Textos literários em meio eletrônico
Cidade do ócio: entre sonetos e retalhos, de Ernani Rosas
Texto-fonte:
Ernani S. Rosas, Cidade do ócio: entre sonetos e retalhos, Edição e Org. de Zilma G. Nunes,
Florianópolis: Editora da Ufsc, 2008.
A alma é triste por estar sujeita
A arte a estranha flor de estantes
A ruína simboliza o fim de qualquer
Amor de outono ! Já no anoutecer...
Arcangélicas brumas se difundem
Astros da noute em quadrigas de aurora
Brasil - burguês nababo, que teus filhos
Enquanto existir treva a Lua será alma
Eu queria saber de uma saudade
Eu sou o novo Judas, o grande Torturado!
Fátuas emanações fosforescentes
Mais que o gelo dos montes da Suábia
Misterioso! que imponderável mundo?...
Nós somos frágua e Musa em corpo inerte
O cíclico rumor das cousas misteriosas
O Dia amanheceu de um tédio aterrador
O meu Amor é um corpo de mulher
Para ver teu perfil de lúbrica demente
Prelúdio de uma voz oculta: (angústia de ser frágua)
Fui gerado por rútila consciência
Prelúdio de uma voz oculta: Uma voz em súplica
Rimas: Do ocaso – o sol – pastor de lenda helena
Rimas: E quem morre de amor morre odiando
Rimas: Pelas Ave-Marias, ao lusco-fusco
Rimas: Rezam as santas escrituras
Rouxinol do crepúsculo, que o dia
Silêncio! o Luar p’las águas vai fugindo
"Soneto": Foste p’la vida meu amor de um dia
"Soneto" O Amor recorda instantes de ventura
Soneto: Perdoa-me. Não tive o mínimo intuito
Triste Lua que irás dentro dalgumas horas
Tu, que habitas a noute, o Universo
Um verso lindo! é como uma flor roxa
Versos: Ser árvore, é ser Jesus, é ser adejo
Quantos beijos frios, quantos?
"Coimbra" Coimbra de Albergues, com paisagem ao Luar
"Coimbra" Coimbra de albergues com paisagem ao Luar
Rimas: A alma das nossas noites
O mal anda a espreitar sua espectral viuvez
Ai! As aves e os pobres animais
Cheio da maldição de um âmbito revel!
Fui condenado um dia aos gelos da Sibéria
Ó cabelo das ninfas esparso ao vento
Ó Luz de estéril noute, que não mora
“Soneto” Amo o que é raso, igualmente a planície
Sou, como do outono , o Zéfiro que passa
Harpa eólia amorosa, que enternece...
Levou-Me a fantasia aos meus caminhos ermos
Rimas: Eucaristia do Luar nas águas
Trovas: Sete-Estrelo - Sete pedras
Alma de Eleito, sentimento eleito
Soneto: Andorinha, que és alma: (eu Te bendigo!)
Os versos que te envio são os versos
Do musical incenso se exaurindo
Há uma harmonia n’alma do horizonte
O verde-azul das plantas metilene
Rimas: Bendito ventre, que me deste a vida!
Rimas: Neste mundo de misérias
Rimas: Perguntas-me pia musa? Vai chorosa...
“Soneto”: Baixam os céus em crepe mortuário
Soneto!: Retardara-me o Sonho às minhas penas
Soneto: Sou antigo pastor de algo rebanho
Amanheceu um dia, a tua infância
Não asam mais as rútilas falenas
Rimas...: Muito acima de nós há um azul transparente
“Soneto”: Envelheci! E retardei-me à vida!
“Soneto”: Sinto o inverno bater à minha porta
“Desciendo El Ciclo” - Versos de E. R.
Soneto: Agoirento crepúsculo do Fado
Um céu azul a sós, somente para estrelas
Aqui, coroada'stou, nada me encanta
Miséria e esplendor de um “Rei”!
Soneto: Eu sou a sombra de um pastor heleno
“Soneto”: Passou metade Luz, metade Sombra
Versos: Relicário da “Memória”
A Estrada que trilhei nevou minh’alma
Da nuca à vértebra osculo-Te a epiderme
E a sombra o que será? simples reflexo
Fremem cítaras e langues alaúdes
Lacrimae - Carmes: Caminho-das-lágrimas
Na alfombra dos jardins há ritmos de Luz
Não despertes a vida para a dor!
“Nas Trevas” do desconhecido...
Neste poema cismático, agoniza
Rimas: Esperei, que viesses e não vieste
Rimas: Pelos pomares do Empíreo
Soneto: Fora um dia doirado de cantigas
Soneto: Num vergel que o poente anoutecia
“Soneto”: Retardara-me e a noite me vencera
“Soneto”: Todo prazer é um beijo mal roubado
“Soneto”: Vivera um longo tempo compungido
Ao mal da cor para o matiz da Musa
As papoulas do amor debruçam-se “formosas”
Levou-Te a doença na desesperança
Olavo Bilac: Safo e Apolo irmanados
Outono! Meu outono de Saudades
Outono, que a alma árida desfolhas
“Rimas sentimentais” A falta doiro!
Soneto: Depois, que Tu partiste p’ra além-vida
“Soneto”!: Para compor-se um báquico soneto
Trovas: Para que tanto queixume
Pudesse eu destruir as vãs filosofias
Há ironia na flor, ritmo e Tristeza
Soneto: Causa-me espécie o enredo estrepitaste
Há um mundo de harmonias em tua tinta
“Infância Antiga” “Antiguidades”
Cair à luz do ocaso em verdes águas
Instinto de estranhezas de um Nirvana
Já sinto cair neve na minh’alma!
Mas tu não és o nume que namoro
Moemas do equador de lânguido semblante
Ó noutes de Luar, tártaro-arcano!
Os fluidos sobem, como sobem anseios
“Rimas”: Volvo à infância por obra de Mefisto
Rosas primaveras, rosas de carne!
Só! tem valor na vida a lira transcendente
“Soneto”: Amar – é cultivar dous sentimentos
Soneto: “Cantara a cotovia longos anos,”
“Soneto”: Chagas da Luz orvalhando a terra de amargura
Soneto: Delira a tarde e as vozes são queixumes
Soneto: Eu tenho espasmos de princesa nua
“Soneto”: Penetrar em teu mundo misterioso
Soneto: Reina o silêncio em toda rua, embora
Soneto: Reparem, vede a atávica eloquência
Anda em mar alto... da síncope e delírio
“Soneto”: Irei dormir, sonhar contigo ó linda!
Da minha Torre oiço explosões da Ira
Do teu olhar de estátua humanizada
Foi a hora de um pálido poente
Musa da Europa... grave Morgadinha!
No reino das trevas de Antonio Luso
Por que punir os mártires do Amor?
A senhora Lua - toda de azul a singrar!
“Soneto”: Ai! Quem nunca subiu à torre aguda
“Soneto”: Corri países... Só encontrara Lama!
Soneto: Esboço em cinza esfumo-céu de infusa
Soneto: Há almas, que possuem uma invisível chaga
“Soneto”: Há no Luar saudades arcangélicas
Soneto: Sono, de quem sonhando se abalança
“Soneto”: Tudo acabou! Os meus são todos mortos
“Soneto”: Vaporosa visão das altas horas
(Trovas?): (Farpas de um troveiro)
Veio de masc’ra de veludo escuro
Versos: É a hora, em que cismam arcanjos
Versos: Lá, na aldeia das estrelas
Versos: Versos de Amor e de tristezas minhas
(A vida é dinamismo e movimento!)
(Hirsuto rei banal de náuseas iracundas)
Soneto: A boca tem a fácil primazia
Soneto: A Dúvida levou-me a um mundo obscuro
Soneto: A hora em que te vi algo noivava!
Soneto: Água pútrida e azul que se a tarde vem lavada
Soneto: Quando ‘stou recolhido à minha cela
Soneto: Tudo proporcionei-Te: gozo, conforto!
Soneto: Visão inviolável ossificada
O rubro vivo o Etna das rosas!...
P’la fúria da Dor cósmica dos mundos
Entre a posse e o Amor: sonha o desejo!
Soneto: Não ser a sombra do sonambulismo
Soneto: Oh! Taça de Ambrosia... Alegoria!
Veste-lhe o poente a rara pedraria
A alma é triste por estar sujeita
à carne, que apodrece antes do tempo
como o folhedo à chuva que rejeita
prosseguir o seu curso deletério...
E no dia em que ela for liberta,
será asa!..
Ser asa é reflorescer em pensamento!...
É ser éter e Luz que ora se arrasa,
em planícies de céus p’los quais lamento!...
Ser asa, é ser miragem...
Castelos d’oiro e luz que o vento não derriba,
e anseiam, dentre a aragem
como um nimbo aurial que o sol de outono Liba...
E chega a irrealizar-se
misteriosamente, ilusional...
A primeira é irmã da alma
e traz à fronte a mágoa dos cativos...
ativa-lhe a saudade que a ensalma
em silenciosos astros redivivos...
anseiam em ser libertas,
sentem a mesma anímica volúpia,
auriolando a ideia, sua irmã...
A arte a estranha flor de estames
esquisitos. É ela e não será um anônimo que
virá oferecer o brilho da Musa e da Lira
antiga com invenções asnáticas, com
bestialógicos, em frases sem nexo e
sem coesão, um baralhado de
palavras inteiramente sem sentido.
A arte, a divina arte, que ultrapassou
mares e montanhas, que abalança alicerces
da sensibilidade e das convenções
burguesas, que violam fronteiras,
que reformou doutrinas, que esboroou
os templos do paganismo e da incredu-
lidade humana, que filiou-se à
plêiade cristã, que foi vitoriosa
em todas as contendas, reaparece
agora andrajosa e pobre, p’las ruas da
miséria a esmolar, não piedade,
mas, sim ironia e veneno
com seu sorriso sarcástico e demoníaco.
Pobre arte, que tudo possuía e
hoje nada tem a não ser meia
dúzia de paladins a seu lado para
restaurá-la em seu trono,
em seu império de beleza e
esplendor.
Vejamos o mundo das tintas,
que tragédia, que melancolia
quanta burrada e quanto errar
a esmo doido em vão por turnos,
que se dizem eleitos do
pincel da arte!
Isso, quer dizer que eles só retrograda-
ram nesse longo período, que o espírito
humano burrificou-se; há como que
um mal, uma miopia doentia
nas vistas desses gajos!
Quer dizer, que é a vitória
do energúmeno sobre o talento do inca-
paz sobre aquele que progrediu e floresceu.
A lua, opala diluída
na curva do firmamento,
é saudade não vivida
que morreu em pensamento!...
A ruína simboliza o fim de qualquer
cousa, dá a ideia de ausência de alegria e
prosperidade, ideia de saudade de alguma cousa
útil que perdemos e que não podemos mais
obter.
A ruína não deixa de nos trazer uma
ideia de Tristeza e abandono, mas que estranheza
de antepassadas civilizações extintas há milhares
de anos e que hoje jazem no pó expostas à luz das
Lendas cheias de Legendas.
O abstrato, o absorto, a noite, o nada, o
caos não deixam de impressionar, são
de uma aparência caótica, de visionária
beleza.
Simboliza os Impulsos, a Eternidade do
Nada, o Mistério, tudo que repoisa à margem
de um segredo do Outro-Mundo!
Tudo que lembra saudade, tudo que
nos fala de Além-morte, do que ultrapassou
as raias dos mistérios hoje
jaz no pó do incriado e do solúvel.
Amor de outono ! Já no anoutecer...
do tempo das quimeras p’la Ledice
do inverno das estrelas, na velhice
da Lua branca, junto ao alvorecer!...
Ante a vidência de um clínico
Cessam os males de um doente:
É como as águas do Índico
Sobre o Gulf-Stream fervente!...
Ao Ser do Nada
Morrer do Dia. Fluir dum êxtase
inefável, quando a cor não tem espasmos;
os montes se aveludam e o perfil das
cousas se enternece...
Surge o Nenúfar níveo e trêmulo da
Lua, flutuando no éter palustre fosforescendo
numa ardentia doiro que seduz o olhar
dando-lhe um torpor diético.
Fascinam a nuança e a palidez da tela,
torna-se de uma religiosa melancolia,
que nos transporta a mundo desconhecido.
Apesar da maneira mal lidada
venho redimir aqui o meu tormento...
por anseios de treva fecundada
no adejo universal do sentimento...
Eu queria viver a minha ausência
sentir-me “algo” se de cada vez
revivesse a nublosa refulgência
da volúpia do verso português...
Arcangélicas brumas se difundem
e transmudam-se em formas excepcionais,
pelo éter do espaço se confundem...
Para o encanto de enferma natureza,
para o luto de uns olhos ideais
em cisma misteriosa de beleza...
Árvore humana
Olhai! Como vos fita, ó criaturas...
num doce jeito de comunicar-se:
Ele vive; ela sofre hirta, obscura...
em sua natureza sem disfarce!
Ela sonha; ela canta; ela murmura
ao surto norte p’las ramadas frias,
ela vem da Lua às litanias
pela boca dos astros, sem ventura...
Ela chora no outono desfolhada,
tem seus braços anseios; fatigada
queda-se triste p’lo rubim da aurora...
Desce sobre ela os crepes da penumbra
e o velado da luz rompendo a estrada
nesse esboço de tintas, que a deslumbra!
N. Iguaçu
E. Rosas
Astros da noute em quadrigas de aurora
deitando pela esfera nebulosa
Lume de uma áurea vaporosa
no tropel de um corcel de treva, embora!...
Brasil – burguês nababo, que teus filhos
farão leilão de Ti ao estrangeiro,
e tu descarrilarás dos próprios trilhos!...
(Antonio Luso)
A rosa e o cravo se falam
por sinais de folhas brancas:
ó vento trazei-me as cartas,
daquelas almas tão francas!?
Ó Velas feitas ao largo,
Lá, sobre as ondas do Mar:
sois como as asas abertas...
dos albatrozes do Ar!...
É quando a noute resfria
que a lua – noviça loira
na face do céu, mais fria...
num nimbo burel se aloira!...
Cantares...
Entre o amor e a Saudade,
há a ausência de permeio:
como supera a que há de...
toda roxa em pleno seio!...
Ausência tem uma filha,
cujo batismo divino...
traz o nome de saudade,
porque lhe coube o destino!...
Quem inventou a saudade
se esquecera da partida:
Quem não morrer de ansiedade,
morrerá na despedida!...
Sobre as olivas de um parque
a lua pairava em cisma:
a noute era o escuro prisma
das ruínas de Carnaque!...
Teus olhos cor de ametista,
cor da vida da Devesa...
noivam com a minha saudade,
do teu corpo de princesa!...
Tivesse o poder divino
do faquir ou da sibila:
engastaria teus olhos,
no Ômega d’alma tranquila!...
Caravana
hebreus hebreus
pobres homicidas
Certa lenda por contar...
Vou contar-lhes uma história!
em duas quadras: de um sonho,
quando eu dormia e a memória...
andava por longe ainda!...
Falou-me do Alto da mente
Talvez a mais linda estrela
com invisível ternura
feita do céu da saudade!
numa voz cuja lonjura
beija-lhe a paz e a humildade
Ouve-me! Sou a saudade:..
toda uma diluída essência!
qualquer cousa de divino...
que vem de longe e d’ausência!...
Dizem que causo aos ausentes
graves tristezas, que Deus:
deixou por cá mais o poente...
Quando a mágoa invade os céus!...
E o fado de cada um
escrito no céu está:
sobre uma pedra de luz,
onde se lê, talvez, lá...
a Lembrança que ficou
dessa virgem, que ele amou!...
Disseste-me adeus um dia
no cortejo da alvorada
Em fria muito fria
a áurea da madrugada
Bufava o vento do Leste
nas suas frescas rufadas
Brilhou o folhedo agreste
na dolente revoada...
E assim te foste embora
pela paz da áurea fria
Levara-me o vento a aurora
e a minha antiga alegria
E a mágoa da minha vida
mora na cor da saudade
no olhar da violeta esquecida
numa expressão de ansiedade!
“Dramatis - Alba”
Do berço ao túmulo
A vida:
A vida desde que nasce
um curto espaço ilumina:
é como o sol, que na face
da terra poisa a neblina!
O Berço:
O berço pode ser flor,
pode ser colo de mãe:
deve ser o teu amor,
quando embalou-me também!
O Lar
O lar é a nossa casa,
nosso amor e nossa gente!
é também, o lume ardente
da ilusão em cinza e brasa!...
É felicidade enxertando
as rosas da nossa vida:
é simples canto cantando
em torno d’alma florida
O Amor
O amor é desejo ingente
ardor inútil que passa:
como os beijos do nascente
no íris de uma vidraça!...
A posse é tudo, que almeja
o pensamento e seduz;
concebe a vida... deseja
ter asas, voar à luz!...
Embrandecei pedras duras
ao passar o meu Amor!
o pisar d’aqueles pés,
dão alívio a desventuras!...
Embrandecei pedras duras,
abri os olhos ceguinhos:
com que alegria verás,
estrelas no seu caminho!...
Enquanto existir treva a Lua será alma
Enquanto existir noute, é minha amante a Lua
Era uma vez dous namorados,
que passeavam num jardim:
testemunhara esse noivado,
a Lua fria de marfim!...
“Espelho Antigo”
Urdira a fantasia a teia redoirada
do tempo que passou em épocas preclaras:
os festins e as paixões de um mundo que pensara
com caprichos redimir as sinas malfadadas
Tudo dorme no pó das ruínas do passado,
na lápide feral, que afoga as emoções:
o que queres, se vida é um sonho malogrado,
se o tédio apunhalou os nossos corações...
A nossa existência alada,
não dura mais que uma noute:
à aparição da alvorada
fugimos do rude açoute!...
Eu queria saber de uma saudade
da voz do rouxinol que sossegou!...
ao vir pela manhã o sol... que invade
um’alma de tristeza quando amou!...
O olhar do meu Amor é fria aurora
Azul do céu caindo em manso lago
É asa no crepúsculo... é um afago...
É um sorriso de Luz, que mal demora...
É penumbra de Luz vinda de mim
É névoa do crepúsculo incendiada
vinda de lá às horas de um jardim!...
É lua a desmaiar sobre um salgueiro
dentre a tênue frança iluminada
Sinto florir o nosso Amor primeiro.
Eu sou o novo Judas, o grande Torturado!
Se pudesse esquecer a traição do passado,
Beberia um tonel para afogar meu carma!...
Fátuas emanações fosforescentes
à flor da gleba sepulcral da mágoa
andam a acender sob os pinhais frementes
Um fogo espiritual que vem das fráguas,
dentre o denso nevoeiro que amanhece,
ante o alvoroço murmuro das águas
que adeja sobre nós, como uma prece!
E. Rosas
Faz da tua Dor um poema...
(Dum Desconhecido)
Fazer versos é cousa superfina
É preciso ter arte... ter talento,
Trazer à forma a Circe sibilina...1
Não podes transformar o poente em aurora
podes mudar de cor... trocar de hora...
mas não mudes o céu em firmamento!
Glória do céu e da Terra,
da imensidade e do mar
Alma-cheia que a saudade
Cingir d’amor o luar
Rosa mística precoce
Virgem do céu que a sonhei
vive a perdida distância
feita de assomo que a ideei
E foste o meu amparo
Eu pecador e mortal
que tinha por mãe a terra
e o olhar fixo no irreal
Que sejas sempre Bendita
quer no viver e quer no ser
quer na morte quer na vida
quer na luz que anoutecer.
Quer na sua Alma infinita
Quer na dor, quer em tristeza
Quer no entardecer da vida
Pela linha da rudeza...
Há muita gente no mundo
que pensa, que tem valor:
É como um pântano imundo
doirado à Luz do sol-pôr!...
Veneno, cura veneno...
me entendam como quiser:
Eu amei um olhar sereno,
Era serpe e era mulher!...
Muito tempo andei perdido,
encantado por mim mesmo!
eu sei que andava iludido
por sonhar comigo a esmo...
A fortuna dura pouco,
É ceguinha, entra e sai!
Meu Amor deixou-me louco,
Sabem Lá a quanto vai...
Sabem, quanto a f’licidade
Vale p’ra quem não a tem?
Eu amei na vida alguém
hoje morro com a saudade!
Eu, na vida amei alguém
Meu amor dos vinte anos
Deu-me muitos desenganos,
não passou de uma quimera...
traz espinho e primavera .
N. Iguaçu
E. Rosas
Instinto!
O relógio da Luz me ofusca a hora
de um diálogo estranho com a penumbra:
ela e o instinto meditam e algo decora
o cântico, que em tântalo deslumbra!...
Lá!
Fusão de matizes
de pedras preciosas
por cílios sedosos
de olheiras pisadas após vossas crises!
Matiz de matizes
de flor’s olorosas,
que em mágoa predizes
o áureo destino de linda menina
O olor, é uma sina, que voa inconsciente...
que tem vida fátua e vaga oriente!...
A flor, é uma alma oculta no olor!
Espiritualizada no cálix da flor!...
A rosa, é uma noute banal de mistério,
oculta no aroma esparso p’lo aéreo...
Fusão de matizes
de pedras preciosas
convinha em ser bela; ser lúcida e airosa...
florindo nos olhos de loira menina!...
Às Ave-Marias,
Matiz de Matizes:
Que em mágoa e queixume,
as sinas predizes!...
Às Ave-Marias,
fusão de matizes...
da gema do poente
que cai docemente
Lira doida, Lira amiga,
Guitarra da paixão minha!
nos teus acordes abrigas,
a cantiga da avozinha...
Da minha musa velhinha
que me embala a toda hora:
É tão boa essa amazinha...
Só me adormece com a aurora!...
Antonio Luso
Ernani Rosas
Lúbrica!
O lilás de tuas lúbricas olheiras,
Lembram duas violetas sensuais:
o candor de teu rosto e a cabeleira,
com cintilos fulgentes de metais...
É a lúbrica no Amor, e nos olhares...
Lembra a pantera em seus meneios, Louca!
Fulgem teus olhos aos frígidos Luares...
e há colmeias de rima em tua boca!
Ao dançar, o langor de teu semblante,
embriaga-me o ópio de um sorriso...
e naufragas na púrpura enevoante
de um oceano de sangue e pesadelo,
entre os raios da aurora, que eternizo...
a Túnica aurial de teus cabelos!...
Luz e Sombra
Silêncio e quietação do éter vago,
pousa infinita! p’la harmonia estranha,
Deus a espreitar a natureza e o mago
instinto e singeleza da montanha
A bíblia verde em sonho e luz delira:
É áureo o seu poema da tristeza!
beatíssima era prece doçura na Lira
que a envolve em sonho e o sonho é vã beleza!
Bíblia do Instinto – lúcida aleluia,
Hóstia será do caminheiro das Almas!
Sacrários infinitos – nebulosos,
Réquiens de Luz e prece, beatíssimas...
Almas de virgens monjas religiosas
em penitência de pesar, puríssimas!...
Mais que o gelo dos montes da Suábia
Subiu mais alto a Dor do Coração
Misterioso! que imponderável mundo?...
de sombra e de silêncio p’la saudade:
tateio na memória p’las idades,
buscando a minha aurora e redenção!..
Bendita seja a luz da Lua, quando
magoa os lírios pelas fráguas nuas
e a amargura sonâmbula da Lua
de divina frieza inanimando...
Vem do íntimo d’alma, do oriente
da centelha velar, de um fim de ocaso
p’ra afogar-se nos sonhos, lentamente...
De um sistema estelar ante a utopia
de fenômenos, efeito de algo acaso,
que não passam de mera fantasia...
Musa macabra!
A música macabra – a sinfonia!
Letárgica e sonâmbula da incúria,
Soa e recresce entre a melancolia
e a volúpia inclemente de Luxúria...
Sobe e se esgueira às criptas das Astúrias
Soturna e singular da Dor humana,
do ódio e do amargor dentro da espúria
sordidez ignara que ela emana
Descendo aos Caos de meu negro Pandemonium:
vai gerando espectral, o tédio e o assombro
e nesse âmbito de fel, só vejo escombros!...
E a louca harpia da lascívia horrenda...
numa ronda de Bruxos e vampiros,
Banida busca a sua antiga senda!
Nevoeiro psíquico!
Entre a dúvida e o Amor – Algo se estende
por motivo psíquico: a incerteza!
Se a ventura consiste em na pureza
desse espelho solar que Deus suspende
Entre o Inferno e o amor: reina um sobejo
de princípio psíquico – a Tristeza!...
Se a ventura consiste num lampejo
desse gênio solar p’la natureza...
Ou na luta dramática do Oceano,
nos amores das ondas com as areias...
nos tântalos da Vida, nos olhares...
coercivos das lânguidas sereias!...
No fluxo-refluxo das vagas
no referver dos búzios nas lacunas...
na luta ou, na insolência com que alagas
de naufrágios a vida e a nossa escuna...
No marulho soturno à noute, quando
a lua doira e sonda-o e à tona brilha
o aljôfar do Luar sobre a escumilha
errante de saudade e vai lembrando
As armas e os Barões das belas Liras
p’la revolta do Homem ao ver tudo “Isto”!....
faz-se poeta sem querer, prevendo
o sofrimento – a rude cruz devendo
arrastá-lo ao martírio que irão sagrando
Serei nessa procela a areia solta
que ora vai e ora vem só a escuma apaga...
a doce efígie de uma ondina envolta,
como Eu, saudade a errar de vaga em vaga!...
Só a dúvida povoa a nossa ideia,
como um vento noturno à noute agita...
as nuvens espectrais, que um lume ateia
a estrela errante, que a ventura fita!...
E a ideia em vão reluta p’la existência
do Gnomo, que conduz o Universo...
num poder divinal, numa ascendência...
que o espírito descrê suponho-o imerso!...
Era treva e luz de anímico mistério
lançando do alto a dúvida infecunda,
povoando de tédio informe e aéreo,
todo âmbito estelar, que nos circunda!...
......................................................
O sentido sonhando com a harmonia,
ouvido e olhar fingindo, que não veem...
“(são saudades eternas por “Magia”,
Tântalo aflito, sem saber por quê?!...)
Em rítmica toada incompreendida
reflui a nossa anímica amargura,
a marsilha d’alma, que murmura
pela fúria dos ventos retorcida!...
“Noite da Paixão”
Verso
Quando morreste, o sol era agoirento,
pensei na noute, que paixão traria...
cheia de assombro e de melancolia
sobre a fronte do meu pressentimento...
Brilhasse ou brilhe pouco importa a hora,
se a indif’rença do mundo é uma utopia...
se o céu está de Luto, até a aurora
tem um ar celestial de Ave-Maria!
Seu olhar ao morrer era profundo,
tinha vislumbres d’alma de Além-mundo
Que a névoa sepulcral anuviava...
A carne de Seus pés gelou de todo,
Seu sorriso cerrou de um doce modo
na graça de seu ser que se encarnava!
Noite de pierrô
É noite! A Lua brinda os namorados
Espocam seres e canções no célico falar!
Enquanto a comitiva de um noivado
Segue em carros de Luz dentre o Luar
É a núpcia de um pierrô enamorado
Noite pagã de um canal de estrelas
Apoteose da carne e do pecado
Num simbolismo de canções singelas
Noite reinante e clara de Ambrosia
Bêbeda a Lua erguendo a morna taça
derrama um néctar d’âmbar de agonia...
Morrer o carnal para o Poeta
o corcel do Luar, que se envidraça
por não ter seu amor compadecido!...
e Ele adormece bêbedo de mágoa
calado o violão sussurra a noute
e o pranto do soluço cabida frágua
Em gotinhas do céu como um açoute
É noite. E a Lua brinda os namorados
com seu resto de erva, macerado,
com seus lábios em célicos “dizeres”!...
Deixa a sonhar as flores e o jardim
o meu desejo por Te ver sonhando
no teu brincar com um ar de marfim!
aos peixes na piscina em seus prazeres
Nós somos frágua e Musa em corpo inerte:
Da lágrima saturno da Devesa,
Somos esfinges do tempo cuja idade
perdura em tardos anos de avareza
em séculos de Luz e glória que há de
sagrar as nossas vidas de beleza!
E. Rosas
Noute
Soneto
O homem cisma no que irá p’lo mundo
na sua rota rútila e maldita
de causa acontecida e não descrita,
obra do acaso dentre o mal fecundo
Porque tudo que marca e que floresce
É gérmen em gestação de gênio ou Musa
noute de Lua e mistério que recresce,
encarnação de essência amorfa e infusa...
Deus esconde nas sombras a verdade
da força e luz à gleba criadora...
que fecunda e floresce, sem vaidade!
Rutila ao sol a selva e o pensamento,
à noute os astros doiro e o movimento,
o dinamismo d’alma redentora!
Numa cidade moderna,
que os estrangeiros incensam:
há mais bocas, que blasfemam,
do que cabeças, que pensam!...
O bêbedo
Vi tudo bailar à roda
danço em minha bebedeira
macabra dança da moda
entre as vidas e caveiras!...
Por meu mal abro a janela,
que dá p’ro desconhecido:
vejo uma estrela a dançar
a dança vã de São Guido!...
Dançando, vou pela vida
aos tombos dentro em mim mesmo
sou um poeta – um visionário
gosto de errar a esmo!...
Eu gosto de andar alheio
às desventuras do mundo:
amo a morte o mealheiro
de mitos de Astro profundo
Na esfera da nossa vida
Que muita campa indomável
a consciência insofrida
da tu’alma inexorável
Meu amor dei-me ao desprezo
ao desdém do teu olhar:
a razão, porque não rezo...
sobre as ondas do alto mar!..
O cíclico rumor das cousas misteriosas
as sirtes e os parcéis do oceânico mistério
fizeram com que o fado e as noutes procelosas
desterrassem meu ser às solidões do etéreo
Tomando a direção das bandas do ocidente
das trevas e do sol eu pus a navegar
a noite ia descer e um luar intermitente
começava a esparzir a sua luz polar
Enveredando a nau de proa p’r’o sol-posto
eu pus-me a procurar a causa dos contrastes,
vi raso o sol e a noute enegreceu as hastes
das plantas dos jardins miríficos de agosto...
E agora, que vou só alto-mar e céu claro
depois da vendável dívida e da nau inimiga
perscruta do silêncio a voz que anda dispersa
em torno do que é luz ou d’algum ser preclaro
O Dia amanheceu de um tédio aterrador
e Deus com espanto vive, num gesto de iracundo
por ordem de Satã simbolizando a Dor,
um negro Baal-Sabat, poisado sobre o mundo!
O Hamleto simboliza a Dúvida e a
sua sombra, o drama, a eloquência que
abala as colunas e templos, que arreda
os males e as pedras do caminho...
A caveira que ele traz é o lúgubre
amuleto, simboliza uma existência,
a ideia de um crânio que se agita e que
palpita e vive na nossa inteligência;
na nossa imaginação e criação
como Lume Sagrado de qualquer
de grave e novo que possa existir
ou pairar na face da terra.
É o enigma, a pedra branca das
cogitações, que nos dá tanta ânsia
em saber, quem mora ou quem
Lá gravita!
O meu Amor é um corpo de mulher,
O tântalo dum lis purpurado
no roxo gangrenar do mal, sequer...
na ironia de um lábio carminado!...
“O meu subjetivo”
A imobilidade, o segredo dos objetos, o silêncio
dos salões vastos e escuros fazem nascer aos olhos
e aos pensamentos supersticioso saber subjetivo,
do abstrato e do irreal, dando relevo ao pó e aos
objetos minúsculos, que vivem à sombra dos astros
e dos candelabros. Assim, o sortilégio e a
superstição e a sonoridade do silêncio criam
o recanto miraculoso dos espelhos e dos
bibelôs. A imobilidade encantadora
dos lustres e a lazarenta face de um espelho
a sonhar à sombra que existe
um outro mundo, um outro “nada”
dentro dele...
E é assim tudo, que para além do
que é concreto e real, o que vive
no nosso subinconsciente como um
aranhol de tecidos tressuos, diáfanos
e lindos que à luz do sol nos prende
a atenção pela finura e
delicadeza de seu tecido e quantos
aranhóis não terá a nossa alma e
o nosso espírito, quando andamos
à lua, propensos à demência, a
concebermos o belo e o extraordinário,
o invulgar dos causos e da vida,
longe do pó e da lamaceira diária
Para o Oscar Rosas
Atlântida dos meus quatorze ramos,
Linda Nau, que encalhaste nestes mares,
Quanta saudade tenho dos palmares,
Onde cantam sabiás e gaturamos!
Como me exulta a tua claridade
E a asa do teu sol pestanejante
Onde já me abrigaste, tiritante,
A desalmada noite da saudade!
Marítimo jardim d’Além cismares,
A cantar e a florir, de fonte em fonte,
Recordas um rosal, sonhando aos luares...
Para os insetos, para o Sol nascente,
Quando as cínzeas gaipavas no horizonte,
Fecham um colar de asas no ocidente.
Rictus da Cruz
Para ver, teu perfil de lúbrica demente
que fazes mães chorar no luto como desgosto
frígida caudal de lágrimas pressentes!
Em um cismar de estrela numa mortal errante...
Faminta pelo mundo andas a ceifar as vidas
Macabra e sensual em tuas bacanais
Ó morte que és o horror das mães compadecidas
Enfeitando o caixão dos filhos virginais
És o rude coveiro, o matador do acaso...
que enlutas os casais e as rústicas choupanas
vais além a ceifar sem decreto, nem prazo...
a infância e a primavera os rincões e toda espécie humana
Há pais, que enlutam a alma dos filhos em menino
Que anhelam correr mundo e plagas conquistar
Este pai não é mais que tirano mofino
que quer que prevaleça afeto de ser pai
Há muito, que te espero, ó lúgubre Bacante
Que anhelam correr mundo e plagas gremiar
Algo sonhou feliz, inda embora mofino
pelo fato carnal de depender do pai
Que não repartes nunca o bem, que revestiu...
alimentas o verme, a larva pela cova,
com tua avara mão que nunca repartiu...
em meu caminho, só aos raios do sol-posto,
Há muito, que Te espero, ó lúgubre bacante!
em meu horto de cisma
de lívida expressão em teu sorriso pulcro
em meu horto ao cair da tarde, a doce demente.
Pés
Pés de martírios, pés chagadas-dores
que o chão trilharam numa sexta-feira
sete-dores chegadas p’la canseira
do pó de estrada p’ra quem tem amores
Sete-dores de passos indecisos
que Deus plasmara na amplidão silente
Sete-chagas de sóis... rumo impreciso
de errante estrada para a dor da gente.
