a tirarmos um sono no sepulcro

fugimos à manhã à vida bela

temos pavor ao ósculo mais pulcro

da estrela que apagar da dor o fulcro

e aclarar os abrolhos da procela!...

Procuramos o abismo, o caos informe

as geenas cruéis do inferno humano

a dor e o desespero, a goela enorme

para assim nos tragar divino arcano!...

por tudo que é perjuro e mentiroso

buscamos o fel da vida como gozo

e nunca a Ti ó monstro desumano

Oiro, felicidade, à nossa glória...

a primavera , os vinte e cinco, a estrada

aberta às aventuras que a memória

nos esperará num pedestal na alada

Casta de desenganos e naufrágios

de quem anda a orar de plaga em plaga

dentre as vagas e oceânicos adágios

que os nossos sonhos do viver apaga!...

Rio 947

E. Rosas

Angústia!

Horas ermas e frias de Agonia,

onde oculto na bruma o sol descora...

o amor e o céu sonham longínqua aurora,

onde há laivos de vã melancolia!...

Onde o espaço é uma órbita vazia

de absorto olhar de taluda caveira

sem um vislumbre de um bom, claro dia,

ao vento tombam as folhas da roseira!

Os céus trazem d’Além laivos de Sangue,

a terra é triste, o pensamento doente...

e a tarde se reveste em mágoa exangue!

Habita em mim um monge de alma e inverno,

fora-me bem melhor não ser eterno:

Esse exílio das horas, lentamente!...

Rio 947

E. Rosas

 

Argento escrínio da noute,

diamantino a cintilar:

brilha azul, o Sete-Estrelo...

como as pedras desse Olhar!

Foi cravado a Sete-dores,

Sete-cravos numa cruz:

hoje só, deitou fulgores,

como as chagas de Jesus!...

Rio 947 N. Luso

E. Rosas

 

Caricatura...

Síntese a traço... morre-me a beleza

da linha que a vibrar gerou teu Eu...

Vibrou a chiste e a ironia com Tristeza

nas linhas de teu Ser que pereceu...

Falsa filosofia: a nossa vida...

O que ela vale: um verso, um pensamento?

Um noturno, uma frase, o sentimento...

Vibrando em arco universal, que olvida!...

Só! a fronde de anímico arvoredo

Floresce dando sombra ao caminheiro

Que bendiz desta sesta entre fraguedos

Morre a presença em síncope da graça

vive a louca ironia e o derradeiro

Traço feliz pela mórbida chalaça!..

Viva a luz desse espírito que é teu

e mais louca ironia e o derradeiro

traço mordaz que transfigura o Eu!...

947

Demônio?

“Tentação”...

A sós, quando procuro ouvir p’la sombra

Que perscruta o silêncio e a voz do Nada:

Alguém, que nos contempla e que me assombra,

eco alado p’la paz embalsamada...

É Deus baixando sobre o vai’ do mundo

p’lo mistério das causas silenciosas...

o rumor d’águas fundas,

a Saudade da vida de Além-mundo!

Eu sinto-me tentar... Alguém domina

os meus nervos atando a hercúleo elo,

prostrando-me essa força peregrina...

De tal modo, que sinto-me gelado,

esqueço-me que vivo... subjugado...

carinho, trato há na mão divina!

Rio 947

E. Rosas

Domínio

Eu pensei dominar a turba ignara,

vesti-me com o calor de D. Rodrigo:

tive a maior das decepções... falhara,

em nenhum coração tivera abrigo!

Fado iníquo, sem glória e sem destino,

mundo inclemente às ilusões do poeta!

Que rumo tomarão os teus cometas?

Que sina, as tuas almas, Deus divino?

Dominar! É supor-se um Zeus rimando...

e não ver a verdade... e, só mentira...

gosto assim de iludir-me, irei sonhando!...

Na onda de domínio do meu Sonho...

Que magnetizara o cântico da Lira,

involúvel Deus, que ante-sonho!...

Rio 947

E. Rosas

Elegia da esperança

Sonhar ser Rei

numa “Ilha Loira”.:

Sonhar íris!

Sonhos de Moira...

Ilha do Ar!

Ilha dos Astros...

Solo de Luar,

fino alabastro!...

Sonhas Estrelas

Que a nossa vicia

não é mais que a vinda

da noite à lida

Da grei divina

da ausência e sombra,

que plasma a fina

ronda, que assombra...

À Lua e aos homens,

que andam p’la terra...

nesse degredo,

Que mal o encerra!

A vida: é fumo

que Deus expele:

Que ignoto rumo,

Terá a imbele?

Alma das cousas

dentre a harmonia,

Longe da brisa

como teoria!...

Rio 947

N. Luso (E. Rosas)

 

Morre-me a Esp’rança,

Linda Menina!

Loira criança...

Que fado ou sina?

Rio 947

E. Rosas

(Espelho “Ausência de” um)

O espelho em que me via o sol roubara

o brilho de beleza por demência

apagara-se e sem que alguém sonhara

o céu d’aquele espelho por ausência

Da Luz que andava a madrugar com a aurora

cheia de uma sonâmbula brancura,

indeciso torpor cuja amargura

era feita das lágrimas que choras

Ó linda sombra do sonhar... Espelho,

que em nevoeiros fulguras para Deus...

e cintilas em vítreo raio, em velho

Tojal de sombra dentre um negro mar

da noute à Lua numa vela a Zeus

de nuvem errante rútila a alvejar!...

Rio 947

 

Eu quero, quando morrer,

junto “o Aqui Jaz”! de Olvidos:

“diga a voz do vento agreste”...

foi pelo Além a rimar!...

Rio 947

E. Rosas

 

Eu tenho o êxtase de um mago!

Como um clarão sem brilho nos espaços...

Despertando em teu sonho errante e lindo!

Olhando o céu a luz de uns olhos vejo

Luar, que a terra vida regara

desencantando as árvores num beijo

bufo que a leiva túmida afagava

Raiz de anseio e mágoa que lustrava

em Teu seio de noute, o rosmaninho...

Te ia a bendizer pelo caminho

bendita a sede, da água, que travava!?...

Senhor! Só vós fazeis vingar a vida!

fazeis ressuscitar a seguida

fonte dos meus anseios e desejos...

Nessa aridez acerba de um penedo,

onde não muda a rusga dos meus beijos,

ou a luz do Seu Amor, como um segredo!...

947 Rio

E. Rosas

Fluxo-refluxo eterno...

(“João de Deus”)

O fluxo-refluxo que o fulmina!...

Musa Suprema!

Ceguinho tateando numa estrada

segui guiado pela divindade

à metrópole lúbrica e encantada

Que distava da vida da cidade!

Entrei em Seus jardins misteriosos

com repuxos e cisnes e ninfeias...

despertando viera-me na ideia

a lisonja de sonhos mentirosos...

Vira tudo tão árido e indif’rente,

a vida rude, o homem incongruente...

p’la chama do Tédio em que me vi!

Deusa pagã por tantos cortejada...

Única Amada-Torre-de-David...

Áurea Taça das três da madrugada!...

Rio 947

N. Luso (E. Rosas)

Gávea da noute

(O gajeiro)

Lá são só sombras, Almas inda em olvido

por Deus, que as águas faz calar em coro,

desce um rio Letal com o fel decoro,

Que alguém julgara, há muito, já perdido...

E calou-se em soluços e Tristeza

entre os vultos e vedros por penedos...

era a voz de um presságio, inda em incerteza

o tumulto do vento inda em segredo...

Rio 947

E. Rosas

 

Levou-Te a doença na desesperança,

“Grande Amor”... para última morada!

transfigurando tudo que é bonança

em Tristeza p’la casa, até a estrada...

Onde já desfilou tanto infortúnio,

tanta lágrima e Dor, tanto lamento...

As nossas almas cerram-se com o vento

de mortuário e lúgubre Interlúnio!

Vais dormitar sob as argilas, fria...

morta e liberta da lustra canseira

da vida humana dentre campa pia

O que dirão Teus olhos encurvados

dos que ficam a chorar por Ti fechados...

Num mutismo de fel por cordilheiras?...

Rio 947

E. Rosas (N. Luso)

“O homem e o rio”

Contemplava o homem, o rio enamorado

da sua sombra p’lo vergel sombrio:

e dizia consigo, que gelado!...

vai p’la areia a correr, num desvario!

A carne tem a frialdade d’água...

água fria, que traz frescura às hortas,

às ervas mais humildes dentre a mágoa

que se vai a chorar p’las pedras mortas

Eu temo o frio, como teme a ave

o vento em fúria pelas franças gastas,

devastando-lhe o abrigo e a sua trave....

Passa a chorar dentre um tremor de medo

ao ver a Noute só por curvas castas,

distender-se entre sombras e rochedos!...

Rio 947

E. Rosas (N. Luso)

 

O homem mais a sombra

É noute! Um vivo Instinto nos domina...

engolfo-me p’la treva meditando!

p’la viuvez da Lua que fascina

e vai p’la areia em sombra desenhando...

O corcel da tua luz, ó tempo voa!

ó vento a entoar os cânticos da morte...

a invernar de velhice e numa boa

estação dos serões à noute, ó sorte!...

Ó fado de ser Tempo e andar correndo,

Velhice azul dos séculos descendo

sobre as nossas cabeças, ó visionário!...

Que Te iludes com a noute e com as estrelas...

Quando tudo é ilusão! Só Deus constela...

e conjuga um só verbo ao campanário!

Rio 947

E. Rosas

 

Olavo Bilac: Safo e Apolo irmanados num

só ente!

Silveira Neto: Um eterno-Luar de inverno,

mais o clangor de sinos numa aldeia ao Sol-pôr...

Alphonsus de Guimaraens: Policromia litúrgica

de vitrais em versinhos de Missal! Astrologismo cruel,

atuação de um parélio genial em sonâmbulas

Strofes!

Calisto Cordeiro: - O crayon a caracterizar e

satirizar caracteres e Sfinges.

Ronald de Carvalho: - Um cortejo de quadrigas

em jogo assustador por Centauros em demanda

a Zeus e ao Olimpo, pela estrada do Sol

ensanguentada em capilar hemorragia de rubis preciosos,

rumando ao poente!

Cruz e Sousa: - O eleito dos Eleitos! A astral clarividência

dos nossos dias enublados de Tédio e pedantismo,

o Zeus imortal do nosso Olimpo, hoje como

um sol dentre as nuvens da morte, dormita em

seu Nirvana!

Rio 947

E. Rosas

 

Outono! Meu outono  de Saudades

sem o vivo do sol... neblina e morte

da natureza absorta, que persuade

de que o homem terá a mesma sorte!...

De que a alma da casa é uma lareira

rebrilhante p’la chama, na alegria...

Quando as mãos retorcemos p’la canseira

das horas que se vão... marnota via!...

Desce o silêncio e o frio e a neve pura

Descem do céu em lágrimas, que cegam... e molham

a cripta astral da alma em noute escura!...

rola a última lágrima saudosa...

Outono! Meu outono  que só molhas

o campanário e as ervas sem folhas

num rosário de penhas algentes.

Rio 947

E. Rosas

 

Outono, que a alma árida desfolhas,

mais as veias da terra que não regas

sob o pranto monótono das folhas!...

Outono de horas d’alma silenciosa...

rola a última folha,

rola a última lágrima saudosa!...

Rio 947

E. Rosas

Remir

Redimido irmão da triste grei do fado

peregrinando pela vida afora

vês raiar todo dia a linda aurora

e nunca a nossa áurea, desgraçado!

Floresceste à sombra das tabernas

ao cheiro acre, mórbido do vinho,

ao som dolente das guitarras ternas,

Longe do musgo verde do teu ninho...

Dorme longe de Ti a tua aldeia,

passa a alma do campo ao sol do poente,

cantarola numa Ébria de algol cheia.

É a Ti velha Hotentote embriagada

que diverte os transeuntes, incoerente

Para cair aos tombos na calçada.

947 Rio

E. Rosas

Renúncia de uma estátua

Um Vate havia amado o próprio Sonho,

talhara um dia a efígie da mulher...

depois, a estátua em ânsia que suponho

ter alma e anseio sem saber sequer...

Depois de pronta a sua branca musa

por sugestão da Arte que o conforta,

quis dar-lhe vida e voz, à argila morta

veio a descrença mórbida e confusa!...

