Fonte: Portal Catarina: Biblioteca Digital da Literatura Catarinense

LITERATURA BRASILEIRA

Textos literários em meio eletrônico

História do gosto e outros poemas, de Ernani Rosas


Edição de base:

Ernani Salomão Rosas, História do gosto e outros poemas,

Florianópolis: Editora da Ufsc, 1997.

                                                                     
 
 
 
 
 
 
 
    
    
ÍNDICE
(Plaquetes)
 
História do gosto
 
Todo prazer é um beijo mal roubado 
 
Gostar 
 
Tentação de Satã          
 
Os meus abrolhos    
 
Pés      
 
Soneto 
 
Canaã   
 
Pousa alto o teu espírito   
 
Ouvir!
 
Os meus abrolhos – "À La Manière des Poètes d’Orfhée"
 
Sino rude da capela         
 
Abrolhos!       
 
Morta outra vez, num sonho Te antevendo!  
 
Selva de sombra e sonhos dentre assomos   
 
Soneto Cismas da Noite    
 
Soneto 
 
Salomé 
                                                  
O que é a vida?  
 
'Strofes de um "Sonâmbulo"       
 
Príncipe 
 
Maria    
 
A hora em segredo          
 
Ária      
 
II         
 
Toda su’alma é uma oração de luar 
 
Sossega coração! Que a luz não tarda         
 
Era Sol-Posto, a paz que ali reinava  
 
Morrer por ela como um justo, orando...       
 
A Pereira da Silva            
 
'Strofes de um Sonâmbulo         
 
Ignoto-Arcano?  
 
Para onde existe a síncope radiosa 
 
Soneto 
 
Depois divisarei esse duplo horizonte  
 
Sol-posto        
 
Senhora do Crepúsculo     
 
Tântalo de Las Quimeras            
 
Clarividência   
 
Amores da Lua    
 
O meu cachimbo!            
 
A Luz – é sombra d'um astro          
 
A Lua, o grande farolim argênteo entorna     
 
Rimas à Lua:   
 
Rimas: Desalento?           
 
?Êxtase e tristeza?         
 
Deixei-Me anoitecer à sombra da ramada      
 
E o silêncio da hora e a ingratidão da Lua     
 
De Horas roxas da Lua chagado tédio vem    
 
Ai! de quem vem a esta vida          
 
Quanto mistério há na noite           
 
Tormento?      
 
Torre de David       
 
Soneto: Deus nos teus olhos         
 
Atrás de minha casa        
 
Rimas   
 
Versos  
 
Amor!   
 
Ao ouvir-te guitarra, embora          
 
Quando eu, estiver já prestes        
 
Eu quero, quando morrer: 
 
Maldição divina
 
             Torre de David       
 
Rimas "Trevas do Desconhecido"      
 
Por que criaste o fel, e o vinho da Ilusão?
 
Versos  
 
Soneto 
 
Hora de insônia
 
Nudez tentadora 
 
Tentação do ouro           
 
             Última estrofe da desesperança            
 
Soneto 
 
Ilusão do além 
 
Soneto 
 
Tudo em farrapo, a alma combalida   
 
Spleen dominador            
 
Soneto 
 
             Cancioneiro da noite (Torre de David)   
 
Soneto 
 
Soneto 
 
Outono de horas de Alma silenciosa...
 
             Rimanceiro da mágoa  
 
Violino da Saudade           
 
A Ideia  
 
Súplica das Ninfas           
 
Como sois doce nesse amargo transe?         
 
Monólogo das coisas        
 
O Que dizem as coisas     
 
Narciso (Espelho d’alma)   
 
Luar! Recado da lua aos lírios, Eco da          
 
Carta a além-túmulo        
 
             Certo véu de sombra e olvido   
 
Onde irão minhas Naus? ter a recifes!?         
 
Soneto 
 
A gente na nossa lida       
 
Noite de ausência            
 
Pastor-astral  
 
             "Litania à adolescência e outros versos"    
 
Noite de Valpurgis           
 
Soneto 
 
Os teus sapatos vermelhos!           
 
Que pé de Deusa ou Anfitrite         
 
Simples problema me assombra!      
 
Talvez, teu sentimento não me aqueça        
 
Enquanto os mais meditam            
 
Soneto 
 
             Veneno que não cura 
 
Todo passado é um rápido segundo:  
 
Esperando... esperei a vida inteira  
 
Raiz do tédio   
 
Amor e lama   
 
Da minha janela aberta     
 
Errando teus lindos olhos  
 
Outono 
 
Nossa sentença  
 
             [Plaquete sem título]  
 
Amor!   
 
Penumbra do luar            
 
Vontade oculta   
 
             La Noche de Las Quimeras        
 
Mãos do destino 
 
Na vizinhança das estrelas            
 
Cantigas do povo!           
 
Soneto: Morte romântica  
 
Irmã do meu cismar e dissabor       
 
                Poemas avulsos     
 
Safo!    
 
Soneto 
 
Soneto 
 
Soneto 
 
Avozinha        
 
Balada  
 
Aldeia do luar  
 
Adeus! oh! fonte magoada...         
 
Alegria alheia  
 
Quando penso, que 'stou longe      
 
Elogio-da-humildade         
 
África   
 
Queixumes      
 
Torre de David   
 
Safo?   
 
Safo?   
 
O sonho das águas          
 
Perfil castilhista  
 
História do gosto 
 
Nas regiões do "Exílio"      
 
Soneto: Spleen
 
Soneto impressionista       
 
Tu, que habitas a noite, o Universo
 
Noite de Valpurgis           
 
A Ideia  
 
II         
 
III        
 
Fecunda o pólen no crisol dourado  
 
Da tristeza     
 
VII       
 
Súcubo "d’alma"  
 
Naufrágios      
 
II         
 
Sonetos         
 
II       
 
Nostalgia dos Cães          
 
Sonetos         
 
Eu?      
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
História do gosto
 
918 a 46 Rio 
N. Luzo
 
 
 
 
Todo prazer é um beijo mal roubado, 
morre-me a boca para repeti-lo:
entre o eflúvio de um sonho malogrado 
e p’la boca das rosas dividi-lo ...
 
Como é bom esse amor, sendo metade ! 
curto instante à penumbra do jardim... 
ao partirmos levamos a vontade,
p’ra que nos volte uma outra noite assim!
 
Fui despertado p’lo Luar de impura 
noite de Lua e desleal Ledice... 
na embriaguez de lúbrica ventura!
 
Fui pressentido, ó dura crueldade... 
Libertei-me do Amor, sem mais tolice, 
deixando o gozo todo na metade!...
 
946 Rio 
 
E. Rosas
 
 
 
Gostar
 
Chegamos a gostar de coisas repelentes... 
 
                            Charles Baudelaire
 
 
Num antro de magia e rúbido mistério, 
onde a serpe, a coruja, o sapo têm poesia... 
seja negra ou real, a lúgubre magia
em prol da nossa fé em seu áureo hemisfério...
 
A víbora e o morcego têm duplo poderio, 
a áspide produz filtros cruéis p’ra morte: 
e na ronda avernal desliza um negro rio... 
de líticas visões numa obscura coorte!...
 
Gostando do que é velho e rude, amei-Te um dia... 
oh ! gasta barregã-ruiva, que a ironias
emoldura de Luz na sombra luxuriante !
 
Vejo, aquilo, que o olhar não vê e não namora! 
vejo, não a mulher – o anjo, que lá mora... 
a nevoenta visão da aurora inquietante ?...
 
 
 
Tentação de Satã
 
 
Contam, que um dia o demônio apareceu ao poeta e convidou-o a partir, a irem a um país ideal, onde havia homens leais e mulheres belas, o poeta ficara indeciso diante do convite do demônio por achar a proposta absurda; dentro da palestra amistosa há uma pausa e o demônio tirando de seus cuidados agarra e beija-o na boca e ele extasiado pelo beijo que lhe deu o demônio sente um mundo novo abrir-se-lhe n’alma e sente um sabor divino no beijo do Demônio !
E conjecturando com ele mesmo agarra-o pelo queixo, dizendo consigo mesmo, que será que ele quer me pedir? E nisto, a máscara sai-lhe nas mãos e aparece-lhe um rosto encantador de mulher com um sorriso tentador e malicioso por haver vencido o coração do homem: dúbio diálogo l...
 
Diálogo Infernal 
ou Tentação do Demônio ?
 
 
 
 
Os Meus Abrolhos
 
945 a 52 "Rio" 
Ernani Rosas
 
 
 
 
Pés
 
 
Pés de martírios, pés chagados – Dores... 
que o chão trilharam numa Sexta-feira, 
Sete-Dores chagados p’la canseira 
do pó da Estrada p’ra quem tem amores!
 
Sete-Dores de passos indecisos
que Deus plasmara na amplidão silente... 
Sete-chagas de sóis rumo impreciso 
de errante estrada para a dor da gente...
 
Pés descarnados, gélidos, feridos 
p’lo horror da vida de sofrer ingente, 
Pés de Jesus em sangue doloridos...
 
Chagas do Tédio p’la existência amara 
Rasgando Selvas na distância, sente... 
ferir-lhe a carne os cordais do Saara!...
 
N. Iguaçu 952 
E. Rosas
 
 
 
Soneto
 
 
Tu, que habitas a noite do Universo,
os mundos celestiais onde Alguém mora! 
Que juízo fará da Luz da aurora, 
Esse gênio, que vive em sombra imerso?
 
Sentindo desfilar ante a piedosa 
Alma triste que tens de combalido, 
à sarcástica, lôbrega e andrajosa 
ironia dos lábios de um vencido...
 
Sonharás transcender pela memória 
em saudade tua asa que assemelha 
um troféu de apoteose para a glória!...
 
Ascenderás edênico e intangível
Ante o clangor, que a nossa pel’engelha 
Como de um lírio o fluido imperecível!...
 
Rio 917 
E. Rosas
 
 
 
Canaã
 
 
Envio-Te notícias de meus males, 
Chagas da Alma... o vendaval da vida! 
a doença do corpo, a fé perdida, 
mais forte do que o fel da digitalis.
 
Tudo em ruína: Crenças e aventuras! 
Rota do infindo Sonho, só por Deus... 
Quanto ao Brasil renego, é uma loucura 
alimentar quimeras sob os céus...
 
Quando volver às selvas e à alegria? 
penetrar no segredo da alga umbria 
ouvir cantar as aves e sonhar...
 
Então direi que recomeça a esperança... 
A floresta, onde escuto murmurar 
A voz de Deus no riso das crianças!...
 
946 Rio 
E. Rosas
 
 
 
Pousa alto o teu espírito,
olha bem para os meus olhos: 
verás que vida, que tenho 
não é a tua, sem abrolhos!...
 
Põe o olhar nos astros, 
sonha assim com o meu! 
meu olhar, é a noite... 
sob o teu, o céu!...
 
946 Rio 
E. Rosas
 
 
 
Ouvir!
 
 
Ouvir... Só no silêncio das estrelas! 
o soluço das coisas e dos ares... 
Viver para a emoção das noites belas 
à lacrimosa mágoa dos Luares...
 
Apodrecer à sombra de ermo cerro:
ser um tojal, em sombra o meu anelo... 
Só, por amor da noite o seu desterro!...
 
911 Rio Boca da Noite 
E. Rosas
 
 
 
 
Os Meus Abrolhos - "A La Manière des Poètes d’Orfhée"
 
915 946 
N. Luzo (E. Rosas)
 
 
 
 
Sino rude da capela
de campanário silente:
Sol me acordes voz singela, 
pelas Horas do poente!...
 
 
 
Abrolhos!
 
 
A nossa Vida é como um grande rio, 
sempre ansiando ser um dia oceano! 
ora revolto de brilho, insano...
mostrando a areia e fundo d’ouro, frio...
 
A púrpura do sol à noite, o invade
em tons frios de mármore e de gelo... 
Lembra um campo em declive aonde arde 
o arco d’ouro e astral do Sete-Estrelo!...
 