Pés descarnados, gélidos, feridos
pelo horror de viver ingente
Pés de Jesus em sangue e doloridos...
Chagas do Tédio p’la existência amara...
rasgando sulcos na distância sente
ferir-lhe a carne os cardais do Saara!
N. Iguaçu
E. Rosas
P’ra que círculo infinito
voarão todas as horas:
qual a cena de granito,
quedará a nossa aurora?
quantos ninhos, quantos anseios,
irão num só momento
que montanha elevará
a manhã ao pensamento
quanto pólen aspergia
pela areia a rainha
foi o outono alucinado
que do amor levara a minha
Fui o vento, fomos tempo
que desfolhamos o pomar
a vaga das minhas horas
mais a cadeia ao luar
Para onde ides horas loucas
nunca serias seva da
qual o pólen da estrada
na crista da madrugada
por que, mundo secreto
inventou a hora
de agonia e de saudade,
para amplidão da aurora!
Prelúdio de uma voz oculta
(angústia de ser frágua)
Nós somos frágua de pungir inerte
em torno gorgoleja água das fontes
somos penhas, ‘sfinge à luz dos séculos
por infortúnio negro da avareza!
Somos alma do tempo ante a cortina
de um espírito oculto e legendário...
(A. Luso)
Fui gerado por rútila consciência
pelo ventre da noute vã do ignoto
modelaram-me às mãos dessa clemência...
Dera-me um beijo o hálito remoto
de um salino sabor, do antigo mar
que o vento agita num clamor devoto
Esboçaram-me apenas, ao abandono
longo tempo deixou-me assim ‘Star
em camadas de pó, tentado ao sono!
Na incompleta expressão de penedia
em cega consciência a suplicar
a piedade dos céus, que ora irradia,
como os raios da aurora da manhã!
Então Zeus afinal compadecido
atendeu minha súplica que em vão
era baldada ao eco, e aos mais ouvidos!
passei uma existência neste olvido,
assentado entre escarpas e emoção
bebendo a dúbia luz do meu sentido...
Cresceram pinheirais, brotaram fontes,
sobre eles passou mais um verão
floriram novos fenos pelos montes...
Novos trigais eriçam à Luz do sol...
e eu sempre por florir como presença
da sua própria imagem no arrebol!
Era contínuo o choque da indif’rença
e mais espessa a névoa que envolvia
todo meu coração como sentença...
Vestido de avareza e de ironia
o gênio, que ao acaso me esboçara
não fora, tudo o quanto desejara...
Deixara de criar segunda vida
causa talvez, maior por conceber
a sua doce imagem comovida...
Que um êxtase de amor a fez viver
com imprecisa expressão de penedia
e frêmitos de orvalho a Lua fria
Na síncope de estrela que seduz
nessa ausência de Alguém que anda de leve
p’lo caminho que o espírito conduz...
Numa ausência de gelo interminável
de jornadas da vida e do destino
pela estrada de um sonho imponderável
Que desce além, às plagas de um Rabino
a um reino cuja noute é contristada
pelo raio de um brilho sibilino...
Ante a mágoa da terra extenuada...
primeira profecia, que escurece
uma face da abóbada azulada.
Primeira e dilarada flor nascida
primeira e linda fonte que anoutece
ante a etérea jornada desta vida...
Água errante das fontes que secaram
no alvoroço da névoa sinuosa
é fluido de aromas, que passaram!
Nuvem de Luz esparsa e diluída
sanguínea mancha em úmidas argilas
que à flor da gleba chega na alma e vida!
Cintila ardor de auroras em pupilas,
e cardo à flor da frágua, que é degredo
e aljôfar, já nas folhas, que cintila...
Recrudescia o mal do meu degredo
à indecisa e mística ansiedade
sob os olhos de Deus que acorda cedo!
e anoutece num pálido poente
de aflitas almas todas da saudade...
sob a graça da fronte onipotente.
Dentre laivos de lânguida bondade
de uma anhela pureza, que adoecia
dir-se-ia, que era irmã dessa Elegia!
Que frêmitos de aurora e de Sol-posto,
refletia a sua alma comovida
como uma flor às águas do desgosto...
Esqueço-me, que fora nesta vida,
nesse pungir de inverno, que não ama
o altar espiritual da nossa Ermida!
Que se ergue com flores e que se inflama
à Luz dos círios para a alma e fim
da graça beatíssima que emana
Do lírio espiritual que o olor propina
e transcende da mágoa de um jardim
que concedesse a graça de tuas sinas...
Senhor da solidão, que assim me alheias
irmã do sol-de-morte, algo sem fim!
que branda Luz dos ares tu semeias...
que se esvai pelas sirtes, de corais
pressentido o descer da Luz de doente
ao chegar às gargantas infernais
Fui gerado por rútila coerência
por um ventre de Deusa soberana
giganta em gerar que valha por vidência...
que tinha um laivo de carícia humana
de um salino sabor de antigo mar,
que vento traz p’lo éter e de algo emana...
Prelúdio de uma voz oculta
Uma voz em súplica:
Ângelus:
Vestido de aspereza e poesia
o gênio que o meu gesto modelara
ficou por terminar e todavia,
Quedei-me triste na paixão amara
na precisa expressão de religiosa...
se Deus me desse a esp’rança das Searas
Se alguém tornasse a pedra radiosa
se lhe desse visão, alma, alegria
emoção e piedade harmoniosa...
Tornasse em opacidade a anomalia
de algo ser infeliz, que a fez ‘star
entre a Luz do amanhã e o fim do dia...
e a noute, que ia os mundos enlutar!
Concebido esse mal que o fez pairar
Longe do alguém da Lua fugidia
para as regiões notívagas do Luar!
Crescente de uma angústia de agonia
entre fráguas, pinheiros e neblina,
onde o gênio da noute aguarda o dia
Ante a cega expressão de frágua e hialina
fonte saudosa e triste, que seduz
a ânsia de uma Lua sibilina...
Presença psíquica
Amor! Que vens d’além, quando os rumores
cessam da vida e de si dado a grita
e pelo azul da abóbada infinita
cruzam as asas por longes arredores
Tenho a dizer-Te que oiças dentre as flores
a harmonia da cor que à luz gravita
e ouviram a maldizer dos seus amores
pela graça do outono que os suscita!...
Em sorrir e cantar por rubras bocas
invisíveis canções que nos apouca
a guitarra azo mal da perfeição!...
E se alguém no pensar nos toca ou fala
da voz tolhe da cromática invenção
do protesto de olor que exalça e exala!...
Rimas
Do ocaso – o sol – pastor de Lenda helena
da Lua a ouvir a avena supersticiosa,
que me conduz a essa mansão serena...
Seguindo sempre do alto dos espaços,
das nuvens, o rebanho, a radiosa...
no apascentar de Deus – perdidos passos!
Rimas
E quem morre de amor morre odiando:
Consome-se nas chamas, crepitando...
de desespero, por amor morrendo!
É apoteose louca da Volúpia
que nas ânsias do gozo semicúpia
se transforma em demônio e não mulher
Vem banhar da Luz da Lua nova
dos fluidos sensuais que assim sonha
Da Salamandra a tentação carnal
Rimas
Pelas Ave-Marias, ao lusco-fusco...
no olhar triste da Noute,
sem um só laivo errante de Tristeza
Ei-la que surge pálida e esfumada
num pedaço do céu
fingindo a madrugada,
A capra sombra rústica de Pã!...
Rezam as santas escrituras
que a vida vem do sorriso
de duas vãs criaturas
à graça do paraíso
Viera o homem a esta vida
achava-se só: pensando,
pedira a Deus, que sonhando,
desse mais uma guarida...
A uma flor que vive no prado
Entre rebanhos sorrindo
Entre-Mal-me-quer’s de alado
Sonhar de poeta, bem-vindo!...
Pediu a Deus que lhe desse
uma doce companhia:
Que a Luz aos olhos lhe viesse,
p’la ventura desse dia!
Mas, a serpe que anda à espreita
dos sonhos e fantasias:
deu-lhe o desdém por suspeita,
em vez de paz, agonia!
Rimas das Horas
Chove ilusão! Um frêmito hialino
percorre todo céu e toda Lua
e morre est’alma em laivo marmorino...
Pelo seio da terra, onde tressua
a ânsia congelada do mistério
regressa em ar mortuário a luz da Lua...
A noute e o luar é um saturnal império
ritma o silêncio pelo olhar dos astros
e o amor na vida é todo um verso etéreo...
Peregrino infantil o sonho é um mastro
arvorando a bandeira de um liberto
num córrego de luz em frouxéis d’Astros!...
Entardeci... cumprindo essa sentença
ao bélico clarim, do sol, da cor!...
sou apenas de si mortal presença,
e refuljo por graça do Senhor!
“Rimas-do-meu-cantar”
Teu olhar apenas adoça,
como o éter a minh’alma...
Sou a dor em noute calma
à lua caiando a choça
Sou a lua de uma noute
de tristezas desiguais:
És o luar um açoute
pelas sestas dos casais!...
Sou o sol já no poente
de uma tarde de Saudades...
tu serás o luar alvente,
que alheios males invade!...
Irei bater pela noute
à porta dos campanários:
e tu irás religiosa,
beijar os doiros sacrários!
Serei um luar perdido
pela noute sobre albergues,
e tu serás, a saudade
quando em anseios Te ergues...
Serei o Luar entrando
pela porta da desgraça:
Tu serás a noute andando
em prece, cheia-de-graça!...
E. Rosas
Rimas do oceano
Contaram velhas lendas e ao contá-las
novamente regresso de onde vim...
o mar possui riquezas, que ao narrá-las,
recorda o Olimpo – num Ofir – jardim...
Estranha selva, dentre mil destroços,
vivem algas, pólipos e corais...
Lodões, que encobrem descarnados ossos,
entre cascos, estilhaços e metais...
Mas, ao esposar da noute sob os astros
ressumbra a lua a lânguida ipomeia
de uns amores, que pairam além dos mastros...
Amores, cuja frígida carícia
traz nos braços da vaga, que serpeia...
em esvaimento agônico: a malícia!...
Rimas fátuas
Muito moço Te amei, sei que eras mansa
Como as pombas à tarde quando voltam
à casa e aos beirais
e arrulando os seus ais às vezes soltam
adejos aos mortais!...
Eras moça também e Te encantaste
na penumbra oloral do meu jardim,
escondida ficaste
Mais tarde, um dia Te chegaste a mim
Eras branca, o narciso que eu sonhara,
neste humano Saara!...
Foste o arco-divino da Aliança,
o Arco-Íris do meu Sonho e Amor!
o Arco-da-Velha, de quem é criança...
a rir no meu olhar!...
Morreste. Fora-se tudo por quebranto
o nosso-Amor quebrado murmúrio
compassada lembrança do meu pranto
marulho fundo de choroso rio...
Teu ritmo compassara-se p’la saudade
Entre as ondas de um rio que perdera
a noção do seu ritmo com que há de
enervar-nos p’la dor que nos vencera!...
Quem morre, é como um rio que perdesse
Suas águas profundas em algo mar
e afundando as olheiras florescesse
Duas roxas violetas de chorar!...
Rimas psíquicas
Entre a dúvida e o Amor: há um labirinto,
por motivo psíquico – a incerteza,
se a ventura consiste na beleza
desse espelho solar, se a Deus não minto!
Ou na luta titânica do oceano
nos amores das ondas com as areias,
nos tântalos da vida, nos olhares
coercivos das lânguidas sereias...
No fluxo-refluxo das vagas,
no referver dos búzios da lacuna...
na luta ou na inclemência com que alagas,
em naufrágios a vida, a nossa escuna!...
No marulho soturno à noute, quando
a lua dobra e sonda-o e a tona brilha...
e o aljôfar do Luar sobre a escumilha
errante na saudade vai ritmando!
E as naus e as armas demandando às Índias,
p’la aventura do homem a ver, que “Isto”...
Não é ser-se de Deus, sem querer prevendo,
o sofrimento – a rude cruz cabendo...
transportá-la ao martírio do Imprevisto
Serei nessa procela, a areia solta,
Que ora vai e ora vem, se a escuna apaga...
a linda imagem de uma ondina envolta,
como que, saudade a correr de vaga em vaga!...
Ritmo da vida
Nas sombras dos jardins há ritmos de Luz...
Dum desconhecido
Tudo passou e Deus da enorme Ogiva
do mistério verá tudo findar
e então regressará à primitiva
Vida de maresia, ondina e, mar...
e a minh’alma será o descortino
eterno de uma luz frouxa no ar...
Emanação da Hora vespertina
quando tudo memora e paira estático...
terá a caveira uma expressão divina
E o olor da madressilva é eflúvio hierático...
e a sombra do meu ser é sibilina
e aquele monte tem um ar cismático
E o Ritmo dessa vida na propina
romântica dolência de linfático
cujo veneno é idêntico à morfina...
Rouxinol do Crepúsculo, que o dia
ficou a ouvi-lo em êxtase e mistério;
e recordando a voz da cotovia
que cantasse na paz de um cemitério...
E transcendendo na melancolia
que ia a florir a luz silenciosa
nessa expressão que d’alma florescia
fechou em roxa pálpebra nublosa...
Sonhei que se ia erguendo a lua fria...
pelas sombras da Noute que alagava
de uma ambarina e lúbrica ambrosia...
Nesse findar... que sepultara Troia
rente ao anil das horas que augurava...
um súbito mentir de falsas joias!...
Ser asa... Rimas
É noute e a Lua ronda aveludada
não ouso olhá-la... há longe etérico Lume
a vida é um dia que se esvai p’la alada
nuvem d’oiro do sol, qual berço ou Nume!
A carne se arrepia e se arrefece,
crispa-se a pel’ a alma tem delírios...
torna-se cada vez mais inquieta e desce
de encontro o nosso espírito e martírio!...
Ser poeta, é ser criança!
É andar p’la vida a remar:
Linda alma se abalança
p’la vã ventura a cantar!...
E. Rosas
Silêncio! o Luar p’las águas vai fugindo,
reflete-se no mar a lua-cheia:
Paira no ar letárgica tristeza,
e todo céu ó fúlgida colmeia!...
dormindo...
“Soneto”
Foste p’la vida meu amor de um dia
foste p’ra nunca ao meu amor voltar:
Seja! teu fado, instantes de alegria,
Minha saudade – a noute sem luar!...
O leito em que dormiste, inda lá, está
desfeito e só! assim como deixaste...
meu coração, não mais dormiu e lá!
onde suponho estar’s, não me olvidaste?...
Seja o que deus quiser! Haja esperança
Que as estrelas aclarem a tua estrada:
que o Amor é sempre um sonho de criança...
Que Te sejam leais, iguais as flores
Que Te matizam a areia constelada
por meu pranto irmanado aos dissabores!...
“Soneto”
O Amor recorda instantes de ventura,
celebra ocasos de imortal beleza...
sobe uivando às estrelas em noute escura,
descendo aos labirintos da incerteza...
Enferma e tantaliza a nossa alma,
alucina e incendeia a nossa carne,
o pensamento é escuma dentre o marne
numa dúbia viagem que nos salma...
Passam trirremes d’oiro da manhã,
numa aurora de cárnea primavera
de misteriosa música pagã...
Sobe aos altos faróis pelas esferas
para descer a um báratro, louçã...
no seu cio com garras de pantera!...
Soneto
Perdoa-me. Não tive o mínimo intuito
de mangar-Te meu Amor, sendo tão nova...
Vais deixar-me! Partir... descer à cova,
veludoso cetim de verde fruito!...
Nunca tive intenção de macular-Te
rosa luxuriante da loucura,
formosura nivosa que a finura
de teu gesto sonhava fascinar-Te!...
Vaidosa e cega vais beirando o abismo,
não vê o vácuo que Lhe cerca e cisma
que ela leve também alguém consigo!...
Esse alguém é minh’alma arrebatada
p’la brônzea fúria de um centauro antigo,
negra nuvem do Azul p’la madrugada!...
Nova Iguaçu
E. Rosas
Soneto
“Rimas da noute”
Rimas da noute, versos da Tristeza,
aonde irão ter os teus e o meu Lamento?
nosso escasso suspiro e vão contento,
fecunda cor na anímica inteireza...
Pobres versos, perdidos no Universo,
difundidos em estranha natureza...
tomarão nova forma de beleza
novo perfume e cor de etéreo verso!...
Aonde irá ter assim, essa estranheza,
a linha de divina natureza
de essência que percorre a nossa carne?!...
Para onde o vento levará consigo?
todo esse estéril anseio que me ensalma...
os meus versos da noute que maldigo!...
Sós!
Sois vós Poetas, que cantais?
a vida, o Amor, o todo do Universo?
que encarnais a escultura num só verso
a grandeza e fulgor de Universais
mistérios de sortílega magia
unificados a cósmica harmonia,
à gestação das Luas e da terra
à primavera doira que a alma encerra,
em rútilos rebentos de Alegria!...
Sou rimanceiro da Mágoa! Ando
Lá pelos montados à margem da ribeira,
sou moleiro da mágoa, as asas do
meu moinho lembram as de um condor.
Há nos meus versos de Infância muita
névoa e sonambulismo de juventude,
era muito novo, quando os escrevi cheios
de tropeços, porque não tinha cultura
nem desembaraço no escrever, um tanto
nebulosos e tropeços, como que vindos do
meu acordamento de menino para homem
num adejo de Infância...
Como que vindos dum mundo superior
desconhecido de mim próprio, de uma noute
de tremeluzir de estrelas dentre a névoa
do desconhecido.
Surpresa do Destino
O ideal é o meu naufrágio, eternamente rude...
naufrago p’la paixão do fel que nasce cúpido
aportar vitorioso à ilha que nasci!
Vi o Sol imergir no horror das sombras mudas
tingir de Sangue o mar, à hora que parti...
para as plagas d’além onde o demônio é um Judas!
Onde a alma se encerra em carne de Luz:
Onde a noite se fecha em claustro luminoso
onde arcanjos perscrutam o caos misterioso,
dos casos do Universo e a prece de Jesus!
Onde o Senhor perlustra em gôndola argentina
à aurora singular do cósmico viver...
onde os astros derramam a água cristalina
da fonte da Saudade o pranto sem querer!...
E. Rosas
“Tapete”
Num tapete da Pérsia
bordado a lã e a inércia
Vogam num lago azul
dous cisnes indolentes
ambos d’alma doente
há dous céus e dous lagos
eternamente infindos
e dous cisnes de sombra
a procurar-se em lindo
abismo azul da tarde à hora do poente!...
Tentação da vida
Átomo e Deus de uma aparente inércia,
O espírito naufraga em Luz de aurora:
Soam coros de almas, ante a solércia
do cósmico viver no alvor, que chora...
Eterna aurora triste nebulosa,
dentro do grande anelo da vida...
das almas do Universo p’la subida
Eternamente, fulva tu’alma...
Eterna como de Sonhar titânico,
da noute misteriosa e constelada
de arsênicos faróis em salmo demônico!
Viradas da vida e do Universo da Arte!
de os trair filósofos malogrados
nos gorgeios finais de uma ave a Norte!
“Tentação de uma Eva”
A árvore tem a forma de uma ninfa,
de dríade a agitar-se contra a injúria
de fazê-la cativa junto à linfa
sem tocá-la poder por negra incúria
Erguem-se os verdes braços em vãos abraços...
têm anseios de Hércules os ramos:
corpo e raiz invejam os gaturamos,
têm desejos de atingir o espaço...
Há um dorso oculto de uma deusa enorme
que se agita com a ânsia de uma Eva
com a astúcia de uma áspide ensiforme,
Colorido de lítico pomar
que nos faz ver paisagens dentre a Treva
e o paraíso em seu divino olhar!...
Triste Lua que irás dentro d’algumas horas
desfalecer d’amor por trás dos arvoredos
e contar teus amores às águas e aos rochedos
e pejada fugir às solidões d’aurora!...
Tu, que habitas a noute, o Universo
os mundos celestiais, onde alguém mora...
que juízo faria da Luz da aurora
esse gênio, que vive em sonho imerso?
Crepúsculo! Quem me dera com a tu’Alma
Eu pudesse também fundir a minha,
Alma que é asa e olor... Dor que se acalma,
Nos corações aflitos à noitinha!
Crepúsculo, efeito d’oiro a claro-escuro!...
Volúpia de penumbra nos jardins,
E como que das plantas junto ao muro
Caem lágrimas brancas de jasmins.
Caem lágrimas e há lágrimas subindo!
Pela penumbra que o arvoredo abrigas
Quando o Luar o Olhar da folha abrindo
Pranteia de Tristeza e de Saudade
E canta-lhe ao ouvido uma cantiga
Que só se canta pela Soledade!...
Um verso lindo! é como uma flor roxa
entre outras brancas
Universo
Volta o espelho desta alma para o dia
E esconde, a outra face ao luar da noite,
Verás como é brutal o brusco açoite
Da vida, sem a nossa fantasia...
A tua arte é ocultar o que és ainda,
És de lama e de luz, vestida vens,
És um lago, a esconder o lodo em linda
Floração das ninfeias, que não tens.
Dentre um véu diamantino e precioso,
Encerras tua lânguida tristeza,
Num refletir longínquo e nebuloso...
No entanto, há neste espelho um falso fundo
A miragem, de um céu, cuja beleza
Reflete, duplamente, o outro mundo
Ernani
Versos
Aldeia branca da Lua,
Aldeia da nostalgia!
É o luar da meia-noute,
– a minha – monotonia...
Aldeia branca da Lua
percorrida em serenada
da nossa alma saudosa,
quando do corpo afastada!...
Tenho saudades das tuas
noutes, – minhas nostalgias...
memória das tuas Luas,
vividas no céu de um dia!...
Tua presença saudosa,
brilha em minha nostalgia:
como uma noute distante,
oculta na fantasia!...
Narciso Caspio (E. Rosas)
Versos
Ser árvore, é ser Jesus, é ser adejo...
É ser um voo de insofridos ais!
É ser tântalo – a vida do desejo...
de abraçar Universos irreais!
Ser Pã é ser montanha, escarpa agreste...
é integralizar-se co’ a natura
é ser marne, raiz, fronde, cipreste...
queixume d’água clara em pedra escura
Ser Pã: – é amar a rútila aparência
das crenças deste mundo imaginário:
o carmíneo perfume da inocência!
A carola das rosas outonais:
que tem a Luz do sol como calvário,
e o repelão dos ventos hibernais!...
O verde e o azul das plantas-metilene
do oxigênio límpido do Ar:
o éter artesiano de Verlaine
e o absinto de um poema singular!
Golpear-se uma árvor’ é um atentado à vida
São feridas iguais à de uma Ignês:
é decepar o fio da subida
do caminho do céu, mais uma vez!
São cabelos de Deus ao sol e ao vento,
crispados pela Dor das invernias
os pinheiros da serra sem alento
atravessando os séculos e os dias
E dizem eles sorrindo
aos homens que nada veem
Nós somos Jesus ouvindo
as queixas dos que receiam
Não serem nada amanhã,
assim como nós tememos
a claridade louçã
d’aurora por que sofremos!
Nos transformam a vil treva
ao vir do sol no oriente
o açoute da Luz que leva
o áureo encanto da gente
Nós não somos lírios brancos,
perdidos na escuridão
que germinamos nos flancos
de um mundo êxul de irrisão...
De quimera e de beleza.
abstrata de algo infinito
tormento para a tristeza
da nossa vida que aflito
Encanto prediz destinos
das criaturas do mundo
sejam ser’s entes mofinos,
cometas Lá, do Além-mundo!...
Que não têm descanso e pensam
parar, sem morrer na vida
sem perder a Luz, que vençam
esses nômades, que lida
Do infortúnio Deus Levou
Vida!
Ó Vida! olhai aquele esfarrapado
Aquele outro infeliz cujas chagas sangrentas
Deitam sangue chorar sereno bocas sedentas
De fel e de amargura e Tédio ignorado...
O costume na vida da gente se apropria
chore em rio a ferida em gargalhadas loucas
é andrajosa a ironia o mal inflama a taça
do lábio do marajá numa eloquência fria...
O Tédio, a chaga d’alma invisível cratera
que aos poucos vai minando nosso ser de tarde
Como chama lustrar p’lo segundo das horas
Olhai! ó treva, ó cega, ó venda, p’la eloquência...
Do seu gesto de aflita e rútila vontade
de falar e escrever às negras consciências
Às chagas de Jesus! e às chagas de São Lázaro!
E a dor Luz e razão e aos homens segurados
às cegas pelo Amor... de brilho vidro d’alma
Aqueles que têm talento e não sabem escrever
Derrubam à tinta e luz ao painel embuste
Desse pintor figuras o instinto não ao poeta
Que não sabedor mina a flor da sua ideia!
Vitrais
À morte das Cores
Azul é transparência, Amarelo é Sol-posto,
O Branco é quietação, o Gris é ocaso... outono ...
O Lilás é um jardim de violetas, em agosto,
Sonhando os rouxinóis, rezando-me o abandono...
O Verde é oceano ao luar, rastros de caravelas,
O Fosco é o meu torpor, etérea sombra, cisma...
O áureo é crispação de uma Tarde sem velas...
Que vão ritmando, em mágoa, a hora que se abisma.
O Rubro é Salomé, feita a rubis, no poente,
Enlaçando-lhe o corpo um Ângelus de opalas...
Ó celeste audição, colorindo o ocidente!
O último vitral as cores intercala,
Na água-morta a acender a ametista dormente,
Nos diques, em que a nau da morte fez escala...
Ernani Rosas
(Rictus da Cruz)
Volúpia de contornos e aspereza
vívidas urzes por fraguedos hirtos:
Blandícias de silêncios p’la Tristeza
destas sirtes de paz, sarçais e mirtos!
Vozes veladas, veludosas vozes,
Volúpias dos violões, vozes veladas,
Vagam nos velhos vórtices velozes
Dos ventos, vivas, vãs, vulcanizadas
Cruz e Sousa
À hora azul da tarde,
à Luz do fim do dia:
enviarei a Deus
minha melancolia!...
A hora do poente
altar da “Ave-Maria”:
de réquiens de oiro e incenso,
Preces de Eucaristia...
É a hora em que adejam
as certas andorinhas
voai Aves do azul
gênios das ânsias minhas
Ideais mensagens tens
que vives na outra banda
mandai p’lo ar com as Luas
o fel dessa Iracunda!...
Soneto
Adeus, flor da boemia! Adeus ó minha amante
Eu tenho a sensação da queda em pleno abismo!
a minha vida foi, toda ela, um romantismo
presa à taça do vício e ao amor de uma bacante...
Adeus ó natureza eterna e fascinante!
Foi-se-me a vida um sonho, à luz do idealismo...
Eu sinto-me afogar no horror do paroxismo,
hoje sigo inconsciente um coração constante!...
Meus amigos, adeus! Adeus minhas tabernas!
Adeus, taça de vinho! Adeus, magos cantares...
E a guitarra a chorar nas melodias ternas,
Traz-me recordações das noutes do passado...
— Noutes que em pleno azul lascivas estelares
contavam ao meu Amor a chaga do meu fado!...
18-11-MCMIX
Ernani Rosas
Por Tardes frias hibernais
duma Luz pálida, e magoada:
É que meus Sonhos lembram Ais!
em triste, lívida toada!...
913
Quantos beijos frios, quantos?
abrasados de calor...
não poisavam em tua boca,
como abelha numa flor!...
Lindo Amor e linda boca!
Lindo estio ou primavera :
Trago a alma enlouquecida
neste ermo à tua Espera!...
Eu gosto de andar alheio
às utopias do mundo:
Porque de injúria estou cheio...
com promessas do “Outro-Mundo”?
Rio 914
E. Rosas
“Coimbra”
Coimbra de Albergues, com paisagem ao Luar
desmaiam a medo as tuas canções roucas...
acordam tuas fontes para amar,
Alga emoção embarga as altas bocas...
Emotiva Coimbra da saudade
Com seus freixos e choupos a rezar...
Sob os beirais à Lua p’la cidade
desce um véu de queixume a recordar!
Ao Longe, ao luar a vítrea maresia
cintila e espelha líquida e palustre
o céu vive na límpida ardentia...
De um rio cuja queixa miseranda
raiva em nossas almas por mil lustres...
os dramas amorosos da outra banda!...
Aqui deixo meu beijo de Saudade!
Rio 915
E. Rosas
“Coimbra”
Coimbra de albergues com paisagem ao Luar
Desmaiam a medo as tuas canções roucas
acordam tuas fontes para amar,
tua emoção embarga às altas bocas!
Amorosa Coimbra da Saudade,
com seus choupos corcundas a rezar!
sob os beirais à noite na ansiedade...
esfolham-se Quimeras pelo ar!...
Coimbra-mater da melancolia,
ao Luar trinados têm monotonia
de um lamento de queixas a passar...
Moira conventual do anoutecer...
a angústia destas horas, sem querer
É a Lira da saudade a memorar!...
Rio 915
E. Rosas
Rimas
A alma das nossas noites,
É uma Lua de segundos:
Mal, surge a aurora – esse açoute,
não somos sóis, neste mundo!
Rio 915
E. Rosas
O mal anda a espreitar sua espectral viuvez
de uma estéril planície em gelo recortada,
onde as flores fanaram e a noute é palidez...
Quando o espelho do mar pôr-se à margem dos céus
e fundi-los com amor no alvor da madrugada,
teu ser florescerá como um perdão de Deus!
Rio 917
E. Rosas
Ai! As aves e os pobres animais
Não podem se exprimir p’ra demonstrar
que amam, sofrem, padecem, sem falar
Seu olhar fala aos olhos dos mortais...
Instinto, inteligência e nada mais!
918 Rio
E. Rosas
Cheio da maldição de um âmbito revel!
Limbo, que a etérea Luz inda me traz ufano
Direi: que a mágoa tem maresia intenso fel!..
918 Rio
E. Rosas
“Convalescente”
Convalesço dos males da Quimera
partindo sempre de um desejo rude,
a malograda sorte da galera
que aportar com delírio nunca pude...
Do amor, nada pretendo com veemência
pela vida misérrima que arrasto!
Eu sinto o frágil coração tão gasto
às futuras e rudes penitências...
Desconheço o rigor dessa ironia
Quando o sol tomba na água a eril centelha
sem n’a apagar em fulva alegoria...
Amo a noute, amo o espelho do Universo
nunca a chaga de um Deus que se avermelha
no sangue que palpita no meu verso!...
Rio 918
E. Rosas
Fui condenado um dia aos gelos da Sibéria,
Às prisões celular’s dessa Rússia do Sonho...
Minha’alma aqui ficou, vogando em mágoa aérea
o corpo é que partiu em funerais suponho!
Eu sinto, que ainda sofro, embora alma em lenda,
haja chegado o azul do seu país distante,
pois onde há só fel; e a carne delirante
afoga-se à tumba no horror de fava senda
Eu sinto florescer em mim rancor senil,
Ó mundo que mataste Abel, traíste o Cristo
A mim cada vez mais vais te tornando hostil
Que todo ser esquivo à luz suponho.
Ser o cabresto que a morte ordena às gestas,
Por isso eu próprio condenei-me ao Sonho!...
1918
Ó cabelo das ninfas esparso ao vento,
Corpos fluidos em súplicas a medo...
sortílegas visões do meu segredo,
entrevistas à Luz do pensamento...
Ó guitarra – confidente!
dos meus ais e ingenuidade,
és a causa da saudade
do meu mal convalescente!...
918 Rio
E. Rosas
Ó Luz de estéril noute, que não mora
nem existe e de um seixo amanheceu:...
como a pedra atritada traz a aurora
num segundo de Luz que Deus lhe deu!...
918 Rio
Quanto mistério há na noute?
por entre o alto palmar..:
a Lua esboça penumbra...
na onda doiro do Luar...
Rio 918
E. Rosas
"Soneto"
Amo o que é raso, igualmente a planície:
— a montanha é muralha às ilusões,
não passa o homem dessa superfície
igual ao sapo, à cobra, às infecções...
Jamais, ó mundo! Entenderás o poeta
e a sua aspiração e o seu ardor...
ao seu bom coração e à sua meta,
sem interesse algum, de algo valor!
Ó mundo vil, jamais traduzirás
o que vai a florir pela su’alma,
frivolidades, anseios, não verás!
Rugido igual de mar em Litorais...
convulso e crespo Leão, que não se acalma
eterno oceano de Titãs aos Ais!
Rio 918
E. Rosas
A morte do cisne
Começa a minha vida a escurecer...
e o dia, que baixando nesse instante
foi no vale as colinas esconder!
Um cisne, que partira do Levante,
erguendo o voo sob o anoutecer...
deixou-se arrebatar à Luz, radiante
num sonho, que ia agora interceder,
antecipado às horas do Sol-poente
sob a forma de fumo a transcender!...
Numa grave volúpia adolescente,
num desejo infinito de criança...
como um suspiro dentre a névoa albente...
Um seio de colina ao céu avança
junto à encosta escalvada, de ametista,
onde o anseio da noute era uma esp’rança...
E o monte, um cimo d’alma impressionista...
semelhando um vulcão onde é comparsa,
um adejo de nimbo à nossa vista...
Onde o gesto de braços se disfarça.
em intérmino crepúsculo em agonia...
sobre os umbrais da noute em que ela esgarça;
Num adejo Titânico do dia
o prenúncio da morte de uma torre...
torre de névoa e sombra em que se erguia
À abóbada celeste onde percorre
o Centauro das quadrigas ardentes
em demanda ao olimpo, que não morre...
E o cisne vendo as solidões dementes
e que jamais o sonho venceria...
emparedou-se às asas inclementes
E deixou-se cair, porque morria!...
Era todo perdido o seu quebranto,
e esse fluido sortílego fugia...
Assim, é todo um ideal e o canto
que elevei a cantar em noute escura...
e o Lago, que revolvo ao Luar e o manto...
Às sombras, que eu amei à luz mais pura...
a sede, que sofri... por ser a sede...
que não pode morrer nessa loucura...
E as horas, que sonhei por ser a rede
dos sonhos, que embalei a mocidade
Quando escrevia versos à parede...
Meu Instinto entrevendo a crueldade
deixara-se arrastar pela esperança...
como o cisne se erguendo à imensidade!...
E foi-se pelo azul douda criança,
Ébria de vinho, de dulçor pressago...
que a desviara da paragem mansa!