Meditando em seu sonho que o deslumbra

p’la concepção sonâmbula que a lira

não pode definir porque é penumbra!

Nela revive uma existência fátua...

a demência do Artista que a esculpira,

delirando a harmonia desta Estátua!

Rio 947

E. Rosas

 

Rimas: “Maldição”

E Tu Te foste, Amor, p’ra tua Vida...

Voltando eu ao meu silêncio e horror:

Açucena do vale estremecida,

Quando a tarde esmorece à luz e à cor!...

Tu Te abalaste pela vida afora,

como pomba de pálida esperança!

vinha raiando a lacrimosa aurora,

recurvada num arco de aliança...

Fiz nesse dia o enterro da alegria!

mais um sonho enterrei, para ventura...

que par’cia do céu descer... fingia!...

Como a tua mentirosa enamorada

da tua boca alvar e almiscarada:

no teu “Adeus”... trazendo a noute escura!...

Rio 947

E. Rosas

 

“Rimas sentimentais” - A falta d’oiro!

O Tédio nos arrasta p’ra miséria,

Apetece-nos a lama deletéria

a tirarmos um sono no sepulcro...

Fugimos à manhã, à vida bela,

Temos pavor ao ósculo mais pulcro,

da estrela que apagou da Dor o fulcro,

clareando os abrolhos da procela...

Procuramos o abismo, o caos informe,

as geenas cruéis do inferno humano...

a dor e o desespero, a goela enorme,

para assim nos tragar... divino arcano!...

Por tudo que é perjuro e mentiroso,

preferimos o fel em vez do gozo...

e nunca, a Ti, ó monstro desumano!...

Que nos arrasta à margem de um abismo

de sombra e Dor ante o clarão do poente

que em seu anel de luz falece rente

da Saudade de um rio, que algo cismo!...

Dentre o oiro lunar da nossa glória

da primavera  aos vinte-e-cinco, estrada

aberta às aventuras, que a memória

nos erguerá um pedestal na alada

Visão de desenganos e naufrágios

de quem anda a chorar de plaga em plaga...

Dentre as vagas e oceânicos adágios

que os nossos sonhos no viver apaga

947 Rio

E. Rosas

Sara-Saara...

Teu nome é Sara! dentro dele canta

a gloriosa mágica da Luz!

a extensão de um Saara que levanta

ao vento a areia, que ao Sol-pôr reluz!...

Teu nome é Sara-árida savana

que prediz a agonia da miragem

sem um palmar p’la rútila passagem,

sem bonança p’ra rude caravana!...

Tem vermelhas risadas o teu nome

da cor do ocaso, das papoulas-riso

de flor luxuriante onde se some

A Tristeza da Noute de Teus olhos

que ainda pode ser os meus abrolhos

Se me tentar alcançar o paraíso!...

Rio 947

E. Rosas

 

“Serenata sentimental”

Anular o oiro de Vésperas

e litanias do Sol-posto!...

Anular da Luz... Tristezas

do Crepúsculo que desce sobre

o meu coração!...

Sombra - recado de Pã à Vida!...

Luar - recado do Sol aos lírios...

Lua - Monja maldita dos meus e dos

teus cismares!...

Monja sonâmbula enclausurada

no nicho côncavo da sombra!...

Rio 6-4-947

E. Rosas

Soneto

Depois, que Tu partiste p’ra além-vida,

Dei-Me inteiro a essa ausência, ao abandono...

resta a alma do homem persuadida,

de que somos a folha, ao léu do outono !

E a Saudade da Morta em nós não cessa,

mais a Dor a lembrá-la, a Dor, que mora...

em tudo, que era bela e mais depressa,

vem apressando a mágoa que a deplora

Tudo é Saudade! tudo lembra o leito,

o quarto em que dormia e tinha às vezes...

Seus sonhos que estreitavam a vida e o efeito...

De uma melancolia de estranheza

que a constrangia dentre mil reveses...

pela linha invisível da tristeza!

Rio 47

E. Rosas

“Soneto”!

Para compor-se um báquico soneto

entrelaça-se em forma caprichosa,

as rimas de titânicos quartetos,

vindo à tona a malícia radiosa!

Vide ou árvore em abraços, voluptuosa...

Tentáculos de ramos para o hineto,

de um drama passional de espirituosa

coincidência para o poemeto!

Arco ferindo a corda dolorida,

flore como um rebento a flux, a ideia...

e vem à Luz e à brisa, comovida!

Gemido interminável e imperecível,

Alma fremente que no ar anseia...

Misto de Luz e tântalo invisível!...

Rio 947

N. Luso (E. Rosas)

 

Soneto: Spleen

Causa-me espanto a mágoa da criança,

tenho horror ao prazer desenfreado...

à bacanal, à orgia, por pecado,

à carne inerme, que nos gera e cansa!...

À luxúria brutal, à serpe infrene,

que o veneno sutil nos alimenta...

à ebriez singular do Ópio que alenta

e o olhar conduz a um âmbito perene!...

Oculto-me no Antro do meu ópio,

erro por mim, p’lo paraíso alado...

de um perene florir de Heliotrópios!

Vejo sorrir “fermosa primavera ”!

fria e aloirada de semblante amado,

A Quadriga avistando pela esfera!...

Rio 947

E. Rosas

Tarde a Giz

Fátuo ziguezaguear de vítreo lume,

fosforear de Luz por verdes águas:

Alga marinha d’oiro em cardume

Lápis de Deus a cor em branca frágua!

Ziguezaguear do raio-fulgurito...

de fulvo meteoro a cintilar

p’la saia azul do espaço que permite

ver o rasto da Lua a irradiar

Depois da tempestade inda fulgura

no éter e nas nuvens para raro espanto

o ziguezaguear pela lonjura

Do mar, da Tarde pela onda fria

ao sol, o iodo roxo que irradia

entre anêmonas verdes por quebranto!...

Tojo-fátuo de lúbrica ardentia

ziguezagueadas ondas e a mantearia

do mar à Lua para pôr em pranto

E a paz é branca! Lápis de Deus, que a tinta

mancha de sonho os céus!

Castelo, a lápis-lazúli que pinta

todo fulgor da abóbada de Deus!

Bucle de Estrelas preso à Lua,

a Lua, ovelha ouvindo a Loa

do oceano à luz, que nos magoa...

Ó Lírio branco que tressua!

Vem dar à areia os teus destroços,

conchas, calhaus, mais os teus olhos!

Restos da Vida nos naufrágios...

na ondulação de vil sufrágio

por entre horrores em teus adágios

ó mar, ó monstro vagabundo.

Lago de Deus, saio oriundo...

da Vida cósmica, fecundo

Saio de horror e naufrágios!

Linha infinita do horizonte

Em curva rubra por presságio

parar a linha de um gigante

da fronte altiva de algo monte,

buscando da África a Saudade!...

Ó Saia-azul do céu à Lua

pés de Anfitrite e estátua, pés calcando...

as auroras rosadas dos poentes

e dentre as brumas doiro se elevando,

à ardentia da onda intermitente!...

947

E. Rosas

 

Tivesse o poder divino

de tudo purificar:

Purificaria a alma

p’ra da Lama, Te salvar!...

Rio 947

E. Rosas

Trovas

Para que tanto queixume,

Rosa - olor - abotoada!

Noute ainda, p’la alvorada...

Astros doiro e negrume!?...

O Amor sonhando gerou...

a tragédia do ciúme:

Sonha a Sombra de um Otelo,

mais a visão de um queixume!...

(Amor sonhara Otelo!)

Rio 947

E. Rosas

 

Versos!...

Flébil aromal p’lo olor, como a haste erguia

anda em meu sonho a reviver p’la lascívia.

Tens o íris da Luz, assim como cabelo

- lânguido oceano azul de uma noite de nave,

recortada de sóis melancólica, breve,

qual íris singular de bolha que revelo...

Nimbo do sonho a pairar em pôr-de-sol violeta,

sobe leve, bem leve, oh! bolha de Sabão...

Vós tendes vida efêmera, igual às borboletas...

e neste instante vital - meteórica ilusão!

Comparável à cor das águas de um paul,

Sois o Amor que não dura apenas um minuto...

flore e foge eriçado pelo âmbito abrupto,

na síncope total do seu matiz azul!...

Rio 947

E. Rosas

Visão

Agoirenta visão de luz gelada!

Que mistério possui tua Presença?...

Quando desces à terra anuviada,

Vais a Jesus, a Deus pedir licença!...

E arrebatas as almas desgraçadas

às geenas do Mal, como sentença!

e a mim, me levarás pela alvorada

de tuas vestes lúgubres - e descrença!...

Louca hiena da fé bebes-me a vida,

na fria tentação do teu segredo!

no tântalo falaz, como bebida...

Cerras-me os olhos, gelam-me teus dedos...

arrebatas-me o corpo a vão degredo

num só beijo de morte apetecida!...

Rio, Casal do Luar 947

E. Rosas

No , de António Nobre

Bálsamo nosso para a chaga alheia

escrito em horas rudes de aflição:

a roxa taça da amargura cheia,

bebe-a de um sorvo contra a maldição.,.

Bíblia cinzenta como lenitivo

à dor dos poetas para a contrição,

ao mal das chagas que serão motivo

de tantos versos como confissão!...

Dor de gangrena! dor de Tédio aflito...

como noutes de ventos a chorar,

coro d’almas, que descem do infinito!...

Rebanhos de Astros demandando o Poente

em fúria, em torvelinho, ao ocidente...

para as geenas de sinistro mar!...

Rio 948

E. Rosas

 

Pudesse eu destruir as vãs filosofias,

todos os templos da fé errada do seu mal,

derribando por certo o funesto e a dinastia...

Erguendo um pedestal de forma primorosa

para alto esplender uma nova moral

Sem fel e sacrifício, sem ser supersticiosa...

Bela, na plenitude, assaz religiosa...

Moral, será a arte, eternamente, bela!

de Luz, que esplende ao sol p’la rútila verdade...

a ideia e a poesia, a Luz pela janela...

Quando o sentido acorda, e, cisma e tem saudade!...

Minha moral é asa e natureza!

Bíblia unida dos campos e das selvas

o sol doirando os olhos da Tristeza,

Doce-Sorver-irmã dos lírios dentre a relva,

da missa de manhã em névoa e singeleza!...

Rio 948

 

“Visita da saudade”

Fui ontem visitar o teu sepulcro, amada!

o vento amortalhava o céu e a natureza;

o dia ia a descer, no fim da minha estrada,

a luz crepusculava em ânsias e Tristeza...

Havia pelo azul a súplica dos seres,

o sol agonizava em rúbido clarão...

as flores murmuravam em líricos “dizeres”!

“Tudo, que a Vida canta em fel de maldição...”

Lembrei-me de teu ser – da tábida caveira!

vagando à luz do sol, aos raios da manhã...

“Aquela” que não tem nem sonhos, nem cegueira,

Nem inveja do olhar da aurora, mais louçã...

Que tem por nicho em flor, a lúrida poeira,

Por leito nupcial a cova fria e vã!

Rio 949

E. Rosas

“A caminho da noute”

Silente caminhava o doce Luar

p’la treva indefinida,

viu a janela aberta,

da noute e da minha alma entrou como p’ra vida!

a sorrir e a sonhar na su’alma deserta

a crença na amargura para à luz dedilhar

sua lira eternal de saudade e tristeza

de uma enferma beleza,

que chora e se transforma

em martírios de olor;

em flores redolentes

para oferta do Amor,

tomando um novo aspecto e branca forma

num profético assomo de asa franca

viu um sepulcro aberto,

saudoso de calor e do seu sono,

foi baixando deitar-se à margem de um outono  

onde a vida rolava...

De egrégia graça e de beleza helena

soavam ao longe as notas de uma avena

e a lua reclinava a fonte evanescente

p’la névoa do ocidente,

enquanto o vento reinava, lentamente...

e a mágoa se asilava

como as folhas no inverno, ao abandono...

Berço de aroma à flor, virão os frutos

e a sazão do desejo aloirando o pomar,

p’las criptas a voar andam ninhos de luto

é o inverno a nevar e a mágoa a recordar...

Todo lavor em prata

de uma fulva gravura,

como relíquia antiga...

a ideia, o sonho, torvas figuras

e num pranto de gotas se desata!

Sobre a velha vaga e livre ilusão da Lua morta,

manto real do sol em pedraria

refletindo no rio

as lantejoulas da melancolia...

que vens cair de manso à minha porta, -

fugindo à neve e ao frio...