O olhar abrindo pela imensa Estrada 
Cheia de sonolência e de Quimera, 
vê, ressurgir da terra embalsamada
 
Todo um vergel, de um ósculo fecundo! 
o oceano em fúria a desfazer crateras...
e Deus de um astro, transformá-lo em mundo!
 
932
 
 
 
Morta outra vez, num sonho Te antevendo! 
p’r’o meu viver ideal, porque Te almejo... 
esculpida em meu sonho, aurorecendo
 
932
 
 
 
Selva de sombra e sonhos dentre assomos 
trazeis ruínas, neles – longe – escombros 
de cidades de Luz e de harmonia 
primaveras com sol e alegrias...
 
Outonos e verões! – invernos – sinas 
de Tristeza p’la neve e nostalgia...
Tântalo e aurora eterna aos nossos olhos, 
Vergel de rosas para os meus abrolhos!...
 
932
 
 
 
Soneto Cismas da Noite
 
 
Noite irmã da Tristeza e da ansiedade 
e das Almas, que ignoram a alegria... 
Sombra feita de assomo e claridade, 
Evocadora ideal da nostalgia!...
 
Tua boca não canta uma Elegia! 
Calou-se a vibração da imensidade... 
como um soluço à frouxa luz do dia, 
ou, névoa, que velara a Eternidade!
 
Não Te ouso contemplar a face escura 
e prossigo a cismar à luz dos Astros... 
Escondendo entre as mãos a fronte impura!
 
Para ocultar-me a lúgubre presença 
do teu espectro, que ficou no rastro
da Estrela, que lavrou minha sentença!...
 
918 Rio 
E. Rosas
 
 
 
Soneto
 
 
Ah! quando est’alma heroica e descontente 
Libertar-se da carne, que a reveste... 
Ela, há de adejar incertamente
às paredes de um corpo, mais celeste...
 
Como uma C’ruja às horas do sol-poente... 
entorno de uma torre esburacada,
que será nosso ser, macabramente,
nos assomos da carne desmanchada!...
 
Não ter ficado Eu, entre as ruínas! 
expor à luz dos séculos hiantes... 
oculto sob as heras e boninas;
 
E depois, percorrer meu próprio ser! 
em adejos inúteis e inconstantes...
como a andorinha à "Torre-do-Não-Ser"!...
 
918 Rio 
E. Rosas
 
 
 
Salomé
 
 
Ó Bailarina, oh! mariposa inquieta!
Aljofrada da gema de uma tarde.
És nume, Salomé, ágil goleta...
dentre o incenso da sombra que oura e arde...
 
Espectro errante de um cometa absorto
após a bacanal "saturniana"!...
(onde os nardos têm ócio do "Mar-Morto"!) 
e ergue-se a lua irial, sibariana...
 
Chovem do céu os raios da nova aurora 
sobre seu corpo d’âmbar colmados 
da via Láctea que su’alma olora...
 
Numa auréola de Luz e alegoria 
Esvaindo-Te em Sonho musicado, 
para a glória do "Mal" que a irradia...
 
918 Rio 
E. Rosas
 
 
 
O que é a Vida?
 
 
A Vida: É uma hora, um dia, a noite triste; 
E: – ("La chanson du jour"!) que a bailarina, 
interrompendo, diz com graça e chiste... 
numa expressão dramática e divina!
 
Vida, é volúpia, tântalo e agonia!
desgraças mil, letras vencidas, um homem 
que perdeu a razão por ironia
da sorte, que os mil nada nos consomem...
 
Vida: – aventura louca do destino...
o jogo, a sorte... a ebriez d’ópio a Pérsia... 
o fausto e a bacana! por desatino!
 
Vida, teu lábio de ludibrio infindo!
O teu corpo de âmbar se exaurindo, 
em perfumes exóticos de inércia!...
 
946
 
 
 
 
‘Strofes de um "Sonâmbulo"
 
916 a 45 Rio 
E. Rosas (N. Luzo)
 
 
 
 
Príncipe
 
 
Sonho tudo, que amei num crepúsculo extinto 
vago a convalescer por horas irreais!
perdeu-se dentro em mim, como num labirinto 
raio extremo de luz de dias outonais...
 
Vivo Morto num sonho! Embriaga-me o absinto
da Ilusão dum sol-pôr, que as tardes não têm mais... 
sou a sombra ideal do Príncipe, que sinto
viver a tua luz como vivem os Cristais!...
 
Sou uma Ânsia de azul... por silente floresta 
ó Lua celestial das horas vesperais,
tudo quanto sonhei à tua luz funesta
 
erra longe de mim, como uma Nau partida! 
Vejo acenar dalém meus doidos ideais.
E Náufrago a sonhar fiquei na minha vida!...
 
 
909
 
 
 
Maria
 
 
Ô que lindo fêz-se MAIO, 
Ô que santa foi Maria!
batizou-se n’água benta 
dos olhos da virgem Pia...
 
É mais vivo o teu azul,
do que a seda do seu manto... 
fulgem mais tuas estrelas
do que as gotas do seu pranto!
 
À noite constelações, 
lembram fiavas sete-Espadas
num fulgente cintilar 
laceravam corações!
 
Qual dos dois o mais brilhante, 
o mais rico em pedrarias: 
E o céu que está distante, 
ou o manto de Maria?!...
 
(911)
 
 
 
A hora em segredo
 
 
Quando a certhora o luar é só doçura 
e com sigilo o nosso amor abriga 
eu me deixo levar nessa onda impura 
de volúpia e temor, Noite inimiga!
 
E do céu atravesso a selva escura, 
sem que seu vulto divinal me siga; 
lua etérea visão, que se amargura 
pela Boêmia duma dor mendiga!
 
Vou a ouvir o que dizem as nebulosas 
esculturas do sonho e do irreal,
murmúrios de outras noites misteriosas
 
que séculos de azul hão-de torná-las 
em formas tenebrosas do ideal,
qual sol tocando a pedra das Opalas!
 
(914)
 
 
 
Ária
 
Para o Sr. Mário de Sá Carneiro
 
 
Como é longo o dia à tarde 
já num rumor devagar,
para a Ogiva de teus olhos 
na reza do meu altar!
 
Quanta mágoa vai no sino, 
quanta amargura a sarar! 
recorda o triste destino
de quem nasceu para amar.
 
Sino estranho da capela 
de remoto eremitério,
Só! me acordas voz singela 
pelas horas de mistério!
 
Quanta emoção traz-me esthora 
dentro de mimo se afundando, 
minh’alma se libertando
pelas lágrimas, que chora...
 
Como é triste ver-se a Lua 
por detrás do ermo cipreste 
recorda a brancura tua
vestida de negra veste.
 
 
 
II
 
 
Ó Tarde pondo Ouvido às Folhas mortas, 
Insone de silêncio a orar baixinho!
a água lembra vozes semi-mortas
a umhora dessa a quem, vai a caminho!...
 
O Outono verte cinza de saudade 
à voz do vento, minha herança antiga!
Fui Príncipe d’Olvido e Soledade: 
Reinei ausência eterna, audaz amiga!
 
Minha sombra infantil reza quimera, 
no Palácio de Dor da minha Raça
de Sina e maldição, que assim tivera!
 
Aos meus Olhos à luz boiando, cismo 
que sou Alma lusíada que passa...
Sonho – Galera a resvalar no Abismo!
 
915
 
 
 
Toda su’alma é uma oração de luar 
quedou-se de Mãos-postas, reverente 
num penhasco de noite a recordar.
 
916
 
 
 
Sossega coração! Que a luz não tarda... 
espirar em seu leito de neblinas
como uma fonte a murmurar ardor!
A Ânsia que nele vai em mim se atarda... 
como são lentas as horas vespertinas 
junto do coração... longe do amor!?...
 
912
 
 
 
Era Sol-Posto, a paz que ali reinava 
o coração de mágoa envelhecia 
e a luz crepuscular já declinava 
numa sentimental melancolia!
 
Parecia do céu, que se exilava
descer chorando aos mundos da agonia 
e a essência da su’alma ali morava 
como doce, perdida nostalgia...
 
E foi, assim na vida se extinguindo, 
como a pálida chama que amortece 
aquele olhar crepuscular fugindo!...
 
Pra que eu ficasse amando da Saudade 
a Branquidão da paz de toda Aldeia, 
quando eu tornar à minha Soledade!
 
16-4-912
 
 
 
Morrer por ela como um justo, orando... 
como a tarde a morrer pelo Sol-Poente... 
como a sombra a morrer pelo silêncio!
 
912
 
 
 
A Pereira da Silva
 
A Tristeza é um prenúncio d’Alegria, 
Alegria é um prenúncio de tristeza,
cada ser que floresce é um’Alma presa 
a um ritmo de perfume que nos guia
 
Por isso que te fiz névoa de dia 
a sombra de minh’alma, na pureza
dessa luz interior, que me alumia... 
e revela alguém pela incerteza!
 
Quando em idílio romântico cintila 
o teu perjuro olhar emudecendo,
ante o fulgor de lúcidas pupilas...
 
Sinto, que vais de mim Te transmudando! 
para uma nova vida te ascendendo...
candeia dos meus-Olhos se apagando!
 
910
 
 
 
‘Strofes de um Sonâmbulo
 
Rio 918 a B46 
N. Luzo (E. Rosas)
 
 
 
Ignoto-Arcano?
 
 
Ó noite de espiritual Eternidade!
ó silente segredo de Além-vida!
Pra que eu sinta em tu’alma comovida, 
O tântalo da tua irrealidade!...
 
Se a quimera é fatal à Humanidade, 
deixá-la num letargo adormecida... 
como em vaga beleza concebida, 
num voo de indizível ansiedade...
 
Desola-me o luar de insônia fria
e as estrelas do céu, cristalizadas... 
são espelhos enublados de neblina!
 
Que por azuis de ocasos de agonia 
iremos filhos, de Almas fatigadas
ouvir de Deus a prática divina!...
 
(Rio – 8-8-912) 
E. Rosas
 
 
 
Para onde existe a síncope radiosa 
rosas de Luz e estrelas em desmaios, 
Eu partirei irmãs misteriosas
para irisar-me nos seus flavos raios!
 
É Lá! Que existe a aurora venturosa 
e o olor primaveril de tantos Maios!... 
Que se foram por áureas primorosas, 
Quando a Lua tem síncope e ensaios!
 
Lá! Não teremos nem pesar, nem males! 
nem temor, porque tudo se faz prece... 
de um Luar que p’la abóbada ressumbra!
 
São solitários, silenciosos vales,
onde a luz de um crepúsculo anoitece... 
e a Lua traz recados à penumbra!...
 
8-8-912 
E. Rosas
 
 
 
Soneto
 
 
Morre-Me a boca em lúbrico delírio 
por beijar e esculpir teu corpo, ó linda 
escultura do sonho e do martírio, 
ciliciando a palidez infinda...
 
Martirizando o mármore da carne 
em cilícios cruéis como encantada 
estátua, cuja forma esculturada
tem laivos de Afrodite em plúmbeo marne...
 
Sonhe ou durma no aspecto por silente 
Que seja o céu que paira, entressonhando... 
rompe a clâmide fúlgida e aparente
 
De branca perfeição na imperfeição! 
da carne em suas súplicas, colmando 
o azul de estrelas para a tentação!...
 
Rio 946 
E. Rosas
 
 
 
Depois divisarei esse duplo horizonte
Que há na Vida e na Luz da aurora do outro-Mundo, 
visivelmente azul sob um arco defronte
à janela d’céu para espreitar o mundo!...
 
Rio 948
 
 
 
 
Sol-posto
 
Por M. Caspio
1928 a 43
 
 
 
 
Senhora do crepúsculo
 
 
Embuçada na noite do seu manto 
percorre a Via-Láctea silenciosa 
o areal da praia misteriosa
onde aporta a falua do quebranto...
 
Onde os passos incertos de uma sombra 
pisam leve e vagueiam na amplidão, 
onde é sonho e ressumbra toda alfombra 
à castália de luz do seu perdão...
 