Onde os astros dardejam brilho vago,
um sonho de distância e claridade
constelado na órbita de um lago...
A ideia, traz consigo a imensidade!
A ideia é como a ave, quando adeja...
à roda de noturna claridade...
Desalentada, trêmula, fraqueja...
caindo contra as grades do aviário:
enquanto o azul noturno pestaneja...
nas pupilas de um Mago imaginário!...
Rio 919
E. Rosas
E no castelo de inter-fantasia,
o candelabro d’âmbar do poente
cintilam as chispas de oiro e de ambrosia...
919 Rio
E. Rosas
Fui à fonte apanhar água,
encontrei uma serpente:
esmaguei-a: com que mágoa!
tem defesa, igual a gente!...
Rio 919
E. Rosas
Sonetilho
Safira irreal da Quimera!
— gota, que desce serena...
por um fio azul da esfera;
Lâmpada lúcida e amena,
— lágrima estéril de uma era...
ao ouvir da aurora, a avena!
Raio da hora do dia
que desce do azul do céu!
ou o azul feito harmonia,
sonha à lira um novo Orfeu...
Colar de Estrelas, o véu,
azálea da nostalgia...
melancólica alegria
Que o dia ao poente perdeu
Rio, Boca da Noute 919
E. Rosas
Crepúsculo
Toda existência, é ocasional regresso...
Ali, a sombra do homem é grave e austera,
recai a tarde em cisma, à noute o espera
sossega a ceifa célere dos músculos...
É efêmero o viver do caminheiro
falsa visão do sonho p’la atmosfera
na demência da enxada do coveiro
que enterra as ruínas, mais as primaveras!...
Vida e ânsia vibrando num só verso
no transporte da terra ao éter puro,
É contato genial com o Universo...
Bruxuleia a minguar em céu escuro,
porque não crê, ficando submerso...
entre o oceano e o Nirvana do futuro!...
Rio 920
E. Rosas
O dia:
O dia é espírito incerto
de um filósofo bizarro,
que sonha um jardim deserto
p’ra volúpia de um cigarro...
A Terra:
A Terra, é uma linda moira,
linda noiva sempre à espera
de um sol, que partiu e agoira:
não voltar sua galera...
A noute:
A noute, é velha rainha,
destronada ao desamparo:
traz ainda o manto raro,
emper’lado p’la Tardinha...
O Caixão:
Negro berço, que seguiste
para a última jornada!
O berço, não é mais Triste,
quando chega a hora esperada...
O Sepulcro:
Berço de círios e Dores,
de paz e de esquecimento:
onde irão da vida, às flores
e o meu perfil macilento?!...
Rio-928.
Sonhando...
Adeus! às horas d’oiro do poente,
que naufragam nas sombras coloridas
de crepúsculo lívido e doente
em Litania piedosa dos suicidas...
Sol, logo mais, quando nos céus distantes
errar a Lua pálida e ambarina,
eu irei ouvi-la no livor desfeita...
como esfolhando pétalas fragrantes,
Eu irei ouvi-la nas baladas tristes...
E sendo tarde já, creio-Te morto
em teu leito de bruma e lume extinto
excêntrico na cor, que acorda o instinto
desabrochando o lis do olhar absorto!...
Por que só tu, ó sol dás-me o saudoso
encanto do viver silencioso...
Receio as horas-mortas... o Luar de outono !
e as baladas de neve à Luz branca...
Que têm um não sei quê de outro abandono
e de langues saudades muito francas...
Receio a luz do Luar e a natureza
assim calada e espiritualmente morta,
como se olhar noturno das estrelas
a noite inteira houvesse à tua porta
desfolhado das rosas mais singelas
as pétalas gentis do seu sorriso...
Por que, o céu não é mais, que um paraíso
em penumbra de idílica utopia...
Ó sol em corpo de Íris... pedraria...
Ó mistério ambarino do sol-posto,
Algo, de sonho em gôndola perdida
que anda a sondar ao sol à maresia
que traz a Lua pelo mês de Agosto!...
É belo, recordar o que criaste!
meu brigue vesperal, que naufragaste...
Velhos canos dormem à Luz dorida
ainda calafetados a pano e a estopa
p’las mãos nervosas de quem tem na vida
necessidade de viver à popa!
Ao sol e à chuva demandando às Índias,
e às Áfricas do tédio denegridos...
Paisagem do sol-vivo p’la neblina
diluir da Cor no desmaiar da Mágoa:
como um sonho de graça peregrina
na toada de um cântico na plaga!...
7-9-929.
E. Rosas
Sou, como do outono o Zéfiro que passa,
que acalenta a esperança à hora do porvir...
pelas alamedas de palmar silente
de mirra das flores no vesp’ral pungir!
931 Rio
“A Dança dos Sete-Véus”
Ó Bailarina, ó borboleta inquieta!
banhada de luz flava de uma tarde...
És Nume, Salomé, ágil-goleta...
Envolta em tule de âmbar que alto arde!
Ó sombra errante de um planeta morto!
Após, a bacanal saturniana...
onde, as flores têm ócio de Mar-morto
e ergue-se a Lua azul sibariana!...
Ó nume de asas sobre um mar de aroma!
falena multicor que anda a voar...
num delírio infernal de algo, Sodoma!
De luxuriante jardim da fantasia,
ao som extenuado a se embalar
às cítaras de vã melancolia!...
Rio 932
E. Rosas
Harpa eólia amorosa, que enternece...
Berceuse de violino apaixonada,
concepção emotiva, que se desse
à paixão em garganta extenuada!...
Levou-Me a fantasia aos meus caminhos ermos
A ouvir da lua amena a doce melodia
frio estava o jardim e a paisagem sombria,
alava-se ao Luar as Queixas dos enfermos...
A tarde tem sol, alguma nuvem densa,
um vento de hibernal e abominável Spleen...
fora o germe do tédio, a asa da descrença,
os lírios do sepulcro e a mágoa de um jardim!
A taça do ideal é um vinho enfeitiçado!...
fica às vezes sonhando à luz de lindo ocaso,
Quando as nuvens p’ra além, são Centauros alados...
Ao Zéfiro vesp’ral às estrelas vagueia
e faz girar no anil à luz da lua-cheia...
às regatas do Luar pelo horizonte raso!...
932 Rio
E. Rosas
Eucaristia do Luar nas águas,
Eucaristia do Luar descendo...
colma-se de Astros numa suave Mágoa
da Lua, o manto álgido varrendo...
Que cevem de um lago todo, os nenúfares!...
Eucaristia da su’alma abrindo
no alvor da rosa de uma hóstia era
o palor de uma rosa que sorrindo
para o, quebranto de uma primavera
Que só se encontra nos jardins do Além
marchetado de rosas e de estrelas:
que da ventura sua só vislumbre tem
Linda lembrança da su’alma vem
num recado do Luar, lindo nevoeiro!
Quando brincava a sua mão de Aurora...
com fria Lua, que no azul não mora!...
Antigo Espelho de cristal, – relíquias
do sol nas tintas de Mefisto e o Ocaso,
vai dardejando num fulgente prado,
do seu amor fugindo à umbria ao Luar!
das virgens, das florestas silenciosas...
debruçando-se à ogiva, misteriosa
da sua luz sem se querer queimar...
Tristes amores, lânguidos cismares,
errante eflúvio pela minha sala:
Que é lindo espelho para os teus pesares,
lúcido lago para Nenúfares...
onde os astros são fúlgidas Opalas...
932 Rio
E. Rosas
Trovas
Sete-Estrelo – Sete pedras,
sete-contas de Eu-rezar!
és o trapézio de estrelas,
preso na nave do Ar!...
Vil-mentira!
A vida é para os cínicos, Amigos!
Eles ocultam no burel da força
a insídia do punhal; fogem do perigo...
num riso branco, que o sorriso esgarça!...
Mas, eu hei de punir a tal mentira
do ódio incontido dentre a hipocrisia
pela falsa brandura, que vestira
o farrapo andrajoso da ironia!...
Justiça, e religião grotesco mito
Negam a razão à Luz de Deus, que fito...
da noute à aurora nos amargos ritos!...
Toda minha energia se revolta
contra esta humanidade, que transita,
Pobre de piedade à rédea solta!...
932 Rio
E. Rosas
A filha de Herodias...
Ó Bailarina! Ó Borboleta inquieta...
banhada da luz flava do sol-pôr!
És nume, Salomé! Ágil Goleta...
Nenúfar a singrar do Lago à flor.
Ó noite estranha de um cometa absorto,
após a bacanal saturniana?...
onde, os nardos têm ócio de mar-morto
e ergue-se a Lua azul, sibariana...
Ó nívea sombra de argentina lua!
ó Lua fria no silêncio etéreo...
Sudário espectral, que além flutua!
E ergues-te errante como nuvem alpina,
no arcangelismo do teu corpo aéreo
filha da noite-irmã da minha Sina!
Rio 934
E. Rosas
Auriazul
Tudo passou... revendo a fase que sofrera,
venho rever da mágoa meu olvidado instante...
naquele tempo o céu era um zimbório hiante,
de brilhos e canções de uma ideal Quimera
As savanas sorriam e as areias brincavam
com o vento matinal entre verdes pinheirais
e a mocidade tinha uns laivos que chegavam
ser igual à manhã banhada nos outeiros...
Os meus galos cantavam e a alegria era bela...
as nuvens para mim eram nimbos tão leves...
e traziam no seio a bênção das estrelas...
Hoje, não tenho mais o eflúvio agreste!
tudo se evaporou, apenas dele a breve,
áurea recordação de um rebanho celeste...
934
E. Rosas
Ironia ao Verme
Ser asa ou luz, eis o ideal supremo,
não ficar circunscrito a esse planeta!
plasmando-se dorida a ânsia do poeta,
que fez da sorte o seu casulo extremo...
Se ele é o átomo ativo do Universo,
Se o mundo para ele, é o seu pomar...
Se ele é o herdeiro de Deus, mesmo disperso...
ele, é o seu precursor mais singular!
Que importa, ao poeta, que esse mundo vazio
queira roubar-lhe um raio de ventura...
Se a sua Vida fora-lhe um Calvário!?...
Oh! mundo vil, o teu sorrir inerme,
lembra um laivo de inércia, que não dura,
Desdém de Estrela ao rastejar do Verme!...
934 Rio
E. Rosas
Meu amor!
Não chores coração que o mundo não Te escuta!
Se por acaso, alguém de Ti se condoer:
É p’ra Te ouvir chorar mais perto dessa gruta
soturna, que é teu peito, amor! p’ra Te entreter...
É, p’ra Te ouvir chorar pertinho do infinito
da tu’alma, do azul, do manto argivo de astros,
das criptas de gelo e ocasos de alabastro
fria mão a palpar o teu peito maldito...
Cala-Te. Não fales mais para que blasfemais?
coração teu Lugar estará reservado
num trono, onde Jesus aguarda as loas aos Ais!
Verás resplandecer da terra à Lua, o Carma...
como um jorro de Luz em redoirado alarma
e terás por jazigo o olvido rebelado!...
Rio 9-34
E. Rosas
Alma de Eleito, sentimento eleito,
para abalar de lado a lado o mundo!
Cruz e Sousa
Rio de sangue
Arraigada raiz de imenso rio,
na firmação de mar mediterrâneo
ó forma coleante em desvairio!
ser furnas ou canal subterrâneo!...
Levas contigo a lepra das cidades
nas enxurradas lôbregas uivando,
mais os castelos d’oiro e vaidades
que o poeta vai na mente edificando...
Ao chegar ao mar as tuas águas
irão contribuir para a derrota
da minha vida prestes a adornar nas fráguas
Entre canoas, quilhas ao sol-pôr,
à superfície azul dirás à rota
ao meu sonho irreal e Navegador!...
934
E. Rosas
Soneto
Andorinha, que és alma: (eu Te bendigo!)
Filha do azul, nadando em pleno azul...
Quem me dera também voar contigo,
pousar à tarde no palmar do Sul...
Mensageira da linda primavera
dos cânticos e flores por Abril
se eu pudesse fugir ao mundo vil,
no entanto fiquei à tua espera...
Meu coração se engelha na agonia
pelo palor de flébil tarde fria...
passam aves... crianças a cantar...
Tu não voltaste nunca mais ao prado,
porque chegou o inverno desfolhado
sem horas d’alma, linda de Luar!...
934
R Rosas
Os versos que te envio são os versos,
que me pedira o teu gentil talento;
um punhado de aljôfares dispersos
rosas, que outono desfolham com o vento!...
Galgaste a puberdade, estranho cisne
primaveril da loira fantasia
que a gente tem saudades e ciúme
e caprichos de astral melancolia
Teu coração é como a flor, que exala...
e obedece à vontade alvorescente
da carne – rosa a abrir – e o aroma embala...
És a camélia langue e redolente
que na agonia do seu cálice fala
numa audição de olor convalescente...
935
“Pintor da Luz”
(Alga marinha)
À mesma vasta superfície volvo,
recorte frio de charneca nua...
azul e vítreo a rebrilhar um polvo
lembra uma alga a vagar em cio à Lua...
Planície fulva, ao longe no poente
vai um brigue a passar... paisagem d’alma!
um violáceo nevoeiro enlanguescente,
recortando o perfil de verde calma...
Verde coleiro êxul de verdes vagas,
sob o róseo adejar de rósea bruma,
Que vão dormir nos areais das plagas...
Busco as tintas de luz do meu pintor...
Tinge de imaginário a errante espuma,
que a saudade deixou pela esteira da Dor!
Rio 935
Ernani Rosas
Oásis d’alma!
(Sois a Vida)
Tu és a fonte à beira do deserto,
Eu serei a palmeira desgrenhada...
pela fúria do vento arrebatada
às areias ardentes, onde desperto...
Depois teremos o dúlcido bosquejo
desse vergel ou âmbito anhelado...
onde arcanjos em páramo azulado
irrompem em Loas para o teu desejo...
Lampejo doiro, quando a Luz se apraza...
alando-se ao infinito da Savana
e a miragem do Azul, que em fogo abrasa:
Súbito surges no meu sonho e aclaras,
refletindo a miragem e a caravana
nesse banal espelho do Saara!
Rio 936
E. Rosas
Passos da bruma...
(À Lua)
Por uma tarde de Teorias
e mais suaves harmonias...
Sob o ‘Star – do Silêncio e do Incorpóreo,
Ante o Não-Ser finito dentre o éter
e os outonos de incenso...
rente o Espelho da Hora,
e, a Safira do Azul a alcantilar desejos...
das Horas, que descorara!...
Sonham em nevoeiro:
Proas, mastros, velames e galeras...
aparece esmaltado ao peregrino dia,
a dedicada amante de meus dias
a lânguida noviça...
A Lua, de mãos postas já na ogiva
ao nada e à incerteza
à luz, que aureola...
É luar, que consola...
Bendiz do poeta a mágoa que nos vem
num áureo galeão...
às plagas eternais...
Seja-lhe à toa o seu destino escuro
a caminhar ansiosa para o mal,
reina uma eterna noute em toda ela;
Segue-a uma estrela,
e os raios desse astro,
têm brilhos de alabastro
será a sua luz e a minha fé...
Se na Noute seguinte
for me bater à torre...
a ogiva clara e azul da cérula esperança
entrará pelo céu triunfal como o dia...
como uma alva rainha em seu cortejo astral!
E irá depositar as suas joias todas,
no mar ou, n’algum rio:
depois há de vestir o seu vestido branco,
e, lançá-lo ao Luar!
e pelo mar à fora
há de ir a sonhar a minha branca impura...
e depois junto a mim ó minha doce Lua!
Tu, a ideal rainha dos espaços...
eu, humilde servil dos teus êxtases, Crua!...
Oh! pedrarias reais, doiradas Teorias...
Outonos a nevar a “Torre-de-Marfim”...
e as horas, rente o anel de agônica Quimera...
desejavam compor o cofre de Agonias...
Branca Lua, que irás dentre d’algumas Horas...
desfalecer d’amor por trás dos arvoredos
e contar teus amores às águas e rochedos
e pejada fugir às solidões da aurora!...
Boca da Noute 936.
E. Rosas
Tudo é fumo
Tudo é fumo... e a miragem do Universo
envolve o mundo em cinza, marna e lodo
um soluço de Além anda disperso
e se difunde pelo espaço todo
Tudo é fumo e miragem d’outra vida
Éter e luz e o mundo revolvido
por uma evolução desconhecida
trarei p’r’o homem a terra prometida
Tudo é fumo de agônica quimera
Asa à vida do pólen da vitória
em som marcial se escoa pela esfera
Do – Meu – Sonhar todo luar se escoa
e na vertigem de uma tarde inglória
a minha Torre-de-Marfim se enloa!...
9-4-36
E. Rosas
Recebi o teu batismo...
Musa! – Virgem piedosa:..
de tristeza e misticismo
na encarnação nebulosa!...
Rio 938
E. Rosas
Alma
Falhei... fui hora azul a oiro fluido,
fui lúcida falena e a dardejar...
em dias de harmonia, às vezes caído
ser tirana música a ritmar.
Vivi Édens d’além, remanso fundo
de mistério de morte da Outra-vida!
o meu viver é um marulho oriundo
dos temporais da alma arrependida.
Às vezes, quando fito o firmamento
julgo ter o sentido sonolento
e tudo, atua dentre mim num ai!
O espaço a refletir a terra inteira
e nesse espelho astral, na azul esteira,
vejo a alma adejar p’lo ar, que a atrai!
939 Rio
E. Rosas
Do musical incenso se exaurindo
à mágica Lanterna do poente...
sobe caleidoscópico ferindo
o Íris de uma luz tricolormente...
Rio 939
E. Rosas
"Frauta do outono "
Frauta do outono , ó lírica cigarra!
Que cantaste o ano inteiro a fio...
que ficaste à neve, à fome, ao frio,
Alma do sol no oiro das fanfarras.
Recordas a ilusão – folha do outono ,
rendilhada, espectral asa do estio,
Que te embala a indolência de algo rio,
na lavrada gravura do seu sono.
Transparente diafragma da Ausência
do sol de Estio, dos ocasos doiro
dormitando nas roxas envolvências...
De auroras de crepúsculos de agouro,
que morrem melancólicos na olência...
da púrpura do escrínio de um tesouro!
Rio 939
E. Rosas
O meu desejo é tudo!
Os Mal-Me-Quer’s do tempo que ideei,
o húmus e o imo e a verde fronde em flor!
Tinham a serenidade de algo Rei,
Que eu vi na mágoa desfilar na Dor...
Apetece-me às vezes ser um traço
de mar em coroa para refletir,
toda grandeza desse informe abraço,
Que abrange o campo e os montes a florir...
Acredito no fluido sibilino
sobre os ser’s, emanado de Além-fim,
recompensa de Deus e do destino!
Vidas nômadas, como eu, vidas de acaso,
Que só duram o espaço de um ocaso
E se eternizam num mistério assim!
939 Rio
Ernani Rosas.
“Ritmo sinuoso”
Desço ao abismo infernal dos teus encantos,
desço ao oceano da treva da tu’alma...
disperso-me a sonhar com teus cabelos
e me perco embriagado em teu quebranto...
A Selva e o rio do teu sangue contam
a epopeia da carne impenitente
e povoa de sonhos, a cinzenta
fase do céu do lúcido Oriente!...
Canta a garganta ideal da Natureza
à voz de um rouxinol pela matina
emanando da aurora essa nobreza
desse eflúvio selvático à narina
Desço cada vez mais aos teus abismos
às plagas de teu corpo p’la tua alma
absorvo-me de teus tóxicos oceanos
emanados do sonho que te ensalma...
P’la beleza Titânica e silente
da oceânica e selvática, cheirando
a fluidos acres – essência que enlaivando
propina-nos o mal evanescente....
Planta psíquica, que ficaste à cesta,
— Vida cósmica, que as órbitas dilata
No entanto: o arbusto da existência flébil,
condenaste à sombra das florestas...
Na projeção dorida desta Vida
Sou uma ostra, que vivi há muitos anos
e me perdi por esta esteira azul...
Que vai, do teu olhar à via láctea,
Acompanhando a nau de nimbo e Sonho!...
Que levada p’lo vento do mistério
a litorais distantes de Interlúnio...
desvenda mundos de silêncio e arcano!...
E errante nesse meu sonambulismo
sinto e alcanço a miragem desse abismo...
em que naufrago, como um barco errante!
Vagabundo, sem rumo, sem destino!
Procuro no horizonte peregrino,
a Lua de teu ser luxuriante...
Que vem o meu caminho clarear
como um dorido incenso de Luar...
exaurido da aurora do Além-Túmulo!
Exaurido das noutes de Além-fim,
na volúpia de eternas harmonias
Que vão morrer na irial melancolia,
nas castálias de luz de teu jardim!...
Amortalhando todas as angústias,
p’ra que floresçam todas as saudades:..
esquecem-se de todas as Misérias,
no mistério silente do sepulcro...
E, como um rio de estuário hiante,
Letal e singular corre e fulgura...
Capilarmente, fulvo e radiante
pelos abismos da existência obscura
Dentre a floresta de algum pesadelo
arrastada p’lo Letes ao ideal
demanda à aurora d’oiro e ao Sete-Estrelo,
das infernais imperfeições do “Mal”!...
939
E. Rosas
A nossa angústia
Alma ingênua, leviana a namorar as cousas,
o ambiente da Vida à porta dos cafés...
as mulheres que passam onde o palor repousa
da beleza jovial, eram joias de plaquês.
Sob a seda e o cetim e pelerias do gelo
glacialmente fria ostenta a flor da carne:
primaveras e outonos e rosas no cabelo,
onde desliza no céu sobre gelado marne!...
E a tristeza, que trouxera à minha noute enferma,
como se fosse o canto ou frauta da cigarra,
perdidas na sirte de uma paisagem erma!....
Meu gosto a mendigar essa vaidade alheia
do olhar que traz o travo – à inditosa feia...
Que tem angústia e sofre assim, como a guitarra!
941 Rio
E. Rosas
A terra
O teu seio de giganta
verte cristalinas veias,
capilarmente me encanta
sonha a água ser sereia!
Rio 941
E. Rosas
Adejos das horas
Flori lindos jardins! Chorai alvas cascatas,
gorgolejai ó fontes, o pranto que eu chorei...
eu quero recordar as horas insensatas
de uma aérea ilusão, que eu só, arquitetei!
Chorai... correi, embora... em louca desfilada,
gotas do ar com o vento à Luz do entardecer...
e a chuva entre os perfis das árvores crispadas
desfila como um rio de púrpura a correr!
Desenham-se perfis chorosos na penumbra,
clarões do sol, que vão além tremeluzir...
e a bruma tece no ar o íris, que deslumbra!
Varridas pelo vento andam a bailar as folhas,
numa gavota d’oiro em giro de afligir,
à Luz a ensanguentar as diamantinas bolhas!
Arte – noite redentora!
(Legenda de Além-mar nos olhos da quimera!)
A Luz é para os astros um açoute:
Quando o sol se afoga em sombra
e a noite invade o infinito,
É um algo, o olhar assombra
num rebrilhar de oiro aflito:
É a noite redentora
propícia a cogitações:
onde há irradiações!...
para a inércia sedutora.
De estremunhados arcanjos,
que despertam à escuridão!
onde a pastora da Lua
segue os anhos da amplidão...
Rebanhos doiro que balem
a saudade de Além-mundo:
Quando algo, os ecos calem
p’lo mistério do iracundo...
É a noite feiticeira,
com seus olhos estrelados
que os espreita pela esteira
da via láctea de alados
Queixumes azuis do ar
que vão fremindo doridos
como dolentes gemidos
p’la carícia do Luar!
Cada raiz é um fio do cabelo
de Jesus, que plantava na montanha,
numa noute de Lua e pesadelo
de fria claridade, que não banha
A outra face da terra silenciosa...
onde negros demônios procuravam
subir a montanha tenebrosa,
que os apóstolos bons a separavam...
Abrindo rios, braços de oceano,
caóticos abismos infinitos:
onde findavam os seus horríveis gritos
e o fel da treva e a maldição do arcano!
Rio 941
E. Rosas
Arte – noite redentora!
(Legenda de Além mar nos olhos da Quimera!)
Noute!
(A Luz, é para os astros um açoute!)
A Luz é o vosso açoute astros amados,
Lírios crepusculares do sol-posto
Chagas sangrando em ritos doiro, alados...
como chagas Senhor, do meu desgosto!...
Como as chagas de Luz de um sol deposto
pelos sonhos da noute contornando,
o infinito do azul num ar composto
de mistério e bruxedo se estrelando...
Ante a fase do humor solitário,
onde vagam queixumes e tristezas,
saibro humano a sangue de calvário...
Onde fulgura a rútila realeza
De uma Tarde longínqua de incertezas,
Quando a Luz abençoa o campanário!...
Rio 941
E. Rosas
Augúrio
Maldito seja o vento, que trouxera
a nossa nau às plagas da aventura...
irei levado assim, p’la quimera
a um país de Utopia e noite escura...
Foi sonhando na onda pressurosa
da mentira fugaz de uma aliança...
Dormia. Era menino... a alma ansiosa
não cessava... sonhando com a esperança!
Alimentava n’alma um grande sonho...
Ser o mais poeta, que suponho
não haver outro igual nesse planeta!
Fora uma decepção... maldito agouro:
Ser gêmeo de Moema e ser asceta...
Nômade, errante para o meu desdouro!...
Rio 941
E. Rosas
“Cântico”
Ó Lua, cisne indolente
do Lago azul do infinito:!
por que, não desces ao poente,
desse pântano maldito?
Rio 941
E. Rosas
“Fanal”
Aqui! Tudo termina: Ânsias da Vida,
Sonhos – troféus, vaidades nesses vales
de lacrimosa terra, a digitalis
acre da dor se esvai esmorecida...
É um tântalo, essa ânsia apetecida!
nunca, que aflora à boca de seu cálix
a água de seus olhos, por seus males
aos lábios dessa sede ressequida!...
O romântico amor em suas crises,
desalentado pela vida afora
vai fazer jus à seiva das raízes!
Ante o “Aqui-jaz” e a placidez do fulcro
de terra aos ouropéis p’ra quem Lá-mora...
se resume nos barros do sepulcro!
941 Rio
E. Rosas
Há uma harmonia n’alma do horizonte,
na curva musical da Ave-Maria:
um soluço violáceo na agonia
do crepúsculo, que doira a nossa fronte...
Lume lunar da ética "Utopia",
fenomenal astral melancolia...
que sintetiza o lânguido abandono
Emanado da Lua solitária,
que traz consigo a palidez do outono
e o mistério dos sonhos, funerária...
Envolvendo-lhe o pórtico da Tarde
e o pilar de uma nuvem alvinitente,
que refulge na púrpura, que invade
todo ambiente de órgico poente...
Rio 941
E. Rosas
Hora fugaz
Todas as horas d’alma empalidecem,
nenhuma delas voltam aos seus casais!
feriu o espinho agudo e já fenecem...
às da Saudade para o Amor, jamais?!...
Tumulto de algo estranho e doloroso:
(Talvez! Sombra da ausência e do passado...)
de perjuros amores por lembrado
tempo ditoso de blandícia e gozo!...
Dizem: que as horas todas são iguais!
para os que amam não... há diferença,
palpitam como o orvalho nos tojais!
Para alguns vagam no fumo da descrença:
com um aro perdido errando ais ais...
em demanda das trovas do Poente!...
Rio 941
E. Rosas
Intuição das cousas!
(Há lágrimas nas cousas...)
É um templo a selva e o céu a sua nave!
Soam Loas... Litanias, que sonhais...
ouvir descer fluido em canto de ave,
não sendo aurora, os versos que encarnais!
Há lágrimas nas cousas, que deslizam
ocultas a chorar ao nosso olhar...
Incógnitos à Luz que a alguém divisam
de súbito no espírito a rezar!...
São choros indeléveis do sentido...
São músicas, que soam na amplidão,
e só ferem de leve o nosso ouvido!
Porque com eles vivo na soidão,
na harmônica amplitude, que haja sido...
Toda feita de azul constelação!...
Rio 941
E. Rosas
Mágoa interior
Não ser a sombra hamlética e secreta
de misteriosa e lânguida Tristeza,
do olhar triste do homem se a beleza
apresenta-se em mármore incompleta...
E a sombra o que será? Vago reflexo
De Deus e do Universo, a larga fronte
de objetos anônimos, sem nexo...
através de áureo espelho do horizonte.
Não ser a sombra oposta desta vida
ser a sombra da Luz que para alguém
vive oculta em si mesma e revestida
De intangível amargura, pelo alvor!
ser o adeus do Luar, lá do além-vida
aureolada do Sonho, que não vem!...
Rio 941
E. Rosas
Meu Amor, teus beijos queimam
como a Luz solar do amor!
Os teus seios embriagam,
como a mancenilha e a cor!...
A cor morna do poente,
Langue, rubra, aveludada:
tem a agonia inclemente
do anseio das alvoradas!...
“Motivo de Arte” “Soneto”
Depois de ouvir atento o que dizias
acerca de um soneto trabalhado,
que de um motivo simples, burilado
erguias uma torre em fantasia...
Duvidei do teu estro, fanfarrão!
do exagero brutal do teu sentir,
como pode o sol claro dar carvão,
e o rio conter sal, sem vir de Ofir!
Morre em tua mentira essa heresia
de mão grosseira ser a mão de ourives
a burilar diamantes, que ironia...
É o ceguinho, estéril, numa mentira!...
não pode nunca um verme tocar Lira,
Nem um burguês saber, onde ela vive...
Rio 941
E. Rosas
O verde-azul das plantas metilene
do oxigênio límpido do Ar!
o éter artesiano de Verlaine
e o absinto de um poema singular...
Golpear-se uma árvor’ é um atentado à vida,
São feridas iguais à de uma Ignês...
é decepar o fio da subida
do caminho do céu, mais uma vez...
São cabelos de Deus ao sol e ao vento
crispados pela Dor das invernias
os pinheiros da serra, sem alento
atravessando os séculos e os dias.
Cada raiz é um fio de cabelo
de Jesus, que plantara na montanha,
numa noite de Lua e pesadelo
de fria claridade, que não banha...
A outra face da terra silenciosa
onde negros demônios procuravam
escalar a montanha tenebrosa
Que os apóstolos bons a separavam...
Abrindo rios, braços de oceanos,
caóticos abismos infinitos:
onde findavam os seus fervorosos gritos,
o fel da treva e a maldição do arcano!
O fel da Vida, o rábido veneno,
que entorpece de tédios os meus nervos,
e faz do homem um autômato sereno,
p’los martírios cruéis, como de um servo!
De um cativo infeliz que está sujeito.
à órbita de um mundo como este,
que nos rouba a razão e o vão direito
de viver como a planta em noute agreste...
De viver como a ave encarcerada,
circunscrita à esfera da gaiola,
não ver nunca sorrir a madrugada,
ter os raios do sol como uma esmola!...
Rio 941
E. Rosas
Olhando a minha rua
a ouvir do vento a insânia:
o luar soa em litania...
e é minha amante a Lua!
941 Rio
E. Rosas
Que desgraça minha gente,
nascer no caos do Brasil...
ter por amo irreverente:
Um néscio! um torpe! um imbecil!
Quem concebeu a Saudade,
se olvidara das ausências!
Ausência é berço que há de,
embalar-me na demência...
Porque o Amor é fantasia
puro desejo de posse:
fica a Saudade de um dia,
o Teu seio se assim fosse?...
Quem Te criou, ó Saudade...
filha do Amor e da inocência
esqueceu-a numa herdade,
do nosso jardim da Ausência
Quem concebeu o desejo
não supôs que ele assim fosse
a causa de tantos beijos,
e de lágrimas, tão doces!...
Quem inventou a Saudade
se olvidara da partida:
Quem não morrer de saciedade,
morrerá na despedida...
941
Réquiem dos choupos
Ulula o vento
a harpa – Eólia
sacode as franças
é o meu lamento
Ó harpa aflita
Em pensamento:
ó Alma cega em desalento,
mais alto grita...
À vida, ao mundo
Ao Universo
Rimas
Bendito ventre, que me deste a vida!
bendita luz carnal que me fez homem:
acima desta há um’outra luz dorida
Luz incorpórea, que os mortais consomem...
Bendita Luz do amor, que me fez homem...
ainda mais forte a outra, em que se oculta
e fecunda a semente, a serpe e avulta
o incorpóreo poder que nos consome!...
Em vez de um ser, viesse em ave ou fonte,
de beleza de flor da mancenilha
o veneno secreto da mantilha
da neblina, que se ergue pelo monte...
E sentisse a vertigem, que entorpece:
e entorta a boca e dá delírio à alma:
e faz vibrar a lira, que enlanguesce...
como o vento em litanias, que ensalma!...
Rio 941
E. Rosas
Rimas
Neste mundo de misérias
de Adão e Evas jocosas
sob a seda: há deletéria
epiderme escrupulosa
Sou o andrajo do mendigo
de lenitivo e de viola:
há gênio oculto: o amigo
da malícia contra a esmola!
Vil burguês toma cautela
sem que a injustiça Te envenene
há uma serpe embora, bela
com a perfídia de Verlaine!...
Foge a avérnica ironia
andrajos de um mendigo!
é de atávica magia:
todo fel que traz consigo!
Tu és podre como tudo,
que poisa à face da terra!
és igual à serpe e ao lobo,
ao tubérculo que aterra!...
Às doces mães desboladas
por seu filhinho inocente,
que tumbou a fúria danada
do teu poder inclemente!...
Rio 941
E. Rosas
Rimas
Perguntas-me p’la musa? Vai chorosa...
a minha doce Musa montanhesa:
traz a mágoa às pupilas lacrimosas
e um suspiro de Virgem-portuguesa...
O veludo da Luz daquele poente
vai toldando-se doiro dentre a noite...
daquele negro olhar de Ave-doente,
convalescente de terrível açoite...
Traz do aéreo a diáfana tristeza
de uma tarde de outono p’la agonia
do ângelus envolvente de pureza...
Tens o olhar das mulher’s da Galileia!
a expressão de piedade e poesia,
Aparição de errante Lua-cheia!...
Rio 941
E. Rosas
Ruínas d’alma
Eu sou a ruína do tempo no mundo,
no meio da estrada!
a cruz arruinada de aspecto jucundo...
Ruínas da alma, oh! brumas do Poente...
neblina doirada por dia dolente...