Saudoso dos crepúsculos do Estio...

que morrem melancólicos

no diapasão da Luz entre simbólicos

mitos vagos de nimbos num arrepio

de água fulva p’lo Luar de um lago exangue

em laivos de oiro e neve...

painel de inverno p’ra melancolia

à fria claridade e já ressumbra

à superfície d’água a luz do dia...

Meio rosto de Lua no interlúnio,

metade Luz e cinza parda de penumbra...

metade amor e fel pelo infortúnio!...

o Frio-Outono de capuz nevado

Entra a sorrir pelos umbrais do alado...

Sôfregos, os ramos bracejando a Deus,

o cenário da tarde nos deslumbra

à luz da Lua as nuvens pelos céus...

Rio 950

E. Rosas

 

Há ironia na flor, ritmo e Tristeza

Há timbre de clarim na flor vermelha

O Amor e a Luz!

Fiat-Amor do mundo e do Universo...

Que reflui na aleluia do meu verso!

(Dum desconhecido)

“Juventude”!

Aurora em flor de áurea primavera ,

sorri da Luz nos vidros da janela:

toda manhã em festa à nossa espera

abençoado amor de nossa Estrela...

Depois tudo nos foge, tudo passa...

apenas na memória é que perdura!

maldizemos do fado, da hora escassa...

à meia-luz de um dia sem ventura!

Por isso, amor, nem tudo tem encanto,

vive e passa através de uma ilusão:

percebemos a causa do quebranto,

que não passou de vã divagação!...

Rio 950

E. Rosas

“Ilusão de Luto”

Seja nuvem ou visão do Sol-poente,

ar de Ave-Maria no impoluto

aspecto de rainha resplendente:

É alguém, que amei toda de Luto...

Vem do espaço, do aéreo refulgente,

como um sonho fugaz, que teme a tudo

e p’la soturnidade do ocidente

tem ar de viuvez e o lábio mudo...

Foge das cousas, foge à claridade,

dá-se bem na penumbra e por vaidade

adeja como as aves na amplidão...

No seu ar sonolento e misterioso,

parece a virgem em crepe doloroso,

Que vem pisando levemente o chão!

Rio 950

E. Rosas

Luz-do-nosso-olhar!

Olhar lembrando um céu luarizado

num saio exangue de melancolia,

fizera-se esse olhar enclausurado,

a aurora de uma mística Utopia!...

Enclausurado olhar dentre a penumbra

de embruxada espessura de mistério,

onde vaga o negrume que deslumbra

a aleluia de paz de um templo aéreo...

Luz-do-nosso-olhar...

Olhar, que tem saudade e funda mágoa

e desejo de alar para o infinito,

Lembra a queixa de um rio dentre a frágua,

onde o espelho da Lua é sol, que fito...

Onde há anjos dormindo dentre nimbos

e nuvens enlaçando a alma d’ela,

ondula o incenso e o fumo do cachimbo,

que esparsa emoldurando a minha estrela...

Sonho ou quimera? diáfana mentira...

é fátua a fantasia que esboçara

essa visão de ópio, que me inspira

Quero só, roxa paz de seu olhar!

é uma elegia d’alma de inda-clara...

toda livre beleza por pintar!...

Rio 950

E. Rosas

Rimas

Ó Sorte irônica,

o meu desejo:

Monja Verônica,

É ir ter a um brejo!

Quero fugir,

deixar a vida...

gente perdida,

quero dormir!

Ó vida irônica,

que mágoa tenho

Monja Verônica,

pregado ao Lenho.

Quero fugir,

Eu tenho horror!

Quero partir,

meu doce amor...

Não quero nada,

quero uma cousa:

ó alma alada,

busco uma lousa!

Quero dormir,

Quero sonhar...

Sol a partir,

vou me deitar!

A noite é fria,

A cova é boa!

a paz sombria,

vogar à toa!..

Vogar p’lo éter

sem ser cometa:

É ser-se poeta

beber do néctar

Das neves doiro

do sol ao verso:

Cântaro cheio

do meu parnaso!...

Quero saber

para onde iremos

depois da vida

se padecemos?

Rindo ou chorando

Liberta e presa,

a alma paira

pias sepulturas!...

A alma chora

contas da Lua,

pranto da aurora

que me insinua

Amar tu’alma

teus olhos tristes

graça que ensalma...

que o céu consiste!...

Consiste em ver,

não revelar:

Toda beleza,

de íntimo olhar!

Rio 950

E. Rosas

Rimas a uma mulher!

Ter por selva o teu cabelo,

por Estrelas os teus olhos:

É morar no Sete-Estrelo,

à sirte dos meus abrolhos!...

Por manhã o teu semblante,

cotovia harmoniosa...

para o sonhar enevoante,

enviando a canção airosa...

Misto da Eva e Anfitrite,

– tentação laboriosa...

surgindo da ‘Stalactite

de uma gruta misteriosa...

Talismã da felicidade,

para os prazeres de um conde...

onde flore a sensualidade,

onde a volúpia se esconde!

Onde canta a glória e vida

da tua alma de mulher!

onde se oculta vencida

alisonjada quem quer!...

Nunca serás a suprema

causa anônima do amor!

Lira, a Salomé do poema

oculta no dissabor...

Nasce a lisonja em teu riso,

Nos olhos perjuro Amor:

É tão longe o paraíso,

o prazer sem amargor!...

Rio 950

E. Rosas (A. Luso)

 “Sentido panteísta”

“Raízes”

Ó árvores raízes revestidas

de folhas novas pela primavera ...

raízes hirtas, árvores despidas,

embrenhadas no húmus que as bebera...

P’lo âmago de estranha natureza

pela vívida, densa redondeza,

há olhos a olhar por outros olhos,

sentidos que me falam p’los abrolhos...

Oh! árvores raízes verdejantes

raízes hirtas árvores despidas

p’lo âmago de estranha natureza

pela vívida e densa redondeza:

há olhos a olhar por outros olhos...

que sôfregos se fecham para a vida!

Fecham-se em aparência misteriosa

p’ra vida e para o amor quedam presas

a um eflúvio magnífico das tristezas

a um idílio romântico amoroso...

Até que o sol desperte-as da neblina

que as envolvem no nostálgico mistério

ante o sono das águas em surdina

em adejos de nuvem e assomo aéreo...

Ó árvores, raízes verdejantes!

Raízes hirtas árvores desnudas...

a evocar o silêncio e as cousas mudas

e o mistério das fráguas cogitantes...

E a seiva sobe e infiltra as suas folhas

de um lume de esplendor e de beleza

assim como a raiz de uma estranheza

embebe-se na fonte e os dedos molha

Os dedos da raiz sôfrega e ansiosa

Que vai lastrando pela terra afora

para a seiva concentrar em voluptuosa

ternura de um abraço a flux da aurora

Que revolva e apure toda terra nua

e o semblante do oceano p’la alvorada

quedada a seguir a quadriga da Lua

por seus corcéis de nuvem arrebatada!

por Centauros de olímpica beleza,

de apolíneo vigor que surpreende

a alfombra das várgeas que à luz esplende,

quando o sol se despede p’la dureza...

Rio 950

E. Rosas

Soneto

Causa-me espécie o enredo estrepitante

e muito mais o verso sem ter rima!

procuro dar relevo fulgurante

à frase, que o espírito colima...

Musa-berço invisível de blandícias,

cerúlea região, onde se oculta

a estrela do pastor, que em vão reluta

vencer a treva e se tornar propícia...

Em bem da fé, ante a incredulidade,

lavar-lhe a vista, dar-lhe entendimento...

se tudo é amor em prol da mocidade?

Dar-lhe clareza, como musa e amiga!

reviver dentro dela o sentimento,

todo esplendor de uma aleluia antiga!...

Rio 950

E. Rosas

Soneto

Cristo!

Há muito, que expiraste em teu calvário, ó Cristo!

às sombras deixaste os males por sarar:

descrente de teu verbo ingente e salutar,

minh’alma se abala em busca do Imprevisto!

Direi: nem sempre a luz penetra na floresta!

nem da rocha goteja a lágrima do orvalho...

nem o arroio deságua em balsâmica sesta,

nem a flor se ressente ao ser roubada ao galho!

Teu verbo fora em vão, levou-o o vento ao Nada!

da vida do pungir como um saudoso verso!...

o homem não merece o brilho da alvorada!

Nem ocaso da esp’rança, o Letes do Porvir:

O Messias, que desce em noutes do Universo...

e ilumina do gênio os olhos a sorrir!

Rio 950

E. Rosas

 

Amo-Te!

Amo-Te, como se amam as raridades,

o luxuriante sonho de objetos,

que brincam como a lua, dentre a vaidade

o mistério dos âmbitos secretos!...

951 Rio

E. Rosas

Cessa o tormento com o anoutecer!

Algo dirá, se há neste mundo, gente:

que sofra tanto assim, no envelhecer?...

Rio 951

E. Rosas

É essência de maio a fantasia

da nossalma a sonhar devaneando

almejamos as bocas de ambrosia

dos amores dos lábios que ideamos

Tudo perjuro: flores e quimera!

a estação mais ditosa para a vida

a própria luz os astros das esferas

na plenitude fulva sem guarida

Desilusão! Tudo me foi contrário,

arrasto a cruz do amor a sós, caminho...

absorto a tropeçar para o calvário

Onde errara à luz que eu vira outr’ora?

se é noute escura? mísero ceguinho...

tateante em busca de lânguida aurora!

Rio 951

E. Rosas

Eles querem empanar-Te o olhar vidente,

Ó vates do Brasil, com a musa em férias!

andrajoso mendigo que a miséria

dos homens te tornou mais paciente...

E bêbado rolando para o abismo

de lama que Te espera, à boca hiante...

rogou a Deus que mande um cataclismo

para que leve a plebe hilariante...

E toda alma pobre e toda Lama,

que circunda este mundo de mentira:...

templos, palácios ardam tudo em chama!

E fique tudo num monte de ruínas...

e sobreviva o plectro de uma lira,

o plectro do Senhor à boca das boninas!

Rio 951

E. Rosas

“Folha-solta”

Juventude: - Reino crepuscular de São Luís Gonzaga!

A terra: - Bola de Jesus Cristo às mãos de São José...

A Lua: Salva de prata às mãos de Salomé!

Estrela d’Alva: - crisântemo irial das tardes e manhãs!

Estrela vésper: - diamante a rolar pelo cetim dos céus...

Arco-da-Velha: - arco irial de anéis da filha de Herodias...

onde passa a dançar vencida p’la ardentia,

Sol: - Etna doiro geena que crepita,

aloirando de Luz a abóbada infinita...

A noute: - ausência aureolar da Lua pelo além

da Luz do seu olhar de morta, não p’ra mim...

para os pobres mortais que voam em ninho aéreo

na fé que não existe, um outro Éden assim!...

Rio 951

E. Rosas (N. Luso)

 

Há um mundo de harmonias em tua tinta

ó sol, ó pena d’oiro dos espaços,

Fiel-harmonia música de extinta

Seara d’astros em célico regaço...

Candelabro ambarino do poente,

mundo de êxtase d’alma-âmbito de arte!

tuas Naves de nuvens erram dementes

em procura de um sonho que não parte!...

Eu buscava dois corpos simultâneos...

a noute e a luz p’las urnas de uma tarde

melancólica de encanto momentâneo!

Quando os nimbos do Tédio o azul encarde

e a gente anseia ser céu e universo,

Todo pungir da Vida num só verso!

Rio 951

E. Rosas

“Infância Antiga” “Antiguidades”

Soneto

Parece que foi ontem, o tempo passa...

onde estarão aqueles que eu amei?

paisagem, casario, uma ameaça

do inverno da velhice em que me achei!

Velhices do passado, ainda vos amo

através do esplendor dos idos dias

das minhas ilusões p’las quais eu clamo

e choro por haver perdido um dia

Antiguidades d’oiro revividas

na memória — ruínas da Lembrança

que vão além p’la alma dolorida

Na visão de arcângelo pungir

na marcha de macabra esp’rança

de titânicos Tédios do porvir!

Maio 7 951

E. Rosas

 

Cair à luz do ocaso em verdes águas

de um pântano de fel e desesp’rança

desse palustre mal das minhas mágoas!