Onde é neblina e lua e por acaso,
se é sol, um jalde espírito o enfumaça 
ante o espectral fenômeno do ocaso...
 
Brilha um vislumbre d’olhos de criança! 
numa entrevista Luz de tarde baça... 
"Doce-mãe" piedosa da Esperança!...
 
943
Ernani Rosas
 
 
 
 
Tântalo de Las Quimeras
 
por (A. Luzo) E. Rosas 
918 a 45
 
 
 
 
Clarividência
 
 
Vem comigo beber o vinho amargo 
dos nossos tenebrosos desenganos: 
Mensageira leal da flor dos anos, 
celeste, como a paz d’alma letargo...
 
Deixa a nobreza dos brasões tiranos
e faz-Te à noite adusta do mar largo,
consome-Te na fé dos teus enganos
Que o mundo para o homem é um vil encargo!...
 
Vens dos Infernos, das paixões adustas 
para os etéreos de ilusões venustas.... 
acarretado de nevrose e Spleen!
 
Para irmanar-Te às nossas boas almas,
Que são pujantes celestialmente, calmas... 
qual céu d’Amor, que Te concedo, enfim!...
 
16.8.912 
E. Rosas
 
 
 
Amores da Lua
 
 
És a lua da minha-meia-noite
e vou contar-Te a lenda merencória 
de uma Lua, que morta foi a glória 
do mar, do vento num funesto açoite:
 
"Incendiou-se a nau da fria Lua, 
imergindo no mar adormecido...
o mastro ao mergulhar na onda tressua 
na incerteza, que a lua haja morrido!"
 
Temo a tua beleza e essa magia,
que me enerva de astral melancolia... 
desse amavio de teu vil ressabio...
 
Amo as glórias do Sol ao fim do dia!... 
e no libar o pomo de teu lábio, 
cendrava-se o sabor que me sabia...
 
932
E. Rosas
 
 
 
O meu cachimbo!
 
 
E o fumo, que ele expele anseia aos ais! 
num abraço ensofrido de desejo, 
cuidando ver no íris desse adejo
as tuas vagas formas senhoriais!...
 
948 Rio 
E. Rosas
 
 
 
A Luz — é sombra dum astro, 
ou melhor de algum Titã: 
a Luz é filha da Sombra...
(a luz nos vem de Satã!?...)
 
 
 
A Lua, o grande farolim argênteo entorna 
lobregamente, pela abóbada as suas platinadas 
lágrimas... como eco azul e lácteo que se 
espargisse pela turmalina do céu...
 
O Luar leve e fluido como um corpo de
nimbo d’uma Deusa engolfa-se em golcondas
de nuvens, onda por onda, de onde escorre e corre pelo 
mar afora em estrelas de pérolas.
 
Curva, é o círculo intérmino da Vida!
 
 
 
Rimas à Lua:
 
 
Dorme em lascivo leito, reclinada... 
repontado de Astros e fogueiras, 
ateias a coivara prateada
dos caminhos desertos, pegureira...
 
Lua! da meia noite, solitária,
Urna errante p’la nave do infinito... 
Cravas o lácteo incêndio funerária, 
às montanhas geladas de granito...
 
Peregrinando em tua marcha hiante 
e exausta de fadiga em água amara 
buscas o mar, o oceano o teu amante...
 
Artista, cuja tela, ao ver Te aclara! 
n’esse sonambulismo inebriante... 
em suas vagas verdes Te enlaçara...
 
932
E. Rosas
 
 
 
Rimas: Desalento?
 
 
Circunscritas à órbita celeste
as estrelas nas chamas se consomem 
na terra o labutar tem-se no homem 
o cativo do amor em val agreste...
 
O eterno cativo, sem ventura, 
desalentado cavador que espera
em sombria região p’la noite escura 
encontrar o ouro finos da Quimera
 
Encontrar a ventura de uma aurora, 
onde encontrá-la se ela agora dorme 
olvidada no pó de quem não ora...
 
olvidada nesse val desconhecido
onde nunca alvorece e a paz é enorme
e o bem, perjuro "Amor", incompreendido!...
 
946
E. Rosas
 
 
 
?Êxtase e tristeza?
 
 
Por que choras Amor, quando a tarde declina? 
Se a treva vence o céu e o espaço se constela 
Se a tristeza do dia doura o nicho da estrela 
onde mora a ventura e a graça peregrina...
 
Não chores, pois se amas a dúlcida alegria, 
alegria auroreal, quando a noite se olvida 
aos raios da manhã como um lilás sem vida, 
doce irmã da paixão, gérmen da nostalgia!...
 
Rio 945 
E. Rosas
 
 
 
Deixei-Me anoitecer à sombra da ramada; 
Entardeci em sonho e em alma floresci... 
Entristece-me a paz da noite e a compassada
canção do grilo a rir na trama em que me vi!
 
 
 
E o silêncio da hora e a ingratidão da Lua 
oculta em pardo céu, como visão divina, 
propicia-me do olvido um laivo que tressua 
num tântalo letal de angústia sibilina!...
 
946
E. Rosas
 
 
 
De Horas roxas da Lua chagado tédio vem 
Silente a envenenar a minh’alma serena: 
Sol chagado a rir e os astros também têm 
irradiações fatais de rútila gangrena!...
 
Será o eflúvio em coral de cânticos que ensalmam, 
o argentino fulgor da Lua pelo [...]!
 
 
 
Ai! de quem vem a esta vida 
pela estrada da ilusão:
terá breve a fé perdida
e velhinho o coração!...
 
Terá muito, o que sofrer, 
os que vivem ceguinhos:
à perfídia, que os espera... 
pelos sinistros caminhos...
 
(Rio) 932
E. Rosas
 
 
 
Toda esperança contra o mal do Inferno!...
 
946
E. Rosas
 
 
 
Quanto mistério há na noite 
por entre o negro palmar? 
a lua aclara esse açoite,
num cenário de Luar!...
 
(Rio) 918 E. Rosas
 
(Maldita a infausta febre d’ouro seja!)
 
 
 
Tormento?
 
 
Aqui, tudo termina: Ânsias da Vida, 
Sonhos – troféus, – vaidades mais reles 
de lacrimosa terra, a digitalis
rubra da Dor esvai-se esmaecida...
 
E um tântalo, essa ânsia apetecida! 
nunca, que aflora à boca de seu cálix... 
a água de seus olhos, por seus males 
aos lábios dessa sede ressequida!...
 
O romântico amor em suas crises, 
desalentado pela vida afora...
vai fazer "jus" à "seiva das raízes"!...
 
Ante o "Aqui-jaz" e a placidez de um fulcro... 
a su’alma tantálica da Aurora,
baixa ao festim dos vermes do Sepulcro!...
 
41 (Rio)
 
 
 
 
Torre de David 
 
Em “Tântalo de Las Quimeras” e “Meus abrolhos"
 
"Rimas da Noite e fonte de outono"
 
por N. Luzo (E. Rosas)
 
 
 
 
Soneto: Deus nos teus olhos
 
 
Olho a curva infinita do Infinito, 
Teus olhos vejo, abóbada nublosa... 
Fonte perene, d’alva Luz radiosa 
refletindo vago espírito de um mito!...
 
Não é, só, ela a causa do meu grito 
de espasmo doloroso e de agonia... 
mas sim, a expansão de alva alegria 
de quem fendeu o áspero granito!...
 
Seja filha da terra, onde a minh’alma 
liberta-se transpondo a beata calma 
das franças de uma selva, que vivi!
 
Espargindo-se em lôbrega distância 
de crepúsculo, a lânguida fragrância 
desse Deus, que eu adoro e nunca vi!...
 
Rio 934
E. Rosas (N. Luzo)
 
 
 
Atrás de minha casa 
fica o áureo Levante, 
pra Lua que se apraza 
e surge irradiante!...
 
Rio 947 
E. Rosas
 
 
 
Rimas
 
 
Olhando o teu Olhar, eu, vejo o paraíso 
Cismando-Te, fitei e vi o teu cismar:
auréola auroreal do laivo de um sorriso
que vem deixar a vida— esse soturno mar!...
 
947
 
 
 
Versos
 
 
Possuo o êxtase de um Mago,
vejo a visão d’alguém passar p’la minha Vida: 
farrapo em nimbo êxul na tarde adormecida, 
no eflúvio celestial do seu perfume vago!...
 
Rio 947 
E. Rosas
 
 
 
Amor!
 
 
És a ilusão da Luz, quando a casa se fecha... 
ao abri-la Te vais: falena da Quimera!
Tens o mesmo palor de uma estrela na esfera, 
o fulgor de uma chama a voar numa flecha!...
 
Rio 947 
E. Rosas
 
 
 
Ao ouvir-te guitarra, embora... 
Teus aís se comparem aos meus! 
eu vejo raiar a aurora...
dentre a penumbra dos céus!..
 
Rio 947 
E. Rosas
 
 
 
Quando eu, estiver já prestes 
de chegar ao meu "Ocaso"! 
Desejo de ter um prazo,
um prazer de ver-me a Leste...
 
Dei-me a Lua por morada 
Se tudo acaso, é de Deus? 
Reza por mim minha amada. 
Roga por mim, pede aos céus...
 
Que um dia por Lá Te encontre
em lindo vergel bordando 
um véu de noiva defronte
do espelho do sol, Te olhando!...
 
Rio 947 
E. Rosas
 
 
 
Eu quero, quando morrer: 
junto ao "Aqui-jaz"... olvidar! 
diga a voz do vento agreste 
fui pelo Além a rimar!...
 
Rio 947
E. Rosas (N. Luzo)
 
 
 
Maldição Divina
 
 
Do velho mundo – o tétrico cenário 
dramático, infernal pelo Demônio; 
Ei-lo, a arena de Dores, o estuário
de sangue rubro para um Pandemônio!...
 
Lança caudal de fumo sobre a terra 
Letes sangrento e vivo torvelinho 
de vidas, que se vão pelo caminho 
turbilhonando num fragor de serra!...
 
Escombros hirtos, que vincula uma era 
de fel e agruras, de tormenta prava?... 
devastando as florentes primaveras
 
Da vida humana, para o caos profundo! 
Ante a Geena de uma noite cava
que há-de tragar a fúria deste mundo!...
 
945 Rio
 
 
 
 
Torre de David
 
Rio 945 a 50 
E. Rosas
 
 
 
 
Rimas "Trevas do Desconhecido"
 
 
Pela primeira vez eu senti bater mansinho, 
depois, mais forte ainda uma estranha emoção... 
Era o primeiro afeto que viera sozinho 
despertar em meu ser divina sensação...
 
E acordando a minh’alma que sonhando vivia 
na sua ebúrnea Torre de inocência a sonhar 
arrebatou-me à Luz da aurora em que dormia 
Consigo levou-a para bem longe andar!
 
Para os mundos da Luz e da clarividência 
Levou-me p’ra beber um vinho peregrino 
embriagado deixou-me em vaga sonolência
 
ao despertar de mim senti-me mais menino... 
Saí beijando o Luar e as flores do jardim 
E nunca mais feriu com tanto ardor assim.
 
 
 
Por que criaste o fel, e o vinho da Ilusão? 
porque criaste o amor, assim como Jesus... 
criara a luz do Luar em jorros de perdão
a refulgir no olhar dos astros sobre a cruz...
 
Bebo à taça do ideal o vinho de Mefisto
subo e desço e percorro as trevas deste mundo... 
Sou autômato, em vão busco a causa, o imprevisto! 
Volverei livremente às plagas do iracundo...
 
Vou além, muito além nesse engano perdido. 
num sonho divinal de tântalos profanos 
a essa porta ideal fechada há tantos anos 
Abrindo para a luz do meu Desconhecido...
 
Abrindo p’ro sol-pôr de vago acordamento
de inocência e de carne à crua realidade,
tenho a impressão que infância é uma rosa ao relento, 
e a juventude um céu de sonho e castidade!...
 