Ruínas floridas, ruínas do alado!
Eu triste e sozinho, com alma doente
por dia doirado!...
Ruínas da alma, ruínas do spleen!
um mal, que prediz um trágico fim...
Ruínas da Noute, enchendo-me a vida!
em horas da Lua, em hora dorida...
Ruínas do Sonho, sem mágoa e sem dor!
Ó sesta da Lua para o meu-Amor...
Ruínas, que dão a pálida ideia
de alguém que morreu, de cousa distante,
em Ares de Aldeia...
Ó Lua brincando com o brilho da areia,
p’la estrada adiante!...
Oh! Lua, caindo no poente em destroços...
de nuvens – sem ossos!...
de monstros vividos, há muitos Milênios
Ruínas – Lembranças, poeira de Algo!
se acaso existir!...
do Amor a saudade , na escarpa que galgo,
foi pela saudade que eu dei-me ao sentir!...
Escombros – memória da terra e dos Astros!
do mundo, tão vil...
Eu fujo de Ti, buscando o alcantil...
e Tu não me deixas, seguindo-me o rastro!...
Rio 941
E. Rosas
Salmo
As belas são algo de Luz transitória
de poente ou tardinha de paz merencória...
As belas têm olhos com brilhos fatais,
recorda-me a noute com tons minerais...
As feias, são tristes, iguais aos casais,
em dias de outono , com poentes letais!
Se tudo é vaidade, que importa viver,
que importa a nobreza, mais vale morrer!...
Se tudo na vida, nos é transitório,
a carne e noss’alma, qual mundo incorpóreo...
Nevrose da mente, talvez bizarria,
de uma outra existência, de astral Utopia,
Torturas da alma, torturas d’Além,
de psíquica crença, martírios também!...
Eu creio em Jesus, nos Astros da noute,
no áureo magnetismo, no elétrico açoute!...
O poeta tecendo seu sonho de feia,
Exaure a Tristeza de ideal Lua-cheia!...
O homem, que sonha e ama o Além-mundo!
dirá que esta vida é um báratro imundo...
Eu amo a lonjura do sol sem vaidade
a mágoa das horas que a distância invade...
Eu amo a mulher de máscara escura,
de olheira pisada de olhar sem ventura!...
941 Rio
E. Rosas
Soldado do Brasil
Herdaste a heroicidade Lusitana,
a galhardia atávica e otomana
do alfanje em fúria e um coração faleno!...
Rio 941
E. Rosas
“Soneto”
Baixam os céus em crepe mortuário
e a luz de infusa cor é oiro e lume...
e das moitas ascendem-se os cardumes
de tardos prantos sobre o campanário
Ergue-se o som, mais o rumor do dia;
narram longe silêncios e a tarde esmaia...
o zéfiro em bosquejo traz a fria
rajada olente de fragrante praia...
Extremas horas sonham nos espaços,
nas ogivas dos astros infinitos
as pupilas de arcanjos em seu regaço
De púrpura noturna e sibilina
ao clarão magnético da hialina
colmeia d’astros – mágicos preceitos!...
Rio 941
E. Rosas
Soneto!
Retardara-me o Sonho às minhas penas
Recebi teu batismo de bondade
pensei ser ave ou asa ir p’la saudade
Ter contigo a este céu de almas amenas!...
Já farto de sofrer blasfemo às vezes
penso volver às cinzas do outro mundo
também sonho trazer-me nove meses
em teu ventre materno, mais fecundo...
Que é teu ventre de gleba, ó minha amada
mãe amorosa – mártir de Tristeza...
por meus versos de Musa sublimada!
Em teu ventre de gleba, minha amante...
de todo dia e hora p’a incerteza,
dessa ventura única e importante!...
Rio 941
E. Rosas
Soneto
Sou antigo pastor de algo rebanho
cheio da graça humilde do Senhor!
conduzia-me ao sol, a um campo estranho
de lindas ervas de ideal verdor...
Aquecia-me ao ar da luz num banho
de sol fulgente sem sentir calor...
via no olhar simbólico dos anhos,
anoutecer a vida num sol-pôr!
Passei a mocidade nesse idílio...
doce idílio por Deus abençoado,
concedido por ele nesse exílio!
A sede mitigava a água da fonte;
de olor me alimenta e no montado
via as nuvens entrar pelo horizonte!...
Rio 941
E. Rosas
“Sono de Estrela”
Eu vejo um céu de Estrelas,
Aljôfar’s do Luar!
eflúvios das pupilas
do teu silente olhar!...
Que vago idioma este
que vem das violetas:
eflúvio de tua boca
de essências, as mais secretas
Eflúvio celestial
dos olhos da Tristeza
Amor emocional
que sonho não lhe pesa
Que o sonho é simples tumba
tumba de nimbo e neve,
que desce sobre a alma
como o dormir mais Leve!...
Rio 941
E. Rosas
“Versos” Brasil!
Peito de brasa e sentimento ardente
perscrutador, seja planície ou selva,
na contenda minaz o mais solerte
Vencendo ou morto tem por leito a relva...
Cair ferido, cego ou baleado,
sejam três, sejam seis ou sejam onze:
a coragem é a mesma do soldado,
alma de poeta e coração de bronze!...
941 Rio
E. Rosas
Amanheceu um dia, a tua infância
sob a neve argentina do Luar;
efeito estranho da opalina estância,
onde a mágoa da Lua anda a chorar...
Onde, a mágoa do Além é uma velhice
— Às vésperas em coro do Universo...
que reflui na saudade de quem disse,
amar a ausência dum saudoso verso!
Amar a sombra da saudade, o plectro
de gemidos e angústia, que soluçam
no violáceo invisível de um espectro!...
Ver sombras só! Não ver raiar o dia...
à janela da noite se debruçam...
As sangrias da Luz para agonia!
Rio 942
E. Rosas
Evocação do “Inverno”...
Tudo passou e o Inverno se aproxima
Caem frocos de neve do arvoredo
ressona a terra e a Lua ronda acima
de nós e de cismáticos fraguedos...
Já descem névoa e sombra p’lo caminho
as estradas da alma são branquinhas
de neve e sonho pelo azul sozinhas
num revoar em torno d’algo ninho...
Já oiço cair neve nas estradas,
Já sazonara o pomo das Quimeras
a mocidade é como as primaveras,
que o pólen aloira à luz das madrugadas,
mais os Astros longínquos das esferas...
que em suas vagas órbitas soturnas
brilham sinistramente,
há janelas na alma e luar silente...
muito longe de mim lá, para o poente,
como ogivas noturnas!...
Fogem de mim os numes
e mais a virginal dolência dos perfumes...
Só tu, angelical presença de Além-Arte
vens-Te banhar no luar de um rio nevoento...
na ambrosia lunar, no âmbar de aljôfar-Te...
que deságua a chorar à foz do meu Tormento
Não asam mais as rútilas falenas,
vejo viscosas lesmas...
e as horas são as mesmas
por ocasos rubentes...
E o dia finda além em bruma pardamente!...
Sou um adeus de Francesca!
o Spleen domina os céus... tenho a alma grotesca...
procuro embriagar-Me, esquecer o passado...
fogem de mim a rir as lânguidas mulheres...
Mas, se a alma é juvenil, me obedece: o que queres...
meu nobre coração volta ao bordel do Inferno...
ou, volverás de novo aos gelos dos invernos!...
942
E. Rosas
No império dos matizes...
Os girassóis do tempo, que sonhei...
o húmus e o imo e a verde fronde em flor
tinham a serenidade d’algo Rei,
que vira em sonhos desfilar no amor!
Apetece-me às vezes ser um traço
de mar em curva para refletir,
toda grandeza desse informe abraço
que abrange o prado e os montes a florir...
Acredito nos seres sibilinos,
da Estrela, que fulgura no cetim
da noute de mavórticos destinos...
Vidas nômadas, como eu... vidas de acaso...
que só, duram o espaço de um ocaso
e se eternizam num mistério assim!
942
E. Rosas
Rimas...
Muito acima de nós há um azul transparente,
igual, ao espiritual azul do teu olhar...
embebido do Sonho argivo e transcendente
do teu quebrado olhar, oh! meu amor sem par...
A sós trilhando o areal vou a pensar, que um dia...
dous lírios florirão do teu sepulcro ao luar,
e o âmbar de tua carne far-se-á em alquimia...
doces olhos sensuais, que a morte há de apagar!
Jamais, se apagará a aurora desses olhos
e a ambrosia da luz dessa noute silente,
que nasceu da memória e fora os meus abrolhos...
e sepulta ficou na bruma transparente!...
942
E. Rosas
Saudades de um “pastor”
Correra o meu pastor, montes e vales
à procura da ovelha que perdera...
nessa manhã de sol por entre o cálix
dos Mal-me-quer’s um lírio fenecera!...
A agonia do lírico pastor
fora tanta, que as águas de um regato
inundara-lhe o campo e a sua dor...
cristalizou-se com o solar contato!
Hoje, porém, já conformado e triste
com sua sorte, porque o amor persiste
na divina existência por demência
Seu Estro havia sublimado aquela
que tanto o acompanhara na existência...
hoje, ele as segue... apascentando Estrelas!...
Segue a esteira d’aquela, que ele havia
dado-lhe o nome por melancolia...
de Saudade, a ditosa irmã da Ausência!...
Rio 942
E. Rosas
“Soneto”
Envelheci! E retardei-me à vida!
Aquela que venci não me conhece...
sou saudosa ruína carcomida,
o homem, que encarnei por mim perece...
A estrada, que trilhei nevou minh’alma
à luz da Lua de veludo e olvido...
Tudo esqueci, até a lua que ensalma,
o verde e extenso prado percorrido...
Nunca hão de chegar ao negro cimo
aveludado e altivo da montanha
aquele, que prefere o Lodo e o limo...
Não passarão das trevas, até que um dia
Deus se condoa arrebatando à estranha
órbita azul do além, que me irradia!...
Rio 942
E. Rosas
“Soneto”
Sinto o inverno bater à minha porta,
Sinto o vento passar, tumulto de asas...
vindo de além, da solidão remota,
com maldição das existências rasas...
Vejo a neve baixar seu pálio e a Lua
fugir p’los céus, como uma rima errante
de saudade, na sua luz levante,
mais suave do que a nuvem, que flutua...
Fui a cigarra, que cantou no Estio!
hoje sente-se velha e fatigada,
sem um abrigo contra a fome e o frio...
Sem a migalha de uma flor, talvez:
a estender a sua mão mirrada,
à caridade vil de algum burguês!...
Rio 26-42
E. Rosas
Venenos
Arte! Escada de oiro florentina...
subi, bebendo a taça de veneno!
Ó Torre-de-Marfim, na sibilina,
ilusão do crepúsculo sereno...
Subi, dobrei a curva do planeta
vi o dia esconder-se no horizonte,
mais a noite toldar do Sol a fronte,
a bruma a via láctea do Poeta!...
Cantai! estrelas os vossos cantos d’oiro
Cantai ó Lua os pântanos silentes
e o cortejo dos Astros e sumidoiros
Para onde irão todas as almas, lume
de estranho ardor na lividez albente
no interciclo de fúlgido cardume!...
1942
E. Rosas
“Violões”
Quando os Violões se afastam...
Seduz, embriaga o pensamento; anula
toda memória para o Além-da-Vida!
É um vinho sedutor, que me estimula
o coração de fibra envelhecida...
Quando tudo é segredo e a alma da Lua,
Quando tudo se exala e um raio desce...
para melhor ouvir o que tressua
dos brados pelo ar, que resplandece!...
E quando já se vão... fica a lembrança
da asa fluida do Longe e o último verso,
de porta em rua em sonho se abalança...
Guardo comigo, no meu coração!
fica adejar no ouvido, no regresso...
toda saudade da última canção.
Rio 942
E. Rosas
“Benditas”!
Choraram mar e árvores e a hora
do outono a orar à paz dessa devesa
com debuxo de sombra em negra seda
e pegadas de Luz que não demora
Cada árvore é uma taça de ambrosia
de espiritualidade vaporosa,
ao místico clarão do fim do dia...
Vêm do Além, d’alma funda e lacrimosa,
vencidos p’la fadiga sinuosa
de afastada paisagem de Agonia!
Ocultos pela névoa e solidão
de recôndita, nebulosa Natureza
onde há lágrimas d’astro e Tristeza,
e os seus olhos perdidos na amplidão!
943 Rio
E. Rosas
Canção d’abril
Ser a enxada e não a cova
da minh’alma a se exaurir.
Ser o sonho e não os olhos
dos meus males a florir!
Não ser a lápida fria,
ser a flor ao meio-dia...
Ser a sombra e não o sol...
ser o perfume – o crisol –,
o pólen d’oiro da Luz
de um doirado girassol!...
Ser o cardo eril do cálix
da rosa azul do sol-pôr...
Ser a folha e não o outono ,
ser a neve e não sereno:
Ter o perfil de um pinheiro,
num pôr-de-sol algo, ameno!...
Ser o som, não a guitarra,
mourisca e peninsular!
que traduz nossa ansiedade,
no mistério do Luar!...
943
“Caveira”
Com que eloquência fita-me a demente!
Com o espanto horrendo de um decapitado,
ri do destino com ironia ingente...
a caveira, que foi de um desgraçado!...
Talvez, fosse na vida essa caveira
a irônica masc’ra de um palhaço,
crânio comediante, onde desfaço...
o último ator, que no meu ser morrera!
Revolvendo as argilas, na incerteza
de encontrar a herdade, que sonhara
desfeita por nevrose da Tristeza...
Sorte horrível daquele, que pensara
no solúvel poder da natureza
A Vênus que min’alma sublimara!...
943
E. Rosas
“Desciendo El Ciclo” Versos de E. R.
“Às tuas Estranhezas”
(a Agripino Grieco)
Procuramo-nos em nossa bizarria,
encontramo-nos em nossa idealidade:
em busca da beleza, que irradia,
sentimo-nos impotentes, ante a beldade!
Dentre, as belas, a bela, que visamos,
nem sempre o sonho, é pura realidade!
há sempre qualquer cousa que estranhamos,
ante a aproximação de tal verdade!
Juramos, nunca mais seguir os rastros
do cometa da nossa fantasia,
nem por amor seguir da terra, os astros!
Mas, se é cega a melíflua quimera
Lá, vamos novamente p’la ironia
do fado, se a saudade nos lacera!...
Rio 943
E. Rosas
Sinto uma sede infinita,
tenho insofrido desejo,
de ser o indômito adejo
de uma vontade bem dista!
Sinto cousas que ninguém
jamais, sentiu nesta vida!
a tristeza de teus olhos,
numa trova comovida...
Mais, a sede de meus lábios
para beber tua boca:
em sôfregos, rudes beijos
numa paixão cega e louca!...
Rio 943
Sôfrego tântalo, a Vida!
Lembra a seca, vendo a água:
que fará se ela só, visse...
gotas de orvalho na frágua!...
Rio 943
E. Rosas
Soneto
Agoirento crepúsculo do Fado,
Estrela a bruxulear em céu escuro!
Que anoutece a alegria do meu prado,
Emurchecendo as flores do Futuro...
Como é lenta a tristeza dos teus dias,
e o lívido silêncio desolado?
p’las horas do outono amargurado,
repassado de vésperas sombrias!...
Tântalo aflito, intermitente e amargo!
Engolfando minh’alma num letargo,
misto de fel e mágica ambrosia!
do âmbar de uma Lua que vertera...
no solúvel poder da natureza
A Vênus que minh’alma sublimara!...
943
E. Rosas
Um céu azul a sós, somente para estrelas
a brilhar e a sorrir nos seus olhos de arcanjo...
lembra a noute somente, a noute, que se estrela,
viver obscurecida à solidão que abranjo!
É sino de silêncio a badalar na treva
de uma noute sem luar, que a Lua não sonhou!
de uma celestial inércia que nos leva
ao Nirvana genial do ventre que a gerou!...
Seja! A Luz mãe da Sombra, por arte de quem seja!
onde, há Luz não há sombra, eis a hora que almejo,
ver surgir dessa aurora algente, que me beija...
para sem luz ficar o céu, onde Te vejo!...
Rio 943
E. Rosas
“Ausência”
“Fui visitado p’la ausência
por Te achares à distância:
Quanto me punge a Saudade!
por sentir tua fragrância:..”
Eu quisera passar a minha vida
no interior de Haréns orientais,
sentir o olor da rosa emurchecida
e o perfume beato dos Missais!
Eu quisera sentir da Vida toda
o genésico adejo universal,
num transluzir de intérmina harmonia
p’las estradas de Luz do Carma astral!
Eu quisera exaurir-me na agonia
do nardo melancólico e oriental
e sentir essa lôbrega elegia
de uma noite num corpo espiritual...
Rio 944
E. Rosas
“Desejo de Satã”
“Convite de Satã”!
Pertenço à vossa força extraordinária,
a deus Pã e à floresta rumorosa...
aos plátanos silentes e à solitária
cascata e à sua esteira vagarosa!
Uma indômita força já me leva
em su’asa infernal para o Oriente
do meu sonho de Luz buscando a treva,
através d’alga noute transcendente...
Um instinto divino na doçura
de indômito desejo, que descora
o lírio da minh’alma, sem ventura!...
Cessa ante o gênio de eternal aurora...
Obedecendo à algema que a tortura,
para que Deus a leve em boa Hora!...
944 Rio
Narciso Luso (E. Rosas)
“Musa irônica”
Castelos que ruíram
Ruíram meus castelos de Saudade
de uma tarde silente em vão delubro;
e a lâmpada do poente a sala invade
esboçando clarões, que algo descubro...
Qualquer cousa de ideal no meu passado
nesse estranho palor que me deslumbra
e vivem instantes d’oiro, que sonhados
são visões, que perpassam na penumbra!...
E sob o pó das ruínas, nas visões,
vejo florir a aurora, que vivi...
em celestes, ideais ressurreições!...
E dentre um sonho enganador, perdido...
num adejo de fumo em mim ouvi
Que o Amor desmente à vida, comovido!...
44 (Rio)
E. Rosas
Naufrágio lusitano
Ó Brasil de atlântica Quimera!
Ó terra singular de “Vera-Cruz”...
Terra de esp’rança p’ra quem há muito espera,
Terra do Amor, que foste a minha cruz
Tua ilusão inédita ficara,
teu povo ignorante, teu idioma
é o túmulo da Ideia, que estagnara
como a luz em translúcida redoma!
É uma noute tu’alma, sem estrelas
na incerteza, que a bruma contornara...
ensombrando-lhe o brilho, como umbelas!
E nessa angústia, nesse desespero!
luta minh’alma agônica e preclara,
para salvar-Te do atoleiro áspero!...
944 (Rio)
O fenecer do estame
Sorrir! Só teu sorriso me emudece...
florir de lírios e de rosas brancas
risada rubra, enlouquecida, franca,
Dentro de mim num sonho que enlouquece
Sorrir das fontes e das águas claras,
dos regatos cortando os verdes prados...
sorrir da espiga loira das Searas,
que andam a ondular além, pelos valados!
Só teu doce sorriso me consola,
Ó santa Natureza sempiterna:
- Irmã do meu Sentir, que algo estiola!
Presença do mistério e dissabor,
Vida, que é essência e mágoa coeterna,
à paz do outono recordais o Amor!...
Rio 944
E. Rosas
(Para David Thomaz)
Simples problema me assombra,
talvez seja a minha cruz:
“se a luz é filha da sombra
ou a sombra é a filha da Luz!”
944 Rio
E. Rosas
Ventre do nada!
É mais fecundo o ventre de uma cova,
onde, flore a simbólica pureza!...
onde germina a mística estranheza
à renúncia na Luz da Lua-nova!
A natureza é sempre compassiva
fecundadora d’alma na inteireza,
tem instantes de atávica tristeza,
movimento de orgíaca lasciva...
Perdura à noite em laivos, sensitiva...
flor da bruma noturna, vagamente
em ondas de silêncio pensativa.
Que irão morrer além, entre harmonias,
muito longe da vida, rudemente...
como eflúvio de avérnica-Ironia!
944 (Rio) Casal do luar
E. Rosas
“Vontade oculta”
Teu poder cabalístico, Senhora!
emana-se da força extraordinária
da luz, que nos conduz à solitária
deserta região, onde Deus mora...
Creio na irradiação fulva, impoluta
de Deus a Pã, na vida planetária,
varrendo a terra às solidões abruptas
como um tufão de raiva, procelária!...
Obedeço a essa elétrica vontade
conduzido por vales esmaltados
de boninas e lírios de outra idade,
que matizam de aroma e cor, os prados!
E ao chegar a Hora-do-Ângelus, Senhora!
tudo revive e brilha na ansiedade
e se transforma na outonal saudade
de esvaído crepúsculo desta Hora!...
944
E. Rosas
A hora regressiva,
a hora do poente:
que a saudade reflui
em noss’alma doente...
Assim, como os eflúvios
da luz crepuscular,
que fala à voz de um sino
errante pelo ar!...
Tenho à noute o guia
de uma fria Lua:
minha sorte foge
como uma falua!
Tenho para a alma,
a lira do sol-pôr!
para meu estímulo
todo o seu fulgor...
Tenho por deleite
“teu Amor sem par”!
minha linda d’alma,
de olhos de Luar!...
Rio 945
E. Rosas
À lua, o coaxar dos sapos
ressumbra n’água palustre:
ressoam as loas à Lua!...
p’la maresia lacustre...
945 Rio
E. Rosas
“À tua indiferença?”
Alma inclemente, coração de gelo,
São metades, teu peito e teu amor...
há nessa enfermidade um desmazelo
p’la indolência do mal de nossa dor!...
Não fora a vida uma doirada aurora
que nos insp’rasse tanto afã, assim:
por que não cessasse uma só hora,
que não tivesse um término, por fim!...
Tudo é ilusão! a vida corre aflita
como a água de um rio dentre os seixos,
na esperança de ser onda infinita!...
De mar inquieto para naufragar...
escumando p’la esteira que alva, deixo!
da galera do sonho a navegar!...
Rio 945
E. Rosas
Amor!
Solitário caminho enluarado,
onde as almas se enlaçam por ventura!
crentes, que além, no páramo azulado
olvidarão as suas íntimas amarguras...
Dirão, que este caminho indefinido
irá ter às regiões de um grande Sonho,
Quantas vezes o tenho interrompido
em procura de um outro, mais risonho!...
Ele é lindo, invejado pela Lua,
tem espinhos e eflúvios à noute nua...
às pupilas dos Astros dormitando!
Dá-se com ele uma cousa grave e triste:
E o regresso... talvez, voltem chorando,
porque o Amor é perjuro e não existe...
Rio 945
E. Rosas
Aqui, coroada’stou, nada me encanta
vejo rolar p’lo azul ondas de fumo,
hás de pedir decerto à Virgem-Santa
para guiar o náufrago sem rumo!...
Rio 945
Arte - Noite redentora!
A Lua aos astros é um açoute!
Segundo os efeitos da Luz através
de transcendentalismo dos Sonhos e as auréolas
nevoentas dos astros, geram na imaginação
humanas criações de um outro mundo,
mais real, mais instável que os homens
e a religião criaram e através das Lendas
e das superstições.
Sonetilho
Um Deus perscruta o mar e a treva
um Deus fechou-nos com chave de oiro
o pensamento que nos leva
a crer num mal de vão desdoiro...
A crer num céu distante deles,
de nós, da terra, onde exilados!
vivemos tristes, com aqueles:
ao céu maldito do seu pecado!...
Pecado esse, que ignoramos
qual a razão do seu negrume
de nossa culpa que pagamos
Eternamente um mal sem fim
o qual nos traz sempre o azedume
Os pecados d’outrem por mim!...
Rio 945
E. Rosas
Beleza psíquica...
Eu queria reunir ambos calados
numa só expressão para a estranheza
do meu cinzel sonâmbulo, sonho dos
fátuos Deuses da bruma da beleza
Cantoria palpável em harmonia
que fugia-me à luz pela penumbra
silenciosa da aurora que jazia
dentre constelações que além ressumbra...
Uma ostentava a graça peregrina,
a outra em um vislumbre, alga aparência,
corpo de veneno em alma de menina
forma vaga, psíquica e divina...
Carne de névoa enferma de inocência,
onde vaga a beleza e transcendia
de uma clarividência de menina!
945 Rio
“Depois de morta”
Ainda mesmo que queiras defender-me
Nada podes fazer... a tua graça
é inteiramente, celestial e passa
a tatear por mim sem conhecer-me!...
Choro. Vem-me a Saudade! A tua carne,
É toda névoa e bruma flutuante,
reencarnara a visão luxuriante
da última aurora, que Te amei, ó marne!...
Espectro de aparência vaporosa,
Que perturbas a paz silenciosa
do meu viver de arquivisionar!...
Passo também por Ti a errar, num Ente...
invisível, por báratro inclemente...
sem que me valha a Luz do teu Olhar!...
Rio 945
E. Rosas
(Para o Amigo Tasso da Silveira)
Eu sei que vim d’Além, como Esperança!
Moço e rude, trigueiro e ponderado...
Tenho um ar de aldeão, desde criança,
fui campino no sol, fiquei bronzeado!
Enganas-Te, alma vil e forasteira?
venho - do mouro - de alga fidalguia...
Tive outr’ora um corcel... que a fantasia,
apascentou na minha ideal fronteira!
Arrebatou-me o vento da soidão!
levou-me para longe num farrapo...
e ao despertar tive a desilusão
Trazer os pés em sangue e a alma perfeita,
dentro da Luta, sempre satisfeita...
para lutar até cair em trapo!...
Rio 945 Casal do Luar
Ernani Rosas
Há dous extremos de beleza: a psíquica e a
carnal, uma inteiramente desconhecida, a outra,
aparentemente pelos doutos, a primeira dá-se à
enfermidade, enfeza-se como o lírio, sem seiva,
sem umidade e sem frescura;
a Outra, vem do Além, da intrínseca dobadoura
da tela-aranha do Sol d’oiro, que possuis vivo
e prende o inseto na sua renda magnética
e densa que nos envolve e nos arrebata pia
renda do aranhol do sonho e da Quimera!...
Linda renda de sóis estendida na imaginação,
incompreendida rota de hipnótico Ingresso
para a meditação e para a extensa escada
luminosa e infinita que é o Carmar,
corda ativa do Sentido e da Vida e dos
Litorais desconhecidos do Universo e do
Mundo, dentro do transcendentalismo da
sua excelsa Majestade!...
Rio 945
“Maldição”
Do Velho Mundo - o tétrico cenário
dramático, infernal pelo Demônio:
Ei-la a arena de dores, o estuário...
de sangue rubro, ante o pandemonium!
Louca caudal de fumo sobre a terra,
Letes sangrento e vivo torvelinho
de vidas, que se vão pelo caminho,
turbilhonando num fragor de serra...
Escombro em fogo, que vincula uma era,
de fel e agruras, de tormenta prava...
devastando as florentes primaveras!
da “Vida humana” para o Caos profundo...
ante a geena de uma noute cava,
Que há de tragar o Lodo deste Mundo!...
945 Rio
N. Luso
Miséria e esplendor de um “Rei”!
Havia um rei numa terra,
que era burro p’ra doer:
matara O povo de fome,
matar chamava viver...
Um dia o tirano ruiu,
o povo se levantara...
deram-lhe pau a valer,
como ninguém nunca viu!
Mandaram-n’o para a fogueira,
com grande enchimento ao rabo:
no fim da coisa, entregava
a sua sorte ao diabo!...
Fizeram d’alma leilão,
as vísceras para o urubu:
consciência era nenhuma,
eis a essência de um ladrão!...
Fizeram leilão, de “Tato”!
carne e víscera ao urubu:
consciência levara o gato...
Eis a essência de um rei cru!
Esse animal nunca vira
sorrir do centeio a safra:
a primavera e a safira,
de um céu igual ao de Mafra!...
De um céu a descer ao dobre
de sinos como presságios!
da vida de rude ao nobre,
dentre tormenta e naufrágios...
Seja tudo, por amor!
a esse ser que nos consome:
à angústia da sua Dor,
à vontade de seu nome!...
Rio 945
E. Rosas
Musa psíquica...
Entre a posse e o Amor, sonha o desejo...
vaga estranheza de noturna aurora,
se a ventura consiste no lampejo
desse espelho solar, onde a alma chora
Entre a posse e o Amor há um labirinto...
de beleza psíquica: a incerteza,
se a ventura consiste na pureza...
desse espelho ideal: Se é Deus que sinto!...
Ou, por fado mavórtico da sorte,
dos amores das ondas com as areias...
nos tântalos avérnicos da morte,
na luz d’astros de fúlgida colmeia!...
No olhar de cabalística Nereida
na Lua, quando vem entre martírios
da varanda de Deus por essa “Eneida”
escrita a lume d’oiro de áureos lírios...
Na cara e funda furna do Oceano,
em titânica e rútila disputa...
nos mistérios da Vida por arcano
no poder coercivo, que disputa...
Entre ânsias das ondas com as areias...
por rábido desejo do destino,
no Tântalo dos lábios das sereias...
que de Circe possui filtro divino!...
945 Rio
“N. Luso” (E. Rosas)
“Musa psíquica”
“Fluida irradiação”
(N. Luso)
Haste amorosa, que ficaste à sesta,
- Vida genesíaca flor que a dilatas...
no entanto - o arbusto flébil da existência,
condenaste à sombra da floresta...
E o espírito da sombra encravando
o silêncio dos vales e das águas
vai como o fumo as cousas contornando
e o perfil melancólico das fráguas...
E na harmonia cósmica, que a Vida
exala de uma flor ou da montanha
em adejo de névoa arrefecida
anseia e ondula numa luz estranha
E unificando a orquestra do Universo
no fluxo-refluxo eterial
ressoa como as sílabas de um verso
que o vento leva ao páramo outonal...
E canta pela noute inda mais fundo
em côncavas abóbadas da Lua
no concerto espectral do outro-Mundo
reata a curva do ciano que tressua!...
Dentre eterna harmonia ergue-se a vida
concepção que p’ra Deus só cabe aquilo
que olvidara-se Pã por concebida
essência amorfa em sonho de intranquilo...
Em bocejos sonâmbulos de Estrelas
em seus nichos, em seus halos recolhidos
Longe da orquestração da etérea vida,
do remanso de um oceano de harmonia!...
Que se lança chorando ao infinito
Em súplicas de Amor e desespero,
na contenda minaz contra o granito...
rasgando às fráguas o coração sincero!
Por amor, para amar, quem não nos ama,
E nos deixa em olvido a meditar:
Se a vida é isto, se viver é lama...
Não vale a pena Amor Te despertar!...
945 Rio
E. Rosas
Somos portugueses,
Viemos d’Além-mar:
nossa arte é nova,
p’ra vos ensinar....
Amor e sentir,
que há na natureza
de divino e belo,
dentro da Tristeza
Sonho a longe-ilha
Frígida Atlântida:
Rimas e cantares
Vogam na escumilha...
Plasmo a vida e o sonho
Dentro d’alma bela,
tenho como guia,
uma linda estrela...
É meu brigue d’alma
a réstia do Luar:
vou à Ásia e à África,
ter a algum palmar!
Conquisto com olhar
a plaga das estrelas:
É uma nau veleira
de ilusões singelas...
O Universo é terra
onde, já andei...
encarnado em astro
que, jamais verei!
Tenho por calvário
todas as estrelas:
vago solitário,
dentre mil umbelas...
Lá, no Sete-Estrelo
minha cruz se erguera,
foi cravado o espinho
pela primavera ...
Tenho à noute o guia
de uma fria Lua:
minha sorte foge,
como uma falua...
Tenho para a alma,
a lira do Sol-pôr!
para meu estímulo
todo o seu fulgor!...
Tenho por deleite
teu Amor sem-par:
minha linda d’alma,
de olhos de Luar!...
Rio 945
E. Rosas
Quem sonha, esquece o tártaro do abismo,
do val’ da vida para além da morte:
tem-se a impressão de torvo cataclismo,
Quando a alma se eleva num transporte!
Num cortejo de sombra dentre estrelas
perdemos de nós-próprios o vão recorte!
somos fluidez do ar ao léu da sorte,
difundidos na cósmica procela...
Levamos a saudade dessa amante
dos versos de uma noute, que passara,
sob a Lua de Deus que vai distante...
Ante a graça do céu, se merecemos?
desfilamos qual sombra, que escapara
ao tormento da selva, que tememos!...
945 Rio
E. Rosas
Ó cinza – essência da Vida
ó vida – adejo de pó:
A cinza é pó que dorida
plasma a imagem em mágoa e dó!...
A alma é lume – lareira,
desfeita em carvão e pó:
Dirá a planta p’r’o nó...
Bendita carne a fogueira?!...
Benditos sejamos nós,
dados do fogo, à brasa:
a brasa é fogo dos sóis
doirando o pomar e a casa!...
O fogo, também é luz,
a luz que nos vem do céu:
o azul ao poente doirou,
lareira do pão de Deus...
Poeira d’astros – Luar!
da Lua a beijar a terra:
a Terra abrindo o mar,
o mar o corpo da serra...
Tudo é pó consolidado,
universal magnetismo:
o Líquen, o lodo, o humo,
se unifica no alquimismo!...
A vida é pó do Universo,
átomo astral por vidência:
é como um divino verso,
encarnando por demência!...
945 Rio
E. Rosas
Rimas ímpias...
O Tédio nos arrasta p’ra miséria...
apetece-nos a forma deletéria
a tirarmos um sono no sepulcro!...
Fugimos à manhã, à vida bela...
Temos pavor ao ósculo mais pulcro
da estrela, que a pagar da dor, o fulcro...
e aclarar os abrolhos da procela;
Procuramos o abismo, o caos informe,
as geenas cruéis do inferno humano...
a dor e o desespero, a goela enorme...
para assim, nos tragar... divino arcano!!...
Por tudo que é perjuro e mentiroso...
buscamos o fel da vida, como gozo!
e nunca a Ti oh! Monstro desumano...
Sempre imperfeita, como a felicidade!
Embora traga pelo azul das Eras
Oiro, vinte anos, rouxinóis, quimeras...
hás de toldar os dias de saudade!...
Sempre incompleta como a nossa glória...
oiro da Luz da primavera , a estrada
aberta às aventuras, que a memória
nos erguerá um pedestal na alada
“Costa de Desenganos e naufrágios”...
p’ra quem anda a errar de plaga em plaga!
dentre múrmuros, oceânicos adágios...