(Rio 951) Maio

E. Rosas

 

Instinto de estranhezas de um Nirvana

de sucessiva mágoa onipotente,

Que nada gera, se de vós promana?

Rio 951

E. Rosas

 

Já sinto cair neve na minh’alma!

um sol que apenas doira a face eril

do outono  que a tristeza nos ensalma...

Triste velhice, triste amor servil!

cratera extinta, às cinzas de um vulcão,

coroada das neves de um verão...

Rio 951

E. Rosas

“Mancenilha”

Teus seios de balsâmico perfume,

magníficos, p’ro mal, que nos propina

o veneno do sono, à mão do nume,

que faz dormir a trêfega menina...

Que faz cerrar o nosso olhar de viva

e nos transporta ao célico Nirvana

e convida dormir à paz de Diana,

à sua luz, que é doce lenitivo...

Tem seus fluidos, poderes Cabalísticos,

Volúpia de perfumes que entorpecem

e envolvem a alma em vago sonho místico!...

Eflúvio melancólico de amores

aos lírios e jasmins, que desfalecem...

ao queixume romântico das cores!

À síncope das rosas carminadas,

ao olvido nostálgico da Lua!

à Tristeza das horas desoladas...

que desperta à esquina de uma rua,

Quando os violões se vão p’las serenadas!...

Rio 951

E. Rosas

 

Mas tu não és o nume que namoro,

A flor da haste grácil que ao incliná-la

o vento curva e beija: o que eu ignoro!...

Surge pálida e triste e nem sequer

me reconhece, penso despertá-la...

tem um outro semblante de mulher!

Nova Iguaçu 951

E. Rosas

 

Moemas do equador de lânguido semblante

sonham América e a Ásia a aventura galante

de amores ao luar à esteira dos veleiros...

Em demanda de um mundo estranho à fantasia

à Índia secular, ao Gulf Stream nevoeiro...

Da miopia da alma às plagas da Ironia!

Rio 951

 

Ó noutes de Luar, tártaro-arcano!

Quando o pintor da Lua erra cidades,

Praias de Ofir! submersas no oceano...

Brilha e palpita o dorso desse abismo,

Dormem, submersas as sirtes da Saudade...

revolve os vãos destroços, o cataclismo!...

Tentação desta noute extraordinária

de trapézios de estrelas pelo ar

de escadarias ocaso e procelária

ameaça do céu baixar ao mar!..

Maldição! ter bebido de Mefisto

a taça de absinto do ideal:

e renegado os amigos do imprevisto

por ser mais alto o seu poder astral!...

Por ter banido do meu pensamento

a ideia de outra-vida tumular,

renegado a existência no tormento...

que possa haver um Deus em cada Ser!...

Que possa ser mentira, o fato estranho

de vir à vida assim como uma estesia

ser a pérola do mar de ideal tamanho

que sai da concha assim como da artéria

O sangue das carnais-sirtes de aurora!

de arrebóis e crepúsculos do estio:

que morrem musicais ouvindo a hora,

a lítica harmonia - o fulvo rio...

Rio 951

E. Rosas

 

Os fluidos sobem, como sobem anseios,

desejos doidos, sôfrego querer!...

abrindo em vão os braços sobre os seios,

parece até que vão desfalecer...

Em seus perfis angélicos se esboçam

em fumo e sonho nesse adormecer,

de sonâmbulas musas por querer,

subir, dormir nas asas sem que possam...

Da penumbra do poente a oiro fluido,

à água e mame de silêncio e rio:

onde a ironia da Tristeza, caído...

ouvir chorar na queixa e mio

Dos seus lábios de súplica e mistério,

dos seus olhos silentes de estelares,

que naufragam no luto de algo aéreo...

na envolvência do incenso dos Luares!...

Rio 951

E. Rosas

“Rimas”

Volvo à infância por obra de Mefisto

em maga penitência vim mais velho,

pago minhas culpas por amor a Cristo...

Estarei diante um louco, ou estou sonhando?

e comigo a cismar, conjecturando...

acredito viver, sendo mortal!

Requeima à sua luz, as asas d’alma,

às chamas avernais, que a crença ensalmo

de um poder inda mais transcendental!

951

 

Rosas primaveras, rosas de carne!

ansiosas p’lo calor de tua boca:

eclosão de volúpia em alma louca,

a centelha da Luz doirando o mame.

Lume insular do aroma e da pureza,

chama luxuriante de rosas, sangue

dos ocasos rubentes na Tristeza

agônica da tarde da tinta exangue!

Rosas Gris anoutecendo o cálix

em crepúsculo d’alma e sentimento,

Rosas rubras fatais gerando males!...

Expressões de herodíaco desejo!

órgicas na cor dentre o rebento

da camélia rubente de teu beijo

Rio 951

E. Rosas

(Só)

A enfermidade d’alma, o linfatismo

anemia nervosa, esmorecente

o desânimo e as dores do mutismo

a cor da Luz e o fim do sol-poente

Ter-se um Esto na alma coroado

pela neve de invernos inclementes

ao silvo aterrador, continuado...

de Litania dos ventos do crescente...

Uiva e chora lá fora o mal do dia

não cessa não, essa melancolia?

que augurenta cada vez para o doente...

Caem folhas... a paz é um céu de outono !

Fora melhor dormir eternamente,

do que esse triste, lúgubre abandono!...

951 Rio

E. Rosas

 

Só! tem valor na vida a lira transcendente,

a musa, que escapou da lama das paixões

aquela, que perscruta as cousas aparentes

e despreza avareza e o ouro dos brasões!...

Rio 951

 

“Soneto”

Amar — é cultivar dous sentimentos:

é ser o jardineiro da suspeita,

é viver dentro de um pressentimento,

sem saber qual será a sua eleita?...

Amar é conjugar o verbo aflito,

que traz suspeita e anseio ao nosso-ser:

é um não querer, querendo ser maldito...

p’la graça desse alguém por si viver!...

É sublimar a vida e mais uma crença

É realizar em sonhos o impossível,

ficar poisando em ânsia p’la indif’rença...

É reunir todo um valor p’ra luta

sem saber qual metade lhe é cabível

na partilha do bem, que se disputa...

Rio 951

E. Rosas

Soneto

“Cantara a cotovia longos anos”:

sem fugir da mentira de uma Lenda!

ficara a vocejar no meu arcano

entre o travo e os pedaços desta senda

No meu vago sonhar de torvos dias,

que não concorda com banal destino

no irônico pungir dessa utopia,

que nos traz o espírito mofino...

Ó vós, que tendes dívidas no Mundo!

que não tendes a fé e a confiança

no Amor, que nos conduz rompendo fundo

Ó ventre original de uma esperança

Até chegar às plagas do Iracundo

com a mesma candidez de igual bonança!...

951 N. Luso

E. Rosas

“Soneto”

Chagas da Luz orvalhando a terra de amargura,

chagas rubras do sol de ático penedo!

É muito mais cruel essa aflição escura

em saber quem Lá mora a tórrido Luar

Em saber qual o sino em terra esboroada

soa a sexta hora assim com tanta compaixão

dos numes a rezar p’la hora angustiada

do tempo que correu atrás de uma ilusão...

Chagas de dor a rir nas chagas de um mendigo,

chagas minhas de tédio e assediada velhice

que andam a lastrar às flor’s apensas de um Jazigo...

Chagas de estrelas doiro, sorrindo quem as visse

num céu lilás de outono  a ânsia das Ledices

que foi do Luar velhinho o seu primeiro abrigo!...

Rio 951

E. Rosas

Soneto

Delira a tarde e as vozes são queixumes

têm espasmos de êxtase rubente

envoltos no veludo do perfume

sonham auroras doiradas do oriente

Erram ninhos de cinza do poente

adejos das lareiras das herdades

passam aves nos bandos do ocidente

são as minhas íntimas saudades...

Subo através do espaço na incerteza

de encontrá-la talvez dormindo ou morta?

com seu doce sorrir ante a tristeza

Do fado que me haja desolado

da mentira na esp’rança que enfado

ao coração que fora despojado

Rio 951

E. Rosas

Soneto

Eu tenho espasmos de princesa nua,

Sou núbil Sulamita enamorada:

Visto os nimbos de albor da madrugada,

Sonham meus olhos com o nascer da Lua!...

A paisagem que avisto emana estio,

sarça avernal de Lítica aspereza,

Salamandra de estranha natureza

que se banha nas chamas de algo rio...

Sou mariposa lânguida e lasciva,

me consumo na chama de uma vela,

tombando morta, quando a luz a seguira...

Parto à órbita longe de uma Estrela

toda essa ânsia e essência de deriva

da sensualidade: por ser bela!

Rio 951

A. Luso

“Soneto”

Penetrar em teu mundo misterioso

por que porta? Se lá ninguém não mora!

Se é inefável Nirvana silencioso,

Se não termina a luz daquela aurora?

Como? E quando chegar a interminável

subida de além-túmulo? se os astros

gravitam no mistério de outro rastro

de imprecisa visão inigualável!...

Penetrar nas paragens de teu mundo:

é preciso ser algo de divino,

possuir os poderes do Iracundo!...

Ser Satã, ou senhor de toda Luz!

atravessar um Éden peregrino,

A inércia do Universo que seduz!

Rio 951

E. Rosas

Soneto

Reina o silêncio em toda rua, embora

Durmam todos, alguém ansiosa espera

da serenata os violões da aurora,

para insuflar-lhe a alma de quimera...

Cintila a Lua, o asfalto é todo neve,

pairam anseios no ar e a Lua ronda!

e nos acordes sonoros vão de leve

morrer em meu sentir, que fundo sonda...

Quanta tristeza, se os violões se calam,

quando vão se afastando e dobram a esquina:

há lábios invisíveis que me falam...

E ela ansiosa, ao Luar abre a janela:

É noute alta e a noute, nos propina

ansiar o que, nos diz um céu de estrelas?...

Rio 951

E. Rosas

Soneto

Reparem, vede a atávica eloquência

da máscara de sombra que há na fronte,

no côncavo da órbita em demência,

à meia luz da lâmpada bifronte...

Da linha nívea do semblante ao seio

do colo ao ventre, à curva do joelho...

em palor lirial lustra-se o anseio

p’la egrégia nua do seu fino artelho

Soam cânticos doiro de estesia

Musa pagã p’lo encobrir do manto

em dobras livres dentre a fantasia

Do cinzel que sonhou à mão serena

Enfermando-a de mágoa e de quebranto,

Todo requinte da beleza helena!

Rio 951

E. Rosas

 

Tens o queixume na folha

da rosa triste a girar:

são dous céus de Lua e opala

que moram no teu olhar!...

Rio 951

E. Rosas

(Trova)

Dás-me o frígido desdém,

como o último castigo:

Permite que eu tenha, um dia,

junto de Ti um Jazigo!...

Rio 951

E. Rosas

“Última-quimera”

Ruíram como torres, as esperanças!

Castelos das quimeras, que sonhei...

Fumo estéril de um lar, que não criei...

e que o vento o levou, como vingança!

Vento de tardia morte e de desesperança

p’ra quem tudo na vida acalentou,

de quem muito sonhou e nada alcança...

p’la ironia do fado que o logrou!

Fico às vezes cismando no futuro,

no fel dos plúmbeos dias, que me augura

a blasfêmia feral de um céu escuro...

Oiço o tropel dos males e das doenças,

os centauros de bronze p’la lonjura

de aflitivos ocasos de descrença!...

Rio 951

A. Luso (E. Rosas)

“Versos da vida e da miséria”

À porta de uma Igreja

achava-se um mendigo

vencido como o tempo

varrido de ilusões sem seu castelo antigo

pedia e murmurava...

dos olhos gotejava

a lágrima sentida

era a sombra da vida

a vida que fugia

sob andrajos estendendo a palma seguida

da mão pela miséria,

ora afagando as chagas, ora coçando a carne

sob a veste agrava-lhe a lepra, e tem coceiras

chora e suspira e frases balbucia

numa surda toada

de angústia e de desânimo...

Passa um, passa outro,

a esmola cai-lhe ao colo

para ele o chorar é um doce consolo.