Rio 946 
E. Rosas
 
 
 
Versos
 
 
Passaste ao sol sob a ramada ingente, 
Vaga visão nimbal — Sonho incolor! 
Que brilha assim aos raios do poente, 
Caleidoscópio irial do meu amor!
 
945 Rio
 
 
 
Soneto
 
 
Âmbito torvo, originando a vida, 
tentação do prazer e da luxúria... 
para o amor dentre a linha indefinida 
da Beldade — obra lúbrica da incúria...
 
Ventre de nívea e lânguida epiderme... 
escultura vampírica da carne:
Que mão fascinadora de arte inerme 
Te plasmou na ilusão da neve ou marne
 
Concepção de vetusta e egrégia graça 
ventre de ciência que sugere a ideia 
da noite sibariana, onde perpassa
 
Todo delírio e lésbico desejo
da linha ebúrnea e fria que o sobejo 
do meu burel não vence essa Sereia!...
 
Rio 946
 
 
 
Hora de insônia
 
 
Noite sem termo! A Lua erra em delírio, 
balbucio palavras sem querer...
cismo no olor vernal d’alma de um lírio, 
e sou memória d’algo a transcender...
 
Sofro-lhe a ausência. A carne é meu martírio, 
Ressurjo... amo a visão do meu Não-Ser! 
Todo meu corpo é amorfa névoa – círio... 
volúpia de um perfume a se perder.
 
Cismo na errante estrela, que deslumbra 
o vaso de teu ser dentre o relento 
num murmúrio de fonte que ressumbra!
 
Sou o olfato! Amo as horas de um jardim... 
Sou uma vaga sonora em pensamento: 
Eflúvio lirial que vens a mim!...
 
 
 
Nudez tentadora
 
 
Morre-me a boca em lúbrico delírio
por beijar Te e plasmar teu corpo, ó Linda! 
loira visão de sonho num martírio
de imaculada palidez infinda...
 
lnanimando o mármore da carne 
em cilícios cruéis como encantada 
estátua para o amor desacordada
num laivo de Afrodite dentre o mame...
 
Sonhe ou durma no aspecto por silente 
que seja o céu que paira entressonhando, 
rompe a clâmide fúlgida e aparente...
 
De viva perfeição na imperfeição 
da carne em suas súplicas colmando 
o azul de estrelas para a tentação!
 
Rio 946 
E. Rosas
 
 
 
Tentação do Ouro
 
 
A insânia d’ouro, a mórbida cegueira, 
o delírio de sólidas cabeças...
Que leva o homem ao crime e à bebedeira 
do odiar a vida antes que envelheça...
 
Talvez, que teu Mau-fado — ó vil Tenório! 
acarretas a sífilis nos ossos...
dando hospedagem à lepra e mais destroços, 
como flagelo ao mundo merencório...
 
Ó D. João, ó parva mascarada! 
rompe a grotesca máscara banal, 
mostra a fisionomia embriagada...
 
Ante a loira e seráfica beldade
fantasiaste o amor no fel carnal,
como és um pulha dentro da vaidade?!...
 
Rio 946 
E. Rosas
 
 
 
 
Última Estrofe da Desesperança
 
945 a 50 Rio 
E. Rosas
 
 
 
 
Soneto
 
 
Quando cessar o mórbido tormento 
das misérias do fado que nos resta? 
buscaremos os encantos da floresta, 
a blasfêmia da fonte contra o vento...
 
A maldição da noite contra a vida,
as injúrias dos astros contra a aurora; 
os soluços da alma arrependida 
ante a desesperança de quem chora!
 
Porque tudo é agônico desejo,
sôfrego e amargo em fuga p’la ironia 
do destino cruel que sempre vejo:
 
Esfarrapado à porta das herdades
de crestados jardins com ramarias... 
Que me foram perjuros n’outra idade!...
 
Rio 950 
E. Rosas
 
 
 
Ilusão do além
 
 
Imponderável como a Luz da Lua fria 
São as nuvens do Ar à espreita do calvário 
o éter que se evola é quase uma agonia 
roxa, quase lilás igual a de um sudário
 
Imponderável como a bolha que o ar levanta; 
ergue-se à luz e se desmancha inerte e morta, 
mais, um sonho infiel voando já me encanta 
embora a me trair bem junto a minha portal...
 
950 Rio
 
 
 
Soneto 
 
 
Ó cabelos das ninfas desgrenhadas 
errando à noite em Lua no arvoredo... 
vagabundas visões da madrugada 
entrevistas à luz de algo segredo!
 
Ó suplicantes formas de beleza,
todas de rastos, de aneladas tranças... 
Eleitas vidas, que alimentam esp’ranças 
e erram de tarde em tarde na tristeza...
 
O Tântalos de sonho do poente,
corpos vagos de incenso... horas douradas... 
jardim lilás de orquídeas do ocidente...
 
O imperdurável encarnação de Ninfas 
Lá! se vão sobre nuvens reclinadas! 
como sobre corcéis que cortam Linfas!...
 
916 Rio 
E. Rosas
 
 
 
Tudo em farrapo, a alma combalida 
eu beberia o sangue, não saciado, 
Eu beberia a minha própria vida!
 
Se fosses vinho ou dúlcido veneno 
eu beberia bêbedo sonhando, 
eu beberia impávido, sereno!...
 
 
 
Spleen Dominador
 
 
O Tédio nos arrasta p’ra miséria 
em vampírica ânsia deletéria
p’ra tirarmos um sono no sepulcro...
 
Fugimos a manhã, a vida bela, 
temos pavor do ósculo mais pulcro 
da estrela que apagou da dor o fulcro 
e aclarou os abrolhos da procela...
 
Procuramos o abismo, o caos infame, 
as geenas cruéis do inferno humano 
o fel e o desespero, a goela enorme, 
para assim nos tragar: divino arcano...
 
Por tudo que é perjuro e mentiroso 
procuramos o mal dentro de um gozo... 
e nunca a "Ti", ó monstro desumano!
 
Ouro que és tentação à nossa glória,
a primavera, os vinte cinco — a estrada 
aberta às aventuras que a memória 
floresce um pedestal pela alvorada...
 
Nunca à costa de penas e naufrágios
de quem anda a correr de plaga em plaga 
entre as ondas e oceânicos adágios
que os nossos sonhos do viver apaga...
 
Rio 945 
E. Rosas
 
 
 
Soneto
 
 
Ante a volúpia do ouro fascinada 
e da carne viril que desabrocha
como rubra papoula enamorada
ao sol que doura a formosura em roxa
 
Madrugada de amor luxuriante
Que propicia letárgicos venenos
e enerva de perfume extravagante
a estuante maré de Ondina ou Vênus...
 
Reflui e esplende o ouro da tu’alma, 
o aljôfar e a gema fulva da orvalhada 
pio vergel de teu corpo que me ensalma
 
Temo essa hiena oculta do teu peito 
Que pode desfazer o bem perfeito
do ouro da Luz do Amor às alvoradas!...
 
(Rio 946)
 
 
 
 
Cancioneiro da Noite
 
(Torre de David)
 
(Rio 918 a 47)
 
 
 
 
Soneto
 
 
Ontem, quando voltei, viera d’alma enferma, 
por ver tanta miséria e tanta cobardia... 
frio estava o jardim, a praça um tanto erma, 
corria sob o Luar a queixa da agonia...
 
A tarde teve sol, algumas nuvens densas,
um vento glacial assim, como o abandono... 
fora a asa do Tédio, – o gérmen das doenças 
o presságio augurai do meu nevado Outono!
 
A taça do Ideal – é um Tântalo dourado! 
talvez devaneando à cor de um lindo ocaso, 
onde as nuvens p’ra além, são centauros alados
 
Mas, tudo passa e esquece – o amor os incendeia! 
escurece-se o azul à Luz da Lua-cheia,
se a bruma acaricia as coisas por acaso!...
 
Rio 916 
E. Rosas
 
 
 
Soneto
 
 
Vai alta a lua lírica e silente,
toda paisagem em sonho se embebeu! 
narra a si-mesmo o eco, vagamente... 
paira a auréola da luz dentre os céus...
 
Parece madrugada! um galo canta... 
uivam de tédio os cães, não chega o dia! 
[pois] se o Luar turvou minha alegria... 
e a noite toda de uma mágoa santa!
 
Outono! vão-se as horas... e lacrimosa 
é tão triste a vereda e a própria casa... 
traz saudades da vida religiosa!
 
Cada vez mais o luar neva e cintila... 
seixos em pranto à flux o areal abrasa,
e a água por ser ceguinha erra e vacila...
 
Rio, 2-2-916 
E. Rosas
 
 
 
Outono de horas de Alma silenciosa... 
rola a última folha!
rola a última lágrima saudosa!...
 
Outono! Meu Outono que só molhas
o campanário e as árvores, sem folhas... 
num rosário de pérolas algentes!...
 
949 Rio 
E. Rosas
 
 
 
Rimanceiro da mágoa
 
915 a 945 
A. Luzo (E. Rosas)
 
 
 
Violino da Saudade...
 
A Paul de Verlaine
 
 
Encantado violino da Saudade, 
que desenterras o meu tempo azul; 
enlaivado da mágoa, que me invade 
pelo silêncio da minh’alma êxul...
 
Choras... e o teu soluço se ilumina 
como Via-láctea que nest’alma mora 
sacode-o brutalmente, e se a domina 
põe suspiros de vento numa aurora...
 
Eis a razão de tudo colorido:
olfato, paladar, ouvido, olhar...
rompe da sacada, assim como um gemido!...
 
É uma forma de ser mais singular...
que anseia muito além do meu sentido, 
Remotíssima’ orquestra a voz de um mar!...
 
918 Rio... 
E. Rosas
 
 
 
A Ideia...
 
 
...ir ao fundo 
desse profundo e lúgubre oceano...
 
Descesse a alma, como desce a vista 
ao tártaro da treva de um arcano; 
como um farol de estrela impressionista 
nesse profundo e lúgubre oceano...
 
Por celestial, divina contingência,
vejo descer às sirtes e às areias
a visão estelar, onde as sereias,
vagam à lua p’la verde transparência...
 
Por mal da noite em efêmera ledice: 
é galera, a esteira que predisse...
À aurora, ser Dor, da minh’alma inglória!...
 
Entre parcéis, recifes e amargores... 
naufragando no oceano da memória 
à Lua de perjurosos dissabores!...
 
945
E. Rosas
 
 
 
Súplica das Ninfas
 
 
Ó cabelos das ninfas ouro a iriar-se!
chorando à noite em lua no arvoredo: 
desgrenhadas visões do meu segredo, 
passando ao poente num espectral disfarce...
 
Ó suplicantes formas de Beleza,
todas de rastos, de aneladas tranças: 
Eleitas vidas, que alimentam esp’ranças... 
e erram de tarde em tarde na tristeza!
 
Ó tântalo de sombra do sol-poente!... 
corpo aéreo de incenso... Horas rezadas... 
jardim lilás de orquídeas do ocidente!
 
O imperdurável encarnação de Ninfas... 
Lá! se vão, sobre as nuvens reclinadas, 
como sobre corcéis, que cortam linfas...
 
916
 
 
 
Como sois doce nesse amargo transe?
- igual a um lago que o ar da tarde franje... 
o espelho azul de superfície quieta...
 
Vós sois iguais a neve aureolada,
em róseos flocos ao romper da aurora: 
Tendes a linha ereta, como outrora 
tinha a palmeira de grácil estrada!
 
Éreis a espuma loira da Esperança,
o tule d’ouro, que enlacei minh’alma... 
essa expressão sonâmbula, que ensalma 
a eterna beleza, que não cansa!...
 
 
 
Monólogo das coisas...
 
 
Que vida religiosa, parecia
sonhar na paz d’aquele cemitério
as plantas tinham alma e a voz dizia 
que falavam p’la boca do mistério!...
 
Tudo revela, misteriosamente...
As árvores eram numes, que falavam, 
e num vago silêncio do inconsciente... 
eram sonhos silentes, que rezavam?...
 