Que os “nossos sonhos do viver” apaga!...
Rio 945 Boca da Noute
N. Luso
Soneto
Eu sou a sombra de um pastor heleno
Que apascentei graça e na ilusão
do Senhor os meus sonhos na emoção
da flauta num crepúsculo sereno...
Mal vinha aurora aureolando o prado,
tinha o sol a nascer no coração...
fazia fogo p’ra aquecer as mãos,
inda era escuro o céu frio estrelado...
Ao ouvir da avena o toque da “Trindade”,
Vinham à casa correr: todas reunidas...
marchavam p’r’o curral da nossa herdade!
Hoje sou a Infância do pastor...
em procura da ovelha que perdida,
ainda oiço balir na minha Dor!...
945 Rio
E. Rosas
“Soneto”
Passou metade Luz, metade Sombra,
em idílios românticos de Amor:
o melhor tempo, que vivi à alfombra
da selva de teus olhos, num palor...
De crepúsculos túrbidos, dolentes,
como tua beleza vaporosa
na síntese de um sonho de poente
que se esvai sem delírio, radiosa...
Passara o outono e mais a primavera
em metade de Anseios irreais...
por teus Olhos tateantes de Quimera!
Fora nossa existência uma vontade
de desejos e idílios ideais...
Que morrera p’las Horas com saudade!...
Rio 945
N. Luso (E. Rosas)
“Soneto Báquico”
Libo-Te a nuca e toda espádua fria,
o ebúrneo ventre e a enluarada poma;
Faço viver-Te instantes de Sodoma
esgotando-Te a última energia!
Fremem-Te os seios no oscilar do artelho,
o ventre se contorce como a tênia...
canta o gozo a aleluia em lis vermelho,
como lúbrica rosa ao sol da Armênia...
Na órgica maré sonhas lasciva,
coroada de rosas, sensitiva,
propiciando-lhe lúbrico delírio...
Enleados um ao outro à Lua amiga,
lá vivi imprecações a Zeus, ao empíreo...
revivi cenas de uma Roma antiga!...
Rio 945
E. Rosas
“Sonho-ironia!”
“Nunca, serás a Musa que plasmei,
nem a Vênus incompleta da beleza!
vestida dessa atávica tristeza
através dessa auréola que sonhei...
Fecundada p’lo estame da Ironia,
esboçada p’lo meu sonhar insano,
Lembra uma Lua de melancolia
na ascensão da magia desse arcano...
Lembra um Zainfe na lânguida corrente,
onde o cisne da dúvida naufraga...
e torva à flor ao raio do poente!
E nessa auréola irônica e pressaga,
a transitória imagem fulvamente,
flutua no Cairel que a Lua afaga!
Rio 945
E. Rosas
“Tântalo da dor”
Maldita seja a Arte incompreendida
e a taça do Ideal que nos lacera...
os vinhos de Luxúria e da Quimera
e a báquica eclosão da Luz dorida!
dos tântalos letais e da beleza,
da dúvida do mundo em meu pensar...
os ciclos turvos de íntimas tristezas
que nunca mais se vão para o Luar!
E o meu cismar romântico e amoroso,
é como um rio fundo rumoroso,
cheio de sombras e de estrelas d’oiro...
P’la maldição dessa sinistra incúria,
maldiz ao fel da vida, como agouro...
Maldita seja a serpe das Luxúrias!
Rio 945
E. Rosas
Ventre da vida
Ventre ou cova? propensa originária
concepção para vida de astro ou estrela:
Desde o estame da flor à extraordinária
posse que pólen florido revela...
Dor cruciante do prazer maldito
que gerou tua imagem peregrina
Escultura sonâmbula, que fito
a linha ereta nívea que propina
Tudo acabado. Redundara em olvido,
O teu amor por mim convalescente...
e mais teu coração empedernido...
Meu sentimento anda dizer que “não”!
inquieta-lhe a púrpura do poente...
morria a tarde... Erguia-se um balão!
945 Rio
Versos: Relicário da “Memória”
Paisagem tramontana, eu Te bendigo!
toda envolta no fumo da Soidão,
onde a Luz não penetra e Deus contigo
vive a sós a espreitar a escuridão!
Mas, se trazes na máscara do dia
um laivo de tristeza e transcendente
Dúvida vaga, ser’s a onipotente
presença astral ou mera fantasia!?...
Sinto afogar-se em Ti, em tuas ondas
de treva e luz a dúvida do Mundo
e um mar florir em murmúrias Golcondas...
E mergulhar na agônica eclosão
de teus beijos de sombra, moribundo
fulvo sol em mândrias de ilusão!...
1945 Rio
E. Rosas
A Estrada que trilhei nevou minh’alma
à Luz da Lua de veludo e olvido,
Tudo esqueci, até o lis que ensalma
o verde e tenro prado percorrido...
Retardara-me eu muito me vencera
Aquela, que amei não me conhece,
sou saudosa ruína, que morrera,
o homem que encarnei por mim perece!
Por um ocaso aflito florescera
como uma profecia visionária
de estranho Mago que ilusão perdera
E o gérmen foi rolando ao acaso do vento...
à feição de vontade extraordinária,
aos tombos por Amor do sentimento!
Rio 946
E. Rosas
A Luz é a sombra!
É sombra a Luz do sol-irradiada sombra!
a luz do sol-crisol, que o próprio sol inveja...
acredito, que Deus nesse ninho se alfombra
de harmonia aurial em graça benfazeja...
E sombra, dando Luz e sombra sobre o mundo,
vitalidade e amor às cousas na verdade:
emoção e contorno às sombras do Outro-Mundo,
que parecem sonhar na paz da Eternidade
É pólen doiro e som ao sol o olor, que adeja!
É asa a dardejar o Lume das Quimeras,
orquestração solar que p’las águas flameja...
É asa e mágoa, o olor! ó Lírio musical...
que em si-mesmo vagasse e sem querer supera,
onde, o encanto se esconde e o sobrenatural!
Rio 946
E. Rosas
“Ânforas”
Ressoa um mar longínquo de algas plagas,
em teus seios, ó ânforas do Sonho!
um mar coberto de viuvez, suponho
num presságio feral de luto e vagas...
Mar de remota voz de búzios, canta
e soa em tua lira a nostalgia...
do remanso das ondas p’la agonia
dos náufragos da “Vida”, que aquebranta!...
Cantam às vossas bocas dolorosas
Litanias de fel e paz do oceano,
aos ouvidos dos búzios, lacrimosas!
Formas ocas simbólicas, de Sonos!
ao sonho de alto reino, soberano
de turíbulos de Ângelus, p’los furnas!...
Rio 946
E. Rosas
Aurora espiritual
Trazes no olhar a luz glacial p’los estepes,
o candor do Luar em vívido sudário...
Desce a esteira sobre as neves de um presepe,
como, que sobes Tu, a angústia de um calvário!...
Nesta fria região não flore a primavera ,
nem eflúvios florais se evolam dos vergéis...
balha a clarividência em teu olhar-quimera,
a sonata da Noute anda a volver parcéis!...
Rola e freme a harmonia em teus lagos parados;
Reina a indif’rença astral do inverno da tu’alma...
É uma harpa em que cessaram os acordes estagnados!
Vagam longe de Ti as púrpuras dos céus...
de um ocaso aurial que em delubros encalma
o matizar Mefisto e a música de Orfeu!...
946
E. Rosas
Ausência
Carta a “além-túmulo”
Embora me apareça, não me fala:
não me vê, não me chama, não me escuta!...
Entra com o Luar e paira em minha sala
como um vago sudário que se enluta!...
Há uma linha no azul, difusa linha,
Entre ela e o senhor, que me separa
do corpo material a aurora clara
inda mesmo em torpor, já, se avizinha!
Choro e clamo por ela, em vão meus braços
abro aflito no ar, busco abraçá-la
Sinto que foges fria aos meus abraços!...
Como nuvem de Noute interlunar
Sem nada me dizer, como acordá-la...
desse sôfrego tântalo a ansiar
946 Rio
E. Rosas
“Cântico-dos-beijos”
“Rimas ímpias”
O Amor é uma cantárida,
que anda em busca dos rosais!
Quanto mais rubra é uma rosa,
mais nos parece as carnais!...
Quantos beijos, beijos quentes,
Te vestiram meu Amor?
São os lábios do desejo,
A falena, com alga flor!
Adejos de lindos lábios,
Lindos lábios de carmim:
o teu hálito é um estio,
de volúpia para mim
Lindo olhar enamorado,
Lindos olhos de cetim:
Teu olhar é uma violeta,
que só olha para mim!
Lindos olhos: Sabe-os Deus!
o que vai pelo teu Seio:
Quanto anseio, vindo aos meus
nos teus lábios com receio?...
O Amor é doce rede,
leve címbalo da Ilusão:
Chaga oculta, que faz sede
à raiz do coração!...
Lindo olhar, cavando n’alma
uma cova para o Enterro:
Se viesse mal cerrada
Faria dela o meu encerro!
Lindo Amor e linda boca!
Lindo estio ou primavera :
Trago a alma enlouquecida,
neste ermo à tua espera!...
946 Rio
Cisma o desejo
Entre a dúvida e o Amor, há um labirinto
Por motivo Psíquico: a compreende!
Se a ventura consiste na beleza
desse espelho solar que além pressinto!
Ou na luta titânica do oceano,
nos amores das ondas com as areias
nos tântalos da vicia nos olhares
coercivos das lânguidas sereias
No fluxo-refluxo das vagas
no referver dos búzios, da lacuna
na luta ou na inclemência com que alagas,
Com naufrágios à vida em nossa escuna...
No marulho soturno à noute quando
a lua doira-o e sonda-o e a tona brilha
aljôfar ao Luar sobre a escumilha
errante na saudade vai ritmando
E revolta que o homem ao ver tudo Isto
faz-se poeta sem querer prevendo
o sofrimento — a rude cruz, devendo
arrastá-la ao martírio do Imprevisto...
Serei nessa procela a areia solta
que ora vai, ora vem se a escuma apaga...
a verde fúria de uma ondina envolta,
Em-vã-saudade de correr de vaga em vaga!...
Rio 946
E. Rosas
Da nuca à vértebra osculo-Te a epiderme
arfam-Te os seios — enluaradas pomas
a derramar o sândalo da coma
na volúpia oloral da carne inerme
Vibras o corpo em contorções de gozo
a carne tem marés de anseio e mame
Um oceano se agita voluptuoso
em teu sangue rugindo em tua carne
Cróton lascivo de vermelho estame
dos meus beijos — as abelhas num enxame
bebem-Te o olor da carne voluptuosa
Nesse delírio que a volúpia instiga
entre anseio e sonhos nervosa
adejas no prazer p’la noute amiga!...
Pálida e desvairada os cabelos desfeitos
Lembras-me a nívea Lua orgíaca p’la noute
em demanda do oceano arfando os níveos peitos
no cio da Luxúria em sádicos açoutes
46
“Desalento”
Circunscritas à órbita banal
as estrelas nas chamas se consomem,
na terra a labutar tem-se no homem,
o eterno cativo do ideal...
O eterno cativo sem ventura,
desalentado cavador que espera
em sombria região, p’la noute escura,
encontrar o ouro-fino da Quimera!
Encontrar a ventura de uma aurora,
onde encontrá-la? se ela agora dorme...
refletida nos olhos de uma Nora!...
Entre ervaçais, num val’ desconhecido
onde, nunca alvorece a paz enorme...
e o bem — perjuro Amor incompreendido!...
Rio 946
E. Rosas
“Desconhecido”
(Trevas do “Desconhecido”)
Pela primeira vez senti bater mansinho,
Depois mais forte ainda uma estranha emoção
Era o primeiro afeto que viera sozinho
despertar em meu ser divina sensação...
E acordada a minh’alma que sonhando vivia
na sua ebúrnea torre de inocência e sonhar
arrebatou-a à luz d’aurora em que dormia
e levou-a consigo para bem longe andar!...
Bebo à taça do ideal o vinho de Mefisto
Essa porta ideal fechada há tantos anos
dando p’ra noute azul do meu Desconhecido
E nunca mais bateu com tanto ardor, Assim
Para os mundos da luz e da clarividência
e deu-lhe de beber um vinho peregrino
embriagando-a deixou a vaga sonolência
Ao despertar por mim senti-me mais menino
Saí beijando o Luar e as flores do jardim
e nunca mais feriu com tanto ardor, assim...
Por que criaste o fel, e o vinho da ilusão?
Por que criaste o Amor, assim como Jesus...
criara a luz do Luar em jorros de perdão,
o tremeluzir do olhar dos Astros sobre a cruz?
Bebo à taça do ideal o vinho do Mefisto
Subo e desço e percorro as trevas deste mundo
Sou autômato, em vão busco a causa, o imprevisto...
Volverei livremente à noute, ao caos profundo!...
Vou além, muito além nesse engano, perdido
num sonho virginal de tântalos e enganos
a essa porta ideal fechada há tantos anos
abrindo para a luz do Desconhecido
Abrindo para a aurora em vago acordamento
da inocência e da carne à crua nulidade
tenho a impressão que a infância é uma rosa ao relento,
e a juventude um céu de sonho e castidade!...
946.
E. Rosas
E a sombra o que será? simples reflexo
da Lâmpada da Vida universal;
do sol descendo à selva original,
atravessando às verdes espessuras
como um raio de Luz às criaturas...
Como as águas de um rio refletindo
o Universo e as estrelas num marulho
de Luz e sombras densas se esvaindo
a uma Lua amaríssima de Julho,
os seus raios nas águas convergindo...
E o aroma dentre a sombra que ressumbra
em ondas longas de melancolia,
ondula e se avoluma p’la penumbra
em densa sombra jalde para a umbria...
Em ondas condensadas de neblinas
no fluxo-refluxo do Éter puro,
que navega ao luar — como Latinas
das lanchas que no sonho mau procuro...
E as sombras se afastando à luz da aurora:
dirão que as pedras já se vão despir...
dos seus negros veludos, muito embora...
fosse noute e verão o sol sorrir!...
E os seios dos rochedos lembram os seios
da lúbrica e divina Sulamita!
que ao vir do sol se doira e mais os veios
de um arroio, que prado irial visita!...
Rio 946
Fremem cítaras e langues alaúdes,
teu gesto vence a dança, que embriaga...
Evocam-Te o olor e ao som se ilude,
em cântico a harmonia em que se alaga!
Vaga em surdina o adejo do teu gesto,
Andorinha, que alígera esvoaça
à luz da Lua a um raio frio e mesto,
Mariposa, que trôpega perpassa!...
Venceu-Te, a dança a tua graça, um dia...
o gesto de tu’alma enlanguescida,
em flexibilidade que irradia!
Como que errando em ritmo de beleza...
em compassos de lúbrica harmonia
todos os astros dessa Natureza!...
946 (Rio)
E. Rosas
Há uma causa ignorada...
para além, que nos invade...
sem luar, sem madrugada,
É a noute da Saudade!
46 (Rio)
E. Rosas
Lacrimae - Carmes: Caminho-das-lágrimas
Caprichos da tua Musa
A minha linda Musa indiferente
surpreendera-n’a o Amor a transformá-la,
ante a aurora romântica e latente,
teima um dúbio clarão eternizá-la!
Sou fantasista, histérico e veemente,
tenho o sangue linfático por vezes:
a ausência tem um aroma surpreendente,
no seu ritmo banal como reveses!...
Possuis Amor, aqui gemas de preço
no fugaz, fátuo escrínio de um quarteto...
pela louca alegria que Te of’reço!...
Transbordando do Ofir dos seus tercetos
a inebriante ambrosia em mar travesso,
presa à Taça elegante de um soneto!...
Rio 946
E. Rosas
Lúbrica?
Pálida e desvairada, os cabelos desfeitos,
lembras a nívea Lua órgica p’la noute...
em demanda do Oceano arfando os níveos peitos,
no cio da Luxúria em sádicos açoutes!
Sonham no referver de oceânicas espumas
as nereidas de olhar de Atlântidas sonhadas
e nas ondas do mar em sonho, vagam brumas
que vão pelos mares singrando couraçadas...
E a lua pelo azul cantárida silente
que entorpece de amor as emoções dormentes
aos mistérios dos céus por noutes consteladas...
Tem laivos de cetim de uma volúpia estranha
apunhala pio amor de Tristeza, a montanha
e conduz a noss’alma à Luz da madrugada
946.
E. Rosas
Na alfombra dos jardins há ritmos de Luz
e há horas que se enfermam à luz para a beleza
não sei se é de tristeza ou se o amargor seduz
em chorar e sofrerem íntima inteireza
A psíquica alvorada nebulosa e divina
com paisagens irreais de sonho e pesadelo:
naufragam num rubor de aurora por que fascina
o oásis singular do teu banal castelo...
E o teu olhar sonhando à célica distância
De sonhos de outonal crepúsculo a cair...
sobe no eflúvio êxul da mágoa e da fragrância
Espargindo p’lo ar na queixa e no sentir
e adormecem a sonhar que tornarão infância
e terão como a Luz um fúlgido porvir!
Rio 946
N. Luso (E. Rosas)
Não despertes a vida para a dor!
Não despertes a vida ó madrugada,
ó rouxinol de Luz, ó meu Amor!...
Deixa-a dormir, a minha pomba alada...
não despertes, matando-a pela Dor!...
Rio 946
E. Rosas
“Nas Trevas” do desconhecido...
Pela primeira vez, senti bater mansinho,
Depois, mais forte ainda, uma estranha emoção:
era o primeiro afeto, que viera, sozinho...
despertar em meu ser divina sensação!
Alvorece em minh’alma a falsa fantasia
em sua egrégia torre de inocência e sonhar...
arrebatou-a à luz d’aurora que sorria
e consigo a levou para bem longe andar!...
Para os mundos da luz e da clarividência...
e deu-lhe de beber um vinho peregrino,
embriagando-a deixou-a entregue à adolescência!...
Ao despertar por mim senti-me mais menino!
Saí beijando o Luar e as flores do jardim...
e nunca mais feriu com tanto ardor, assim!...
946
E. Rosas
Neste poema cismático, agoniza
a luz de um sol como um delírio a Deus!
num nevoeiro genial se concretiza,
Dúvida e sombra num debuxo a Zeus...
Ritmo e rima irrompem na harmonia
da orquestra d’oiro da asa, que esvoaça...
no pó do som, em vã melancolia,
como um sonho num voo de fumaça!...
Ritmo e forma em nevoeiro se eternizam,
encarnam a ideia em uma extrema velada...
para viver à luz que a divisa
Dúvida e treva: a noute constelada...
só dúvida e Tristeza a sintetizam,
nesse ritmo aureal da madrugada!
946.
E. Rosas
O Burro e o monge...
Prazenteiros, viajavam o burro e o Monge...
Dizia o burro: sinto-me cansado!
da rude obrigação de que é cuidado,
Só! me sinto feliz, quando ‘stou longe!...
Do meu árduo dever, da criatura...
da alma vil, do animal de forma humana,
Que ao chegar-nos o inverno, a desventura...
nos atira à miséria desumana!
Por contingência, alegram-me as searas:
produto e esforço de uma enxada honesta...
do Lavrador que vive ao sol, “às claras”!
“Nunca vindo de Ti, monge maldito”:
que pregas falso credo, que é finito...
em troca de uma esmola desonesta!...
Rio 946
E. Rosas
Ó fado da minha Vida,
Ó vida do meu penar:
Quanta esperança perdida,
na escuna errante do mar!...
Guitarra da minha infância
que meu sonho anoutecia!
o teu fado traz-me a fragrância
de uma flor que emurchecia!...
Rio 946
E. Rosas
O Monge e o burro!
Há muita gente tola neste mundo,
Que é capaz de esmurrar ponta de faca:
Se em burro não virar, pode ser vaca...
e fuçar como um porco em charco imundo!
Muito mais burro é quem Te chama burro,
há rapazes que têm orelhas mocas!
outras, rasgadas, caem-lhes sobre a boca
dando em silêncio um insensível urro.
Confesso que encarnam informe aspecto
de Zebra ou de loba para assim passar...
entre os homens mais vis, nesse discreto
Hábito negro - a pel’ de uma caveira!
indo por montes brancos de Luar...
grunhir como um suíno na estrumeira!
946 Rio
N. Luso
Olhos-verdes
(Sentir a fluidez do teu veneno)
Crepúsculo mirífico das águas
de um rio que procura o oceano...
Latina de ventura para as mágoas
ritmando em berço doiro em manso arcano...
De amores, descobertos a aventuras
às “Atlântidas” de gênios fabulosos,
com areias e plagas nebulosas
encantadas, p’la Lua em noute escura!
Eu pensei aportar nessa paragem,
de natureza langue estagnada
no mistério nevoento, p’la paisagem...
E descer a esse abismo irreal, severo,
Que não tem o bafejo da alvorada...
e entorpece os mortais com seu veneno!...
Rio 946
E. Rosas
Oração à enxada
Lavrador, que a gleba lavras
Com o suor ao rosto teu...
mais o pranto das estrelas
colma os campos com o céu!...
Jardineira que lidaste
os canteiros da ilusão:
Mas, que rosas tu criaste?
Que merecem uma oração...
Gleba fria, inanimada,
como a chuva e o sol Te querem?
Dar-te beijos sol e chuva,
Quente como os de mulher!...
O teu trigo é puro e casto
como o corpo da hóstia pura:
cor da Lua, p’lo céu vasto...
Quando as noutes são escuras!...
Quando a terra no seu seio
guarda a sombra e sorve o orvalho
Quando tudo é só receio...
e o nevoeiro, agasalho!...
Soa ao longe a rude enxada
pela terra que sussurra...
Bendiz a mão que a esmurra,
dando-lhe rudes pancadas!?
Cava a vida! Cava a cova...
Entre a enxada e o pensamento
há parentesco divino:
Uma cava e o outro cava,
Ambos têm igual destino!...
Cava o Pão e cava a morte:
cava o sepulcro que encerra
os sofrimentos da sorte...
Cavador da minha cova
cavarás bem funda e larga:
a minha sombra e no cipreste
dando sombra negra e amarga
Ao plantar o corpo meu,
quero que plantes também:
a agonia de um cipreste,
que é a imagem de quem quer bem!...
Cavador, que cavas tanto
que cavaste a vida inteira
tu cavas a minha cova
Junto ao pé de uma aroeira
O que fazes não Te chega
p’ra morreres esfomeado
morrer de fome às cegas
como um lobo pelo prado
Se os recursos que possuis
Não Te dão para viver
Mais nos val’ mandar a enxada
p’ro diabo e se perder:!...
Se mal chega p’ra morares
na miséria impiedosa
mais nos vai’ assim par’ceres,
como a sorte mentirosa?
Somos todos cavadores
uns da Arte outros do Sonho:
Se na vida as flor’s dão pranto
Se o viver é um val’ medonho?!...
946
Perfil de um pirata
Improvisou estudos de finança,
galgara alto cargo na fazenda...
armara bravamente a sua tenda,
gozando do governo a confiança...
Metera os pés p’las mãos com segurança,
fizera do tesouro uma fazenda...
esbanjando o dinheiro com pujança,
com prodigalidade sem ter renda...
Como nédio muar extravasara
inutilmente os cofres, que coragem...
alegando que gentes amparava!...
Sei, de fonte segura, que lançara...
em prática o dinheiro à agiotagem,
amparando os amigos que lesara!...
46 Rio
E. Rosas (A. Luso)
Presença psíquica
Amor, que tens forma incompreendida
de uma esbelta palmeira desgrenhada,
como eu, hei de amar e gozar a vida
se ela não m’a pertence e é visionada?!...
Se vem d’além, das noutes do Universo,
Essa névoa de amorfa e fluida essência?
Se é uma eterna Saudade de algo verso...
Que reflui como a vaga na envolvência
De um mar em bruma para além da Vida,
das ondinas, por fúlgidas Golcondas
Que vêm morrer na Queixa indefinida
Da Sonata oceânica de um Sonho...
em demanda das Índias dentre as ondas,
na insolência do Atlântico, suponho!...
946 Rio
E. Rosas
“Presságios”
(“Nunca para mim despertes
desse teu sono profundo,
que seja um chamar por mim,
minha outonal folha morta...
a tua asa de Além-Túmulo,
Quando bate à minha porta!...”)
“Disseste-me adorar um dia
no cortejo da alvorada:
Era fria, muito fria,
a áurea da madrugada...
Bufava o vento do Leste
nas suas frescas rajadas,
Bailava o folhedo agreste
na dolente revoada...
E, assim Te foste, embora
nas asas da fantasia...
levara-me o vento, a aurora
e a minha antiga alegria...
E a mágoa da minha Vida,
perpetuou-se em Saudade:
como a violeta perdida,
numa expressão de ansiedade!...”
Rio 946
E. Rosas
Ao Andrade Muricy,
(Ao preclaro Amigo confidente das minhas blasfêmias psíquicas e do meu fel intelectual!...)
Rimas
Esperei que viesses e não vieste...
Toda de roxo, de lilás talvez,
como uma Lua lívida e celeste,
na sua arquidivina palidez...
No jardim, onde entreabrem-se os teus lírios...
E de uma fantasia em pedra azul,
igual a dos vitrais se à luz dos círios
esbate-se de leve em raio êxul...
Esperei toda tarde e toda a vida...
a ver se vinha pelo azul descendo
presa a um raio de Lua adormecida!
Meu castelo de Amor desmoronando
na esfera do seu sonho se asilando...
como o adejo de uma asa esmorecendo!...
Minha chama de Amor esmorecendo
como o lume da estrela fenecendo
em meteoros p’la água encandecida!...
946 Rio
E. Rosas
Rimas
Pelos pomares do Empíreo
de ocasos e estradas belas:
a Lua faisã prateada
com sua ninhada de estrelas!...
No prato azul do Infinito:
a clara do Luar suspensa
na gema do sol, que fito...
p’lo nevoeiro que a incensa!...
946
E. Rosas
Sfinge?... Homem...
Súcubo aterrador, invisível Sfinge!
Tens garras de Pantera... adejos de condor...
enganas Te a Ti mesmo e na aparência, finges
ser’s dócil como um anho e belo como o Amor!...
Vens das ervas, do pó da Estrada do teu crime...
bandoleiro banal, sem força por destino,
Oh! Salafrário vil, que os inermes oprimes...
matas para roubar por simples descortino!...
Alma de Lobo astuto... à espreita do cordeiro...
Que vem beber a linfa abaixo, no regato,
inocente, a cair-Te às peias, carniceiro!...
À morte, a percorrer os lupanar’s da Lama!
Levas a corrupção a “Terceiros” de fato...
Lançando-os à convulsão das tuas rubras chamas!...
946
E. Rosas
Sfíngica!
Vens lânguida a cair para os meus braços,
revirei contigo a ideal Sodoma:
Arfam teus seios em lânguidos aromas...
nessa hora os astros já nos dão abraços!
Tão pálida, a rolar a negra coma
pela fronte da Safo voluptuosa...
em caracóis p’la espádua, langorosa
numa volúpia báquica - que assoma!
De beijo inundo o esquálido semblante...
da nuca à espádua num delírio insano,
num arfar de cio em formas delirantes
Coroada de Pâmpanos e beijos...
És o Tântalo meu! divino arcano...
a clarividente porta do Desejo!...
946
Soneto
Aurora?
Desci sonhando a um astro em certo dia
e aos tombos vim rolando pela vida
Quanto horror, quanta dor, quanta agonia,
Que holocausto de arena fratricida!?...
Ruíram a minha torre doiro alada,
Meus castelos de fumo do Poente...
Circunvagava a mágoa e a dor latente
em torno da minh’alma desolada!...
A vida tinha o aspecto de um deserto
interminável, diante o caos do mundo,
Envolto em sombra e dúvida, encoberto!...
Pelos pesares, p’lo torpor da Treva...
que envolvia o Universo moribundo
Longe da aurora que os invernos neva!
Rio 946
N. Luso
Soneto
Fora um dia doirado de cantigas,
ó primavera das canções dolentes!
quando lindas rosadas raparigas
lançam à leiva atrevida semente...
Depois de um dia assim, a tarde toma
um ar difuso, merencoriamente...
e por detrás do soito a lua assoma,
girândola de fogo do sol-poente...
Dia indif’rente às minhas agonias...
sem querer, ó minh’alma, Te extasias,
Diante da tela que ela expôs à Hora!...
Castelos d’alma - fumo do ocidente...
demandam em ruiva fúria de agonias
Centauros de oiro e bronze do Poente...
Discreta, como a tarde, entre harmonias...
Que a luz e a cor n’algum painel desbroa,
Como notas esparsas de alegrias!...
Rio 946
E. Rosas
Soneto
Tu que tens por albergue uma sarjeta imunda,
Que praticas o assalto o incesto e por demência
ó homem verme vil, gêmeo do desacato...
Que envenenas o Amor – a pudica inocência!
Tu, podes condenar alguém a um cadafalso?
à morte, ao calabouço, à torpe provação...
ao exílio infernal, se teu poder é falso,
Ó milhafre venal, onde está a razão?
Conhece-Te a Ti mesmo! Hipócrita, vilão...
ó Alma de réptil em charco pantanoso,
onde coaxam batráquios em negra escuridão!...
O que esperas ainda? A insídia do amanhã!
não vês, que tudo é vão, infausto e crapuloso...
não teremos sequer a graça de Satã!...
Rio 946
E. Rosas
Soneto
Orai ao Sol e à Lua! Amai a Terra
como os antigos povos do Oriente...
Entoando Loas para a Luz, que encerra,
toda energia cósmica veemente...
Amai! Como os heróis amavam a Luz,
o sol, – que é vida e seiva e primavera
do Oásis à errante e nômada Quimera...
que nos guia o rebanho, e nos conduz!!
Sou a Sombra de um morto beduíno,
que amava a lua e o Sol, a soidão...
e levado p’lo ideal de um Deus menino,
Senhor da Luz, da musa e da harmonia!
Conduzia Legiões à maldição...
desse Olimpo da fé e da magia!
946 Rio
(E. Rosas)
Narciso Luso
Soneto
Num vergel que o poente anoutecia
esperei-Te a minha juventude inteira
anoutecera o dia e viera a esteira
do Luar cobrir a nossa estrada fria
E branca e fria a lua congelava
as rosas e as latadas da vereda...
adormecendo a aldeia que calava...
e o jardim, mais o lago e a alameda!
Tu, não viste mais, como a esperança,
que escapa de uma lenda que se afirma
acordar a alegria que não cansa...
os corações incautos despertar!
para o tormento, para vida humana...
foi assim que acordei para chorar!...
Rio 946
E. Rosas
“Soneto”
Retardara-me e a noite me vencera
Dum desconhecido
Vivi um áureo tempo abstraído
a Te ouvir minha Musa inigualável...
paisagem de Tristeza incomparável
na psíquica beleza, que hei perdido.
Por desertas regiões de comovido
crepúsculo de mágoa e sentimento,
Sou um Mago sonâmbulo, vencido
em meus passos de inércia e esquecimento...
Anoiteci num vale de incertezas!
à asa de algo Ângelus dorido
p’la fadiga de aspérrima Devesa...
E os dias, Lá se vão para o Futuro
e o ser, que mal Lidou cai abatido
nunca chega a vencer um ser obscuro!
Rio 946
“Soneto”
Todo prazer é um beijo mal roubado:
morre-me a boca para repeti-lo,
entre o eflúvio de um sonho malogrado
e p’la boca das rosas dividi-lo...
Como é bom esse amor, sendo metade!
curto instante à penumbra do jardim,
ao partirmos levamos a vontade,
p’ra que nos volte uma outra noute, assim!
Fui despertado p’lo Luar de impura
noute de Lua e desleal Ledice...
na embriaguez de lúbrica ventura!
Fui pressentido, ó dura crueldade!...
Libertei-me do amor, sem mais tolice...
deixando o gozo todo na metade!
Rio 946
E. Rosas
“Soneto”
Vivera um longo tempo compungido
a Te ouvir minha musa inigualável
Paisagem de tristeza incomparável
na psíquica grandeza, que hei perdido...
Por desertas regiões de comovido
crepúsculo de dor e sentimento
sou como um vento de fragor tolhido
em meus passos de mágoa e esquecimento...
Anoiteci num vale de Tristeza
à asa do crepúsculo vencido,
p’la fadiga da aspérrima devesa...
E os dias lá se vão para o futuro,
e o ser, que mui lidou, cai abatido...
nunca chega a vencer algo obscuro!
Rio 946
E. Rosas
Suspeitas de um perjuro
A ausência traz à carta uma saudade,
- doces palavras de consolação:
sem suspeitas de olvido, na verdade
de quem escreve cheio de emoção...
É de uma ansiedade inigualável,
uma mensagem vinda assim, à gente!
de súbito, chegando recendente
de um saudoso perfume incomparável.
Quer dizer que esse alguém não se olvidara?
doce ilusão de quem anseia espera...
numa meiga suspeita que algo aclara!
Todo dúbio supor de alguém ausente
no perjuro ansiar dessa quimera...
vinda a certa hora, inesperadamente!
946 Rio
E. Rosas
Tântalo do amor!
Quem meus lábios libou não pensara sofrer:
dúlcida morte em tântalo rubente...
pedraria inquieta de um poente,
tentação demoníaca do mal! a viver!
Sou a sombra da Ausência - meu espelho...
Aqueles que eu beijei morreram Logo!
aqueles que fingi amar sem desafogo
têm o peito gelado, hoje são velhos...
Do meu namoro, o desolado giro
às celestiais regiões do sentimento,
não ficara um só átomo de alento
nem a asa indelével de um suspiro!...
Os meus olhos poisaram nos seus olhos,
por sua vez a ausência é a sua sombra:
que andara ao sol a lapidar abrolhos
em desolada queixa pela alfombra...
É a minh’alma que é a eterna queixa
de um rio em névoa e mágoa repetida,
a refletir a imagem de quem deixa,
com saudade o amor da sua vida!
Do bosque à margem, onde infantil brincava
toda infância a fugir qual passarinho,
olhando para trás devagarinho
como a se despedir de si pensava!...
Foi por Te amar demais “região fremosa”,
Que de Deus recebi o ideal batismo
de amor e de humildade em graça airosa
de teus olhos de cisma e misticismo!...
P’la inquietação que o azul delineava
a curva voluptuosa de teu seio,
de teu corpo de musa, que lembrava
certa luxúria densa onde enleio...