Negra visão da vida tem um homem como esse

tem Dantescas visões, paixões de pandemunium

infernal e infeliz p’ra n’alma de crente

É a vida de quem pede e nada tem no mundo

a meu ver chagas nuas a escorrer pus e sangue:

A cigarra de outrora que cantava no estio

que de nada cuidou para si, no futuro

e agora jaz inerte à porta de uma igreja

a chorar e a estender a sua mão mirrada

à piedade indif’rente, à burguesia crua

De olhar impiedoso vil, plasmando a imagem nua

da miséria outra Lua...

para os astros tranquilos,

que perscrutavam por Deus do espaço e do infinito

as desgraças do mundo e a frieza do homem!...

Rio 951

E. Rosas

“A filha do ‘Demônio’ ”

Num lugarejo distante,

havia linda Zagala:

que um rebanho apascentava...

Lá, nas manhãs do Levante!

Certo pastor encantado

p’la sua beleza rara

Seguiu-a enamorado

por uma manhã preclara...

Dessa união peregrina,

nascera linda menina!...

Que era um sonho, uma Quimera,

Seus olhos de primavera ...

Tinham o brilho singular

do brio da estrela d’alva,

de um rouxinol a cantar,

da gota do orvalho salva

de um sorvo de borboleta,

a cintilar inquieta...

Na plenitude silente

de uma áurea transparente...

Era tudo encantamento...

Numa manhã encantada

aos raios doiro da Luz

Parte cega, enamorada,

do chamado que a seduz...

Por uma estrada d’aurora,

não voltando nunca mais!

deixara ao abandono a nora

confidente que jamais:

Que não confiando em quem chora

por mais corações mortais:

que pareciam leais

na renúncia de uma hora!...

Nos tempos de hoje em dia

Que comédia! que ironia!...

uma vida assim feliz!

pelo prado entre o matiz

Insaciável das boemias,

dos lírios dos peregrinos...

florinhas que andam no ar!

Triste desdita! Ao chegar

em casa o pastor ridente!

não vira a filha a cantar,

nem a mulher sorridente...

A filha estava encantada

numa corça amarelinha,

que a muito rogo voltara

a ser linda em mocinha...

Havia a mulher partido:

Era arte do Irreal!...

Levara-lhe o pai banido

do paraíso terreal!...

Rio 952

Antonio Luso

 

Almas de rameiras

(Inconveniência de possuí-la às escuras)

Entrei com curiosidade num alcouce

Levado por um ímpeto esquisito

as estrelas brilhavam no infinito

e a noite de atração, mais do que doce!...

Uma mulher à meia-Luz da Sala

Levou-me à sua alcova perfumada

Trazia meia máscara cendrada

na palidez do rosto e mel na fala

Apagara-se a luz, por que seria?

esse requinte frívolo, burguês

copular às escuras... estesia...?

Seria por escrúpulo, talvez?

Ela tinha a lunática mania

De se entregar ao vício da embriaguez!...

Seria por pudor talvez mundano

continha em si o fel das ironias...

Era morte a beijar-me aos vinte anos!

952

Alma-gaúcha!

Voa contra o pampeiro alucinado,

agitando o cabelo e o lenço abrindo...

vai nas asas de um sonho malogrado

p’las areias impávido sorrindo...

Fulgem ao sol os arreios e a roseta

que risca o ventre do corcel bramindo

e bufa p’la coxilha repetindo

no guapo galopar de tal veneta...

Alma voa em teu sonho arrebatada

na fúria incrível do corcel da morte,

para estacar à margem da alvorada...

É a alma do pampa de um pendor singelo

que alígera passou ridente e forte,

à cantoria como um pesadelo!...

Rio 952

E. Rosas

 

Anda em mar alto... da síncope e delírio:

tem espasmos... copulam seus sentidos

p’la aberração de lábios empíreos!...

Rio 952

E. Rosas

“Assalto de Granada”

Em idílio romântico, em colóquio

num jardim em que o outono  enriquecia

de singelos martírios — solilóquio

do meu Viver em horas de Utopia!...

Era a mais bela jovem do reduto,

gostava de uma farra e sacanagem,

desfrutava com delícia o doce fruto

da Musa paradisíaca p’la aragem...

Doce no olhar, olhos pisados, cega...

p’la Pantera brutal dos seus sentidos,

seu sistema nervoso em si navega...

Anda em mar alto ébria e vagabunda!

Beija-me a Lua d’oiro da maleva

me esvaio louco nessa tosca imunda!...

Rio 952

E. Rosas

Caveira

Olhos que foram olhos, dous buracos

Agora, fundos, no ondular da poeira...

Nem negros, nem azuis e nem opacos.

Caveira!

Nariz de linhas, correções audazes,

De expressão aquilina e feiticeira,

Onde os olfatos virginais, falazes?!

Caveira! Caveira!!

Boca de dentes límpidos e finos,

De curva leve, original, ligeira,

Que é feito dos teus risos cristalinos?!

Caveira! Caveira!! Caveira!!!

Cruz e Sousa

“Soneto”*

Irei dormir, sonhar contigo ó linda!

Visão de amor da alta madrugada

sentir no húmus o fogo que se alinda

Dentre o calor dos beijos de uma ossada

Sentir no gelo sepulcral de um beijo

do último pungir da tua boca

que sôfrega se abria entre o bocejo

Da volúpia da vida e o lábio em sangue

balbuciando o verso onde se espouca

A Luxúria floral de um cardo exangue.

Rio 952

E. Rosas

*Irregularidade no original: http://www.literaturabrasileira.ufsc.br/public/_documents/0067-02415.pdf (imagem)

 

A lista do pungir!

Irei dormir contigo, amor primeiro,

beber do teu pungir a gota fria,

ao fundo de um jazigo se o coveiro

consentir que me chegue à ossada ímpia!

 

Da minha Torre oiço explosões da Ira

das almas vis de tóxico veneno

e considero quanto são amenos,

aqueles que na vida tangem a Lira!...

Rio 952

E. Rosas

 

Do teu olhar de estátua humanizada

embruxada no mármore de um sonho:

enfeitiçada de um pavor bisonho,

que a própria alma morrerá gelada...

Maldita saudade condor funesto

que despedir vim teu coração de freira

És de gelo e não tens nem só protesto,

Irás salvar na noite do infortúnio

à taça de Mefisto, ao plenilúnio...

do teu amor faccioso, ó minha amada,

às primeiras risadas da alvorada...

a canção da amargura da caveira

O Spectro da Saudade em busca de teu rastro!...

Rio 952

E. Rosas

 

“Fado” causa da viagem!

Eu hei de contar-te um dia,

a causa desta viagem!

por não achar em teu peito

Amor:

Um quarto, como hospedagem!...

Eu, vivo por te querer...

e sofro, por meu sentir:

uma indif’rença qualquer

Amor...

no modo do teu sorrir...

Minh’alma sonha contigo,

com as estrelas também!

queria ter por jazigo...

Amor!

Tua memória, no Além!...

Rio 952

E. Rosas

 

Fado da Amargura

Vagabunda da típica Taberna

aos tombos pela vida, d’alma airada...

alimenta-Te o vinho e a madrugada

e a perfídia da sátira moderna!

Andas aos tombos dentro da tu’alma

e aos trancos e barrancos pela vida,

não tens noção de cousa alguma e a Lida

dos mais Te irrita, por não ter, mais calma...

És o Ashaverus, tens como castigo

errar eternamente, fatigada...

até baixar ao fúnebre jazigo!

Vais a cantar as trovas que criaste...

Uma noute, era rua despertada

p’lo fado da amargura, que sonhaste!...

Rio 952

E. Rosas

 

Fado da Impiedade

Vagabunda da típica taberna

aos tombos pela vida, embriagada,

alimenta-Te o vinho e a madrugada

e a perfídia da sátira moderna!

Andas aos tombos dentro da tu’alma

e aos trancos e barrancos pela vida,

não tens noção de cousa alguma e a Lida

dos mais Te irrita, por não ter mais calma!

És o Ashaverus, tens como castigo,

errar eternamente, fatigada,

até baixar ao fúnebre jazigo!

Andas cantando a Letra, que criaste

uma noite, era a rua despertada

p’lo fado da miséria que escreveste!

Rio 952

E. Rosas

 

“Fisionomia das árvores”

Ó cogitastes sombras do caminho,

ó sôfregas raízes, que através

das nossas frondes traduzes baixinho,

o martírio que chora em vossa tez!?...

Ó Martírio do vento frio à noite,

a inclemência do inverno, que congela...

o vosso corpo de alma num açoite

Do vendaval aflito, que regela!...

Ó embruxadas Tristezas dos semblantes

dessas vidas de súplicas à altura,

Indiferentes aos rudes viandantes!...

Que também têm raízes de amargura

Hirtos Lenhos, que a alma transfigura

em sorrisos de amor aos semelhantes!...

E. Rosas

Rio 952

 

Foi a hora de um pálido poente

à meia luz crepuscular e baça

que eu vi se aproximar de mim doente

Essa aérea visão de vestes lassas

E ao erguer-me partia misteriosa

Entre a sua hora da tarde que descia

e eu nunca mais a vi, essa piedosa

musa de estranha luz e profecia!...

Essa visão de veste vaporosa

é a Beatriz gloriosa, que consola

e traz alívio às almas dolorosas!

Vinha de negro! É baça a luz, que desce,

esconde a face às mãos, onde estiola...

Toda a ilusão da vida que anoitece...

Rio 952

Das Sete-Musas

E. Rosas

Lucubro “d’alma”

O meu príncipe encantado

É um auferes de polícia,

que anda sempre embriagado

do meu hálito em carícia!

É alto, elegante e moço

esguio como um cipreste:

Traz um número ao pescoço,

Tem um ar sombrio e agreste...

Dá-se muito com um rapaz,

que tem por nome Barbosa:

É bonito... e não loquaz,

tem uma fama pouco airosa!...

Se a sombra e as pedras falassem

e os choupos desta cidade!

contariam muita cousa,

que andam à roda de uma fímbria Idade!...

Rio 952

E. Rosas

“Mulheres-outonais”

Epidermes de neve, ó lânguidas camélias!

que o vosso olhar possui a célica Tristeza

da Luz do ocaso eril à flor das impurezas,

aureolando do sonhar a fronte das ofélias...

Monjas de cera em ócio, ó origens, que beleza

estagnam como a planta a um raio mascarado...

de Lua singular em hora portuguesa,

a sesta secular de Claustros do passado...

Oram coros de cisma e sonho em nossos olhos,

Passam visões de incenso à luz dos círios mortos...

Em nossa castidade, é uma oração de abrolhos!

Vossas consciências nos raivam com a fé pia Luz...

Vossos prantos lavaram a olhos absortos,

Só memoram na paz as cem-chagas de Jesus!

Não conheceram o Amor p’las chagas de Jesus!

Rio 952

E. Rosas

 

Musa da Europa... grave Morgadinha!

onde o sonho de infância se avizinha

sob teus céus há horas de esperança

Tuas canções comovem ao forasteiro,

os teus choupos entoam o derradeiro

cântico ausente porque sou criança!

“Coimbra”

Dorme o passado e os violões de outr’ora

a guitarra de corda extenuada

a gargantearem trinado junto à aurora,

onde esconde em prisão da vida airada...

Mágoas e dramas; que por mais pungentes

que sejam, mórbidos suspiros agudos

na lágrima de seus olhos, friamente

Como a Lua na noute para tudo...

Para rimance de linda morgadinha

quando o sonho da infância é uma polvinha

sob teus céus de ocaso e de esperança!

Comovendo em canções o forasteiro

Cantam choupos entoam o derradeiro

canto de ausência para mim, criança!

952 Rio

Musa profana

Uma noite de vã ideologia

Saí em busca de uma novidade

recortavam a silente imensidade

os meteoros da minha fantasia...

Dirigi-me a uma casa silenciosa

à meia-luz onde a luxúria habita

onde há fausto e a volúpia não crepita

e traz à face uma máscara nublosa...

De renúncia e miséria e de impureza

que faz chorar a alma de Tristeza

De ser cândidas flores a mirrar!...

É a Lama, é o mal, a escrófula latente

o fermento da Sífilis, demente...

De prazer a florir no Lupanar!

952 Rio

E. Rosas

Nesse tempo estudava anatomia

auscultando teu peito de mulher

Notei que o coração se confrangia

Com a minha Dor num doce mal-me-quer!...

Rio 952

E. Rosas

“No reino das trevas”

Temos horror às auroras

ao dia, à Luz, à manhã:

que venha a noite, a alta hora!

quando os astros são titãs...