Sobre a Asa de um sonho, quero tê-las! 
sim, oniricamente, comovidas...
ver a noite passar sobre as estrelas!...
 
E os Astros, repetir quase em segredo: 
num músico murmúrio... porque a vida:
E um sussurro orquestral de vão degredo!...
 
 
 
O que dizem as coisas...
 
 
Que vida religiosa, parecia
dormir na paz d’aquele cemitério
as plantas tinham voz e a voz dizia... 
Quê falavam p’la boca do mistério?!...
 
Tudo revela, misteriosamente,
as árvores eram numes, que falavam... 
e num vago silêncio do inconsciente, 
eram sombras silentes, que rezavam!
 
Sobre a Asa de um Sono quero tê-las! 
Sim, noctivagamente comovidas, 
ver a noite passar sobre as estrelas...
 
Espero a noite ao hálito do Além! 
perdeu-se pela estrada do Ignorado... 
(nesse eterno, monótono "-vai-vem"...)
 
 
 
Narciso (Espelho d’Alma)
 
 
Teu ser, além se aureola de Tristeza, 
meu sentido na abóbada distante
da tarde esvai-se em laivos, delirante... 
para encerrar na mágoa a natureza.
 
Tua essência é memória transcendente
e, mais surpresa de algo, que além mora: 
E um raio de lua transparente...
no espelho dos lagos, lá, da aurora!...
 
Vive em Ti por mim na imensa esfera, 
passas, como um meteoro, que arrebata; 
levando a alma para além-Quimera...
 
Há Golcondas de Ofir nesse infinito 
e harmonias de um céu, que se desata... 
na superfície desse espelho invicto!...
 
936
 
 
 
Luar! Recado da Lua aos lírios, Eco da 
Lua pela garganta do clarim da abóbada 
a esvair-se como a vida em Quimera...
 
Veias largas e extensas do nosso corpo – rios ou 
estradas onde corre capilarmente o carmim 
luminoso da Ideia, como faluas...
 
 
 
Carta a além-túmulo
 
 
Eu tive a conclusão de que isto é o nada
e a alma é uma flor, que mesmo murcha odora... 
partir nada adianta, o mundo é a estrada, 
onde, já tateei e piso agora!...
 
Todos os males, aqui vou sofrendo... 
partirei o mais breve, que puder:
a mágoa, que alimento ela assim quer, 
crepúsculo profundo anoitecendo...
 
Partir é uma ilusão de quem não vive!
amo a tu’alma por sofrer comigo,
E uma alquimia as horas, que não tive...
 
Visão leda do Sol à Cor extinta!
ausento-me. É tu’alma o meu jazigo... 
erro no ouro astral, que a tarde pinta!
 
916 Casal ao Luar 
E. Rosas
 
 
 
 
Certo véu de sombra e olvido
 
914 a 1918 
M. Cáspio
 
 
 
 
Onde irão minhas Naus? ter a recifes!?... 
o ônix fundear em noite de ilhas
e a bordo ter cadáveres e esquifes?...
 
Desengano voltar ao velho-mundo...
e anoitecer sob um palmar de Antilhas
e ao longe a lua ver se erguer ao fundo!...
 
918
E. Rosas
 
 
 
Soneto
 
 
Para além do que eu sou, oh! doida bizarria...
E outro o azul, e não simples urna de ausência... 
São teus seios boiando à luz da lua fria
colinas a dormir e o luar em sonolência!...
 
Faz das rosas seu sonho o barco da Beleza... 
"Mãos à feição de concha" a embebê-las de Luar! 
Sonham olheiras cristãs as tintas da Tristeza, 
sois lágrimas da cor ficando por secar...
 
Adormece em cetim os féminos odores, 
deslumbra e apaga a luz das pedras e das cores, 
igualando-se a noite em velas apagadas...
 
Só! Teus olhos enevoaram a noite dos diamantes, 
guardam a mesma beleza dos olhos das violantes
dos olhos ideais das Moiras encantadas!...
 
917
E. Rosas
 
 
 
A gente na nossa lida
não mede o tempo, que passa: 
passa aurora, passa a vida, 
Como um voo de fumaça!
 
 
 
Noite de ausência
 
A ausência...
É um longo inverno em torno do viver
 
                                                                (A. Luzo)
 
 
Quando alvorece o dia triste e lento, 
ou, vente e chova à noite sem parar... 
de manhã ouço opressa a voz do vento 
toda mágoa das horas a ritmar!...
 
Tumulto estranho d’almas, num lamento 
entre o sonho e a demência a resvalar... 
são todas de minh’alma em desalento, 
num jardim de Além-Túmulo a vagar!
 
Encarnação de voz numa só alma, 
manhã remota de horas a viver...
que em gestas de arvoredo já se acalma...
 
Acordarão num angelus de Outono 
entre a dúvida e as cinzas do Não-Ser... 
no mistério da morte e do meu Sono!...
 
26-11-914 
E. Rosas
 
 
 
Pastor-astral
As ave-Marias, 
matiz de matizes 
das flores dormentes 
à hora do poente 
na prata dos lagos 
que caí docemente...
 
Fusão de matizes 
de pedras preciosas 
na minha ilusão,
morrente nos olhos de alguma menina...
 
Senhora do amanhã
passos perdidos pela imensa sombra...
da igreja da noite...
Pousam réstias de luz, clarões estranhos... 
desdobrados do manto das estrelas
de espiritual claridade
de olhos absortos para o infinito
como quem sonha
e comunga com Deus 
Senhora da Aurora 
da hora celeste!...
 
932
 
 
 
 
Litania à adolescência e outros versos
 
(918 a 47) 
Ernani Rosas (N. Luzo)
 
 
 
 
Noite de Valpurgis
 
 
Náufrago brigue do Éter e do Sonho, 
derramando um clarão tíbio e suicida... 
O sol acena um áureo Adeus à Vida 
e doura a imensa estrada ante-sonho!
 
Âmbito argivo em mármore de estranha 
visão de torres e cruzes brancas,
onde passaram adejos de asas francas 
das aves, se o Luar neva à montanha...
 
Gotas nitentes pela luz douradas
são pérolas que um mar verteu um dia, 
junto às areias gris das alvoradas!
 
Exaurindo-se à Luz dentre a agonia, 
difunde-se qual tule em nuvem alada... 
para voar a tua fantasia!...
 
Rio (914) 
E.R.
 
 
 
Soneto
 
À memória de Ronald de Carvalho
 
 
Alma, sobe ao teu cimo transcendente, 
na tua ânsia de indelével asa...
e fulmina o destino impenitente
e o Elo hercúleo, que teu sonho apraza!
 
Não devemos a Dor nunca abrigá-la 
nesse âmbito êxul da fantasia,
todo bordado a pérolas e a opala 
de uma tarde longínqua em agonia.
 
Quando eu d’aqui me for, hei-de falar-Te... 
do teu saudoso Adeus à terra e ao mundo, 
nirvanizado p’lo fulgor de Marte!...
 
Acenarás à frouxa luz da hora,
de uma Estrela, do claro azul profundo... 
do hálito argivo de uma eterna aurora!...
 
(935 Rio)
E. Rosas
 
 
 
Os teus sapatos vermelhos!
 
 
Imóveis, como à espera 
da Dona para os calçar: 
quantos espinhos tivera 
neste mundo, que pisar...
 
Talvez, em busca de um sonho,
de ventura, meu Amor!
de ventura, que suponho... 
morar à milhas da Dor!
 
Amanhã, empoeirados... 
velho, encardido o cetim, 
ficarão abandonados...
 
Os teus sapatos vermelhos, 
que cingiram os teus artelhos... 
olvidados, já por fim!...
 
Rio 947 
E. Rosas
 
 
 
Que pé de Deusa ou Anfitrite, 
calça um sapato tão leve? 
pisando tufos de neve... 
tapetes de clematites...
 
947 Rio 
E. Rosas
 
 
 
Simples problema me assombra! 
dentre a hipótese seduz:
"Se a luz é filha da sombra,
ou a sombra é filha da Luz!..."
 
947 Rio
 
 
 
Talvez, teu sentimento não me aqueça, 
pela simples razão de ser tão puro... 
o afeto é fogo eterno que no escuro 
fulgura mais que o Lume da cabeça!...
 
953
E. Rosas
 
 
 
Enquanto os mais meditam
 
 
Deito o olhar entre as trevas e vejo a noite
desdobrar o seu manto constelado
e a linha do horizonte enevoado
desdobrar-se p'la Dor de rude açoite...
 
O vento e o mar dramáticos investem 
contra as fráguas: é a vida, a fúria humana!...
e fecham o grande círculo da insana
luta dos elementos, com que vestem
 
A órbita do mundo sem poesia,
que decresce p'lo Tédio dia a dia...
e, a gente sente indômita saudade!...
 
De volta ao inerte e à frágua dura,
diante da "Eterna Aurora" sem ventura
que se resume em lama das vaidades!...
 
Rio 947
E. Rosas
 
 
 
Soneto
 
 
O meu pintor da Luz esboça tintas
de pródiga nuance misteriosa,
meus ideais desmaiam na radiosa
trajetória banal de horas extintas...
 
A trirreme das fúlgidas quimeras
singra buscando pérolas e plagas...
e os meus versos são lumes e galeras,
sangrando as armas e tosões nas vagas...
 
Uma epopeia atlântica revive
na redenção do Sonho, que a minh'alma
moldura em magia, e tempo que não vive!
 
Repercutindo oceânica conquista
ee amoroso mistério que nos salma
o vitorioso ardor do meu artista.
 
 
 
 
 
Veneno que não cura
 
949 E. Rosas
 
 
 
 
Todo passado é um rápido segundo: 
sonhos e amores, tudo lá se vai!
anelos e paixões que o pó do mundo 
apaga e encobre, quando a noite cai...
 
Ilha de luz radiante a nossa estrela, 
namorada da esperança e da Quimera! 
voltando o dia fico à sua espera
à janela da noite para vê-la
 
Bendita seja a luz, que assim me ilude... 
a beleza fugaz, que nunca pude... 
dominá-la e detê-la, longo instante!
 
Louvados sejam a Vida e a terra toda 
e o noivado da luz em fulva boda 
que envolve de carícia o sol radiante
 
Rio 949
 
 
 
Esperando... esperei a Vida inteira 
à janela fiquei té, que a fileira
de estrelas pelo espaço repontasse...
 
Eis o encanto do engano, sem ventura... 
o veneno que mata e que não cura
ou se cura enlouquece a quem tentasse...
 
949 Rio 
E. Rosas
 
 
 
Raiz do tédio
 
 
Vivendo, como vivo desolado
a lidar entre os homens venturosos 
tenho tédio por ser um condenado 
a mentir no viver entre ditosos...
 
E a mentir morrerei divina Musa 
p’la ironia da vida e do meu fado 
porque eu não morri, quando fadado 
p’la sorte, para além da "terra Lusa"?!
 
Fui um rebento verde que minguara 
vivi à sombra d’outrem por piedade... 
não de Dores com o [...] o aguardara
 
Envelheci... ficara desfolhado
pobre choupo no Inverno enregelado 
a bocejar ao vento e à Eternidade...
 
949 Rio
 
 
 
Amor e lama
 
 
Alma de cortesã, alma de lama, 
vestida de veludo e pedrarias
através de tua pel’fulgura a flama 
dos germens da luxúria e da anemia.
 
Planta exótica — cactus da esprísia 
na volúpia da lua e da agonia...
p’la ambarina neblina dessa incúria 
que envolve estrelas e escurece o dia...
 
Lama fulgente, patamar da Tarde 
eco vago de sino amortalhando
a envolvência violácea desse alaúde...
 
Que vai morrendo com som rouco e aziago 
pelas quebradas teu corpo errando
em procura de amor que não foi pago!...
 
Rio 949 
E. Rosas
 
 
 
Da minha janela aberta, 
vejo passar muita cousa! 
Toda amargura liberta, 
para a tristeza da lousa...
 