Os mistérios da vida e da amargura
na página sublime de seus olhos,
que é um prêmio de oceânica aventura
de Lendas e naufrágios em meus abrolhos!
Sob cores a tarde à luz baixava
doirava a superfície d’água irial,
repetindo-se em círculo, que alava
como um arco de Luz às mãos do ideal...
Do mal da cor para o matiz da Musa
da Musa em flor já morta por vaidade,
de um ocaso que vai p’la mina infusa
da linfa doira a Naus p’la imensidade!
Rio 946
E. Rosas
Ao mal da cor para o matiz da Musa
da musa em flor já morta de Saudade,
de um ocaso que vai além da Lusa
Lenda de um rei que sonha a Eternidade!...
Rio 946
E. Rosas
Tercetos
Será minh’alma o espelho, onde Te vejo
num dia assim azul de primavera ,
a recordar o aroma de teu beijo...
a recordar as asas pela esfera
num revoo insofrido por delírio,
Que equilíbrio sonâmbulo perdera...
Cintila o orvalho à Luz, o cálix é o lírio,
aflige o aroma o sol, como quimera...
o roxo e o branco lembram o meu martírio!
Ao rubro vivo - Etna nas rosas,
falece o roxo pela claridade
nessa audição de bocas harmoniosas...
Numa audição de lôbrega saudade
de rosas rubras e de rosas brancas,
num gargalhar de irônica vaidade
ante a melancolia de almas francas!
Rio 946
E. Rosas
As papoulas do amor debruçam-se “formosas”,
miram-se ao sol a rir com frase de carinho...
- estranho dicionário em bocas veludosas,
que os eitos vão borcando e a areia do caminho!
Rio 946
E. Rosas
Oiro! oiro! do sol... oiro divino
oiro da Luz... o oiro de teus beijos...
o oiro da Quimera, o peregrino
Oiro de posse, embora num malfazejo!...
O oiro de encantos mil? a primavera
rindo através da selva de Teus Olhos...
a Taça de ambrosia em oiro, que era
o cristal do amavio aos meus abrolhos!...
O oiro incrustado à rocha dura da frágua
na capilaridade de teu riso
Que iriando de oiro a fria água!...
O Oiro da ventura da tu’alma
mora e sonha no verde paraíso
do teu olhar que a minha vida encalma!...
946 Rio
E. Rosas
(Para as Guitarras)
Uma noute tive um sonho,
um sonho de azul Quimera!
onde se abriam caminhos
de estrelas pela atmosfera...
Par’cia que um anjo alado
conduzia-me sonhando:
pelas estepes do espaço,
onde eu andei rimando!
E, quanto mais subia,
o meu coração pulsava;
nunca, que eu chegava ao cimo
do calvário, que ansiava...
Prostrou-Me a cruel fadiga,
a noute passei num sonho:
que curta me fora a vida,
nesse percurso risonho?...
A Torre-astral se desfez...
voava as asas d’aurora:
e aos tombos p’la encosta afora
vim rolando e o Luar sumia!...
Em cataratas de neve,
em soluços de cascatas:
pelo ar e o tempo azul
foi sonoro, que se desata!
fora um vislumbre d’aurora,
fugaz perfume de flor:
fica a saudade daquilo...
que é sonho, volúpia e olor!...
Fora um sonho: e um sonho é sempre!
fugaz eflúvio de flor:
fica a saudade daquilo,
que é sonho, volúpia e amor!...
946
E. Rosas
Vaidade!
“Vinda ao acaso para a vicia estreita
filha da carne p’r’o prazer do mundo
fez-me o ciúme sua musa eleita
Tântalo em flor para o langor fecundo
Louca de Amor já declinava o ocaso
da cega pedraria das vaidades
como fruto do incesto vindo ao acaso
Tive sonhos de irreal sensualidade:”
“Mentia-me o Espelho em que me vi tão bela
Sonhava ser inda mais bela, quando
apagou-se no poente a minha estrela
Eu tântalo, de carne e de desejo
de Luxuriante olhar o céu tentando
com as estrelas da noute, onde me vejo?...”
946
Ventre da vida
Âmbito torvo originando a Vida
Tentação do prazer e da luxúria
para o Amor dentre a linha indefinida
desta beldade obra de alga incúria
Ventre de nívea e lúbrica epiderme
escultura sonâmbula da carne
que mão fascinadora de Arte inerme
Te plasmou na ilusão de neve ou marne?
Tentação de vetusta e egrégia graça...
ventre de Vênus que sugere a ideia
de noute sibarina onde perpassa!
Todo fulgor de báquico desejo
de um ventre negro ou branco que o sobejo
da minh’arte não vence e se receia!...
Todo esplendor de báquico desejo
da linha franca e fina que o Sobejo
do som buril não vence e se receia!...
946 Rio
E. Rosas
“Ventre da vida”
Ventre ou cova? Propensa, originária...
gestação para vida de astro ou estrela:
desde o estame da flor à extraordinária
cop’la, que o pólen rútilo revela...
Dor cruciante do prazer maldito,
Que gerou tua imagem peregrina...
escultura de êxtase, que fito
e meço a linha nívea, que propina!...
A tentação vetusta e a egrégia graça...
ventre de Vênus, que sugere a ideia
de noute sibariana, onde perpassa
Pulvamente teu báquico fulgor
da carne ao sangue originando o Amor
p’lo teu ventre de lúbrica Sereia!...
Rio 946
Vênus ou Safo?
Da nuca à vértebra osculo-Te a epiderme,
arfam Te os seios, — enluaradas pomas!
a derramar o sândalo da coma,
p’la volúpia oloral da carne inerme...
Vibras o corpo em contorções de gozo,
a carne tem marés de anseio e mame:
Um oceano se agita voluptuoso
em teu sangue, rugindo em tua carne!
Cróton lascivo de rubente estame
dos meus beijos — as abelhas num enxame,
bebem-Te o olor da carne voluptuosa...
Nesse delírio que a Volúpia instiga
entre anseios e ósculos, nervosa...
adejas no prazer p’la noute amiga!...
946 (Rio)
E. Rosas
Versos do Livro Torre-de-David de E. Rosas
Gostar!
“Soneto”
Chegamos a gostar de cousas repelentes...
Charles Baudelaire
Num antro de magia e rúbido mistério,
onde a serpe, a coruja, o sapo têm poesia...
seja negra ou real, a lúgubre magia
em prol da nossa fé em seu áureo hemisfério...
A víbora e o morcego têm duplo poderio,
a áspide produz filtros cruéis p’ra morte
e na ronda avernal desliza um negro rio
de líticas visões numa obscura coorte...
Gostando do que é velho e rude, amei-Te um dia!
ó gasta barregã-ruiva, que a ironia
emoldura de Luz na sombra luxuriante!...
Vejo aquilo que o olhar não vê e não namora
vejo, não a mulher — o anjo, que lá mora
a psíquica irradiação da aurora inquietante!...
Rio 946
E. Rosas
Dentre o denso torpor de uma noute de averno,
de um pesadelo atroz desço um Lete’ sangrento...
e as ondas vão crescendo e vai nevando o inverno
e a água do rio é um mar de lêneo desalento...
Reina uma eterna noute e o poente se afogando
num círculo de Luz, como que esquece a vida!
e o spleen domina os céus o côncavo baixando
o azul desce cinzento e a Lua adormecida!...
‘Onde irão a voar Horas de idílio e sonho,
de amor e de esperança, onde irão parar?...
as da melancolia e do fel, que suponho...
Vir do olhar de Jesus à Luz das alvoradas!
p’ra de beijos cobrir-Te e a tu’alma banhar...
p’ra que em teu seio, ó Dor, eu não veja mais nada!?...
Rio 946
E. Rosas
A falta d’oiro...
O Tédio nos arrasta lira miséria
apetece-nos a forma deletéria
a tirarmos um sono no sepulcro
fugimos à manhã à vida bela
temos pavor ao ósculo mais pulcro
da estrela que apagar da dor o fulcro
e aclarar os abrolhos da procela!...
Procuramos o abismo, o caos informe
as geenas cruéis do inferno humano
a dor e o desespero, a goela enorme
para assim nos tragar divino arcano!...
por tudo que é perjuro e mentiroso
buscamos o fel da vida como gozo
e nunca a Ti ó monstro desumano
Oiro, felicidade, à nossa glória...
a primavera , os vinte e cinco, a estrada
aberta às aventuras que a memória
nos esperará num pedestal na alada
Casta de desenganos e naufrágios
de quem anda a orar de plaga em plaga
dentre as vagas e oceânicos adágios
que os nossos sonhos do viver apaga!...
Rio 947
E. Rosas
Horas ermas e frias de Agonia,
onde oculto na bruma o sol descora...
o amor e o céu sonham longínqua aurora,
onde há laivos de vã melancolia!...
Onde o espaço é uma órbita vazia
de absorto olhar de taluda caveira
sem um vislumbre de um bom, claro dia,
ao vento tombam as folhas da roseira!
Os céus trazem d’Além laivos de Sangue,
a terra é triste, o pensamento doente...
e a tarde se reveste em mágoa exangue!
Habita em mim um monge de alma e inverno,
fora-me bem melhor não ser eterno:
Esse exílio das horas, lentamente!...
Rio 947
E. Rosas
Argento escrínio da noute,
diamantino a cintilar:
brilha azul, o Sete-Estrelo...
como as pedras desse Olhar!
Foi cravado a Sete-dores,
Sete-cravos numa cruz:
hoje só, deitou fulgores,
como as chagas de Jesus!...
Rio 947 N. Luso
E. Rosas
Caricatura...
Síntese a traço... morre-me a beleza
da linha que a vibrar gerou teu Eu...
Vibrou a chiste e a ironia com Tristeza
nas linhas de teu Ser que pereceu...
Falsa filosofia: a nossa vida...
O que ela vale: um verso, um pensamento?
Um noturno, uma frase, o sentimento...
Vibrando em arco universal, que olvida!...
Só! a fronde de anímico arvoredo
Floresce dando sombra ao caminheiro
Que bendiz desta sesta entre fraguedos
Morre a presença em síncope da graça
vive a louca ironia e o derradeiro
Traço feliz pela mórbida chalaça!..
Viva a luz desse espírito que é teu
e mais louca ironia e o derradeiro
traço mordaz que transfigura o Eu!...
947
“Tentação”...
A sós, quando procuro ouvir p’la sombra
Que perscruta o silêncio e a voz do Nada:
Alguém, que nos contempla e que me assombra,
eco alado p’la paz embalsamada...
É Deus baixando sobre o vai’ do mundo
p’lo mistério das causas silenciosas...
o rumor d’águas fundas,
a Saudade da vida de Além-mundo!
Eu sinto-me tentar... Alguém domina
os meus nervos atando a hercúleo elo,
prostrando-me essa força peregrina...
De tal modo, que sinto-me gelado,
esqueço-me que vivo... subjugado...
carinho, trato há na mão divina!
Rio 947
E. Rosas
Eu pensei dominar a turba ignara,
vesti-me com o calor de D. Rodrigo:
tive a maior das decepções... falhara,
em nenhum coração tivera abrigo!
Fado iníquo, sem glória e sem destino,
mundo inclemente às ilusões do poeta!
Que rumo tomarão os teus cometas?
Que sina, as tuas almas, Deus divino?
Dominar! É supor-se um Zeus rimando...
e não ver a verdade... e, só mentira...
gosto assim de iludir-me, irei sonhando!...
Na onda de domínio do meu Sonho...
Que magnetizara o cântico da Lira,
involúvel Deus, que ante-sonho!...
Rio 947
E. Rosas
Sonhar ser Rei
numa “Ilha Loira”.:
Sonhar íris!
Sonhos de Moira...
Ilha do Ar!
Ilha dos Astros...
Solo de Luar,
fino alabastro!...
Sonhas Estrelas
Que a nossa vicia
não é mais que a vinda
da noite à lida
Da grei divina
da ausência e sombra,
que plasma a fina
ronda, que assombra...
À Lua e aos homens,
que andam p’la terra...
nesse degredo,
Que mal o encerra!
A vida: é fumo
que Deus expele:
Que ignoto rumo,
Terá a imbele?
Alma das cousas
dentre a harmonia,
Longe da brisa
como teoria!...
Rio 947
N. Luso (E. Rosas)
Morre-me a Esp’rança,
Linda Menina!
Loira criança...
Que fado ou sina?
Rio 947
E. Rosas
O espelho em que me via o sol roubara
o brilho de beleza por demência
apagara-se e sem que alguém sonhara
o céu d’aquele espelho por ausência
Da Luz que andava a madrugar com a aurora
cheia de uma sonâmbula brancura,
indeciso torpor cuja amargura
era feita das lágrimas que choras
Ó linda sombra do sonhar... Espelho,
que em nevoeiros fulguras para Deus...
e cintilas em vítreo raio, em velho
Tojal de sombra dentre um negro mar
da noute à Lua numa vela a Zeus
de nuvem errante rútila a alvejar!...
Rio 947
Eu quero, quando morrer,
junto “o Aqui Jaz”! de Olvidos:
“diga a voz do vento agreste”...
foi pelo Além a rimar!...
Rio 947
E. Rosas
Eu tenho o êxtase de um mago!
Como um clarão sem brilho nos espaços...
Despertando em teu sonho errante e lindo!
Olhando o céu a luz de uns olhos vejo
Luar, que a terra vida regara
desencantando as árvores num beijo
bufo que a leiva túmida afagava
Raiz de anseio e mágoa que lustrava
em Teu seio de noute, o rosmaninho...
Te ia a bendizer pelo caminho
bendita a sede, da água, que travava!?...
Senhor! Só vós fazeis vingar a vida!
fazeis ressuscitar a seguida
fonte dos meus anseios e desejos...
Nessa aridez acerba de um penedo,
onde não muda a rusga dos meus beijos,
ou a luz do Seu Amor, como um segredo!...
947 Rio
E. Rosas
(“João de Deus”)
O fluxo-refluxo que o fulmina!...
Musa Suprema!
Ceguinho tateando numa estrada
segui guiado pela divindade
à metrópole lúbrica e encantada
Que distava da vida da cidade!
Entrei em Seus jardins misteriosos
com repuxos e cisnes e ninfeias...
despertando viera-me na ideia
a lisonja de sonhos mentirosos...
Vira tudo tão árido e indif’rente,
a vida rude, o homem incongruente...
p’la chama do Tédio em que me vi!
Deusa pagã por tantos cortejada...
Única Amada-Torre-de-David...
Áurea Taça das três da madrugada!...
Rio 947
N. Luso (E. Rosas)
(O gajeiro)
Lá são só sombras, Almas inda em olvido
por Deus, que as águas faz calar em coro,
desce um rio Letal com o fel decoro,
Que alguém julgara, há muito, já perdido...
E calou-se em soluços e Tristeza
entre os vultos e vedros por penedos...
era a voz de um presságio, inda em incerteza
o tumulto do vento inda em segredo...
Rio 947
E. Rosas
Levou-Te a doença na desesperança,
“Grande Amor”... para última morada!
transfigurando tudo que é bonança
em Tristeza p’la casa, até a estrada...
Onde já desfilou tanto infortúnio,
tanta lágrima e Dor, tanto lamento...
As nossas almas cerram-se com o vento
de mortuário e lúgubre Interlúnio!
Vais dormitar sob as argilas, fria...
morta e liberta da lustra canseira
da vida humana dentre campa pia
O que dirão Teus olhos encurvados
dos que ficam a chorar por Ti fechados...
Num mutismo de fel por cordilheiras?...
Rio 947
E. Rosas (N. Luso)
Contemplava o homem, o rio enamorado
da sua sombra p’lo vergel sombrio:
e dizia consigo, que gelado!...
vai p’la areia a correr, num desvario!
A carne tem a frialdade d’água...
água fria, que traz frescura às hortas,
às ervas mais humildes dentre a mágoa
que se vai a chorar p’las pedras mortas
Eu temo o frio, como teme a ave
o vento em fúria pelas franças gastas,
devastando-lhe o abrigo e a sua trave....
Passa a chorar dentre um tremor de medo
ao ver a Noute só por curvas castas,
distender-se entre sombras e rochedos!...
Rio 947
E. Rosas (N. Luso)
O homem mais a sombra
É noute! Um vivo Instinto nos domina...
engolfo-me p’la treva meditando!
p’la viuvez da Lua que fascina
e vai p’la areia em sombra desenhando...
O corcel da tua luz, ó tempo voa!
ó vento a entoar os cânticos da morte...
a invernar de velhice e numa boa
estação dos serões à noute, ó sorte!...
Ó fado de ser Tempo e andar correndo,
Velhice azul dos séculos descendo
sobre as nossas cabeças, ó visionário!...
Que Te iludes com a noute e com as estrelas...
Quando tudo é ilusão! Só Deus constela...
e conjuga um só verbo ao campanário!
Rio 947
E. Rosas
Olavo Bilac: Safo e Apolo irmanados num
só ente!
Silveira Neto: Um eterno-Luar de inverno,
mais o clangor de sinos numa aldeia ao Sol-pôr...
Alphonsus de Guimaraens: Policromia litúrgica
de vitrais em versinhos de Missal! Astrologismo cruel,
atuação de um parélio genial em sonâmbulas
Strofes!
Calisto Cordeiro: - O crayon a caracterizar e
satirizar caracteres e Sfinges.
Ronald de Carvalho: - Um cortejo de quadrigas
em jogo assustador por Centauros em demanda
a Zeus e ao Olimpo, pela estrada do Sol
ensanguentada em capilar hemorragia de rubis preciosos,
rumando ao poente!
Cruz e Sousa: - O eleito dos Eleitos! A astral clarividência
dos nossos dias enublados de Tédio e pedantismo,
o Zeus imortal do nosso Olimpo, hoje como
um sol dentre as nuvens da morte, dormita em
seu Nirvana!
Rio 947
E. Rosas
Outono! Meu outono de Saudades
sem o vivo do sol... neblina e morte
da natureza absorta, que persuade
de que o homem terá a mesma sorte!...
De que a alma da casa é uma lareira
rebrilhante p’la chama, na alegria...
Quando as mãos retorcemos p’la canseira
das horas que se vão... marnota via!...
Desce o silêncio e o frio e a neve pura
Descem do céu em lágrimas, que cegam... e molham
a cripta astral da alma em noute escura!...
rola a última lágrima saudosa...
Outono! Meu outono que só molhas
o campanário e as ervas sem folhas
num rosário de penhas algentes.
Rio 947
E. Rosas
Outono, que a alma árida desfolhas,
mais as veias da terra que não regas
sob o pranto monótono das folhas!...
Outono de horas d’alma silenciosa...
rola a última folha,
rola a última lágrima saudosa!...
Rio 947
E. Rosas
Redimido irmão da triste grei do fado
peregrinando pela vida afora
vês raiar todo dia a linda aurora
e nunca a nossa áurea, desgraçado!
Floresceste à sombra das tabernas
ao cheiro acre, mórbido do vinho,
ao som dolente das guitarras ternas,
Longe do musgo verde do teu ninho...
Dorme longe de Ti a tua aldeia,
passa a alma do campo ao sol do poente,
cantarola numa Ébria de algol cheia.
É a Ti velha Hotentote embriagada
que diverte os transeuntes, incoerente
Para cair aos tombos na calçada.
947 Rio
E. Rosas
Um Vate havia amado o próprio Sonho,
talhara um dia a efígie da mulher...
depois, a estátua em ânsia que suponho
ter alma e anseio sem saber sequer...
Depois de pronta a sua branca musa
por sugestão da Arte que o conforta,
quis dar-lhe vida e voz, à argila morta
veio a descrença mórbida e confusa!...
Meditando em seu sonho que o deslumbra
p’la concepção sonâmbula que a lira
não pode definir porque é penumbra!
Nela revive uma existência fátua...
a demência do Artista que a esculpira,
delirando a harmonia desta Estátua!
Rio 947
E. Rosas
Rimas: “Maldição”
E Tu Te foste, Amor, p’ra tua Vida...
Voltando eu ao meu silêncio e horror:
Açucena do vale estremecida,
Quando a tarde esmorece à luz e à cor!...
Tu Te abalaste pela vida afora,
como pomba de pálida esperança!
vinha raiando a lacrimosa aurora,
recurvada num arco de aliança...
Fiz nesse dia o enterro da alegria!
mais um sonho enterrei, para ventura...
que par’cia do céu descer... fingia!...
Como a tua mentirosa enamorada
da tua boca alvar e almiscarada:
no teu “Adeus”... trazendo a noute escura!...
Rio 947
E. Rosas
“Rimas sentimentais” - A falta d’oiro!
O Tédio nos arrasta p’ra miséria,
Apetece-nos a lama deletéria
a tirarmos um sono no sepulcro...
Fugimos à manhã, à vida bela,
Temos pavor ao ósculo mais pulcro,
da estrela que apagou da Dor o fulcro,
clareando os abrolhos da procela...
Procuramos o abismo, o caos informe,
as geenas cruéis do inferno humano...
a dor e o desespero, a goela enorme,
para assim nos tragar... divino arcano!...
Por tudo que é perjuro e mentiroso,
preferimos o fel em vez do gozo...
e nunca, a Ti, ó monstro desumano!...
Que nos arrasta à margem de um abismo
de sombra e Dor ante o clarão do poente
que em seu anel de luz falece rente
da Saudade de um rio, que algo cismo!...
Dentre o oiro lunar da nossa glória
da primavera aos vinte-e-cinco, estrada
aberta às aventuras, que a memória
nos erguerá um pedestal na alada
Visão de desenganos e naufrágios
de quem anda a chorar de plaga em plaga...
Dentre as vagas e oceânicos adágios
que os nossos sonhos no viver apaga
947 Rio
E. Rosas
Teu nome é Sara! dentro dele canta
a gloriosa mágica da Luz!
a extensão de um Saara que levanta
ao vento a areia, que ao Sol-pôr reluz!...
Teu nome é Sara-árida savana
que prediz a agonia da miragem
sem um palmar p’la rútila passagem,
sem bonança p’ra rude caravana!...
Tem vermelhas risadas o teu nome
da cor do ocaso, das papoulas-riso
de flor luxuriante onde se some
A Tristeza da Noute de Teus olhos
que ainda pode ser os meus abrolhos
Se me tentar alcançar o paraíso!...
Rio 947
E. Rosas
“Serenata sentimental”
Anular o oiro de Vésperas
e litanias do Sol-posto!...
Anular da Luz... Tristezas
do Crepúsculo que desce sobre
o meu coração!...
Sombra - recado de Pã à Vida!...
Luar - recado do Sol aos lírios...
Lua - Monja maldita dos meus e dos
teus cismares!...
Monja sonâmbula enclausurada
no nicho côncavo da sombra!...
Rio 6-4-947
E. Rosas
Depois, que Tu partiste p’ra além-vida,
Dei-Me inteiro a essa ausência, ao abandono...
resta a alma do homem persuadida,
de que somos a folha, ao léu do outono !
E a Saudade da Morta em nós não cessa,
mais a Dor a lembrá-la, a Dor, que mora...
em tudo, que era bela e mais depressa,
vem apressando a mágoa que a deplora
Tudo é Saudade! tudo lembra o leito,
o quarto em que dormia e tinha às vezes...
Seus sonhos que estreitavam a vida e o efeito...
De uma melancolia de estranheza
que a constrangia dentre mil reveses...
pela linha invisível da tristeza!
Rio 47
E. Rosas
Para compor-se um báquico soneto
entrelaça-se em forma caprichosa,
as rimas de titânicos quartetos,
vindo à tona a malícia radiosa!
Vide ou árvore em abraços, voluptuosa...
Tentáculos de ramos para o hineto,
de um drama passional de espirituosa
coincidência para o poemeto!
Arco ferindo a corda dolorida,
flore como um rebento a flux, a ideia...
e vem à Luz e à brisa, comovida!
Gemido interminável e imperecível,
Alma fremente que no ar anseia...
Misto de Luz e tântalo invisível!...
Rio 947
N. Luso (E. Rosas)
Soneto: “Spleen”
Causa-me espanto a mágoa da criança,
tenho horror ao prazer desenfreado...
à bacanal, à orgia, por pecado,
à carne inerme, que nos gera e cansa!...
À luxúria brutal, à serpe infrene,
que o veneno sutil nos alimenta...
à ebriez singular do Ópio que alenta
e o olhar conduz a um âmbito perene!...
Oculto-me no Antro do meu ópio,
erro por mim, p’lo paraíso alado...
de um perene florir de Heliotrópios!
Vejo sorrir “fermosa primavera ”!
fria e aloirada de semblante amado,
A Quadriga avistando pela esfera!...
Rio 947
E. Rosas
Fátuo ziguezaguear de vítreo lume,
fosforear de Luz por verdes águas:
Alga marinha d’oiro em cardume
Lápis de Deus a cor em branca frágua!
Ziguezaguear do raio-fulgurito...
de fulvo meteoro a cintilar
p’la saia azul do espaço que permite
ver o rasto da Lua a irradiar
Depois da tempestade inda fulgura
no éter e nas nuvens para raro espanto
o ziguezaguear pela lonjura
Do mar, da Tarde pela onda fria
ao sol, o iodo roxo que irradia
entre anêmonas verdes por quebranto!...
Tojo-fátuo de lúbrica ardentia
ziguezagueadas ondas e a mantearia
do mar à Lua para pôr em pranto
E a paz é branca! Lápis de Deus, que a tinta
mancha de sonho os céus!
Castelo, a lápis-lazúli que pinta
todo fulgor da abóbada de Deus!
Bucle de Estrelas preso à Lua,
a Lua, ovelha ouvindo a Loa
do oceano à luz, que nos magoa...
Ó Lírio branco que tressua!
Vem dar à areia os teus destroços,
conchas, calhaus, mais os teus olhos!
Restos da Vida nos naufrágios...
na ondulação de vil sufrágio
por entre horrores em teus adágios
ó mar, ó monstro vagabundo.
Lago de Deus, saio oriundo...
da Vida cósmica, fecundo
Saio de horror e naufrágios!
Linha infinita do horizonte
Em curva rubra por presságio
parar a linha de um gigante
da fronte altiva de algo monte,
buscando da África a Saudade!...
Ó Saia-azul do céu à Lua
pés de Anfitrite e estátua, pés calcando...
as auroras rosadas dos poentes
e dentre as brumas doiro se elevando,
à ardentia da onda intermitente!...
947
E. Rosas
Tivesse o poder divino
de tudo purificar:
Purificaria a alma
p’ra da Lama, Te salvar!...
Rio 947
E. Rosas
Para que tanto queixume,
Rosa - olor - abotoada!
Noute ainda, p’la alvorada...
Astros doiro e negrume!?...
O Amor sonhando gerou...
a tragédia do ciúme:
Sonha a Sombra de um Otelo,
mais a visão de um queixume!...
(Amor sonhara Otelo!)
Rio 947
E. Rosas
Versos!...
Flébil aromal p’lo olor, como a haste erguia
anda em meu sonho a reviver p’la lascívia.
Tens o íris da Luz, assim como cabelo
- lânguido oceano azul de uma noite de nave,
recortada de sóis melancólica, breve,
qual íris singular de bolha que revelo...
Nimbo do sonho a pairar em pôr-de-sol violeta,
sobe leve, bem leve, oh! bolha de Sabão...
Vós tendes vida efêmera, igual às borboletas...
e neste instante vital - meteórica ilusão!
Comparável à cor das águas de um paul,
Sois o Amor que não dura apenas um minuto...
flore e foge eriçado pelo âmbito abrupto,
na síncope total do seu matiz azul!...
Rio 947
E. Rosas
Agoirenta visão de luz gelada!
Que mistério possui tua Presença?...
Quando desces à terra anuviada,
Vais a Jesus, a Deus pedir licença!...
E arrebatas as almas desgraçadas
às geenas do Mal, como sentença!
e a mim, me levarás pela alvorada
de tuas vestes lúgubres - e descrença!...
Louca hiena da fé bebes-me a vida,
na fria tentação do teu segredo!
no tântalo falaz, como bebida...
Cerras-me os olhos, gelam-me teus dedos...
arrebatas-me o corpo a vão degredo
num só beijo de morte apetecida!...
Rio, Casal do Luar 947
E. Rosas
Bálsamo nosso para a chaga alheia
escrito em horas rudes de aflição:
a roxa taça da amargura cheia,
bebe-a de um sorvo contra a maldição.,.
Bíblia cinzenta como lenitivo
à dor dos poetas para a contrição,
ao mal das chagas que serão motivo
de tantos versos como confissão!...
Dor de gangrena! dor de Tédio aflito...
como noutes de ventos a chorar,
coro d’almas, que descem do infinito!...
Rebanhos de Astros demandando o Poente
em fúria, em torvelinho, ao ocidente...
para as geenas de sinistro mar!...
Rio 948
E. Rosas
Pudesse eu destruir as vãs filosofias,
todos os templos da fé errada do seu mal,
derribando por certo o funesto e a dinastia...
Erguendo um pedestal de forma primorosa
para alto esplender uma nova moral
Sem fel e sacrifício, sem ser supersticiosa...
Bela, na plenitude, assaz religiosa...
Moral, será a arte, eternamente, bela!
de Luz, que esplende ao sol p’la rútila verdade...
a ideia e a poesia, a Luz pela janela...
Quando o sentido acorda, e, cisma e tem saudade!...
Minha moral é asa e natureza!
Bíblia unida dos campos e das selvas
o sol doirando os olhos da Tristeza,
Doce-Sorver-irmã dos lírios dentre a relva,
da missa de manhã em névoa e singeleza!...
Rio 948
“Visita da saudade”
Fui ontem visitar o teu sepulcro, amada!
o vento amortalhava o céu e a natureza;
o dia ia a descer, no fim da minha estrada,
a luz crepusculava em ânsias e Tristeza...
Havia pelo azul a súplica dos seres,
o sol agonizava em rúbido clarão...
as flores murmuravam em líricos “dizeres”!
“Tudo, que a Vida canta em fel de maldição...”
Lembrei-me de teu ser – da tábida caveira!
vagando à luz do sol, aos raios da manhã...
“Aquela” que não tem nem sonhos, nem cegueira,
Nem inveja do olhar da aurora, mais louçã...
Que tem por nicho em flor, a lúrida poeira,
Por leito nupcial a cova fria e vã!
Rio 949
E. Rosas
Silente caminhava o doce Luar
p’la treva indefinida,
viu a janela aberta,
da noute e da minha alma entrou como p’ra vida!
a sorrir e a sonhar na su’alma deserta
a crença na amargura para à luz dedilhar
sua lira eternal de saudade e tristeza
de uma enferma beleza,
que chora e se transforma
em martírios de olor;
em flores redolentes
para oferta do Amor,
tomando um novo aspecto e branca forma
num profético assomo de asa franca
viu um sepulcro aberto,
saudoso de calor e do seu sono,
foi baixando deitar-se à margem de um outono
onde a vida rolava...
De egrégia graça e de beleza helena
soavam ao longe as notas de uma avena
e a lua reclinava a fonte evanescente
p’la névoa do ocidente,
enquanto o vento reinava, lentamente...
e a mágoa se asilava
como as folhas no inverno, ao abandono...
Berço de aroma à flor, virão os frutos
e a sazão do desejo aloirando o pomar,
p’las criptas a voar andam ninhos de luto
é o inverno a nevar e a mágoa a recordar...
Todo lavor em prata
de uma fulva gravura,
como relíquia antiga...
a ideia, o sonho, torvas figuras
e num pranto de gotas se desata!
Sobre a velha vaga e livre ilusão da Lua morta,
manto real do sol em pedraria
refletindo no rio
as lantejoulas da melancolia...
que vens cair de manso à minha porta, -
fugindo à neve e ao frio...
Saudoso dos crepúsculos do Estio...
que morrem melancólicos
no diapasão da Luz entre simbólicos
mitos vagos de nimbos num arrepio
de água fulva p’lo Luar de um lago exangue
em laivos de oiro e neve...
painel de inverno p’ra melancolia
à fria claridade e já ressumbra
à superfície d’água a luz do dia...
Meio rosto de Lua no interlúnio,
metade Luz e cinza parda de penumbra...
metade amor e fel pelo infortúnio!...
o Frio-Outono de capuz nevado
Entra a sorrir pelos umbrais do alado...
Sôfregos, os ramos bracejando a Deus,
o cenário da tarde nos deslumbra
à luz da Lua as nuvens pelos céus...
Rio 950
E. Rosas
Há ironia na flor, ritmo e Tristeza
Há timbre de clarim na flor vermelha
O Amor e a Luz!
Fiat-Amor do mundo e do Universo...
Que reflui na aleluia do meu verso!
(Dum desconhecido)
Aurora em flor de áurea primavera ,
sorri da Luz nos vidros da janela:
toda manhã em festa à nossa espera
abençoado amor de nossa Estrela...
Depois tudo nos foge, tudo passa...
apenas na memória é que perdura!
maldizemos do fado, da hora escassa...
à meia-luz de um dia sem ventura!
Por isso, amor, nem tudo tem encanto,
vive e passa através de uma ilusão:
percebemos a causa do quebranto,
que não passou de vã divagação!...
Rio 950
E. Rosas
Seja nuvem ou visão do Sol-poente,
ar de Ave-Maria no impoluto
aspecto de rainha resplendente:
É alguém, que amei toda de Luto...
Vem do espaço, do aéreo refulgente,
como um sonho fugaz, que teme a tudo
e p’la soturnidade do ocidente
tem ar de viuvez e o lábio mudo...
Foge das cousas, foge à claridade,
dá-se bem na penumbra e por vaidade
adeja como as aves na amplidão...
No seu ar sonolento e misterioso,
parece a virgem em crepe doloroso,
Que vem pisando levemente o chão!
Rio 950
E. Rosas
Olhar lembrando um céu luarizado
num saio exangue de melancolia,
fizera-se esse olhar enclausurado,
a aurora de uma mística Utopia!...
Enclausurado olhar dentre a penumbra
de embruxada espessura de mistério,
onde vaga o negrume que deslumbra
a aleluia de paz de um templo aéreo...
Luz-do-nosso-olhar...
Olhar, que tem saudade e funda mágoa
e desejo de alar para o infinito,
Lembra a queixa de um rio dentre a frágua,
onde o espelho da Lua é sol, que fito...
Onde há anjos dormindo dentre nimbos
e nuvens enlaçando a alma d’ela,
ondula o incenso e o fumo do cachimbo,
que esparsa emoldurando a minha estrela...