Quando a noute é o nosso mundo,

O templo da nossa fé:

Quando a treva é céu profundo

e a Lua a arca de Noé!...

E as estrelas farolins

que aclaram a amplidão secreta

candelabros de rubins

das Saturnais do Poeta!...

Jardins de argentina flora

de interminável beleza

onde os sorrisos da aurora

São lírios para a Tristeza

Rio 952

E. Rosas

 

No reino das trevas de Antonio Luso

Ó eflúvios das frondes que em si mesmas

abraçam a vida e a sombra da su’alma

e retornam a si com ânsia e calma

na humanidade da gleba como de Lesma...

E alimentam silentes muitos vermes

e dão abrigo às fúlgidas abelhas

que nas tardes de Estio têm centelhas

nas suas asas lúcidas, inermes...

Encarnam d’essências acres e voluptuosas

de um adusto perfume que embriaga

tal a mulher de vestes vaporosas...

No entanto traz o encanto nos veludos

junto à raiz pela charneca aziaga,

eflúvio-outono de idioma mudo...

Rio 952

E. Rosas

 

Por que punir os mártires do Amor?

por que magoar o lírio da inocência...

Quantos não convalescem, como a flor?

se a Luz lhes ronda o seu candor de ausência

O seu candor, porque o candor é puro

branco, como a maresia de um relento

de linda e vaga serenata ao vento

de veste vaporosa em céu escuro...

Derramando o silêncio da clausura

de quem dorme no céu, ciliciada

p’los martírios de amor, como ventura...

Encontrando nos raios de uma Lua

o vestido de musa que uma fada

bordara a astro e neve em seda crua!...

Rio 952

Rimas

Toda de azul a singrar

a doce Senhora-Lua,

a moreninha do ar

que numa nuvem flutua!...

Latina dos meus amores

p’lo corcel da Via Láctea:

atira os anzóis aos astros...

em vez de iscas, são flores!...

E a extensa rede da Lua

colhe as estrelas ao Luar!

peixes de nácar e a crua

cintilação sobre o mar

Mar de ondinas, de outras eras

mar de Atlântica calada:

Só tem olhos de Quimera,

mora nessa ilha encantada...

Mar das Liras das Guitarras,

mar das noites Luarentas

quando à meia-noite acorda

sob a Lua sonolenta

Sob o beijo enamorado

de sonâmbulo crescente

de quem viesse tomado

de um amor morto da gente

De quem viesse dormindo

d’algum túmulo de neve:

e despertasse sorrindo

voltando o rosto de leve...

Para os páramos do empíreo

para a outra face da vida

que mora longe, esquecida,

acobertada de lírios...

Acobertada de flores,

de rosas da aurora fria:

que vivem à boca dos astros

nos sorrisos de Maria!...

Rio 952

E. Rosas

A senhora Lua - toda de azul a singrar!

Rosa mística do Além

Hóstia branca de um altar:

São teus círios as estrelas,

mais o incenso do Luar!...

Rio 952

E. Rosas

“Soneto”

Ai! Quem nunca subiu à torre aguda

dos reveses da vida procelosa,

E vê-se rodear da treva muda

Que negreja p’la hora tenebrosa...

Tudo é efêmero, vago e delirante,

Ligeira tempestade que reluz...

p’ra quem soubera o travo cruciante

de quem sofre os martírios de uma cruz...

Irrompemos de súbito o empecilho,

vencemos o caminho e a crueldade...

das mundanas paixões de horrendo exílio...

Ao chegarmos à beira da nossa alma,

concluímos que é vã banalidade...

Essa vaga quimera, que nos calma!...

Rio 952

E. Rosas

“Soneto”

(Ao Pedro Santos)

Era jovem e formosa e me dissera:

Talvez, Te escreva meu galinha roxa!

Foi numa noite, já na primavera

de estrelas doiro, que bancara o trouxa...

Era bela a amante da mão boba

masturbava-se a qualquer leve contato...

o juízo, não era muito exato

Tinha sede de Amar, era uma Loba...

Uma noute encontrei-a num jardim

brincava a francesinha alheia a tudo...

com seu covinho e um arco de marfim!

Chamei-a... era um eflúvio de Mulher!

Tinha as mãos de cetim... era um veludo...

Fazia ver estrelas outro qualquer!...

Rio 952

E. Rosas

“Soneto”

Corri países... Só encontrara Lama!

Desiludido na paixão da esp’rança,

que me queimava rude p’la aliança

de um novo céu e de uma plaga em chama...

Tombei absorto pelo desengano

de haver fugido aos pés a terra e amado

a primavera , o amor, mais o oceano

e ter por berço um mar encapelado!...

Absorveu-me os célicos designas,

Fui castigado... não segui os signos

da minha vida torva e tenebrosa!

Menti-me a mim e ao mundo transitório:

Fui poeta, Tunante e merencório

Vate de Linda Dama misteriosa!

Rio 952

E. Rosas

Soneto

Esboço em cinza esfumo-céu de infusa

Quimera ungida de beleza e mágoa,

A tela do poente evoca a Musa

de um cavalheiro, que irrompera a frágua...

De Tédio e espinho dessa cordilheira

que vai além da noite tenebrosa,

circundando a planície nebulosa

onde só vagam ossadas e caveira.

Urde a ilusão do homem a teia alada,

a teia d’oiro de estelares, fria...

e a Torre-de-mistério enevoada

Para o olhar dos seres malfadados,

Para os míopes da melancolia...

Que só conhecem a serpe do pecado!

Rio 952

E. Rosas

Soneto

Há almas que possuem uma invisível chaga,

a chaga que ficou um dia por sarar!

É a chaga da descrença em terrível e aziaga

Penumbra que se alastra que nos faz chorar!...

São as chagas, Jesus, das aflitivas dores

Das dores que vêm d’alma que não passam nunca!...

E que afligem o meu peito, e teu com seus horrores...

como garra do tigre em sua Ira adunca

É a garra do Tédio em cenas de irreal

comédia que assinala uma época passada

entre as que se amam se interpretam mal!...

É a vida e a desventura, o fim de uma tragédia

Que convive com a gente e anda masc’rada

Em um Demônio, um olhar nessa eterna comédia!...

Rio 952

E. Rosas

 

“Soneto”

Há no Luar saudades arc’angélicas,

Soluços de harpas, íntimos queixumes...

Um céu lilás de outono , algo Nume!

Tua paixão em frases evangélicas...

O teu desejo o meu desejo enlaça!

Vaga visão, que pairas no meu Sonho...

Tubas brancas da Lua em dados cavas

rojando a esmo na ânsia deste sonho!...

Vou descendo as escarpas do mistério

É tudo neve e branco, erro p’la Lua,

Ébrio de Ópio e nimbo em corpo aéreo...

O Silêncio e o Luar sonham um mosteiro:

Choupos evocam Loas, a alma flutua...

a paz é a cova e a Lua o meu sineiro!...

Rio 952

E. Rosas

“Soneto”

Pomar do Amor!

Pomar do meu desejo ao abandono

São teus seios letárgicos, olentes...

fluem acres aromas inclementes,

de olorosa sazão em ar de outono ...

E bêbedo do fluido de teus olhos

adormeço sonhando que navego...

e vou flutuando inteiramente cego

sobre destroços contra os meus abrolhos

Vens das Estrelas, de uma noite aziaga

Do pomar do Senhor, unicamente...

para sarar o mal das minhas chagas!

Singrando sempre irei ter a uma ilha,

oculta p’la distância, que desmente,

o tóxico de humana mancenilha!...

Rio 952

E. Rosas

Soneto

Sono, de quem sonhando se abalança

deixando o lar e o amor da sua aldeia...

atrás de um sonho vão que não se alcança

De uma bela mulher, que agora é feia...

Aventuras de amor, doce mentira,

traiçoeira ilusão, que os olhos cega!

foi assim, que na vida me iludira

atrás dela parti e a mim se nega!...

Amor, que recomeças, muito embora

venha desiludido, sem um guia

dentre a treva buscando a nova aurora...

Rever a antiga casa e a mocidade

que foi fugindo aos poucos, sem poesia...

eternizando o gelo da Saudade!

Rio 952

E. Rosas

“Soneto”

Tudo acabou! Os meus são todos mortos

Choro em silêncio então, quando ‘stou só

o que fazer? beber? errar sem dó...

Se tenho a alquimia e os nervos semimortos...

Nômada vem errante pelo abrupto

Chama de tédio de Vida sem vaidade!

São minhas companheiras a saudade

e a Tristeza de um céu de eterno luto!...

Deixo cair-me à encruzeira do caminho!

exausto e semimorto de fadiga,

fico a pensar, por que deixei meu ninho?

Embora humilde, salutar, sadio!

nem tem lamúrias nem sequer a espiga

de esposa e filho; o mundo está vazio!

Rio 952

E. Rosas

 

“Soneto”

Vaporosa visão das altas horas

de uma noite aziaga e a Lua aflita,

enlaivando-lhe o choro nas auroras,

errante como o vento, por desdita...

Anseio desvendar que algo gravita?

nessas soidões de paz e de mistério...

Que arcanjos cismarão nessa infinita

região serena, arcânica de aéreo

Degredo de queixumes ulmeiros?

que adormecem aos fluidos volúptuos

Dos plenilúnios de âmbar em janeiro...

Derramando p’la abóbada azulada

o vetor dessa luz aveludada,

sobre as chagas de negros caminheiros!...

Rio 952

E. Rosas

(Trovas?)

(Farpas de um troveiro)

Se tivéssemos a ventura

de ter um rei Dom Dinis:

nunca a inteligência escura

desse pulha, que se diz!

Senhor da própria vontade...

Importado de Munique

vale menos pela idade

que o rei negro Menelik!

Imbecil, contraditório,

na extensão da palavra:

é um triste merencório

Banco de infesta lavra!

Apagar-se-á a fama

desse jumento loquaz:

que uma doutrina proclama

de uma múmia falaz!...

O que seria da gente

Se essa festa mais durasse?

Se no catete ficasse,

a vida inteira, o demente?!...

Como se viria ufano:

O nosso Brasil-amado?

Se viesse um Floriano

em vez de ter um castrado!

952 Rio

A. Luso

“Tua missiva”

A missiva grácil, que me enviaste,

trouxe um bálsamo doce p’ra minh’alma,

um alívio aos queixumes, que aumentaste

as flores e a fonte que o Luar ensalma...

Embora tenha faltas ortográficas

não deixa de trazer um leve eflúvio

das melenas doiradas da Seráfica

Tristeza de teus olhos num dilúvio...

De cisma e pesar à noite ao Lume

da lareira a cismar tão lindas cousas

que vão p’lo ar notívago em queixume...

E ao ver do Luar a claridade incerta

hás de pensar que é um clarão de alerta

da Ermida nupcial, que em nós repousa!...

Rio 952

E. Rosas

Um filósofo

Amar! É ver na flor, a flor que o inflama,

nos seus olhos o matiz das violetas...

na lira musical o céu que o chama

à concepção da graça mais secreta...

Amar! É ver nascer a todo instante

o eflúvio dos lírios de uma aurora,

na expressão virginal da sua amante...

É a síntese do amor se há vida e lume!

se é raiz de cipreste ao céu p’la hora...

Que é perene oração, o seu perfume.

Amar! É ser o ideal de um peregrino...

é entrelaçar a alma que não morre,

é trilhar p’las estrelas sem destino,

Tudo olvidar p’la hora que algo flore...

É como um nume o espírito da gente

se por acaso desci a um mar de treva,

que desanimo à noite se é somente...

procela glacial, vento que o leva!

Porque o amor nem sempre me assegura

encontrar segurança e lealdade...

ele é trêfego e fértil, qual ventura

que mora numa estrela por vaidade!

Amar é ser ingênuo, e ser criança!

é seguir as estrelas, mais a Lua!...

Se tudo que se quer nem sempre é mansa...

Ilusão que nos vem da lira à nua

Incredulidade da esperança...

Amar! É repoisar os nossos olhos

sobre o matiz azul das violetas,

é rubente contraste entre os refolhos

de meu manto rubro sobre pedras pretas...

Amar! É a doce angústia dos perfumes...

a mágoa dos lilases e martírios,

quando o sol vem a flux dos seus queixumes

e fana de Tristeza os doces lírios

Amar! É ser no olor uma expansão

é ser na ingênua flor, a flor que ama

no matiz o cismar de uma emoção...

na ondulação do aroma a própria fama!...