Ao homem de sentimento, 
a vida não vale nada!
a vida é nuvem, que o vento 
leva à luz da madrugada!...
 
Ó homem desamparado, 
a tua vida sem guia
é a corda de um relógio 
que trabalha em agonia!...
 
Marcando horas aflitas, 
instantes de desventura... 
Que sejam sempre benditas 
as tuas horas escuras!...
 
Rio 949 
E. Rosas
 
 
 
Errando teus lindos olhos 
pela fronde da alameda: 
cisma o cisne de uma Leda 
p’la sirte de meus abrolhos!...
 
E ao recair em repouso
todo jardim no veludo
do teu olhar, onde pouso... 
todo o sentido de um mundo!...
 
949 Rio 
E. Rosas
 
 
 
Outono
 
 
Outono, meu Outono nebuloso, 
choras por mim como gentil criança... 
o teu pranto meus sonhos embalança 
num ritmo de Saudade doloroso...
 
Chora teu ser pela vereda branca,
neva teu manto e as folhas caem frias, 
que cruel e letal melancolia
vela a paisagem que a doçura estanca?...
 
Só vejo ruínas, casarios ermos!
há neve em meu caminho desolado, 
a dor tem ar de míseros enfermos...
 
Sigo aos tombos já velho para a Lida 
Sou a cigarra que viveu no prado 
e não viu flores pela sua vida!
 
 
 
Nossa sentença
 
 
Sofri... chorei e o pranto deslizava,
como um rio p’la noite sem luar...
e as noites eram vãs e em mim queimava 
o fogo de um vulcão canicular!...
 
Vi a noite passar! Seguir-se a aurora... 
e mais auroras vagas de Elegias,
e a dor continuava, como a nora
Que o choro nunca cessa p’la agonia...
 
Para aonde iremos irmãos nesta jornada? 
entre a cega ambição por um ideal 
e o desalento d’alma fatigada...
 
Iremos penetrar na alva floresta 
de lendas e crepúsculo, por esta... 
Estrada azul fugindo ao nosso mal!...
 
949 (Rio) 
E. Rosas
 
 
 
[Plaquete sem título]
 
 
 
Amor!
 
 
Esperei-Te esta noite à margem do caminho, 
a aurora era silente e a névoa muito fria, 
Tinha sono e cansaço e longe do meu ninho 
senti desfalecer a minh’alma vazia...
 
Olhava para além, pela estrada deserta 
nada avistava, que pudesse me alegrar: 
tinha minh’alma erma e o coração alerta,
Só, noite entorno a mim, amor, a te esperar...
 
Abalei-Me descrente e noivo da esperança, 
na ilusão de amanhã então nos encontrar... 
para irmos talvez de braço com a aliança 
do teu olhar azul amor a enfeitiçar!...
 
944
E. Rosas
 
 
 
Penumbra do luar
 
 
Noite de lua e nevoeiro, argente 
difunde-se o luar pela folhagem...
com a mesma languidez vaga e dormente 
da chuva, quando cai sobre a ramagem...
 
Como música ao longe e som dolente 
recorda todo esse abandono... e a aragem 
que passa, agita o olor suave e florente 
vindo das messes, da vernal paisagem...
 
E o luar cresce através de ermo arvoredo, 
noite chuvosa e triste a Lua ateia...
fluida névoa de luz... sonho... segredo...
 
Ao ressurgir das coisas na saudade
que o silêncio evocou... e à luz ondeia 
Erra na morta e fria claridade...
 
914
 
 
 
Vontade oculta
 
 
Toda uma força oculta nos domina, 
entrechoca-se as ânsias com o desejo; 
nossos sonhos são nômadas no adejo 
de incontida vontade peregrina...
 
Ao longe, muito longe em moribunda 
claridade de tarde sibilina
adejam as esperanças na neblina, 
que a natureza extática circunda...
 
Há sempre um sonho a esvoaçar na mente, 
mas a força divina, que desmente,
arsilada de todo o coração...
 
Porque a aurora é uma pálida Quimera! 
Talvez, efeito de avernal cratera
da luxuriante chaga de um vulcão!...
 
943
E. Rosas
 
 
 
 
La Noche de Las Quimeras
 
918-945 
(A. Luzo) E. Rosas
 
 
 
 
Mãos do destino...
 
 
Oh! jaspe com rubins.. 
d’aquelas mãos dormidas, 
indolentes, pendidas,
que vi colher jasmins... 
e hão-de fechar doridas,
no Sonho, o meu – Viver!...
 
918
E. Rosas
 
 
 
Na vizinhança das estrelas
 
 
Moro com Baudelaire e mais um gato preto
minha ardente paixão e doce companhia, 
aumenta-me o prazer e a linda bizarria... 
de ser possuidor de uns olhos de amuleto!
 
É meu vizinho ao lado um jovem sapateiro, 
prazenteiro e feliz em calçados labora 
para a futilidade à luz de um dia inteiro, 
Ei-lo a cantarolar... liricamente à aurora!
 
Cantarolando finda_ até que vença o dia! 
e o crepúsculo traga à longa face fria,
uma lágrima em som de mágoa e solidão...
 
Oh! bisonho Viver... que vontade me trazes!... 
Desejo de ir ao campo e aos esponsais do verão...
ver a luz estiolar os ninhos e os lilases...
 
917
E. Rosas
 
 
 
Cantigas do povo!
 
 
Dizer que as canções do povo 
não têm autoria certa:
E negar, que a luz que entra... 
vem de uma janela aberta!
 
A pedra, as ervas e as areias 
também tiveram princípio 
vieram do ventre das "cheias" 
do rio de um município
 
Algumas milhas "d’aqui"!
que vêm quebrando entre seixos 
aqui e ali, onde deixo...
um sinal, onde esqueci
 
Todo bem pelo Senhor! 
a vida do meu Amor!
pra provar que tem começo 
Pai e mãe pelo Senhor!
 
A cantiga, que a vizinha 
canta de manhã meu bem! 
Pode ser tua e ser minha 
ainda ser de mais alguém!
 
Ela teve origem e berço, 
embalou-a o meu Amor! 
ela anda no meu terço 
de amarguras e pudor...
 
Rio 941
 
 
 
Soneto: Morte romântica
 
 
Se eu pudesse dormir mais cedo do que o vento 
acautelar a dor e o coração desfeito
sonhar pelo o infinito e viajar no Eleito
e a arcada percorrer do astral em pensamento!
 
Adormecer de vez à dor desse oceano
implacável, sinistro, o monstro vagabundo...
que anda errante em além-Hora, atravessando o mundo, 
ou, o universo-sem-par dos ideais e arcanos...
 
Morar silêncio e pó... seria uma Utopia... 
– a riqueza maior de todas as Quimeras,
Não ouvir estrugir o mundo da alegria!...
 
O éter fluído transpor na angústia que o deplora 
ser noite e converter-Me em Lua de outras-eras... 
verter sobre o teu corpo as lágrimas da aurora.
 
Rio 937 
E. Rosas
 
 
 
 
Irmã do meu cismar e dissabor
Vida, que és alma p'lo carmim das flores...
em pleno outono recordais o Amor...
 
 
 
 
Poemas avulsos
 
 
 
 
Safo!
 
 
Fascina-Te a beleza e a formosura langue, 
a juventude em flor ao vir da puberdade... 
quando alguém desabrocha em sentida vaidade 
o infrene furor da languidez do sangue...
 
Preferes a mulher dentro da extravagância, 
és excêntrica e lésbica de forma voluptuosa... 
masturba-se teu ser na áurea langorosa,
tensa instinto de hiena e capro na inconstância
 
Liba da nuca ao ventre o corpo de uma ninfa... 
Enlaças-Te ao pescoço e num desejo ardente, 
Oscula os pés e o seio seu carícia de Linfa!
 
Tens impulsos de Adônis em tua ruiva cegueira 
lncubo feminil, que sorves lentamente,
o almíscar carnal de tão doce maneira!
 
Nova Iguaçu 951
Ernani Rosas
 
 
 
Soneto
 
 
Deixa as altas penumbras do teu mundo 
e desce apenas aos umbrais da vida: 
verás então a dor indefinida,
a arte de satã gênio fecundo...
 
Ouvindo desfilar ante a piedosa
alma triste, que tens, de combalido... 
à sarcástica, lôbrega e andrajosa 
ironia dos lábios dum vencido...
 
Sentirás transcender pela memória 
em relevo a tu’asa, que assemelha
um troféu de esperança para a glória...
 
ressurgirás edênico e intangível! 
ante o mistério de uma noite velha,
como dum gênio o espírito invisível...
 
917
 
 
 
Soneto
 
 
Quando a luz em vislumbre me alucina 
e deste olhar a luz que o viu nascer 
esmorece na tela vespertina,
como o fogo que ardeu e vai morrer...
 
Unjo o olhar de ternura e est’alma reza 
tendo erguidas as mãos para o invisível, 
murmuro alguém, crepúsculo e tristeza, 
não da terra, do páramo impassível...
 
Penso nas ermas causas do intangível, 
no mistério quimérico ilegível...
e que à luz mal se dão a conhecer...
 
São por certo visões, que no Ocidente 
agonizaram à luz amanhecente! 
e hoje jazem nas cinzas do Não-Ser...
 
917
 
 
 
Soneto
 
 
Duas almas enfermas se casaram
uma veio da terra outra do céu
a de Deus foram os anjos que a sonharam 
a outra a sombra não pura a concebeu.
 
Uma teve o perdão pra agonia          
a outra a tentação que a adolesceu
e a fez cúmplice lúgubre de um dia 
desse crime que é vida, que a abateu...
 
E fizeram este livro de incerteza
que, a asa ancestral dum vento em noite escura 
deu-lho o batismo e mais minha tristeza...
 
Efeito duma hora de Esperança
Último eflúvio triste à luz d’altura
que, se perdeu por mim, quando criança.
 
917
 
 
 
Avozinha
 
Ao luar do Quarto-Minguante
 
 
O luar é uma avozinha do Outro-mundo 
que desce à terra em certas noites ermas 
é clarão que se espalha moribundo 
sobre leitos de lívidas enfermas.
 
É uma luzinha, que atravessa a medo 
em certas horas o choupal deserto... 
e embuçada no xale a passo incerto 
a um triste albergue se recolhe cedo
 
Meia noite, ela sai estrada afora
vai ter a um campanário aos pés da cruz
e, só, de lá regressa com a aurora...
 
O que ela à noite lá irá fazer!
rezar?... ouvir o místico Jesus...
que converte o descrente e o faz viver!...
 
917
 
 
 
Balada
 
 
Minh’alma sonha caravelas, 
que hão de da luta regressar;
lancei ao mar minhas galeras 
e nunca mais pude voltar.
 
Parti p’ra vida em frota armada, 
fazia lua em teu olhar
era meu sonho essa jornada 
e a vida nunca realizar...
 
Parti p‘ro sonho em frota armada, 
só! morto hei de regressar.
 
 
 
Aldeia do luar...
 
 
Aldeia branca da Lua, 
aldeia da nostalgia!
É o Luar da meia-Noite 
a minha monotonia...
 
Aldeia branca da Lua
percorrida em serenada 
de nossa alma saudosa,
quando do corpo afastada...
 
Tenho saudade das tuas 
noites-minhas-Alegrias... 
memória das tuas-Luas
errantes, no céu de um dia...
 
Tua presença saudosa 
brilha em minha nostalgia; 
como uma noite distante, 
oculta na fantasia!...
 
1932
E. Rosas
 
 
 
Adeus! oh! fonte magoada... 
fonte, que choras sem termo: 
quero ouvir-Te à madrugada, 
— voz de saudade do ermo...
 
914
 
 
 
Alegria alheia
 
Eu gosto de andar alheio 
às alegrias d’mundo:
porque na vida ando cheio 
da utopia do Além-mundo!...
 