Sonho ou quimera? diáfana mentira...
é fátua a fantasia que esboçara
essa visão de ópio, que me inspira
Quero só, roxa paz de seu olhar!
é uma elegia d’alma de inda-clara...
toda livre beleza por pintar!...
Rio 950
E. Rosas
Ó Sorte irônica,
o meu desejo:
Monja Verônica,
É ir ter a um brejo!
Quero fugir,
deixar a vida...
gente perdida,
quero dormir!
Ó vida irônica,
que mágoa tenho
Monja Verônica,
pregado ao Lenho.
Quero fugir,
Eu tenho horror!
Quero partir,
meu doce amor...
Não quero nada,
quero uma cousa:
ó alma alada,
busco uma lousa!
Quero dormir,
Quero sonhar...
Sol a partir,
vou me deitar!
A noite é fria,
A cova é boa!
a paz sombria,
vogar à toa!..
Vogar p’lo éter
sem ser cometa:
É ser-se poeta
beber do néctar
Das neves doiro
do sol ao verso:
Cântaro cheio
do meu parnaso!...
Quero saber
para onde iremos
depois da vida
se padecemos?
Rindo ou chorando
Liberta e presa,
a alma paira
pias sepulturas!...
A alma chora
contas da Lua,
pranto da aurora
que me insinua
Amar tu’alma
teus olhos tristes
graça que ensalma...
que o céu consiste!...
Consiste em ver,
não revelar:
Toda beleza,
de íntimo olhar!
Rio 950
E. Rosas
Ter por selva o teu cabelo,
por Estrelas os teus olhos:
É morar no Sete-Estrelo,
à sirte dos meus abrolhos!...
Por manhã o teu semblante,
cotovia harmoniosa...
para o sonhar enevoante,
enviando a canção airosa...
Misto da Eva e Anfitrite,
– tentação laboriosa...
surgindo da ‘Stalactite
de uma gruta misteriosa...
Talismã da felicidade,
para os prazeres de um conde...
onde flore a sensualidade,
onde a volúpia se esconde!
Onde canta a glória e vida
da tua alma de mulher!
onde se oculta vencida
alisonjada quem quer!...
Nunca serás a suprema
causa anônima do amor!
Lira, a Salomé do poema
oculta no dissabor...
Nasce a lisonja em teu riso,
Nos olhos perjuro Amor:
É tão longe o paraíso,
o prazer sem amargor!...
Rio 950
E. Rosas (A. Luso)
“Raízes”
Ó árvores raízes revestidas
de folhas novas pela primavera ...
raízes hirtas, árvores despidas,
embrenhadas no húmus que as bebera...
P’lo âmago de estranha natureza
pela vívida, densa redondeza,
há olhos a olhar por outros olhos,
sentidos que me falam p’los abrolhos...
Oh! árvores raízes verdejantes
raízes hirtas árvores despidas
p’lo âmago de estranha natureza
pela vívida e densa redondeza:
há olhos a olhar por outros olhos...
que sôfregos se fecham para a vida!
Fecham-se em aparência misteriosa
p’ra vida e para o amor quedam presas
a um eflúvio magnífico das tristezas
a um idílio romântico amoroso...
Até que o sol desperte-as da neblina
que as envolvem no nostálgico mistério
ante o sono das águas em surdina
em adejos de nuvem e assomo aéreo...
Ó árvores, raízes verdejantes!
Raízes hirtas árvores desnudas...
a evocar o silêncio e as cousas mudas
e o mistério das fráguas cogitantes...
E a seiva sobe e infiltra as suas folhas
de um lume de esplendor e de beleza
assim como a raiz de uma estranheza
embebe-se na fonte e os dedos molha
Os dedos da raiz sôfrega e ansiosa
Que vai lastrando pela terra afora
para a seiva concentrar em voluptuosa
ternura de um abraço a flux da aurora
Que revolva e apure toda terra nua
e o semblante do oceano p’la alvorada
quedada a seguir a quadriga da Lua
por seus corcéis de nuvem arrebatada!
por Centauros de olímpica beleza,
de apolíneo vigor que surpreende
a alfombra das várgeas que à luz esplende,
quando o sol se despede p’la dureza...
Rio 950
E. Rosas
Causa-me espécie o enredo estrepitante
e muito mais o verso sem ter rima!
procuro dar relevo fulgurante
à frase, que o espírito colima...
Musa-berço invisível de blandícias,
cerúlea região, onde se oculta
a estrela do pastor, que em vão reluta
vencer a treva e se tornar propícia...
Em bem da fé, ante a incredulidade,
lavar-lhe a vista, dar-lhe entendimento...
se tudo é amor em prol da mocidade?
Dar-lhe clareza, como musa e amiga!
reviver dentro dela o sentimento,
todo esplendor de uma aleluia antiga!...
Rio 950
E. Rosas
Cristo!
Há muito, que expiraste em teu calvário, ó Cristo!
às sombras deixaste os males por sarar:
descrente de teu verbo ingente e salutar,
minh’alma se abala em busca do Imprevisto!
Direi: nem sempre a luz penetra na floresta!
nem da rocha goteja a lágrima do orvalho...
nem o arroio deságua em balsâmica sesta,
nem a flor se ressente ao ser roubada ao galho!
Teu verbo fora em vão, levou-o o vento ao Nada!
da vida do pungir como um saudoso verso!...
o homem não merece o brilho da alvorada!
Nem ocaso da esp’rança, o Letes do Porvir:
O Messias, que desce em noutes do Universo...
e ilumina do gênio os olhos a sorrir!
Rio 950
E. Rosas
Amo-Te!
Amo-Te, como se amam as raridades,
o luxuriante sonho de objetos,
que brincam como a lua, dentre a vaidade
o mistério dos âmbitos secretos!...
951 Rio
E. Rosas
Cessa o tormento com o anoutecer!
Algo dirá, se há neste mundo, gente:
que sofra tanto assim, no envelhecer?...
Rio 951
E. Rosas
É essência de maio a fantasia
da nossalma a sonhar devaneando
almejamos as bocas de ambrosia
dos amores dos lábios que ideamos
Tudo perjuro: flores e quimera!
a estação mais ditosa para a vida
a própria luz os astros das esferas
na plenitude fulva sem guarida
Desilusão! Tudo me foi contrário,
arrasto a cruz do amor a sós, caminho...
absorto a tropeçar para o calvário
Onde errara à luz que eu vira outr’ora?
se é noute escura? mísero ceguinho...
tateante em busca de lânguida aurora!
Rio 951
E. Rosas
Eles querem empanar-Te o olhar vidente,
Ó vates do Brasil, com a musa em férias!
andrajoso mendigo que a miséria
dos homens te tornou mais paciente...
E bêbado rolando para o abismo
de lama que Te espera, à boca hiante...
rogou a Deus que mande um cataclismo
para que leve a plebe hilariante...
E toda alma pobre e toda Lama,
que circunda este mundo de mentira:...
templos, palácios ardam tudo em chama!
E fique tudo num monte de ruínas...
e sobreviva o plectro de uma lira,
o plectro do Senhor à boca das boninas!
Rio 951
E. Rosas
Juventude: - Reino crepuscular de São Luís Gonzaga!
A terra: - Bola de Jesus Cristo às mãos de São José...
A Lua: Salva de prata às mãos de Salomé!
Estrela d’Alva: - crisântemo irial das tardes e manhãs!
Estrela vésper: - diamante a rolar pelo cetim dos céus...
Arco-da-Velha: - arco irial de anéis da filha de Herodias...
onde passa a dançar vencida p’la ardentia,
Sol: - Etna doiro geena que crepita,
aloirando de Luz a abóbada infinita...
A noute: - ausência aureolar da Lua pelo além
da Luz do seu olhar de morta, não p’ra mim...
para os pobres mortais que voam em ninho aéreo
na fé que não existe, um outro Éden assim!...
Rio 951
E. Rosas (N. Luso)
Há um mundo de harmonias em tua tinta
ó sol, ó pena d’oiro dos espaços,
Fiel-harmonia música de extinta
Seara d’astros em célico regaço...
Candelabro ambarino do poente,
mundo de êxtase d’alma-âmbito de arte!
tuas Naves de nuvens erram dementes
em procura de um sonho que não parte!...
Eu buscava dois corpos simultâneos...
a noute e a luz p’las urnas de uma tarde
melancólica de encanto momentâneo!
Quando os nimbos do Tédio o azul encarde
e a gente anseia ser céu e universo,
Todo pungir da Vida num só verso!
Rio 951
E. Rosas
“Infância Antiga” “Antiguidades”
Soneto
Parece que foi ontem, o tempo passa...
onde estarão aqueles que eu amei?
paisagem, casario, uma ameaça
do inverno da velhice em que me achei!
Velhices do passado, ainda vos amo
através do esplendor dos idos dias
das minhas ilusões p’las quais eu clamo
e choro por haver perdido um dia
Antiguidades d’oiro revividas
na memória — ruínas da Lembrança
que vão além p’la alma dolorida
Na visão de arcângelo pungir
na marcha de macabra esp’rança
de titânicos Tédios do porvir!
Maio 7 951
E. Rosas
Cair à luz do ocaso em verdes águas
de um pântano de fel e desesp’rança
desse palustre mal das minhas mágoas!
(Rio 951) Maio
E. Rosas
Instinto de estranhezas de um Nirvana
de sucessiva mágoa onipotente,
Que nada gera, se de vós promana?
Rio 951
E. Rosas
Já sinto cair neve na minh’alma!
um sol que apenas doira a face eril
do outono que a tristeza nos ensalma...
Triste velhice, triste amor servil!
cratera extinta, às cinzas de um vulcão,
coroada das neves de um verão...
Rio 951
E. Rosas
Teus seios de balsâmico perfume,
magníficos, p’ro mal, que nos propina
o veneno do sono, à mão do nume,
que faz dormir a trêfega menina...
Que faz cerrar o nosso olhar de viva
e nos transporta ao célico Nirvana
e convida dormir à paz de Diana,
à sua luz, que é doce lenitivo...
Tem seus fluidos, poderes Cabalísticos,
Volúpia de perfumes que entorpecem
e envolvem a alma em vago sonho místico!...
Eflúvio melancólico de amores
aos lírios e jasmins, que desfalecem...
ao queixume romântico das cores!
À síncope das rosas carminadas,
ao olvido nostálgico da Lua!
à Tristeza das horas desoladas...
que desperta à esquina de uma rua,
Quando os violões se vão p’las serenadas!...
Rio 951
E. Rosas
Mas tu não és o nume que namoro,
A flor da haste grácil que ao incliná-la
o vento curva e beija: o que eu ignoro!...
Surge pálida e triste e nem sequer
me reconhece, penso despertá-la...
tem um outro semblante de mulher!
Nova Iguaçu 951
E. Rosas
Moemas do equador de lânguido semblante
sonham América e a Ásia a aventura galante
de amores ao luar à esteira dos veleiros...
Em demanda de um mundo estranho à fantasia
à Índia secular, ao Gulf Stream nevoeiro...
Da miopia da alma às plagas da Ironia!
Rio 951
Ó noutes de Luar, tártaro-arcano!
Quando o pintor da Lua erra cidades,
Praias de Ofir! submersas no oceano...
Brilha e palpita o dorso desse abismo,
Dormem, submersas as sirtes da Saudade...
revolve os vãos destroços, o cataclismo!...
Tentação desta noute extraordinária
de trapézios de estrelas pelo ar
de escadarias ocaso e procelária
ameaça do céu baixar ao mar!..
Maldição! ter bebido de Mefisto
a taça de absinto do ideal:
e renegado os amigos do imprevisto
por ser mais alto o seu poder astral!...
Por ter banido do meu pensamento
a ideia de outra-vida tumular,
renegado a existência no tormento...
que possa haver um Deus em cada Ser!...
Que possa ser mentira, o fato estranho
de vir à vida assim como uma estesia
ser a pérola do mar de ideal tamanho
que sai da concha assim como da artéria
O sangue das carnais-sirtes de aurora!
de arrebóis e crepúsculos do estio:
que morrem musicais ouvindo a hora,
a lítica harmonia - o fulvo rio...
Rio 951
E. Rosas
Os fluidos sobem, como sobem anseios,
desejos doidos, sôfrego querer!...
abrindo em vão os braços sobre os seios,
parece até que vão desfalecer...
Em seus perfis angélicos se esboçam
em fumo e sonho nesse adormecer,
de sonâmbulas musas por querer,
subir, dormir nas asas sem que possam...
Da penumbra do poente a oiro fluido,
à água e mame de silêncio e rio:
onde a ironia da Tristeza, caído...
ouvir chorar na queixa e mio
Dos seus lábios de súplica e mistério,
dos seus olhos silentes de estelares,
que naufragam no luto de algo aéreo...
na envolvência do incenso dos Luares!...
Rio 951
E. Rosas
Volvo à infância por obra de Mefisto
em maga penitência vim mais velho,
pago minhas culpas por amor a Cristo...
Estarei diante um louco, ou estou sonhando?
e comigo a cismar, conjecturando...
acredito viver, sendo mortal!
Requeima à sua luz, as asas d’alma,
às chamas avernais, que a crença ensalmo
de um poder inda mais transcendental!
951
Rosas primaveras, rosas de carne!
ansiosas p’lo calor de tua boca:
eclosão de volúpia em alma louca,
a centelha da Luz doirando o mame.
Lume insular do aroma e da pureza,
chama luxuriante de rosas, sangue
dos ocasos rubentes na Tristeza
agônica da tarde da tinta exangue!
Rosas Gris anoutecendo o cálix
em crepúsculo d’alma e sentimento,
Rosas rubras fatais gerando males!...
Expressões de herodíaco desejo!
órgicas na cor dentre o rebento
da camélia rubente de teu beijo
Rio 951
E. Rosas
A enfermidade d’alma, o linfatismo
anemia nervosa, esmorecente
o desânimo e as dores do mutismo
a cor da Luz e o fim do sol-poente
Ter-se um Esto na alma coroado
pela neve de invernos inclementes
ao silvo aterrador, continuado...
de Litania dos ventos do crescente...
Uiva e chora lá fora o mal do dia
não cessa não, essa melancolia?
que augurenta cada vez para o doente...
Caem folhas... a paz é um céu de outono !
Fora melhor dormir eternamente,
do que esse triste, lúgubre abandono!...
951 Rio
E. Rosas
Só! tem valor na vida a lira transcendente,
a musa, que escapou da lama das paixões
aquela, que perscruta as cousas aparentes
e despreza avareza e o ouro dos brasões!...
Rio 951
“Soneto”
Amar — é cultivar dous sentimentos:
é ser o jardineiro da suspeita,
é viver dentro de um pressentimento,
sem saber qual será a sua eleita?...
Amar é conjugar o verbo aflito,
que traz suspeita e anseio ao nosso-ser:
é um não querer, querendo ser maldito...
p’la graça desse alguém por si viver!...
É sublimar a vida e mais uma crença
É realizar em sonhos o impossível,
ficar poisando em ânsia p’la indif’rença...
É reunir todo um valor p’ra luta
sem saber qual metade lhe é cabível
na partilha do bem, que se disputa...
Rio 951
E. Rosas
“Cantara a cotovia longos anos”:
sem fugir da mentira de uma Lenda!
ficara a vocejar no meu arcano
entre o travo e os pedaços desta senda
No meu vago sonhar de torvos dias,
que não concorda com banal destino
no irônico pungir dessa utopia,
que nos traz o espírito mofino...
Ó vós, que tendes dívidas no Mundo!
que não tendes a fé e a confiança
no Amor, que nos conduz rompendo fundo
Ó ventre original de uma esperança
Até chegar às plagas do Iracundo
com a mesma candidez de igual bonança!...
951 N. Luso
E. Rosas
Chagas da Luz orvalhando a terra de amargura,
chagas rubras do sol de ático penedo!
É muito mais cruel essa aflição escura
em saber quem Lá mora a tórrido Luar
Em saber qual o sino em terra esboroada
soa a sexta hora assim com tanta compaixão
dos numes a rezar p’la hora angustiada
do tempo que correu atrás de uma ilusão...
Chagas de dor a rir nas chagas de um mendigo,
chagas minhas de tédio e assediada velhice
que andam a lastrar às flor’s apensas de um Jazigo...
Chagas de estrelas doiro, sorrindo quem as visse
num céu lilás de outono a ânsia das Ledices
que foi do Luar velhinho o seu primeiro abrigo!...
Rio 951
E. Rosas
Delira a tarde e as vozes são queixumes
têm espasmos de êxtase rubente
envoltos no veludo do perfume
sonham auroras doiradas do oriente
Erram ninhos de cinza do poente
adejos das lareiras das herdades
passam aves nos bandos do ocidente
são as minhas íntimas saudades...
Subo através do espaço na incerteza
de encontrá-la talvez dormindo ou morta?
com seu doce sorrir ante a tristeza
Do fado que me haja desolado
da mentira na esp’rança que enfado
ao coração que fora despojado
Rio 951
E. Rosas
Eu tenho espasmos de princesa nua,
Sou núbil Sulamita enamorada:
Visto os nimbos de albor da madrugada,
Sonham meus olhos com o nascer da Lua!...
A paisagem que avisto emana estio,
sarça avernal de Lítica aspereza,
Salamandra de estranha natureza
que se banha nas chamas de algo rio...
Sou mariposa lânguida e lasciva,
me consumo na chama de uma vela,
tombando morta, quando a luz a seguira...
Parto à órbita longe de uma Estrela
toda essa ânsia e essência de deriva
da sensualidade: por ser bela!
Rio 951
A. Luso
Penetrar em teu mundo misterioso
por que porta? Se lá ninguém não mora!
Se é inefável Nirvana silencioso,
Se não termina a luz daquela aurora?
Como? E quando chegar a interminável
subida de além-túmulo? se os astros
gravitam no mistério de outro rastro
de imprecisa visão inigualável!...
Penetrar nas paragens de teu mundo:
é preciso ser algo de divino,
possuir os poderes do Iracundo!...
Ser Satã, ou senhor de toda Luz!
atravessar um Éden peregrino,
A inércia do Universo que seduz!
Rio 951
E. Rosas
Reina o silêncio em toda rua, embora
Durmam todos, alguém ansiosa espera
da serenata os violões da aurora,
para insuflar-lhe a alma de quimera...
Cintila a Lua, o asfalto é todo neve,
pairam anseios no ar e a Lua ronda!
e nos acordes sonoros vão de leve
morrer em meu sentir, que fundo sonda...
Quanta tristeza, se os violões se calam,
quando vão se afastando e dobram a esquina:
há lábios invisíveis que me falam...
E ela ansiosa, ao Luar abre a janela:
É noute alta e a noute, nos propina
ansiar o que, nos diz um céu de estrelas?...
Rio 951
E. Rosas
Reparem, vede a atávica eloquência
da máscara de sombra que há na fronte,
no côncavo da órbita em demência,
à meia luz da lâmpada bifronte...
Da linha nívea do semblante ao seio
do colo ao ventre, à curva do joelho...
em palor lirial lustra-se o anseio
p’la egrégia nua do seu fino artelho
Soam cânticos doiro de estesia
Musa pagã p’lo encobrir do manto
em dobras livres dentre a fantasia
Do cinzel que sonhou à mão serena
Enfermando-a de mágoa e de quebranto,
Todo requinte da beleza helena!
Rio 951
E. Rosas
Tens o queixume na folha
da rosa triste a girar:
são dous céus de Lua e opala
que moram no teu olhar!...
Rio 951
E. Rosas
Dás-me o frígido desdém,
como o último castigo:
Permite que eu tenha, um dia,
junto de Ti um Jazigo!...
Rio 951
E. Rosas
Ruíram como torres, as esperanças!
Castelos das quimeras, que sonhei...
Fumo estéril de um lar, que não criei...
e que o vento o levou, como vingança!
Vento de tardia morte e de desesperança
p’ra quem tudo na vida acalentou,
de quem muito sonhou e nada alcança...
p’la ironia do fado que o logrou!
Fico às vezes cismando no futuro,
no fel dos plúmbeos dias, que me augura
a blasfêmia feral de um céu escuro...
Oiço o tropel dos males e das doenças,
os centauros de bronze p’la lonjura
de aflitivos ocasos de descrença!...
Rio 951
A. Luso (E. Rosas)
À porta de uma Igreja
achava-se um mendigo
vencido como o tempo
varrido de ilusões sem seu castelo antigo
pedia e murmurava...
dos olhos gotejava
a lágrima sentida
era a sombra da vida
a vida que fugia
sob andrajos estendendo a palma seguida
da mão pela miséria,
ora afagando as chagas, ora coçando a carne
sob a veste agrava-lhe a lepra, e tem coceiras
chora e suspira e frases balbucia
numa surda toada
de angústia e de desânimo...
Passa um, passa outro,
a esmola cai-lhe ao colo
para ele o chorar é um doce consolo.
Negra visão da vida tem um homem como esse
tem Dantescas visões, paixões de pandemunium
infernal e infeliz p’ra n’alma de crente
É a vida de quem pede e nada tem no mundo
a meu ver chagas nuas a escorrer pus e sangue:
A cigarra de outrora que cantava no estio
que de nada cuidou para si, no futuro
e agora jaz inerte à porta de uma igreja
a chorar e a estender a sua mão mirrada
à piedade indif’rente, à burguesia crua
De olhar impiedoso vil, plasmando a imagem nua
da miséria outra Lua...
para os astros tranquilos,
que perscrutavam por Deus do espaço e do infinito
as desgraças do mundo e a frieza do homem!...
Rio 951
E. Rosas
Num lugarejo distante,
havia linda Zagala:
que um rebanho apascentava...
Lá, nas manhãs do Levante!
Certo pastor encantado
p’la sua beleza rara
Seguiu-a enamorado
por uma manhã preclara...
Dessa união peregrina,
nascera linda menina!...
Que era um sonho, uma Quimera,
Seus olhos de primavera ...
Tinham o brilho singular
do brio da estrela d’alva,
de um rouxinol a cantar,
da gota do orvalho salva
de um sorvo de borboleta,
a cintilar inquieta...
Na plenitude silente
de uma áurea transparente...
Era tudo encantamento...
Numa manhã encantada
aos raios doiro da Luz
Parte cega, enamorada,
do chamado que a seduz...
Por uma estrada d’aurora,
não voltando nunca mais!
deixara ao abandono a nora
confidente que jamais:
Que não confiando em quem chora
por mais corações mortais:
que pareciam leais
na renúncia de uma hora!...
Nos tempos de hoje em dia
Que comédia! que ironia!...
uma vida assim feliz!
pelo prado entre o matiz
Insaciável das boemias,
dos lírios dos peregrinos...
florinhas que andam no ar!
Triste desdita! Ao chegar
em casa o pastor ridente!
não vira a filha a cantar,
nem a mulher sorridente...
A filha estava encantada
numa corça amarelinha,
que a muito rogo voltara
a ser linda em mocinha...
Havia a mulher partido:
Era arte do Irreal!...
Levara-lhe o pai banido
do paraíso terreal!...
Rio 952
Antonio Luso
Almas de rameiras
(Inconveniência de possuí-la às escuras)
Entrei com curiosidade num alcouce
Levado por um ímpeto esquisito
as estrelas brilhavam no infinito
e a noite de atração, mais do que doce!...
Uma mulher à meia-Luz da Sala
Levou-me à sua alcova perfumada
Trazia meia máscara cendrada
na palidez do rosto e mel na fala
Apagara-se a luz, por que seria?
esse requinte frívolo, burguês
copular às escuras... estesia...?
Seria por escrúpulo, talvez?
Ela tinha a lunática mania
De se entregar ao vício da embriaguez!...
Seria por pudor talvez mundano
continha em si o fel das ironias...
Era morte a beijar-me aos vinte anos!
952
Voa contra o pampeiro alucinado,
agitando o cabelo e o lenço abrindo...
vai nas asas de um sonho malogrado
p’las areias impávido sorrindo...
Fulgem ao sol os arreios e a roseta
que risca o ventre do corcel bramindo
e bufa p’la coxilha repetindo
no guapo galopar de tal veneta...
Alma voa em teu sonho arrebatada
na fúria incrível do corcel da morte,
para estacar à margem da alvorada...
É a alma do pampa de um pendor singelo
que alígera passou ridente e forte,
à cantoria como um pesadelo!...
Rio 952
E. Rosas
Anda em mar alto... da síncope e delírio:
tem espasmos... copulam seus sentidos
p’la aberração de lábios empíreos!...
Rio 952
E. Rosas
Em idílio romântico, em colóquio
num jardim em que o outono enriquecia
de singelos martírios — solilóquio
do meu Viver em horas de Utopia!...
Era a mais bela jovem do reduto,
gostava de uma farra e sacanagem,
desfrutava com delícia o doce fruto
da Musa paradisíaca p’la aragem...
Doce no olhar, olhos pisados, cega...
p’la Pantera brutal dos seus sentidos,
seu sistema nervoso em si navega...
Anda em mar alto ébria e vagabunda!
Beija-me a Lua d’oiro da maleva
me esvaio louco nessa tosca imunda!...
Rio 952
E. Rosas
Olhos que foram olhos, dous buracos
Agora, fundos, no ondular da poeira...
Nem negros, nem azuis e nem opacos.
Caveira!
Nariz de linhas, correções audazes,
De expressão aquilina e feiticeira,
Onde os olfatos virginais, falazes?!
Caveira! Caveira!!
Boca de dentes límpidos e finos,
De curva leve, original, ligeira,
Que é feito dos teus risos cristalinos?!
Caveira! Caveira!! Caveira!!!
Cruz e Sousa
Irei dormir, sonhar contigo ó linda!
Visão de amor da alta madrugada
sentir no húmus o fogo que se alinda
Dentre o calor dos beijos de uma ossada
Sentir no gelo sepulcral de um beijo
do último pungir da tua boca
que sôfrega se abria entre o bocejo
Da volúpia da vida e o lábio em sangue
balbuciando o verso onde se espouca
A Luxúria floral de um cardo exangue.
Rio 952
E. Rosas
*Irregularidade no original: http://www.literaturabrasileira.ufsc.br/public/_documents/0067-02415.pdf (imagem)
A lista do pungir!
Irei dormir contigo, amor primeiro,
beber do teu pungir a gota fria,
ao fundo de um jazigo se o coveiro
consentir que me chegue à ossada ímpia!
Da minha Torre oiço explosões da Ira
das almas vis de tóxico veneno
e considero quanto são amenos,
aqueles que na vida tangem a Lira!...
Rio 952
E. Rosas
Do teu olhar de estátua humanizada
embruxada no mármore de um sonho:
enfeitiçada de um pavor bisonho,
que a própria alma morrerá gelada...
Maldita saudade condor funesto
que despedir vim teu coração de freira
És de gelo e não tens nem só protesto,
Irás salvar na noite do infortúnio
à taça de Mefisto, ao plenilúnio...
do teu amor faccioso, ó minha amada,
às primeiras risadas da alvorada...
a canção da amargura da caveira
O Spectro da Saudade em busca de teu rastro!...
Rio 952
E. Rosas
“Fado” causa da viagem!
Eu hei de contar-te um dia,
a causa desta viagem!
por não achar em teu peito
Amor:
Um quarto, como hospedagem!...
Eu, vivo por te querer...
e sofro, por meu sentir:
uma indif’rença qualquer
Amor...
no modo do teu sorrir...
Minh’alma sonha contigo,
com as estrelas também!
queria ter por jazigo...
Amor!
Tua memória, no Além!...
Rio 952
E. Rosas
Fado da Amargura
Vagabunda da típica Taberna
aos tombos pela vida, d’alma airada...
alimenta-Te o vinho e a madrugada
e a perfídia da sátira moderna!
Andas aos tombos dentro da tu’alma
e aos trancos e barrancos pela vida,
não tens noção de cousa alguma e a Lida
dos mais Te irrita, por não ter, mais calma...
És o Ashaverus, tens como castigo
errar eternamente, fatigada...
até baixar ao fúnebre jazigo!
Vais a cantar as trovas que criaste...
Uma noute, era rua despertada
p’lo fado da amargura, que sonhaste!...
Rio 952
E. Rosas
Fado da Impiedade
Vagabunda da típica taberna
aos tombos pela vida, embriagada,
alimenta-Te o vinho e a madrugada
e a perfídia da sátira moderna!
Andas aos tombos dentro da tu’alma
e aos trancos e barrancos pela vida,
não tens noção de cousa alguma e a Lida
dos mais Te irrita, por não ter mais calma!
És o Ashaverus, tens como castigo,
errar eternamente, fatigada,
até baixar ao fúnebre jazigo!
Andas cantando a Letra, que criaste
uma noite, era a rua despertada
p’lo fado da miséria que escreveste!
Rio 952
E. Rosas
“Fisionomia das árvores”
Ó cogitastes sombras do caminho,
ó sôfregas raízes, que através
das nossas frondes traduzes baixinho,
o martírio que chora em vossa tez!?...
Ó Martírio do vento frio à noite,
a inclemência do inverno, que congela...
o vosso corpo de alma num açoite
Do vendaval aflito, que regela!...
Ó embruxadas Tristezas dos semblantes
dessas vidas de súplicas à altura,
Indiferentes aos rudes viandantes!...
Que também têm raízes de amargura
Hirtos Lenhos, que a alma transfigura
em sorrisos de amor aos semelhantes!...
E. Rosas
Rio 952
Foi a hora de um pálido poente
à meia luz crepuscular e baça
que eu vi se aproximar de mim doente
Essa aérea visão de vestes lassas
E ao erguer-me partia misteriosa
Entre a sua hora da tarde que descia
e eu nunca mais a vi, essa piedosa
musa de estranha luz e profecia!...
Essa visão de veste vaporosa
é a Beatriz gloriosa, que consola
e traz alívio às almas dolorosas!
Vinha de negro! É baça a luz, que desce,
esconde a face às mãos, onde estiola...
Toda a ilusão da vida que anoitece...
Rio 952
Das Sete-Musas
E. Rosas
O meu príncipe encantado
É um auferes de polícia,
que anda sempre embriagado
do meu hálito em carícia!
É alto, elegante e moço
esguio como um cipreste:
Traz um número ao pescoço,
Tem um ar sombrio e agreste...
Dá-se muito com um rapaz,
que tem por nome Barbosa:
É bonito... e não loquaz,
tem uma fama pouco airosa!...
Se a sombra e as pedras falassem
e os choupos desta cidade!
contariam muita cousa,
que andam à roda de uma fímbria Idade!...
Rio 952
E. Rosas
Epidermes de neve, ó lânguidas camélias!
que o vosso olhar possui a célica Tristeza
da Luz do ocaso eril à flor das impurezas,
aureolando do sonhar a fronte das ofélias...
Monjas de cera em ócio, ó origens, que beleza
estagnam como a planta a um raio mascarado...
de Lua singular em hora portuguesa,
a sesta secular de Claustros do passado...
Oram coros de cisma e sonho em nossos olhos,
Passam visões de incenso à luz dos círios mortos...
Em nossa castidade, é uma oração de abrolhos!
Vossas consciências nos raivam com a fé pia Luz...
Vossos prantos lavaram a olhos absortos,
Só memoram na paz as cem-chagas de Jesus!
Não conheceram o Amor p’las chagas de Jesus!
Rio 952
E. Rosas
Musa da Europa... grave Morgadinha!
onde o sonho de infância se avizinha
sob teus céus há horas de esperança
Tuas canções comovem ao forasteiro,
os teus choupos entoam o derradeiro
cântico ausente porque sou criança!
Dorme o passado e os violões de outr’ora
a guitarra de corda extenuada
a gargantearem trinado junto à aurora,
onde esconde em prisão da vida airada...
Mágoas e dramas; que por mais pungentes
que sejam, mórbidos suspiros agudos
na lágrima de seus olhos, friamente
Como a Lua na noute para tudo...
Para rimance de linda morgadinha
quando o sonho da infância é uma polvinha
sob teus céus de ocaso e de esperança!
Comovendo em canções o forasteiro
Cantam choupos entoam o derradeiro
canto de ausência para mim, criança!
952 Rio
Uma noite de vã ideologia
Saí em busca de uma novidade
recortavam a silente imensidade
os meteoros da minha fantasia...
Dirigi-me a uma casa silenciosa
à meia-luz onde a luxúria habita
onde há fausto e a volúpia não crepita
e traz à face uma máscara nublosa...
De renúncia e miséria e de impureza
que faz chorar a alma de Tristeza
De ser cândidas flores a mirrar!...
É a Lama, é o mal, a escrófula latente
o fermento da Sífilis, demente...
De prazer a florir no Lupanar!
952 Rio
E. Rosas
Nesse tempo estudava anatomia
auscultando teu peito de mulher
Notei que o coração se confrangia
Com a minha Dor num doce mal-me-quer!...
Rio 952
E. Rosas
Temos horror às auroras
ao dia, à Luz, à manhã:
que venha a noite, a alta hora!
quando os astros são titãs...
Quando a noute é o nosso mundo,
O templo da nossa fé:
Quando a treva é céu profundo
e a Lua a arca de Noé!...
E as estrelas farolins
que aclaram a amplidão secreta
candelabros de rubins
das Saturnais do Poeta!...
Jardins de argentina flora
de interminável beleza
onde os sorrisos da aurora
São lírios para a Tristeza
Rio 952
E. Rosas
No reino das trevas de Antonio Luso
Ó eflúvios das frondes que em si mesmas
abraçam a vida e a sombra da su’alma
e retornam a si com ânsia e calma
na humanidade da gleba como de Lesma...
E alimentam silentes muitos vermes
e dão abrigo às fúlgidas abelhas
que nas tardes de Estio têm centelhas
nas suas asas lúcidas, inermes...
Encarnam d’essências acres e voluptuosas
de um adusto perfume que embriaga
tal a mulher de vestes vaporosas...
No entanto traz o encanto nos veludos
junto à raiz pela charneca aziaga,
eflúvio-outono de idioma mudo...
Rio 952
E. Rosas
Por que punir os mártires do Amor?
por que magoar o lírio da inocência...
Quantos não convalescem, como a flor?
se a Luz lhes ronda o seu candor de ausência
O seu candor, porque o candor é puro
branco, como a maresia de um relento
de linda e vaga serenata ao vento
de veste vaporosa em céu escuro...
Derramando o silêncio da clausura
de quem dorme no céu, ciliciada
p’los martírios de amor, como ventura...
Encontrando nos raios de uma Lua
o vestido de musa que uma fada
bordara a astro e neve em seda crua!...