Rio 952

E. Rosas

 

Veio de masc’ra de veludo escuro

sorria muito branca contra o muro

à meia Lua do Luar que a mágoa goiva

Era libidinosa e sensual

Pareceu-me leitor ser tua noiva

que voltava da alcova habitual!...

Rio 952

E. Rosas

 

Verbo diáfano às montanhas,

Sermão às sombras de harmonia...

Mistério-arcano da Alegria,

De enternecida Dor tamanha...

Que assim penetras nos degredos,

no caos do tédio entre rochedos

enchendo d’alma e de magia...

Verbo supremo das alturas,

Orquestra d’oiro, horror do medo,

Amor do Oceano e criaturas...

És alma e Luz, Jesus sorrindo...

Pupilas d’astros se entreabrindo

ante a blasfêmia da procela,

num céu de esp’rança, numa estrela...

É a luz, é a aurora para as flores,

Chagas de Deus no sol, nas cores...

Sorrindo o eflúvio da beleza

à Luz, à hora da Tristeza!...

Rio 952

E. Rosas

Versos

É a hora, em que cismam arcanjos

que não se sabe afinal:

se é manhã ou se é aurora,

se é Nirvana espiritual?!...

É a hora em que o sol não queima

a boca das rosas doiro

que a minh’alma em cisma teima

atingir por mau agouro

Um céu de ocaso, um céu roxo...

um céu de enterro e desgosto:

que sonha com diabo coxo

de archote aceso ao sol-posto!...

Que sonha a Virgem Santa eterna,

Longe da dúvida se quero...

numa canção fanfarrina:

para incerteza de Antero!...

Rio 952

E. Rosas

Versos

Lá, na aldeia das estrelas

onde as casas são de Luar!

abrirei uma janela

para as bandas do teu Lar!...

Lá, na aldeia do Empíreo,

onde a ermida é a branca Lua:

há aleluias de Lírios

pelo azul da esfera nua...

Campanários, casas brancas,

cruzes de estrelas prateadas

adejos das asas francas

Das andorinhas do Ar!

que despertam as alvoradas

junto às praias do olvidar!...

Rio 952

E. Rosas

Versos

Versos de Amor e de tristezas minhas,

quando a aurora da Alma se avizinha

e há arrulos e adejos imponderáveis

Versos de Amor, que geram a nossa vida

movem a expressão de musa, sem medida

para exprimir aos cismas inefáveis!...

Venceu Te a dança e o ambiente se transmuda

Em som, oiro do sol, vaga harmonia,

cristal de asas à luz, emoção muda...

Há frêmitos de angústia em teu vestido

fulgem dragões em rútila ardentia

às cítaras dolentes ao sentido

A música Te enerva luxuriante

nardo carnal em nimbo de ambrosia

Ébria prossegue a lúbrica bacante!...

Vencida pelo amor e pela dança

ó bailarina, ó borboleta inquieta:

és nume e Salomé, ágil goleta,

Falena singular que não se cansa

Venceu-Te o aroma e o ambiente é maresia

oceano com cintilos de luxúria

em áurea vibração, lôbrega injúria

de teus olhos mortais pela elegia

Do teu olhar de estátua humanizada

embruxada no mármore de um sonho:

enfeitiçada de um pavor bisonho,

que a própria alma morrerá gelada...

Maldita saudade condor funesto

que despedir vim teu coração de freira

És de gelo e não tens nem só protesto,

Irás salvar na noite do infortúnio

à taça de Mefisto, ao plenilúnio...

do teu amor faccioso, ó minha amada,

às primeiras risadas da alvorada...

a canção da amargura da caveira

O Spectro da Saudade em busca de teu rastro!...

Rio 952

E. Rosas

 

A boca, que exprime e canta

aquilo que a alma sonha:

a muita gente aquebranta,

para possuir peçonha?!

A boca, é para “dizer”

claramente ao nosso ouvido:

aquilo que a alma não quer

que saiba o travo, o sentido...

Porque o sentido é uma cousa,

muito breve e delicada:

sem a expressão, vais à lousa...

Escrito, não tem sabor!

falado vai na rajada...

do vento que não tem cor!...

953

E. Rosas

 

A morte

Sou dos vestires a lúbrica bacante,

a pantera em meus ócios de veludo:

fascino os corações, que enervante,

no languir dos aromas, sobretudo...

Serei do teu Amor, homem, o quebranto,

talvez, a morte em minha garra adunca,

Sou bizarra no amor, não vejo nunca:

o que possa na dor causar espanto!

Venho meu corpo à alambra do oriente,

Lascivo riso, exóticos perfumes...

encarno a mancenilha em forma ingente!

Sou a sombra do Amor luxuriante;

inebrio as cabeças dos amantes...

Nunca amei, nem de mim não tive ciúmes!

953

E. Rosas

(A vida é dinamismo e movimento!)

A. Luso

O homem cisma no que irá p’la eleita

noutada do Senhor fulva e infinita

nada de vão à claridade aflita

acontecendo em gênese perfeita...

As trevas mudas de mistério e lume

de estranha força viva improvável

que em síntese esclarece esse inefável

eflúvio de viver contra o negrume

Da água em movimento em terra aflita,

gestando a vida absorta e estremunhada,

clarividentemente, onde gravita...

Lá onde inútil e fraco em sentimento:

dinamismo, saber e movimento...

Eis a vida, que surge p’la alvorada!...

953

E. Rosas

Aos quatro cantando meu verso

Soberania - Verba mas bendita!

Ó verbo à boca empíreos frades,

Ó fonte aflita!

Ó lábio triste que maldiz

dessa tragédia - a natureza

que se contorce ao vento e diz

maga elegia de tristeza!

953

E. Rosas

 

As aves do quintal de casa!

Conjectura o pato! O galo canta e cisma

piam correndo os pintos voos e aos saltinhos...

e a galinha a chamá-los sem ciscar de mansinho

cavando na terra à Luz, o sol parece um prisma!...

Espelha na folhagem a lívida alegria,

o tanger de foles é azul, pequeno lago...

bando - pombos voam em lânguida harmonia

E o céu dista do mar e do mundo aziago!

Loa à aleluia d’oiro, a alma áurea falena

o campo flore a flux em Místico matiz

e o frio a declinar p’la página serena...

Do teu seio mor amor, na palidez do outono  

Do teu rosto grácil de Musa a frenesis,

como flor a orvalhar o corpo ao abandono!

953 Rio

E. Rosas

 

Eterna - Sfinge

Tens solo de alaúde e queixas de guitarra

A. Luso

Vens dos antros mulher indecorosa

dos alcances do vício e da miséria

Não tens alma, nem brio, és crapulosa,

és a visão de uma mulher funérea...

Foste em vida pérfida e funesta

nunca pulsa-te o coração no peito

era bloco de mame à escura sesta

das vértebras do dorso tão perfeito...

Lúbrica e felina p’la luxúria infrene

a tua boca lânguido quebranto...

à saliva amorosa me envenena...

De Amor perjuro ante o Senhor na cruz

corais jurando pelo que é mais santo

à chaga aberta de onde escorre Luz!....

953

Ernani Rosas

 

(Hirsuto rei banal de náuseas iracundas)

Expurgo da sarjeta — humanidade imunda!

Espontâneo rebento, ao acaso nascido

à margem da sarjeta em fétida viela,

é ter prazer à lama, ó flor enegrecida

que ofendes a inocência e a lucidez da estrela!...

953

Antonio Luso

 

Menina, em duas meninas,

que num sorriso de estrela:

abrindo ao desconhecido

aquelas duas estrelas!...

São duas ogivas de luto,

duas meninas de preto:

que se debruçam ao abrupto

arcano de um amor inquieto!...

São duas Luas de outono ,

duas estrelas ocultas

num pesadelo de um sono!

Mergulhadas na penumbra

de surdo oceano à impoluta

Aurora que o céu deslumbra...

Menina, linda menina,

que Deus nas verdes pupilas

a esperança peregrina

de duas plagas tranquilas...

No teu olhar, há uma ermida

da profecia e piedade!

o altar aceso à Vida,

à Senhora da Saudade!...

Há os males de São Guido

a menina que se estrela

abrindo ao desconhecido

Aquelas duas estrelas!...

 

Ó eloquência de Deus Pã!

rastro varre ala e savana...

nubla essa agônica manhã,

de juventude pouco ufana!...

953

[O instinto e a morte]

Antonio Luso

Uma noute deparamo-nos na Estrada,

eu e Ela sozinhos, que doçura...

tinha no olhar de morta, a ama e criada

aurora, que outros sonham na amargura!

Ela me disse séria: o que procuras?

o Amor! a paz! a graça! finalmente...

o que anhelas possuir, como ventura?

eu respondi-lhe: busco-a aereamente!...

Busco a Visão do Amor, a qual colimo...

vou de um polo a outro polo por seu braço:

Seja espaço, Montanha ou dor de um cimo!

O acaso, é o meu corcel que tudo cria!

que tudo leva e funda nos espaços...

e esconde a glória por melancolia!...

953

E. Rosas

Ó linda dos meus amores!

Em noutes de Lua cheia

ficas à Lua a pescar,

pescas as perlas do céu:

mais estrelas do mar!

Cheia-de-graça é tu’alma

de uma singela simpleza:

o teu remanso me ensalma

da minha vida, a incerteza...

Capiberibe do pranto

de confidências e queixas:

vais ao mar, que com espanto,

ouve a tua doce endecha!...

Caboclinha, sertaneja...

flor do cáctus do Sertão!

a tua graça avoeja,

em torno do coração!...

Parece morrer contigo

o desejo de sonhar

Longe da vida, que sigo...

Se o meu fado foi cantar!...

Haste verde, flébil, aguda!

em tua sensibilidade...

que a mágoa Te seja muda,

dentre a paz da Eternidade!...

És moça, forte, exuberante,

como a planta à beira mar:

tens o bafejo da brisa,

e as carreiras do Luar!...

Miras o mar infinito,

o horizonte sem par:

Nômada d’alma-precito!

tens desejos de viajar...

Ser luz longe, desta vida

p’ra maravilha encontrar:

a Atlântida esquecida,

dos meus irmãos de Além-mar!...

Com o novo mundo de estrelas

Tosões, Ofir’s da ventura:

correr mapa dentre eles...

ter por prêmio a noute escura

O finisterra do fado,

o término da desventura:

naufragar enamorado,

no seio da noute escura!...

953

E. Rosas

 

Ó meu cãozinho barbado,

Tão peludo e tão velhinho!

ao ver-te triste e calado,

Pareces meu avozinho!...

953

E. Rosas

(Rimas do passado)

Se não me falta a nítida Lembrança

Já, lá vão quarenta anos que viera

o brio de esperança; moço, se não era

um titã de ilusões, inda criança!

Deixara a herdade e o florido pomar

todo em flor mais a nora que rangia:

o rio, que esmaltava a Luz do Luar,

quando minh’alma jovem estremecia...

Tudo era utopia e canção d’oiro

nunca pensei em azares e descanso

Lúcido espelho da clarividência...

no espelho encantado das vidências...

O Sol me abria as rútilas estradas

Como se fossem um largo rio abrindo

futuro promissor, nunca a arruinada

herdade verde viva que deixei florindo!

953

E. Rosas

Soneto

A boca tem a fácil primazia

de exprimir o que a alma arquitetara,

a ideia é como a água em alegria,

fulgura à Luz o íris, que criara...

As imagens do nosso pensamento

afluem à boca em maga profecia,

Fazem confissões do nosso sentimento,

todas cheias de mística magia...

Nem sempre o riso à boca traz sabor,

nem sempre traduzimos alegria:

É um Não-Ser de íntimo pudor!...

O riso de Tristeza e de ironia

morre ao canto da boca como a dor

na certeza que tudo é uma utopia!

(953 N. Iguaçu)

Soneto

A Dúvida levou-me a um mundo obscuro

de sensações estranhas e banais,

e roubou-me um lúgubre futuro...

De torva estagnação de águas paradas,

que foram mar e não se nadam mais...

para tormento meu, vindas do nada!

a um caos de seres cegos e infernais!

Vinhas, como um suspiro à flor da vida,

pelos lábios de Alguém, talvez de um Deus?

De um Titã infinito, à enlouquecida

paisagem cuja essência é Pã e Zeus!