 
Eu tenho uma volúpia p’la tristeza 
um culto singular ante a alegria
contra o riso imbecil, contra a ironia, 
dos que nunca se encheram de beleza...
 
Convalesço de um mal irremediável 
das dolências senis do coração, 
amo as tardes serenas do insondável 
sob as brumas de ideal cogitação
 
Eu gosto de errar só, por noite fria 
por ruas ermas de silêncio inerme
levado pela minha fantasia...
 
Longe da boca rúbia e malfazeja 
de aveludada púrpura epiderme,
que num sorriso irônico me beija!...
 
944
 
 
 
Quando penso, que ‘stou longe 
alheio do teu sorrir:
vem de súbito a lembrança 
do modo de teu dormir!...
 
 
 
Elogio-da-humildade
 
 
Quando é longe-manhã e a luz esboça 
vaga insônia lunar-minha Saudade! 
Eu compreendo o sonho-irrealidade, 
que em cada ser distante se alvoroça...
 
A árvore tem pejo de ocultar
à noite de seu corpo enlanguecido, 
tanta mágoa e silêncio adormecido
em vozes, que a minh’alma faz sonhar!...
 
São as pedras chorando à sombra — Olvido 
o seu amor em vagas de verduras, 
tornando-Me mais langue e comovido...
 
Por muito amar e o Bem nunca encontrar, 
Sê! mesquinhas e tristes criaturas...
e as pedras venturosas por amar!
 
912
E. Rosas
 
 
 
África
 
Às areias do teu seio
 
 
À estrada de um Oásis que o deserto margeia 
dormitam os areais à luz que inflama e doura; 
à viração coleiam os cômoros de areia
num oceano auroreal que tormentoso agoura...
 
Caminha e ondula a serpe em frêmitos de chama 
a revolta do areial tem ondas luminosas:
E um súcubo a estorcer-se o ardor de fulva flama,
A alhambra5 singular das tardes misteriosas...
 
Passam p’lo seu olhar de pétrea indiferença 
a esfíngica beleza em roxa tinta morna 
a doçura do oásis e o ciclone da ofensa!...
 
À superfície azul a abóbada se tinge...
e a flor da sua boca em tântalo se torna,
E seu divino olhar nos olhos de uma Esfinge!...
 
943
E. Rosas
 
 
 
Queixumes
 
 
Para que tanto queixume 
meu violino da Saudade 
coração que a dor invade 
numa onda de perfume...
 
Coração, que o amor esquece 
não Te vale o teu queixume, 
flor de lume...
quando a noite do azul desce!
 
Para que essa tristeza,
violeta do jardim:
Lis do campo, que a beleza 
lembra uma ânfora..., rubim!
Lis do campo já saudoso, 
Pôr-do-sol-régio-marfim...
 
Para que tanta Agonia
melancólica do Outono; 
refletindo à face fria
dum céu pálido absono!...
 
Para que tanto queixume... 
ora a fonte a sua véspera, 
ouve! o Amor é pirilampo, 
anda em busca de negrume!...
 
932
E. Rosas
 
 
 
Torre de David
 
 
Eu queria encontrar um saibro que fulgisse 
como a estrela a descer no azul crepuscular, 
o rubi; o diamante; a pérola que disse 
alguém ser encantada e andar à flor do mar!
 
O ébano, o marfim, o jade e a madrepérola, 
translúcidos; brilhantes assim como o Luar!
ou, mesmo, opacos, como os vitrais que flamejam 
se lhes bate de leve o raio irial, solar...
 
Para eu assim, poder burilar no meu sonho 
a torre que eu almejo um dia construir! 
trarei comigo o Amor — o lírico arquiteto,
ao reino da minh’alma — a misteriosa Ofir!...
 
941 Rio 
E. Rosas
 
 
 
Safo?
 
 
Coroada de pâmpanos e rosas 
à sesta de bucólica latada
se debruça à piscina enamorada, 
pelo esplendor das horas radiosas.
 
Cena-desnuda, banha-se na Linfa 
da fonte, que se azula de ansiedade
e a luz crepuscular doura-a, qual ninfa 
roubando-lhe a alma, com vaidade...
 
Aurora e poente do seu rosto lindo 
entrelaça o vergel do seu cabelo,
que se desata em caracóis de infindo.
 
Brilho soturno de noturno céu...
onde a nudez de Estátua em sonho belo 
ergue-se em súplica ao poder de Zeus!
 
Rio 952 
E. Rosas
 
 
 
Safo?
 
 
Possuidora de plástica beleza
Ama as fontes e as flores e a harmonia; 
Vê nas flores sensuais a natureza 
estranha de seu Ser, ópio extasia...
 
Perturba-se ao mirar água da fonte
junto a uma jarra, a franja rendilhada 
e vê florir em sua linda fronte
a grácil expressão da madrugada
 
É Ninfa! É Vênus! dentre a psicose 
permuta-se em desejo luxuriante 
tem carismas de Efebos e Afrodite
 
masturba-se por atávica nevrose 
coleiam p’la su’alma de bacante 
as ondinas do reino de Anfitrite!...
 
945 Rio 
E. Rosas
 
 
 
O sonho das águas!
 
 
Pela noite o rumor das águas desce 
quebrado de saudade memorando, 
há paisagens ao fundo recordando
o seu drama espectral de sombra em prece.
 
Sonham as águas ao luar: Mistério e origem! 
gênese e morte em sonho que passou... 
como que dentro delas uma virgem 
reza e ajoelha: é noite que baixou...
 
Volúpia de ser dor — Água corrente!
emboscada de sombras ao luar
com punhais a luzir n’água indolente,
que à lua em tons de serpe andam a girar...
 
O sonho d’águas claras palpitando, 
visionando ao luar longínqua fala;
a noite em lírios d’astros se esfolhando, 
Como rosa que pálida se exala...
 
Alta ponte de sonho e nevoeiros 
de crepúsculos místicos e frios
que descerão por vales, por outeiros, 
ao prelúdio nostálgico dos rios.
 
De quantas gotas se farão as águas, 
de que beijos de luz se faz o luar?... 
Eu fiz os meus sentidos do acordar
duma manhã de inverno absorta em fráguas
 
Fiz das ondas do vento, ondas de incenso, 
do sonho fiz crepúsculos distantes, 
quando o olhar é como um branco lenço 
acenando pras velas almirantes!...
 
Águas do mar sonhai p’la noite nua,
a espectrar longe de saudade e outono!... 
como quem desce ou sobe nalgum sono 
de sepulcrais aparições da Lua...
 
Temores de soturno p’la alameda 
Como trêmula sombra de luar! 
alucinando, impressionando, leda, 
parecendo que a tentam a arrebatar...
 
Águas que sois mistério e luar inquieto 
ondas que sois o Mar a tumultuar 
sonhai na graça aflita do irrequieto 
que o céu desceu e é todo céu e mar
 
Acalmai o furor de estranho aflito
voz das águas, dos rios a girar,
que as estrelas do azul e do infinito 
dormem ao fundo de vós, sem se apagar...
 
E só se aquietarão à luz do dia
Como do luar essa irial penumbra, 
que num bronze de sombra e nostalgia 
funde o Perfil da noite que o deslumbra!...
 
915 E. Novo 
E. R. Rosas
 
 
 
Perfil castilhista
 
 
Andava do vil Herodes 
para o pudico Pilatos:
de castilhista a jagode, 
fez-se nobre maragato!...
 
Deu sota e ás no partido, 
como chefe radical!
teve brado de sentido, 
abafou o Integral!...
 
Equilibrou as finanças,
o Saltimbanco bancava...
para o equilíbrio da Esp’rança!
 
Há tempos, em hora preta 
passou-se para a aliança...
(como ficha de Roleta!...)
 
(932 a 42) 
E. Rosas
 
 
 
História do gosto
 
 
Não amo a ruína humana
amo a mulher que me amou:
sou como um céu, que uma estrela 
não o pertence... rolou!
 
Não vejo a ruína, vejo
a aurora, a vida a romper:
o encanto d’alma, um sobejo, 
do nosso Amor a viver!...
 
Não há belas, nem há feias, 
apenas gozo e poesia:
quantas não trazem por peias, 
no seu sorrir a magia...
 
Eu quero ver mergulhar
no abismo da alma humana, 
o meu olhar que se irmana... 
ao raio da Luz solar!...
 
Vejo à aparência obscura 
numa psíquica aurora:
Jesus, que na noite escura 
aos corações traz boa hora...
 
São irônicos, os aspectos! 
Muita vez linda mulher, 
tem fluídos secretos
sem multa vez se prever!...
 
E de esquisita roupagem, 
o gosto da nossa alma:
ama o luto, odeia a imagem... 
da nossa ilusão, que ensalma!
 
Por isso eu amo uma pedra, 
por mais espessa que seja: 
mesmo que nela não luza... 
o ouro da luz, que beija!...
 
A graça, a harmonia infinda, 
do teu olhar tateando...
de mão estendida ao nada,
aos tombos, desencontrando!...
 
À f’licidade na vida
de encontrar uma guarida:
Vem comigo... há muito abrolho, 
A estrada é longa e comprida!...
 
946 Rio 
E. Rosa
 
 
 
Nas regiões do "Exílio"
 
 
Quem sonha, esquece o tártaro do abismo, 
do val da Vida para além da morte: 
tem-se a impressão de torvo cataclismo, 
quando a alma se eleva num transporte...
 
Num cortejo de sombra dentre estrelas, 
perdemos de nós-próprios, o vão recorte... 
somos fluidez do ar, ao léu da sorte, 
difundidos na cósmica procela...
 
Levamos a saudade dessa amante
dos versos de uma noite, que passara... 
sob a Lua de Deus, que vai distante...
 
Diante a benção de Deus, se merecemos... 
desfilamos, qual sombra que escapara, 
ao exílio da selva que tememos!...
 
945
Rio E. Rosas
 
 
 
Soneto: "Spleen"
 
 
Causa-me espanto a mágoa da criança, 
tenho horror ao prazer desenfreado... 
à bacanal, à orgia, por pecado,
à carne inerme, que nos gera e cansa!...
 
A Luxúria brutal, a serpe infrene,
que o veneno sutil nos alimenta...
a ebriez singular do Ópio que alenta
e o olhar conduz a um âmbito perene!...
 
Oculto-me no Antro do meu ópio,
erro por mim, p’lo paraíso alado... 
de um perene florir de Heliotrópios!
 
Vejo sorrir "formosa Primavera"! 
fria e aloirada do semblante amado, 
A Quadriga arrastando pela esfera!...
 
Rio 947 
E. Rosas
 
 
 
Soneto impressionista 
 
de Antonio Luzo
 
"Vozes veladas, veludosas vozes, 
Volúpias dos violões, vozes veladas, 
Vagam nos velhos vórtices velozes 
dos ventos, vivos, vãs, vulcanizadas."
 
                            Cruz e Sousa
 
 
Seduz, embriaga o pensamento, anula 
toda memória para além da vida, 
é um vinho sedutor, que me estimula! 
o coração de fibra envelhecida...
 
Quando tudo é silêncio e a alma da Lua, 
Quando tudo se exulsa e os astros descem 
para melhor ouvir o que tressua
nos bordões pelo ar, que se arrefecem...
 
É quando já se vão... fica a lembrança 
da asa fluida do Longe e o último verso 
de porta em rua, p’ra desesperança...
 
Guardo-o comigo, no meu coração, 
fica a adejar no ouvido o último terço... 
guardo a saudade da última canção!
 
Rio 932
L. Rosas
 
 
 
Tu, que habitas a noite, o Universo,
os mundos celestiais, onde, alguém mora... 
que juízo fará da Luz da aurora
esse gênio, que vive em sombra imerso?
 
 
 
Noite de Valpurgis
 
 
Náufrago brigue do éter e do Sonho 
derramando um clarão tíbio e suicida, 
o sol acena um rubro adeus à vida
e doura a imensa estrada, que ante-sonho!
 
Âmbito vago em mármore de estranha 
visão de torre e de cruzes brancas,
onde, em indolência adejam as asas francas 
das aves se o Luar neva a montanha!...
 