Rio 952
Toda de azul a singrar
a doce Senhora-Lua,
a moreninha do ar
que numa nuvem flutua!...
Latina dos meus amores
p’lo corcel da Via Láctea:
atira os anzóis aos astros...
em vez de iscas, são flores!...
E a extensa rede da Lua
colhe as estrelas ao Luar!
peixes de nácar e a crua
cintilação sobre o mar
Mar de ondinas, de outras eras
mar de Atlântica calada:
Só tem olhos de Quimera,
mora nessa ilha encantada...
Mar das Liras das Guitarras,
mar das noites Luarentas
quando à meia-noite acorda
sob a Lua sonolenta
Sob o beijo enamorado
de sonâmbulo crescente
de quem viesse tomado
de um amor morto da gente
De quem viesse dormindo
d’algum túmulo de neve:
e despertasse sorrindo
voltando o rosto de leve...
Para os páramos do empíreo
para a outra face da vida
que mora longe, esquecida,
acobertada de lírios...
Acobertada de flores,
de rosas da aurora fria:
que vivem à boca dos astros
nos sorrisos de Maria!...
Rio 952
E. Rosas
A senhora Lua - toda de azul a singrar!
Rosa mística do Além
Hóstia branca de um altar:
São teus círios as estrelas,
mais o incenso do Luar!...
Rio 952
E. Rosas
Ai! Quem nunca subiu à torre aguda
dos reveses da vida procelosa,
E vê-se rodear da treva muda
Que negreja p’la hora tenebrosa...
Tudo é efêmero, vago e delirante,
Ligeira tempestade que reluz...
p’ra quem soubera o travo cruciante
de quem sofre os martírios de uma cruz...
Irrompemos de súbito o empecilho,
vencemos o caminho e a crueldade...
das mundanas paixões de horrendo exílio...
Ao chegarmos à beira da nossa alma,
concluímos que é vã banalidade...
Essa vaga quimera, que nos calma!...
Rio 952
E. Rosas
(Ao Pedro Santos)
Era jovem e formosa e me dissera:
Talvez, Te escreva meu galinha roxa!
Foi numa noite, já na primavera
de estrelas doiro, que bancara o trouxa...
Era bela a amante da mão boba
masturbava-se a qualquer leve contato...
o juízo, não era muito exato
Tinha sede de Amar, era uma Loba...
Uma noute encontrei-a num jardim
brincava a francesinha alheia a tudo...
com seu covinho e um arco de marfim!
Chamei-a... era um eflúvio de Mulher!
Tinha as mãos de cetim... era um veludo...
Fazia ver estrelas outro qualquer!...
Rio 952
E. Rosas
Corri países... Só encontrara Lama!
Desiludido na paixão da esp’rança,
que me queimava rude p’la aliança
de um novo céu e de uma plaga em chama...
Tombei absorto pelo desengano
de haver fugido aos pés a terra e amado
a primavera , o amor, mais o oceano
e ter por berço um mar encapelado!...
Absorveu-me os célicos designas,
Fui castigado... não segui os signos
da minha vida torva e tenebrosa!
Menti-me a mim e ao mundo transitório:
Fui poeta, Tunante e merencório
Vate de Linda Dama misteriosa!
Rio 952
E. Rosas
Esboço em cinza esfumo-céu de infusa
Quimera ungida de beleza e mágoa,
A tela do poente evoca a Musa
de um cavalheiro, que irrompera a frágua...
De Tédio e espinho dessa cordilheira
que vai além da noite tenebrosa,
circundando a planície nebulosa
onde só vagam ossadas e caveira.
Urde a ilusão do homem a teia alada,
a teia d’oiro de estelares, fria...
e a Torre-de-mistério enevoada
Para o olhar dos seres malfadados,
Para os míopes da melancolia...
Que só conhecem a serpe do pecado!
Rio 952
E. Rosas
Há almas que possuem uma invisível chaga,
a chaga que ficou um dia por sarar!
É a chaga da descrença em terrível e aziaga
Penumbra que se alastra que nos faz chorar!...
São as chagas, Jesus, das aflitivas dores
Das dores que vêm d’alma que não passam nunca!...
E que afligem o meu peito, e teu com seus horrores...
como garra do tigre em sua Ira adunca
É a garra do Tédio em cenas de irreal
comédia que assinala uma época passada
entre as que se amam se interpretam mal!...
É a vida e a desventura, o fim de uma tragédia
Que convive com a gente e anda masc’rada
Em um Demônio, um olhar nessa eterna comédia!...
Rio 952
E. Rosas
“Soneto”
Há no Luar saudades arc’angélicas,
Soluços de harpas, íntimos queixumes...
Um céu lilás de outono , algo Nume!
Tua paixão em frases evangélicas...
O teu desejo o meu desejo enlaça!
Vaga visão, que pairas no meu Sonho...
Tubas brancas da Lua em dados cavas
rojando a esmo na ânsia deste sonho!...
Vou descendo as escarpas do mistério
É tudo neve e branco, erro p’la Lua,
Ébrio de Ópio e nimbo em corpo aéreo...
O Silêncio e o Luar sonham um mosteiro:
Choupos evocam Loas, a alma flutua...
a paz é a cova e a Lua o meu sineiro!...
Rio 952
E. Rosas
Pomar do Amor!
Pomar do meu desejo ao abandono
São teus seios letárgicos, olentes...
fluem acres aromas inclementes,
de olorosa sazão em ar de outono ...
E bêbedo do fluido de teus olhos
adormeço sonhando que navego...
e vou flutuando inteiramente cego
sobre destroços contra os meus abrolhos
Vens das Estrelas, de uma noite aziaga
Do pomar do Senhor, unicamente...
para sarar o mal das minhas chagas!
Singrando sempre irei ter a uma ilha,
oculta p’la distância, que desmente,
o tóxico de humana mancenilha!...
Rio 952
E. Rosas
Sono, de quem sonhando se abalança
deixando o lar e o amor da sua aldeia...
atrás de um sonho vão que não se alcança
De uma bela mulher, que agora é feia...
Aventuras de amor, doce mentira,
traiçoeira ilusão, que os olhos cega!
foi assim, que na vida me iludira
atrás dela parti e a mim se nega!...
Amor, que recomeças, muito embora
venha desiludido, sem um guia
dentre a treva buscando a nova aurora...
Rever a antiga casa e a mocidade
que foi fugindo aos poucos, sem poesia...
eternizando o gelo da Saudade!
Rio 952
E. Rosas
Tudo acabou! Os meus são todos mortos
Choro em silêncio então, quando ‘stou só
o que fazer? beber? errar sem dó...
Se tenho a alquimia e os nervos semimortos...
Nômada vem errante pelo abrupto
Chama de tédio de Vida sem vaidade!
São minhas companheiras a saudade
e a Tristeza de um céu de eterno luto!...
Deixo cair-me à encruzeira do caminho!
exausto e semimorto de fadiga,
fico a pensar, por que deixei meu ninho?
Embora humilde, salutar, sadio!
nem tem lamúrias nem sequer a espiga
de esposa e filho; o mundo está vazio!
Rio 952
E. Rosas
“Soneto”
Vaporosa visão das altas horas
de uma noite aziaga e a Lua aflita,
enlaivando-lhe o choro nas auroras,
errante como o vento, por desdita...
Anseio desvendar que algo gravita?
nessas soidões de paz e de mistério...
Que arcanjos cismarão nessa infinita
região serena, arcânica de aéreo
Degredo de queixumes ulmeiros?
que adormecem aos fluidos volúptuos
Dos plenilúnios de âmbar em janeiro...
Derramando p’la abóbada azulada
o vetor dessa luz aveludada,
sobre as chagas de negros caminheiros!...
Rio 952
E. Rosas
(Farpas de um troveiro)
Se tivéssemos a ventura
de ter um rei Dom Dinis:
nunca a inteligência escura
desse pulha, que se diz!
Senhor da própria vontade...
Importado de Munique
vale menos pela idade
que o rei negro Menelik!
Imbecil, contraditório,
na extensão da palavra:
é um triste merencório
Banco de infesta lavra!
Apagar-se-á a fama
desse jumento loquaz:
que uma doutrina proclama
de uma múmia falaz!...
O que seria da gente
Se essa festa mais durasse?
Se no catete ficasse,
a vida inteira, o demente?!...
Como se viria ufano:
O nosso Brasil-amado?
Se viesse um Floriano
em vez de ter um castrado!
952 Rio
A. Luso
A missiva grácil, que me enviaste,
trouxe um bálsamo doce p’ra minh’alma,
um alívio aos queixumes, que aumentaste
as flores e a fonte que o Luar ensalma...
Embora tenha faltas ortográficas
não deixa de trazer um leve eflúvio
das melenas doiradas da Seráfica
Tristeza de teus olhos num dilúvio...
De cisma e pesar à noite ao Lume
da lareira a cismar tão lindas cousas
que vão p’lo ar notívago em queixume...
E ao ver do Luar a claridade incerta
hás de pensar que é um clarão de alerta
da Ermida nupcial, que em nós repousa!...
Rio 952
E. Rosas
Amar! É ver na flor, a flor que o inflama,
nos seus olhos o matiz das violetas...
na lira musical o céu que o chama
à concepção da graça mais secreta...
Amar! É ver nascer a todo instante
o eflúvio dos lírios de uma aurora,
na expressão virginal da sua amante...
É a síntese do amor se há vida e lume!
se é raiz de cipreste ao céu p’la hora...
Que é perene oração, o seu perfume.
Amar! É ser o ideal de um peregrino...
é entrelaçar a alma que não morre,
é trilhar p’las estrelas sem destino,
Tudo olvidar p’la hora que algo flore...
É como um nume o espírito da gente
se por acaso desci a um mar de treva,
que desanimo à noite se é somente...
procela glacial, vento que o leva!
Porque o amor nem sempre me assegura
encontrar segurança e lealdade...
ele é trêfego e fértil, qual ventura
que mora numa estrela por vaidade!
Amar é ser ingênuo, e ser criança!
é seguir as estrelas, mais a Lua!...
Se tudo que se quer nem sempre é mansa...
Ilusão que nos vem da lira à nua
Incredulidade da esperança...
Amar! É repoisar os nossos olhos
sobre o matiz azul das violetas,
é rubente contraste entre os refolhos
de meu manto rubro sobre pedras pretas...
Amar! É a doce angústia dos perfumes...
a mágoa dos lilases e martírios,
quando o sol vem a flux dos seus queixumes
e fana de Tristeza os doces lírios
Amar! É ser no olor uma expansão
é ser na ingênua flor, a flor que ama
no matiz o cismar de uma emoção...
na ondulação do aroma a própria fama!...
Rio 952
E. Rosas
Veio de masc’ra de veludo escuro
sorria muito branca contra o muro
à meia Lua do Luar que a mágoa goiva
Era libidinosa e sensual
Pareceu-me leitor ser tua noiva
que voltava da alcova habitual!...
Rio 952
E. Rosas
Verbo diáfano às montanhas,
Sermão às sombras de harmonia...
Mistério-arcano da Alegria,
De enternecida Dor tamanha...
Que assim penetras nos degredos,
no caos do tédio entre rochedos
enchendo d’alma e de magia...
Verbo supremo das alturas,
Orquestra d’oiro, horror do medo,
Amor do Oceano e criaturas...
És alma e Luz, Jesus sorrindo...
Pupilas d’astros se entreabrindo
ante a blasfêmia da procela,
num céu de esp’rança, numa estrela...
É a luz, é a aurora para as flores,
Chagas de Deus no sol, nas cores...
Sorrindo o eflúvio da beleza
à Luz, à hora da Tristeza!...
Rio 952
E. Rosas
É a hora, em que cismam arcanjos
que não se sabe afinal:
se é manhã ou se é aurora,
se é Nirvana espiritual?!...
É a hora em que o sol não queima
a boca das rosas doiro
que a minh’alma em cisma teima
atingir por mau agouro
Um céu de ocaso, um céu roxo...
um céu de enterro e desgosto:
que sonha com diabo coxo
de archote aceso ao sol-posto!...
Que sonha a Virgem Santa eterna,
Longe da dúvida se quero...
numa canção fanfarrina:
para incerteza de Antero!...
Rio 952
E. Rosas
Lá, na aldeia das estrelas
onde as casas são de Luar!
abrirei uma janela
para as bandas do teu Lar!...
Lá, na aldeia do Empíreo,
onde a ermida é a branca Lua:
há aleluias de Lírios
pelo azul da esfera nua...
Campanários, casas brancas,
cruzes de estrelas prateadas
adejos das asas francas
Das andorinhas do Ar!
que despertam as alvoradas
junto às praias do olvidar!...
Rio 952
E. Rosas
Versos de Amor e de tristezas minhas,
quando a aurora da Alma se avizinha
e há arrulos e adejos imponderáveis
Versos de Amor, que geram a nossa vida
movem a expressão de musa, sem medida
para exprimir aos cismas inefáveis!...
Venceu Te a dança e o ambiente se transmuda
Em som, oiro do sol, vaga harmonia,
cristal de asas à luz, emoção muda...
Há frêmitos de angústia em teu vestido
fulgem dragões em rútila ardentia
às cítaras dolentes ao sentido
A música Te enerva luxuriante
nardo carnal em nimbo de ambrosia
Ébria prossegue a lúbrica bacante!...
Vencida pelo amor e pela dança
ó bailarina, ó borboleta inquieta:
és nume e Salomé, ágil goleta,
Falena singular que não se cansa
Venceu-Te o aroma e o ambiente é maresia
oceano com cintilos de luxúria
em áurea vibração, lôbrega injúria
de teus olhos mortais pela elegia
Do teu olhar de estátua humanizada
embruxada no mármore de um sonho:
enfeitiçada de um pavor bisonho,
que a própria alma morrerá gelada...
Maldita saudade condor funesto
que despedir vim teu coração de freira
És de gelo e não tens nem só protesto,
Irás salvar na noite do infortúnio
à taça de Mefisto, ao plenilúnio...
do teu amor faccioso, ó minha amada,
às primeiras risadas da alvorada...
a canção da amargura da caveira
O Spectro da Saudade em busca de teu rastro!...
Rio 952
E. Rosas
A boca, que exprime e canta
aquilo que a alma sonha:
a muita gente aquebranta,
para possuir peçonha?!
A boca, é para “dizer”
claramente ao nosso ouvido:
aquilo que a alma não quer
que saiba o travo, o sentido...
Porque o sentido é uma cousa,
muito breve e delicada:
sem a expressão, vais à lousa...
Escrito, não tem sabor!
falado vai na rajada...
do vento que não tem cor!...
953
E. Rosas
A morte
Sou dos vestires a lúbrica bacante,
a pantera em meus ócios de veludo:
fascino os corações, que enervante,
no languir dos aromas, sobretudo...
Serei do teu Amor, homem, o quebranto,
talvez, a morte em minha garra adunca,
Sou bizarra no amor, não vejo nunca:
o que possa na dor causar espanto!
Venho meu corpo à alambra do oriente,
Lascivo riso, exóticos perfumes...
encarno a mancenilha em forma ingente!
Sou a sombra do Amor luxuriante;
inebrio as cabeças dos amantes...
Nunca amei, nem de mim não tive ciúmes!
953
E. Rosas
(A vida é dinamismo e movimento!)
A. Luso
O homem cisma no que irá p’la eleita
noutada do Senhor fulva e infinita
nada de vão à claridade aflita
acontecendo em gênese perfeita...
As trevas mudas de mistério e lume
de estranha força viva improvável
que em síntese esclarece esse inefável
eflúvio de viver contra o negrume
Da água em movimento em terra aflita,
gestando a vida absorta e estremunhada,
clarividentemente, onde gravita...
Lá onde inútil e fraco em sentimento:
dinamismo, saber e movimento...
Eis a vida, que surge p’la alvorada!...
953
E. Rosas
Soberania - Verba mas bendita!
Ó verbo à boca empíreos frades,
Ó fonte aflita!
Ó lábio triste que maldiz
dessa tragédia - a natureza
que se contorce ao vento e diz
maga elegia de tristeza!
953
E. Rosas
As aves do quintal de casa!
Conjectura o pato! O galo canta e cisma
piam correndo os pintos voos e aos saltinhos...
e a galinha a chamá-los sem ciscar de mansinho
cavando na terra à Luz, o sol parece um prisma!...
Espelha na folhagem a lívida alegria,
o tanger de foles é azul, pequeno lago...
bando - pombos voam em lânguida harmonia
E o céu dista do mar e do mundo aziago!
Loa à aleluia d’oiro, a alma áurea falena
o campo flore a flux em Místico matiz
e o frio a declinar p’la página serena...
Do teu seio mor amor, na palidez do outono
Do teu rosto grácil de Musa a frenesis,
como flor a orvalhar o corpo ao abandono!
953 Rio
E. Rosas
Eterna - Sfinge
Tens solo de alaúde e queixas de guitarra
A. Luso
Vens dos antros mulher indecorosa
dos alcances do vício e da miséria
Não tens alma, nem brio, és crapulosa,
és a visão de uma mulher funérea...
Foste em vida pérfida e funesta
nunca pulsa-te o coração no peito
era bloco de mame à escura sesta
das vértebras do dorso tão perfeito...
Lúbrica e felina p’la luxúria infrene
a tua boca lânguido quebranto...
à saliva amorosa me envenena...
De Amor perjuro ante o Senhor na cruz
corais jurando pelo que é mais santo
à chaga aberta de onde escorre Luz!....
953
Ernani Rosas
(Hirsuto rei banal de náuseas iracundas)
Expurgo da sarjeta — humanidade imunda!
Espontâneo rebento, ao acaso nascido
à margem da sarjeta em fétida viela,
é ter prazer à lama, ó flor enegrecida
que ofendes a inocência e a lucidez da estrela!...
953
Antonio Luso
Menina, em duas meninas,
que num sorriso de estrela:
abrindo ao desconhecido
aquelas duas estrelas!...
São duas ogivas de luto,
duas meninas de preto:
que se debruçam ao abrupto
arcano de um amor inquieto!...
São duas Luas de outono ,
duas estrelas ocultas
num pesadelo de um sono!
Mergulhadas na penumbra
de surdo oceano à impoluta
Aurora que o céu deslumbra...
Menina, linda menina,
que Deus nas verdes pupilas
a esperança peregrina
de duas plagas tranquilas...
No teu olhar, há uma ermida
da profecia e piedade!
o altar aceso à Vida,
à Senhora da Saudade!...
Há os males de São Guido
a menina que se estrela
abrindo ao desconhecido
Aquelas duas estrelas!...
Ó eloquência de Deus Pã!
rastro varre ala e savana...
nubla essa agônica manhã,
de juventude pouco ufana!...
953
Antonio Luso
Uma noute deparamo-nos na Estrada,
eu e Ela sozinhos, que doçura...
tinha no olhar de morta, a ama e criada
aurora, que outros sonham na amargura!
Ela me disse séria: o que procuras?
o Amor! a paz! a graça! finalmente...
o que anhelas possuir, como ventura?
eu respondi-lhe: busco-a aereamente!...
Busco a Visão do Amor, a qual colimo...
vou de um polo a outro polo por seu braço:
Seja espaço, Montanha ou dor de um cimo!
O acaso, é o meu corcel que tudo cria!
que tudo leva e funda nos espaços...
e esconde a glória por melancolia!...
953
E. Rosas
Em noutes de Lua cheia
ficas à Lua a pescar,
pescas as perlas do céu:
mais estrelas do mar!
Cheia-de-graça é tu’alma
de uma singela simpleza:
o teu remanso me ensalma
da minha vida, a incerteza...
Capiberibe do pranto
de confidências e queixas:
vais ao mar, que com espanto,
ouve a tua doce endecha!...
Caboclinha, sertaneja...
flor do cáctus do Sertão!
a tua graça avoeja,
em torno do coração!...
Parece morrer contigo
o desejo de sonhar
Longe da vida, que sigo...
Se o meu fado foi cantar!...
Haste verde, flébil, aguda!
em tua sensibilidade...
que a mágoa Te seja muda,
dentre a paz da Eternidade!...
És moça, forte, exuberante,
como a planta à beira mar:
tens o bafejo da brisa,
e as carreiras do Luar!...
Miras o mar infinito,
o horizonte sem par:
Nômada d’alma-precito!
tens desejos de viajar...
Ser luz longe, desta vida
p’ra maravilha encontrar:
a Atlântida esquecida,
dos meus irmãos de Além-mar!...
Com o novo mundo de estrelas
Tosões, Ofir’s da ventura:
correr mapa dentre eles...
ter por prêmio a noute escura
O finisterra do fado,
o término da desventura:
naufragar enamorado,
no seio da noute escura!...
953
E. Rosas
Ó meu cãozinho barbado,
Tão peludo e tão velhinho!
ao ver-te triste e calado,
Pareces meu avozinho!...
953
E. Rosas
Se não me falta a nítida Lembrança
Já, lá vão quarenta anos que viera
o brio de esperança; moço, se não era
um titã de ilusões, inda criança!
Deixara a herdade e o florido pomar
todo em flor mais a nora que rangia:
o rio, que esmaltava a Luz do Luar,
quando minh’alma jovem estremecia...
Tudo era utopia e canção d’oiro
nunca pensei em azares e descanso
Lúcido espelho da clarividência...
no espelho encantado das vidências...
O Sol me abria as rútilas estradas
Como se fossem um largo rio abrindo
futuro promissor, nunca a arruinada
herdade verde viva que deixei florindo!
953
E. Rosas
A boca tem a fácil primazia
de exprimir o que a alma arquitetara,
a ideia é como a água em alegria,
fulgura à Luz o íris, que criara...
As imagens do nosso pensamento
afluem à boca em maga profecia,
Fazem confissões do nosso sentimento,
todas cheias de mística magia...
Nem sempre o riso à boca traz sabor,
nem sempre traduzimos alegria:
É um Não-Ser de íntimo pudor!...
O riso de Tristeza e de ironia
morre ao canto da boca como a dor
na certeza que tudo é uma utopia!
(953 N. Iguaçu)
A Dúvida levou-me a um mundo obscuro
de sensações estranhas e banais,
e roubou-me um lúgubre futuro...
De torva estagnação de águas paradas,
que foram mar e não se nadam mais...
para tormento meu, vindas do nada!
a um caos de seres cegos e infernais!
Vinhas, como um suspiro à flor da vida,
pelos lábios de Alguém, talvez de um Deus?
De um Titã infinito, à enlouquecida
paisagem cuja essência é Pã e Zeus!
Cuja estrutura é chaga e se ilumina
de graça de um Nirvana, que em segredos
de Luz divina ofusca a Luz dos mundos...
em jorros de perdão ante as retinas.
953
E. Rosas
A hora em que te vi algo noivava!
Da Lua o rosto branco com Sol-posto...
o véu da noute azul se maniatava
de estrelas e nimbos à masc’ra de teu rosto...
A grinalda de flores diamantinas
cingida a fonte lívida da Luz
dava-lhe encanto e graça peregrina
de uma rainha que saísse à rua...
À subida da mesma que é colina
de céu azul à hora vespertina
é saibro e Luar e brilham diamantes
Sortílegos p’lo Lume, que é bruxedo
de Lantejoulas fúlgidas a medo...
ao choro das guitarras p’las amantes
953
E. Rosas
(À morte)
Faminta, pelo mundo andas a ceifar as vidas.
Macabra e sensual em tuas bacanais,
Ó morte, que és o horror das mães compadecidas
enfeitando o caixão dos filhos virginais!...
És o rude coveiro, o vendaval do acaso...
que enlutas os casais e as rústicas choupanas...
vais além a ceifar o trigo já, no prazo...
Primavera infantil de toda espécie humana!
Ó ceifeira banal, que não semeias nada!
de útil, p’lo Amor no mundo em terra que renova
o fecundo calor, que uma das alvoradas...
Que não repartes nunca o bem, que nos sorriu...
alimentas o verme, a larva pela cova,
com a tua avara mão que nunca repartiu...
953
E. Rosas
Água pútrida e azul que se a tarde vem lavada
Ora pútrida e verde se pardo sol modorra
Ali, floresce a flor da minha estranha aurora
em laivos sensuais de lúbrica alvorada
É a taça ambarina que os bardos embebeda
de veneno e de ócio as bêbedas manhãs
caiu seu fluido genial nesse cair da seda
da penumbra a ultimar-se a um gesto de Satã!...
Fluida e vaga quimera sonha a Linda
se o cisma se esvair vazado de Leda
flutua em sangue veios do ocaso enlutando
Doiram a orla dos largos os últimos clarões
e a noute vai chegando à nave do planeta
Eis o término, o fim de velhas emoções!
953
E. Rosas
Idílio agreste
Numa encosta de aspérrimo fraguedo
junto ao mar, que murmura e não chorava
vingou, cresceu um lúrido arvoredo,
cujo caule era flébil e cismava...
E passaram-se os anos e nos rochedos
outra planta sozinha assim vingava
e quanto mais crescia mais rezava,
havia em seu viver, algo segredo!....
Tinha ela intuição e alta vidência,
criatura de psíquica simpleza...
vivia em livre apática aparência!
Um dia despertou dessa apatia
e viu da Luz a clara profecia,
Ir brotando — seus amores da avareza!...
953
E. Rosas
Não Te perdoo!
Não Te perdoo meu Amor nascido,
ao acaso do nada e do viver...
Um dia andava eu abstraído
pelas praças escuras a rever!
Todo escuro passado sem poesia
de tormento e tristeza motivado
pelo incerto viver, que fenecia
como a luz de um crepúsculo estagnado!...
Como a luz da tua alma onde morria
à distância das horas num aterro,
onde a ilusão da vida escurecia!
E eu voltando ao meu claustro, faz meu desgosto
p’receu-me assim que fui ao teu enterro,
e tive o Adeus dos raios do Sol-posto!
953
E. Rosas
Quando ‘stou recolhido à minha cela
Rezo íntimos versos à su’alma,
me aproximo de Deus e das estrelas
e a sombra é Luz e a luz o azul ensalma!
Que anjos tristes sonharão com Ela?
Que harpa celestial, p’los céus soluça?...
Que gênio, nas esferas se debruça...
que eflúvio espiritual vem de uma estrela?
Reina o mistério em tudo isso, ó pausa!
do silêncio p’la forma misteriosa,
que inutilmente move-se p’la causa
Avérnica do Mal ante os mortais...
que não creem na Alma religiosa
Que é só, angústia, Dor e nada mais!...
953
D. Narciso Luso
Tudo te proporcionei: gozo, conforto!
Passeio à beira-mar, ares de serra...
Ares em linda Aldeia ao sol já morto,
chilros d’ave ao ocaso sobre a terra...
De manhã, volta e meia no jardim,
passeio a carro, em idílica penumbra...
à hora do pôr-do-Sol-Luar do fim,
que aureola a fronte de oiro que deslumbra!...
Tudo te proporcionei: como clemência
ante a tísica carnal que te aniquila,
tomando a morte como tua adolescência...
Ao meu amor exorta-lhe a saudade,
que há de erigir-te um pedestal de argila
à imagem da tua ingenuidade!...
953
E. Rosas
Visão inviolável ossificada,
Visão de meia luz do escurecer
de agoirentos crepúsculos de alada
nevrose torva dentre o anoutecer!
Paisagem triste, lúgubre e aziaga
de céus distantes num descer sereno
carniça a despontar por entre a vaga
soidão da noute em êxtase de veneno...
Aqui e ali os astros sibilinos
nadando em luz da abóbada silente
refletem e doiram a curva do destino...
Olhai aquela estrela aflita, veja!
que pestaneja e apaga-se inclemente
num beijo sepulcral, bendito seja!
953
E. Rosas
Todos sofrem, meu Amor,
errando, o Luar visita aldeia:
as flores exalam olor,
aos Cativos da Lua-cheia!
Aldeia branca de neve,
p’la ala viva das estradas:
à Lua, que surge breve,
dos olhos da sua amada!...
Pela ascensão do Senhor
após os carnais martírios:
a noute fechou-se à dor!
dos astros choviam lírios
Já longe, da sua aldeia
a Lua, em raio de Luz
enviara à Galileia,
pelos olhos de Jesus!...
Era a estrela da manhã
que a penumbra despertava...
er’uma harmonia louçã,
que a cotovia imitava!...
953 Rio
E. Rosas
Um Triste poeta, um pária!
Mendigo de Lira ao Vento:
vaga fronde, que por ária
tem por mundo, o pensamento!...
953 Rio
E. Rosas
Vou de sonho: em pesadelo
meu fragor para sentir:
envolto no seu cabelo
o travo que fez pungir!...
953
E. Rosas
Coimbra de Albergues, com paisagens ao Luar
Desmaiam a medo as tuas canções roucas,
acordam tuas fontes para amar,
grave emoção embargam as lindas bocas!
Amorosa Coimbra da Saudade
nas queixas do Mendigo a recordar...
sob os beirais há cismas p’la cidade,
esfolham-se quimeras pelo ar!
Coimbra ao Luar é branca morgadinha
há quimeras, murmúrios quando assoma
no céu azul a clave sereninha!
Com seu vestido de estelares, casta
os sons de mil canções pia espera vasta
Onde se perdem as rimas e o idioma!...
Rio 915 952
E. Rosas
O rubro vivo o Etna das rosas!...
Fuga da Tarde um Etna de cores!
aturdira o sentido e vai soando
ou se enrolando em ondas e fulgores...
Corpo de sons em eco eril, demente,
Ó auréola infinita recordando...
os acordes numa Harpa no poente!...
10-9-912 a 45. Rio
E. Rosas
P’la fúria da Dor cósmica dos mundos
p’lo tédio à existência interminável,
ora flor e arbusto, ora saudável
olor de um vai’ para fulgor fecundo!...
Do sol a rir nas folhas luzidias,
no zênite da esperança das Searas...
no lençol das lagoas, que a alegria
dos ares embebem em cânticos às claras...
No Espelho das quimeras por quermesse,
do Templo azul da Luz espelha a Vicia,
reflete Deus e o céu e mais que as messes,
e a paisagem de Mágoa confrangida!...
939 a 46 Rio
E. Rosas
Entre a posse e o Amor: sonha o desejo!
vaga estranheza de noturna aurora...
se a ventura consiste no lampejo
desse espelho solar, onde a alma chora!...
Como o vento que a noite tumultua
num ritmo d’asa aflita e fatigada
Que vem súbito surgindo da fria Lua
enodoa de sombra o chão da estrada...
O chão por onde foi o meu Amor...
cantando um dia uma canção dolente
a hora inviolada do sol-pôr,
que perturba a noss’alma, se é doente!...
Que torpor riza o coração da gente,
que amesquinha com a sua claridade...
com a sua santa vaidade resplendente
a toda criatura ingênua, que há de!...
Gostar de ouvir e de Sonhar do vinho
de uma música nova idealizada,
pelo sonoro despertar dos ninhos...
à meia Luz de rósea madrugada,
ao despertar de rouxinol mansinho...
Que é seu costume orar a alvoradas!...
45
934 Rio
E. Rosas
Senhora das Dores
pelas Sete-Espadas...
em vez de sangue-flores
escorrem alvoradas!...
Em vez, cravos doiro!
Chagai o Sete-Estrelo!
p’las Sete-Espadas,
no meu pesadelo!...
Senhora das Dores,
nos passos perdidos...
teu manto manchara
o indefinido!...
Senhora p’la áurea,
p’la sombra de Deus!
vagai vossa sombra,
na face do céu!...
Na Igreja da noute,
poisam réstia de Luz, ilusões estranhas...
ao soar o clarim das madrugadas,
desdobradas do manto das estrelas...
de espiritual claridade,
de olhos absortos a comungar com Deus!...
Senhora da mágoa,
p’las Sete-Espadas
na fé do amargor!
Trazei alvoradas e prantos nos olhos,
a fé e esperança contra os meus abrolhos!...
Rio 932 a 46 Rio
E. Rosas
Não ser a sombra do sonambulismo,
não ser a noute lúcida e profunda,
que o nosso pensamento não circunda,
percorrendo o universo num mutismo...
Não ser a sombra alígera e secreta
de mistério e de lânguida Tristeza...
do olhar triste do homem se a beleza
apresenta-se em mármore incompleta!...
Não ser sombra oposta desta vida,
ser a sombra da Luz e para além...
viver como que oculta e revestida
Da poeira dos Astros e pelo Além...
ser uma dobra do Luar para além-vida
aureolada do Sonho, que não vem!...
918 a 45 Rio
E. Rosas
Oh! Taça de Ambrosia... Alegoria!
das luxuriantes lúbricas manhãs...
Inebriantes de luz e nostalgia
no matiz das cômias mais loçãs
Oh! cômias das rosas... bizarria!
das nuanças e veludos de uma flor;
da penumbra do goivo e da alegria...
da vermelha camélia, sem amor!
Glória vã, do meu lírio, que no vale
abre em cálix vermelho por corola
lembrando do-sol-pôr a digitalis...
Oh! matiz dos matizes... malfadadas
violetas, que a Saudade não estiola...
e florescem ao rubor das alvoradas!...
944 a 46 Rio
E. Rosas
Minha Torre-de-Marfim é tão divina,
Que tem por companhia as andorinhas...
mais a noute silente e peregrina,
com seu manto de ocaso e de adivinha...
Ergue-se a vizinhança das estrelas,
abrindo os braços de uma cruz sozinha...
e ao lampejo do poente nos revela
o seu corpo de Musa trigueirinha!...
À noute a Lua a envolve num sudário
de mistério e de mágoa por quebranto...
num pálio vago dentre alampadários!
Ei-la só, no silêncio da cidade,
em que vive minh’alma por encanto,
na ilusão da divina Eternidade!...
918 a 46
Veste-lhe o poente a rara pedraria
de seu manto estelar de Santiago...
da Via Láctea a fulva alegoria
pela nave da noute em sonho vago...
Desce em dobras de pérolas e prata
a extravagante e cara mantearia...
que recorda de Orfeu na serenata,
a clâmide de púrpura do dia...
Vou vesti-la da púrpura do Oriente,
do meu sonho de Amor incompreendido...
com os aljôfar’s do seu olhar silente
Para vestida assim, irradiar...
entre as outras irreais, que erram no olvido,
que ficaram na ideia por criar!...
918 a 46 Rio
E. Rosas
[*] A numeração dos poemas é adendo da presente edição digital para facilitar a navegação do leitor, não constando, pois, no texto-fonte.