Cuja estrutura é chaga e se ilumina

de graça de um Nirvana, que em segredos

de Luz divina ofusca a Luz dos mundos...

em jorros de perdão ante as retinas.

953

E. Rosas

Soneto

A hora em que te vi algo noivava!

Da Lua o rosto branco com Sol-posto...

o véu da noute azul se maniatava

de estrelas e nimbos à masc’ra de teu rosto...

A grinalda de flores diamantinas

cingida a fonte lívida da Luz

dava-lhe encanto e graça peregrina

de uma rainha que saísse à rua...

À subida da mesma que é colina

de céu azul à hora vespertina

é saibro e Luar e brilham diamantes

Sortílegos p’lo Lume, que é bruxedo

de Lantejoulas fúlgidas a medo...

ao choro das guitarras p’las amantes

953

E. Rosas

Soneto

(À morte)

Faminta, pelo mundo andas a ceifar as vidas.

Macabra e sensual em tuas bacanais,

Ó morte, que és o horror das mães compadecidas

enfeitando o caixão dos filhos virginais!...

És o rude coveiro, o vendaval do acaso...

que enlutas os casais e as rústicas choupanas...

vais além a ceifar o trigo já, no prazo...

Primavera infantil de toda espécie humana!

Ó ceifeira banal, que não semeias nada!

de útil, p’lo Amor no mundo em terra que renova

o fecundo calor, que uma das alvoradas...

Que não repartes nunca o bem, que nos sorriu...

alimentas o verme, a larva pela cova,

com a tua avara mão que nunca repartiu...

953

E. Rosas

Soneto

Água pútrida e azul que se a tarde vem lavada

Ora pútrida e verde se pardo sol modorra

Ali, floresce a flor da minha estranha aurora

em laivos sensuais de lúbrica alvorada

É a taça ambarina que os bardos embebeda

de veneno e de ócio as bêbedas manhãs

caiu seu fluido genial nesse cair da seda

da penumbra a ultimar-se a um gesto de Satã!...

Fluida e vaga quimera sonha a Linda

se o cisma se esvair vazado de Leda

flutua em sangue veios do ocaso enlutando

Doiram a orla dos largos os últimos clarões

e a noute vai chegando à nave do planeta

Eis o término, o fim de velhas emoções!

953

E. Rosas

Soneto

Idílio agreste

Numa encosta de aspérrimo fraguedo

junto ao mar, que murmura e não chorava

vingou, cresceu um lúrido arvoredo,

cujo caule era flébil e cismava...

E passaram-se os anos e nos rochedos

outra planta sozinha assim vingava

e quanto mais crescia mais rezava,

havia em seu viver, algo segredo!....

Tinha ela intuição e alta vidência,

criatura de psíquica simpleza...

vivia em livre apática aparência!

Um dia despertou dessa apatia

e viu da Luz a clara profecia,

Ir brotando — seus amores da avareza!...

953

E. Rosas

“Soneto”

Não Te perdoo!

Não Te perdoo meu Amor nascido,

ao acaso do nada e do viver...

Um dia andava eu abstraído

pelas praças escuras a rever!

Todo escuro passado sem poesia

de tormento e tristeza motivado

pelo incerto viver, que fenecia

como a luz de um crepúsculo estagnado!...

Como a luz da tua alma onde morria

à distância das horas num aterro,

onde a ilusão da vida escurecia!

E eu voltando ao meu claustro, faz meu desgosto

p’receu-me assim que fui ao teu enterro,

e tive o Adeus dos raios do Sol-posto!

953

E. Rosas

Soneto

Quando ‘stou recolhido à minha cela

Rezo íntimos versos à su’alma,

me aproximo de Deus e das estrelas

e a sombra é Luz e a luz o azul ensalma!

Que anjos tristes sonharão com Ela?

Que harpa celestial, p’los céus soluça?...

Que gênio, nas esferas se debruça...

que eflúvio espiritual vem de uma estrela?

Reina o mistério em tudo isso, ó pausa!

do silêncio p’la forma misteriosa,

que inutilmente move-se p’la causa

Avérnica do Mal ante os mortais...

que não creem na Alma religiosa

Que é só, angústia, Dor e nada mais!...

953

D. Narciso Luso

Soneto

Tudo te proporcionei: gozo, conforto!

Passeio à beira-mar, ares de serra...

Ares em linda Aldeia ao sol já morto,

chilros d’ave ao ocaso sobre a terra...

De manhã, volta e meia no jardim,

passeio a carro, em idílica penumbra...

à hora do pôr-do-Sol-Luar do fim,

que aureola a fronte de oiro que deslumbra!...

Tudo te proporcionei: como clemência

ante a tísica carnal que te aniquila,

tomando a morte como tua adolescência...

Ao meu amor exorta-lhe a saudade,

que há de erigir-te um pedestal de argila

à imagem da tua ingenuidade!...

953

E. Rosas

Soneto

Visão inviolável ossificada,

Visão de meia luz do escurecer

de agoirentos crepúsculos de alada

nevrose torva dentre o anoutecer!

Paisagem triste, lúgubre e aziaga

de céus distantes num descer sereno

carniça a despontar por entre a vaga

soidão da noute em êxtase de veneno...

Aqui e ali os astros sibilinos

nadando em luz da abóbada silente

refletem e doiram a curva do destino...

Olhai aquela estrela aflita, veja!

que pestaneja e apaga-se inclemente

num beijo sepulcral, bendito seja!

953

E. Rosas

 

Todos sofrem, meu Amor,

errando, o Luar visita aldeia:

as flores exalam olor,

aos Cativos da Lua-cheia!

Aldeia branca de neve,

p’la ala viva das estradas:

à Lua, que surge breve,

dos olhos da sua amada!...

Pela ascensão do Senhor

após os carnais martírios:

a noute fechou-se à dor!

dos astros choviam lírios

Já longe, da sua aldeia

a Lua, em raio de Luz

enviara à Galileia,

pelos olhos de Jesus!...

Era a estrela da manhã

que a penumbra despertava...

er’uma harmonia louçã,

que a cotovia imitava!...

953 Rio

E. Rosas

 

Um Triste poeta, um pária!

Mendigo de Lira ao Vento:

vaga fronde, que por ária

tem por mundo, o pensamento!...

953 Rio

E. Rosas

 

Vou de sonho: em pesadelo

meu fragor para sentir:

envolto no seu cabelo

o travo que fez pungir!...

953

E. Rosas

“Coimbra”

Coimbra de Albergues, com paisagens ao Luar

Desmaiam a medo as tuas canções roucas,

acordam tuas fontes para amar,

grave emoção embargam as lindas bocas!

Amorosa Coimbra da Saudade

nas queixas do Mendigo a recordar...

sob os beirais há cismas p’la cidade,

esfolham-se quimeras pelo ar!

Coimbra ao Luar é branca morgadinha

há quimeras, murmúrios quando assoma

no céu azul a clave sereninha!

Com seu vestido de estelares, casta

os sons de mil canções pia espera vasta

Onde se perdem as rimas e o idioma!...

Rio 915 952

E. Rosas

O rubro vivo o Etna das rosas!...

Fuga da Tarde um Etna de cores!

aturdira o sentido e vai soando

ou se enrolando em ondas e fulgores...

Corpo de sons em eco eril, demente,

Ó auréola infinita recordando...

os acordes numa Harpa no poente!...

10-9-912 a 45. Rio

E. Rosas

 

P’la fúria da Dor cósmica dos mundos

p’lo tédio à existência interminável,

ora flor e arbusto, ora saudável

olor de um vai’ para fulgor fecundo!...

Do sol a rir nas folhas luzidias,

no zênite da esperança das Searas...

no lençol das lagoas, que a alegria

dos ares embebem em cânticos às claras...

No Espelho das quimeras por quermesse,

do Templo azul da Luz espelha a Vicia,

reflete Deus e o céu e mais que as messes,

e a paisagem de Mágoa confrangida!...

939 a 46 Rio

E. Rosas

 

Entre a posse e o Amor: sonha o desejo!

vaga estranheza de noturna aurora...

se a ventura consiste no lampejo

desse espelho solar, onde a alma chora!...

Rimas à Luz!

Como o vento que a noite tumultua

num ritmo d’asa aflita e fatigada

Que vem súbito surgindo da fria Lua

enodoa de sombra o chão da estrada...

O chão por onde foi o meu Amor...

cantando um dia uma canção dolente

a hora inviolada do sol-pôr,

que perturba a noss’alma, se é doente!...

Que torpor riza o coração da gente,

que amesquinha com a sua claridade...

com a sua santa vaidade resplendente

a toda criatura ingênua, que há de!...

Gostar de ouvir e de Sonhar do vinho

de uma música nova idealizada,

pelo sonoro despertar dos ninhos...

à meia Luz de rósea madrugada,

ao despertar de rouxinol mansinho...

Que é seu costume orar a alvoradas!...

45

934 Rio

E. Rosas

 

Senhora das Dores

pelas Sete-Espadas...

em vez de sangue-flores

escorrem alvoradas!...

Em vez, cravos doiro!

Chagai o Sete-Estrelo!

p’las Sete-Espadas,

no meu pesadelo!...

Senhora das Dores,

nos passos perdidos...

teu manto manchara

o indefinido!...

Senhora p’la áurea,

p’la sombra de Deus!

vagai vossa sombra,

na face do céu!...

Na Igreja da noute,

poisam réstia de Luz, ilusões estranhas...

ao soar o clarim das madrugadas,

desdobradas do manto das estrelas...

de espiritual claridade,

de olhos absortos a comungar com Deus!...

Senhora da mágoa,

p’las Sete-Espadas

na fé do amargor!

Trazei alvoradas e prantos nos olhos,

a fé e esperança contra os meus abrolhos!...

Rio 932 a 46 Rio

E. Rosas

Soneto

Não ser a sombra do sonambulismo,

não ser a noute lúcida e profunda,

que o nosso pensamento não circunda,

percorrendo o universo num mutismo...

Não ser a sombra alígera e secreta

de mistério e de lânguida Tristeza...

do olhar triste do homem se a beleza

apresenta-se em mármore incompleta!...

Não ser sombra oposta desta vida,

ser a sombra da Luz e para além...

viver como que oculta e revestida

Da poeira dos Astros e pelo Além...

ser uma dobra do Luar para além-vida

aureolada do Sonho, que não vem!...

918 a 45 Rio

E. Rosas

Soneto

Oh! Taça de Ambrosia... Alegoria!

das luxuriantes lúbricas manhãs...

Inebriantes de luz e nostalgia

no matiz das cômias mais loçãs

Oh! cômias das rosas... bizarria!

das nuanças e veludos de uma flor;

da penumbra do goivo e da alegria...

da vermelha camélia, sem amor!

Glória vã, do meu lírio, que no vale

abre em cálix vermelho por corola

lembrando do-sol-pôr a digitalis...

Oh! matiz dos matizes... malfadadas

violetas, que a Saudade não estiola...

e florescem ao rubor das alvoradas!...

944 a 46 Rio

E. Rosas

“Torre-de-David”...

Minha Torre-de-Marfim é tão divina,

Que tem por companhia as andorinhas...

mais a noute silente e peregrina,

com seu manto de ocaso e de adivinha...

Ergue-se a vizinhança das estrelas,

abrindo os braços de uma cruz sozinha...

e ao lampejo do poente nos revela

o seu corpo de Musa trigueirinha!...

À noute a Lua a envolve num sudário

de mistério e de mágoa por quebranto...

num pálio vago dentre alampadários!

Ei-la só, no silêncio da cidade,

em que vive minh’alma por encanto,

na ilusão da divina Eternidade!...

918 a 46

 

Veste-lhe o poente a rara pedraria

de seu manto estelar de Santiago...

da Via Láctea a fulva alegoria

pela nave da noute em sonho vago...

Desce em dobras de pérolas e prata

a extravagante e cara mantearia...

que recorda de Orfeu na serenata,

a clâmide de púrpura do dia...

Vou vesti-la da púrpura do Oriente,

do meu sonho de Amor incompreendido...

com os aljôfar’s do seu olhar silente

Para vestida assim, irradiar...

entre as outras irreais, que erram no olvido,

que ficaram na ideia por criar!...

918 a 46 Rio

E. Rosas

[*] A numeração dos poemas é adendo da presente edição digital para facilitar a navegação do leitor, não constando, pois, no texto-fonte.