Gotas sanguíneas pela luz dourada, 
são pérolas, um mar verteu um dia 
rente às areias gris das madrugadas...
 
Esparzindo o crepúsculo a agonia, 
esfarrapa-se em tules de alvorada... 
para voar a tua fantasia!
 
Rio 919 
E. Rosas
 
 
 
A Ideia
 
 
Da Ideia ardera o espírito sagrado
oculta e original pelo ideal
ei-lo a esvair-se no crisol dourado 
como centelha de desejo astral
 
Veio da noite anímica e espectral
e em fumo consumiu-se etéreo e airado 
teve anseios, dum mundo espiritual 
desespero d’uma asa em voo alado
 
O fogo, que as paisagens do meu gosto 
devastou no passado, vai lavrando... 
por mim uma tristeza de sol-Posto.
 
E ressurge dum mundo de surpresas,
Como um anjo em minh’alma se esgarçando... 
Um oculto vislumbre de belezas!...
 
 
 
II
 
 
Dentre um dilúvio d’asas e de chamas
ergue-se a Ideia em lume estranho e fumo 
e das brasas o ouro que derrama
– é um Mar de lavas, que se vai sem rumo...
 
Lume oculto que à luz do sol presumo 
cegar de suave pelo que se inflama 
e o ardor interior chegou ao sumo, 
escrínio a confundir-Te sob a lama...
 
Lume ignoto da Ideia constelada 
como astral ascendente nebulosa, 
que irradia no Além d’água parada...
 
Aproxima-se-lhe as Horas espirituais, 
que percorreram a escala misteriosa, 
que, Deus desfolha em rosas Outonais!
 
 
 
III
 
 
Como um prenúncio oculto de luz n’água, 
de extático mistério inanimando: 
a Visão e a Beleza despertando, 
são Esfinges de lágrimas e frágua...
 
Oculto encantamento que lavrando 
de ser em ser essa divina mágoa, 
vai em silêncio anímico acordando 
as figuras de mármore na água...
 
Pelo Incêndio da Tarde inanimada, 
São profundas as figuras ao Sol-Poente 
que se gelam na paz marmorizada...
 
São perfis vagos de crucificados!
os chorões, no crepúsculo silente...
Ouvindo a voz cristã dos céus magoados!...
 
917
A.     Luzo (E. Rosas)
 
 
 
Fecunda o pólen no crisol dourado
Ei-lo – o lírio do ideal, que assim Mora...
e oculto esvai-se em sonhos como a aurora
no frouxel da penumbra ao luar prateado...
 
 
 
Da tristeza
 
 
Eu busco os sítios, onde ninguém passa
à luz macia dos noturnos...
com pedrarias e cristais sem jaça
como ocasos transidos e soturnos...
Oh! sítios ermos onde ninguém passa...
como sois sugestivos ao crepúsculo,
com projeções e sombras de pinheiros
e manchas que desmaiam na penumbra,
quase sombra de almas dolorosas
e ausência da sua alma...
num nevoeiro turvo e misterioso
ânsia crepusculada, 
nesse ângelus d’alma...
Eu quero a hora extática,
e a tristeza dum lírio
que em mágoa e olor é outro lírio a abrir!
 
Como eu amo a ausência de teu ser discreto
e a presença da tua hora azul,
que para mim tem a fisionomia 
triste e suave,
de quem morre a um crepúsculo de outono!
à meia luz de face acinzentada,
pelo cair das folhas...
 
Oh! círio do Sol-Posto!
velhas a orar... Sombra a cerrar olheiras,
pela boca da Noite.
 
915
 
 
 
VII
 
 
Jardim dormindo som d’água corrente, 
guardando nas retinas de seus lagos...
um quebrar de vitrais à luz morrente, 
dum convento encerrado em bosque aziago
 
Remota voz de fontes retornando... 
a fontes mansas a um luar de Lis!
Com reflexos fulvos, recordando... 
Hidras – platina – hierático matiz!
 
Um rumor d’alma apura-lhe o sentido... 
cair de folhas tontas sobre o solo.
A hora, quando o Outono põe o Ouvido!
 
A um sopro d’Asas, flébil de cetim... 
recorda ess’hora azul em que me estiolo...
Folha – Outono a rezar saudade em mim!
 
915
 
 
 
Súcubo "d’alma"
 
 
O meu príncipe encantado 
E um alferes de polícia,
que anda sempre embriagado 
do meu hálito em carícia!
 
É alto, elegante e moço
esguio como um cipreste:
Traz um número ao pescoço, 
Tem um ar sombrio e agreste...
 
Dá-se muito com um rapaz, 
que tem por nome Barbosa: 
E bonito... e não loquaz,
tem uma fama pouco airosa!...
 
Se a sombra e as pedras falassem
e os choupos desta cidade
contariam muita coisa,
que andam à roda de uma fímbria Idade!...
 
Rio 952 
E. Rosas
 
 
 
Naufrágios
 
 
Ó Brasil da mentira e da Quimera 
O Terra cavalar de Vera-Cruz 
Terra de sol e Azul, profunda Esfera 
Terra da luz que nunca deste Luz
 
Ó sombra amargurada de Utopia 
que respiras a calma de sossegos 
Caravelas de minha Nostalgia 
Onde todos marinheiros eram cegos
 
Tendal de serras quem de fora olhar-Te 
não dirá que és a alma que delira
a Canaã de todo forasteiros
 
Que és a morte do espírito a nevar-Te 
a foli de comédia que servira
para do sonho ser o meu coveiro!...
 
 
 
II
 
 
Em criança infelizmente me par’cias 
melhor que és; por respirares mansa 
à roda da minh’alma de utopia 
eras um horto d’alma e de esperança
 
Mas sempre tive a vã desconfiança 
que me fosses fatal e à luz do dia 
quando os montes enublavam-se, jazia 
a alegria que tem toda criança...
 
E com tristeza vi a nau que eu ia 
desviar-se do Ocidente desta vida
e perder-se ao mar-largo da Agonia
 
Que era um grito de horror da raça humana 
Pensei ao ver minh’alma-confrangida
no naufrágio da gente Lusitana!...
 
917
 
 
 
Sonetos
 
 
Tudo que é sempiterno anseia a altura 
fecunda e sofre e o amor de Deus revela 
O humor que anima as coisas e a criatura 
É um oculto poder que se irrevela...
 
Presumo vir do ignoto que a natura 
ironiza e perfuma e em dor constela 
pelo silêncio extático de escura
encarnação sublime d’alma em estrela
 
Sonho e verdade em carne panteísta
o perfume é uma flor de transformismo 
que o músico não sente e a mão não pinta.
 
Só, o Poeta dá-lhe cor, forma; o alquimista 
desfaz essa ilusão, que há no ocultismo 
da flor que anseia olor após extinta.
 
917
 
 
 
II
 
 
Tudo é revelação de alma clemente 
tudo é sombra e recorda um ser criador 
o perfume é uma saudade adolescente 
do jardim que o esparziu de morta flor
 
Tudo é orgânica essência em riso e dor 
Argila e Deus! Amor convalescente
Alma segreda aos céus depois de ausente, 
Tudo que foi na terra esparsa em olor.
 
Ó Versos de saudade e de Tristeza 
ditos ao vento... que serão de vós, 
do vosso verbo e luz na natureza!?...
 
Soltos a esmo como um beijo etéreo... 
distância a diluir-se numa voz,
que se perdeu nas raias do mistério...
 
917
 
 
 
Nostalgia dos Cães
 
Para David Thomaz
 
 
Silêncio. O Luar pias águas vai fugindo! 
Estagna-se de incerta a hora em azul. 
Fenece a noite-azul Melancolia,
os Cães vão a sonhar, latindo à Lua...
 
Monotonia. A noite é antigo Poema 
a rimas d’astros, versos de tristeza... 
Cega em farelo às pedras dum diadema 
a funesta ardentia das estrelas...
 
Paralisa-se o vento ante o silêncio, 
todo rumor da aldeia enrouqueceu! 
um fluido anestesíaco correu 
pela su’alma luarizada em Fim...
 
Nostalgia dos Cães sangra Saudade
pelo Não-Ser da Sombra-Virgem ainda... 
(cães) (não latem) à lua, ao Inconsciente! 
Pois eles têm mais alma do que os homens.
 
Dormir é bom, tendo as portas fechadas, 
fingir luar interiormente, o Sono...
dormir ao luar é melhor, como dormia 
Leal guardando em mágoa a minha Aldeia!
 
Os cães latem a saudade d’outras-Noites, 
choram as ricas misérias do seu fado: 
a alma dos cães é um lânguido aurevil
Guitarra d’alma airada das quimeras...
 
Contam o ruivo mistério d’Outras-Eras 
ao ritmo misterioso do luar,
sua Tristeza é Água deslizante,
Luar correndo aos silvos para o Mar!
 
Crepúsculo nostálgico da Mágoa, 
nostalgia profunda do latir!
o uivo é um delírio de remorso, 
Meu Interlúnio à lua, a prosseguir...
 
Conto a melancolia em minha sombra
e o cão é o Outro que me segue às vezes. 
quando eu vou a criar em noites brancas 
sob a boca dum sonho, os meus reveses!
 
A Cânfora da mágoa anestesia-me 
lembra o vento da noite, no sossego... 
há no latir o amargor mais cego 
e a Dor imaterial de renascer
 
Eu sinto em mim latir a alma dum cão... 
talvez eu tenha sido em outro Tempo
um cão também... uma alma mais boêmia 
do que essa, no eterno divagar!
 
por isso eu amo os cães e os animais 
e os seus olhos mais doces e azulados, 
onde há longínquos arcos d’altas pontes 
e muito sonho em velas iriais...
 
onde o meu pensamento se ligando 
vai ter ao seu e somos um só corpo, 
corpo imaterial, alma incorpórea 
a diluir-se por haver vivido!...
 
Angelus de Rosas 
(O Espírita)
 
 
 
Sonetos
 
I
 
Nunca mais olhar quebrado 
nas olheiras cor de lírio 
bebi esse luar velado 
das pupilas do martírio.
 
Foi numa tarde distante 
d’um crepúsculo sem-fim, 
que da banda do levante 
a tarde chorara assim!...
 
Nunca mais olhos magoados 
vi nas místicas retinas
choverem lírios dobrados
 
pelas horas vespertinas...
nunca mais, ah! nunca mais... 
ouvirei suspiros d’Ais!...
 
917
 
II
 
Dentro de Mim, um Outro urde negro destino, 
urde a lenda da raça em torre de ilusão!
E é rival meu no sonho esse monstro divino, 
fez-nos Deus duplo ser, tendo um só coração...
 
São dois gêmeos irmãos, que se beijam e se odeiam; 
Filhos da mesma Sina e do mesmo Infortúnio
e erram sob um luar num distante Interlúnio
de saudade e veemência – ardores que a Lua anseiam...
 
Sou um misto de Luz e Deus... deliro arcano! 
mistério e luar perdidos a seguir as Galeras
que esculpem em sonho o Além desfeito no oceano...
 
O ardor da carne anseia um outro ser, enfim! 
sou o fluxo-refluxo eterno das quimeras...
que chora esse outro alguém, que já viveu por Mim.
 
917
E. Rosas
 
 
 
Eu?
 
 
Eu não sou santo, nem milagres faço, 
em casa ninguém crê no meu poder: 
rimo versos, componho Estrofes e passo 
Horas inteiras alheio ao meu viver!
 
A minha musa é uma ama desvelada, 
com incessantes cuidados para mim! 
não dorme, não sossega, já, coitada...
mais, que uma mãe, com seu carinho, assim!
 
Mora na minha ideia essa criança, 
Sem um só laivo rubro de paixão!
a cantar e a embalar-Me na esperança...
 
De um dia a minha "Torre" construir! 
toda de pedrarias e ilusão...
constelada das pérolas de Ofir!
 
Encantado 946 "Casal ao Luar" 
E. Rosas